Queridinho
da imprensa, o economista Adriano Pires é a principal fonte para
assuntos relacionados ao setor energético. Ele dá entrevistas – há duas décadas
– para os principais veículos de imprensa e tem coluna fixa no Estadão e
no Poder 360, além de escrever esporadicamente para outros jornais e
sites especializados.
O
que suas colunas e os jornalistas que o entrevistam com frequência não
mencionam é que ele trabalha intensamente nos bastidores pelos
interesses de empresas do setor de óleo e gás, principalmente a Comgás.
Ou seja, é um lobista que, quando veste a roupa de especialista, advoga
publicamente em benefício próprio.
A
atuação de Pires para além das páginas da imprensa pode ser
exemplificada na agenda que ele tem em Brasília. Quem parece sempre
pronto a recebê-lo é o ministro de Minas e Energia, o almirante Bento
Albuquerque, por exemplo. Foram 11 encontros oficiais desde que o
militar assumiu o cargo, em 2019, de acordo com dados que obtive por
meio da Lei de Acesso à Informação. Pode parecer pouco, mas o número se
destaca quando comparado a quem o ministro não recebeu nesses quase três
anos de governo. Juntas, a Associação Brasileira de Geração de Energia
Limpa, a Associação Brasileira de Energia Eólica e a Associação
Brasileira de Energia Solar, principais representantes do setor de
energia renovável, por exemplo, tiveram nove encontros com Albuquerque
desde sua posse – em três ocasiões, as reuniões foram coletivas.
Com
a crise hídrica e a necessidade de o país encontrar outras fontes
energéticas, era de se esperar que o setor recebesse mais atenção do
almirante. Em seu discurso na Cúpula de Líderes sobre o Clima, em abril
de 2021, o próprio presidente Jair Bolsonaro garantiu
que o Brasil iria zerar os índices de emissão de carbono até 2050, o
que só é possível com o investimento em fontes de energia limpa. O
problema é que o ministro que deveria cuidar dessa agenda prefere
receber um lobista dos combustíveis fósseis.
Segundo
um empresário com quem conversei e que preferiu não se identificar para
evitar prejuízos profissionais, o Adriano Pires opera em "todo tipo de
privatização, vantagem a particulares, defesa de interesses estrangeiros
no setor elétrico e de petróleo". Embora não seja um crime, o lobby no
Brasil não é regulamentado. Isso faz com que as negociatas não tenham
transparência e nenhum tipo de controle social. Pior ainda vindo de
alguém que ostenta na imprensa a imagem de um estudioso sem interesses
financeiros em suas opiniões.
No LinkedIn,
Pires se vende como profissional que "atua há mais de 30 anos na área
de energia". Ele é sócio-fundador do Centro Brasileiro de
Infraestrutura, o CBIE, uma empresa que oferece consultoria para os
setores de eletricidade, óleo e gás, saneamento, combustíveis,
biocombustíveis, açúcar e álcool.
A
maioria das reuniões entre Pires e Albuquerque ocorreram em 2019, no
Rio de Janeiro, onde está a consultoria do economista e um gabinete do
almirante. Em duas ocasiões, os encontros contaram com a presença de
empresários, caso de uma reunião realizada em maio daquele ano entre o
ministro, Pires e o executivo da Cosan, Luiz Guimarães. O grupo é dono,
entre outras empresas, da Comgás, principal distribuidora de gás natural
de São Paulo.
As
reuniões foram mais frequentes em 2019 porque, naquele ano, foi
retomado o debate em torno da Lei do Gás. O projeto original é de 2013,
mas havia sido arquivado e voltou à baila logo depois que Bento
Albuquerque assumiu o Ministério de Minas e Energia, tramitando
rapidamente. A nova legislação foi sancionada em abril de 2021.
Pires
atuou com afinco por uma lei que beneficiasse a Comgás, empresa sobre a
qual ele costuma escrever artigos favoráveis e que também seria cliente
da sua consultoria, conforme fontes do setor me garantiram. Procurei
Pires por telefone e WhatsApp, mas ele não respondeu meus contatos. Em
um artigo publicado
no site Poder 360 em 9 de abril de 2019, ele elogiou o estado de São
Paulo por ter classificado o Subida da Serra, da Comgás, como um
gasoduto de distribuição de gás, o que beneficia a empresa. Por outro
lado, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, a
ANP, órgão do governo federal, classificou o gasoduto como de
transporte.
O
tipo de classificação do gasoduto faz diferença, porque a concessão
para empresas de distribuição, ou seja, para a entrega do gás aos
consumidores, é de competência dos estados; já a concessão para empresas
de transporte de gás, que envolve uma operação mais complexa de conexão
com fontes de suprimento, é de competência da União.
Pires
defendeu a classificação que beneficia a Comgás em um documento a que
tive acesso. Ele foi elaborado por sua consultoria e apresentado em uma
consulta pública ao governo de São Paulo. É de praxe, segundo os
empresários com quem conversei, que as empresas contratem consultorias
ou estudos para defender seus interesses em consultas públicas. O negócio milionário
enfrenta resistência no setor, pois pode levar a Cosan a dominar o
mercado de gás, impedindo a concorrência de outras empresas.
No
mesmo mês em que escreveu o artigo, o colunista se reuniu duas vezes
com o ministro Albuquerque, nos dias 15 e 18 de abril. Um terceiro
encontro aconteceu logo depois, em 13 de maio, dessa vez com a presença
do executivo Guimarães, da Comgás. A pauta de todas as reuniões – "temas
referentes ao setor energético" – pouco diz sobre o que de fato foi
tratado. Pedi mais detalhes sobre o encontro ao ministério, que se
limitou a informar que "foram tratados temas preparatórios concernentes
ao setor energético".
A
Lei do Gás acabou não sendo tão favorável à Comgás quanto Pires
gostaria e defendia em seus artigos, determinando a independência entre
as empresas de produção, de transporte e de distribuição do gás natural.
Mas a relação entre o ministro e o lobista se manteve.
Agora,
os dois estão na linha de frente da defesa da energia nuclear como
melhor estratégia para preservar os reservatórios das hidrelétricas,
principalmente em períodos de escassez hídrica, como ocorre no Brasil
atualmente. Sobre o lixo radioativo que a geração de energia nuclear
produz, os altos custos e os riscos de acidentes, como o que aconteceu
em Fukushima, no Japão, em 2011, eles desconversam.
O lobista já escreveu
que "o histórico de segurança da energia nuclear em comparação com os
meios tradicionais de geração de eletricidade é reconfortante". E o
ministro, que já foi diretor-geral de Desenvolvimento Nuclear e
Tecnológico da Marinha e registrou ao menos 80 compromissos relacionados
ao tema em sua agenda oficial desde que assumiu, afirmou, em entrevista de julho deste ano, que "a energia nuclear é muito importante para uma matriz elétrica mais equilibrada".
Pires concorda. Em um artigo publicado
no dia 27 de abril de 2021, ele afirmou que a energia nuclear tem papel
importante no combate à mudança climática, mas as contribuições que ela
"tem dado por décadas para reduzir as emissões globais" não são
amplamente divulgadas, "como ocorre com as fontes de energia
renováveis". O ideal, sugere Pires, seria investir na "termoeletricidade
nuclear e a gás natural, que são as fontes mais limpas entre as
fósseis". Falta saber se Pires tem algum cliente no setor.
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