quarta-feira, 13 de abril de 2022

A reestatização da Eletrobras

 

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Daniel Rittner | Valor

E se a Eletrobras for mesmo privatizada nos próximos meses? E se Lula, que lidera todas as pesquisas, for eleito em outubro? Ele leva adiante sua reestatização ou é conversinha de candidato que acena à militância? OK, o PT precisa bancar esse discurso antes das eleições - mas, lá no fundo, por acaso não estaria torcendo para Jair Bolsonaro concluir logo a venda? Não seria melhor voltar para o Palácio do Planalto, em 2023, com uma gigante do setor elétrico capitalizada e sem a cobiça de aliados políticos por cargos numa Furnas da vida? 

“De jeito nenhum”, me disse taxativamente a presidente nacional do PT, ex-ministra Gleisi Hoffmann, quando lhe perguntei, em uma conversa recente, se não havia certas pautas da dupla Bolsonaro- Paulo Guedes - como a privatização da Eletrobras ou a reforma administrativa - nas quais o partido precisava bater publicamente, mas talvez até fossem boas ideias, melhores ainda se resolvidas antes de um governo Lula 3.0 tomar posse, pois cabeludas demais para o petista bancar junto à sua base. “Nem pense nisso”, respondeu Gleisi, cortando a conjectura. 

Ideias preliminares no PT para retomar o controle da empresa

A prioridade do PT hoje é postergar ao máximo/evitar a privatização da Eletrobras. No governo, corre solta a versão de que o atraso já imposto ao processo pelo ministro Vital do Rêgo, no Tribunal de Contas da União (TCU), é obra do senador Renan Calheiros (MDB-AL) - articulador da eleição de Vital ao órgão de controle em 2014 -, atendendo a pedido de Lula. Nenhuma das partes confirma. 

Primeiro ponto: a chamada pública para capitalização da Eletrobras, com recursos dos acionistas privados e fazendo encolher a fatia societária da União, deve escorregar para o segundo semestre. Para se concretizar a operação em maio, usando o balanço do último trimestre de 2021, só com um sinal verde do TCU até o dia 27 de abril. É uma data- limite, para o BNDES trabalhar com muita emoção, mas ainda tecnicamente possível. Depois disso, seria necessário esperar o balanço do primeiro trimestre. 

É grande a chance de Aroldo Cedraz, relator no TCU, liberar seu voto na sessão plenária da semana que vem. Mas haveria pedido de vista e o processo só voltaria a ser deliberado em 11 ou 18 de maio. Tarde demais. 

Segundo ponto: na leitura do mercado, para que a operação seja bem-sucedida, há diferença entre fazê-la em maio e fazê-la no fim de julho ou no começo de agosto - para quando seria arrastada a capitalização com o atraso no TCU. Em agosto, férias no hemisfério Norte, os gestores de fundos internacionais estão em Ibiza ou no Caribe. Boa parte do dinheiro reservado para IPOs ou “follow ons” ao longo do ano é gasta já no primeiro semestre. E imagine-se a tensão pré-eleitoral. 

Terceiro ponto: técnicos no partido que pensam sobre setor elétrico e pessoas próximas do ex-presidente já têm algumas ideias - ainda preliminares - de como executar a eventual reestatização da Eletrobras. 

Há algumas possibilidades no cardápio. De imediato, a ordem seria uma interrupção do processo de descotização das hidrelétricas detidas pela empresa. A lei de privatização da Eletrobras estabelece uma transição gradual, de cinco a dez anos, para a mudança do regime de cotas (venda da energia pelo preço de custo) à liberdade tarifária das usinas totalmente amortizadas. Uma MP poderia interromper essa transição. Muito possivelmente haveria um tombo no valor das ações e susto no mercado, mas ninguém estaria desavisado. 

Uma das possibilidades para a retomada efetiva do controle seria colocar o BNDESPar, braço de participações societárias do banco, para comprar ações da Eletrobras no mercado - o governo Bolsonaro prevê reduzir a fatia da União a 45%. 

Outra seria um aporte do Tesouro, bilionário, que os demais acionistas podem acompanhar. Se todos de fato acompanharem, o efeito para redistribuição societária torna- se nulo. No entanto, diante de um contexto de descotização das hidrelétricas e perda de valor das ações, aposta-se que a União voltaria a ser majoritária. 

Finalmente, um ex-auxiliar de Lula e Dilma Rousseff no setor cogita outra alternativa. Trata-se de manter a posição acionária herdada do governo Bolsonaro, mas revisar o limite de 10% para o exercício de voto na Eletrobras. É justamente o que transformaria a empresa em uma “corporation”, sem controlador definido. Com mudanças na lei aprovada em 2021, no estatuto social e no acordo de acionistas, pode-se dar o papel de controladora à União novamente - mesmo com menos de 50% das ações. 

“O PT não fez nacionalizações, desapropriações, nunca tomou medidas extremas e não fará isso agora”, diz o senador Jean Paul Prates (RN), que desistiu de concorrer nas eleições deste ano e é sempre lembrado como um potencial ministro de Minas e Energia de Lula em 2023. Mas, para ele, ter uma estatal como a Eletrobras, em plena transição energética, é chave. Exploração de eólicas offshore (que têm um potencial para gerar 700 mil megawatts na costa brasileira), a incipiente energia das ondas, a eletromobilidade (capaz de propiciar um choque de transporte público barato ao eliminar o uso do óleo diesel nos ônibus) são temas que podem enfrentar falhas de mercado e requerer atuação do Estado, argumenta o senador Jean Paul. 

“Nos anos 1980, época do pico negativo do petróleo, só duas empresas investiram em águas profundas: Petrobras e Statoil. Ambas estatais. Nos anos 1990, ninguém teria construído o gasoduto Brasil- Bolívia. Havia dúvidas sobre o tamanho das reservas bolivianas e até sobre o mercado consumidor em São Paulo”, lembra-se o petista. 

O ponto de Jean Paul é o seguinte: não haverá nenhum movimento brusco, o PT está comunicando desde já suas ideias, mas não abre mão de reverter a privatização da Eletrobras. Então, a menos de seis meses das eleições, por que fazê-la? “É melhor parar, ajeitar o processo, colocar isso para debate na campanha, esperar 2023. Se não, nos primeiros meses de novo governo [Lula], a gente desfaz tudo. Para que criar trauma desnecessário?” 

Curioso é resgatar o duelo no segundo turno presidencial em 2006. Para escapar da pecha de privatista, o ex-tucano Geraldo Alckmin vestiu jaqueta com o logotipo de empresas públicas e prometeu “reestatizá-las”. Era uma forma, naquele tempo, de criticar a administração do PT nas estatais. Tantos anos depois, Alckmin poderá defender uma reestatização literal, de verdade. 

https://valor.globo.com/brasil/coluna/a-reestatizacao-da-eletrobras.ghtml

 

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