domingo, 12 de dezembro de 2021

Lobista em pele de especialista

 



O que os jornais não te contaram.
 

Queridinho da imprensa, o economista Adriano Pires é a principal fonte para assuntos relacionados ao setor energético. Ele dá entrevistas – há duas décadas – para os principais veículos de imprensa e tem coluna fixa no Estadão e no Poder 360, além de escrever esporadicamente para outros jornais e sites especializados.

O que suas colunas e os jornalistas que o entrevistam com frequência não mencionam é que ele trabalha intensamente nos bastidores pelos interesses de empresas do setor de óleo e gás, principalmente a Comgás. Ou seja, é um lobista que, quando veste a roupa de especialista, advoga publicamente em benefício próprio.

A atuação de Pires para além das páginas da imprensa pode ser exemplificada na agenda que ele tem em Brasília. Quem parece sempre pronto a recebê-lo é o ministro de Minas e Energia, o almirante Bento Albuquerque, por exemplo. Foram 11 encontros oficiais desde que o militar assumiu o cargo, em 2019, de acordo com dados que obtive por meio da Lei de Acesso à Informação. Pode parecer pouco, mas o número se destaca quando comparado a quem o ministro não recebeu nesses quase três anos de governo. Juntas, a Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa, a Associação Brasileira de Energia Eólica e a Associação Brasileira de Energia Solar, principais representantes do setor de energia renovável, por exemplo, tiveram nove encontros com Albuquerque desde sua posse – em três ocasiões, as reuniões foram coletivas. 

Com a crise hídrica e a necessidade de o país encontrar outras fontes energéticas, era de se esperar que o setor recebesse mais atenção do almirante. Em seu discurso na Cúpula de Líderes sobre o Clima, em abril de 2021, o próprio presidente Jair Bolsonaro garantiu que o Brasil iria zerar os índices de emissão de carbono até 2050, o que só é possível com o investimento em fontes de energia limpa. O problema é que o ministro que deveria cuidar dessa agenda prefere receber um lobista dos combustíveis fósseis.

Segundo um empresário com quem conversei e que preferiu não se identificar para evitar prejuízos profissionais, o Adriano Pires opera em "todo tipo de privatização, vantagem a particulares, defesa de interesses estrangeiros no setor elétrico e de petróleo". Embora não seja um crime, o lobby no Brasil não é regulamentado. Isso faz com que as negociatas não tenham transparência e nenhum tipo de controle social. Pior ainda vindo de alguém que ostenta na imprensa a imagem de um estudioso sem interesses financeiros em suas opiniões.

No LinkedIn, Pires se vende como profissional que "atua há mais de 30 anos na área de energia". Ele é sócio-fundador do Centro Brasileiro de Infraestrutura, o CBIE, uma empresa que oferece consultoria para os setores de eletricidade, óleo e gás, saneamento, combustíveis, biocombustíveis, açúcar e álcool. 

A maioria das reuniões entre Pires e Albuquerque ocorreram em 2019, no Rio de Janeiro, onde está a consultoria do economista e um gabinete do almirante. Em duas ocasiões, os encontros contaram com a presença de empresários, caso de uma reunião realizada em maio daquele ano entre o ministro, Pires e o executivo da Cosan, Luiz Guimarães. O grupo é dono, entre outras empresas, da Comgás, principal distribuidora de gás natural de São Paulo. 

As reuniões foram mais frequentes em 2019 porque, naquele ano, foi retomado o debate em torno da Lei do Gás. O projeto original é de 2013, mas havia sido arquivado e voltou à baila logo depois que Bento Albuquerque assumiu o Ministério de Minas e Energia, tramitando rapidamente. A nova legislação foi sancionada em abril de 2021.

Pires atuou com afinco por uma lei que beneficiasse a Comgás, empresa sobre a qual ele costuma escrever artigos favoráveis e que também seria cliente da sua consultoria, conforme fontes do setor me garantiram. Procurei Pires por telefone e WhatsApp, mas ele não respondeu meus contatos. Em um artigo publicado no site Poder 360 em 9 de abril de 2019, ele elogiou o estado de São Paulo por ter classificado o Subida da Serra, da Comgás, como um gasoduto de distribuição de gás, o que beneficia a empresa. Por outro lado, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, a ANP, órgão do governo federal, classificou o gasoduto como de transporte. 

O tipo de classificação do gasoduto faz diferença, porque a concessão para empresas de distribuição, ou seja, para a entrega do gás aos consumidores, é de competência dos estados; já a concessão para empresas de transporte de gás, que envolve uma operação mais complexa de conexão com fontes de suprimento, é de competência da União. 

Pires defendeu a classificação que beneficia a Comgás em um documento a que tive acesso. Ele foi elaborado por sua consultoria e apresentado em uma consulta pública ao governo de São Paulo. É de praxe, segundo os empresários com quem conversei, que as empresas contratem consultorias ou estudos para defender seus interesses em consultas públicas. O negócio milionário enfrenta resistência no setor, pois pode levar a Cosan a dominar o mercado de gás, impedindo a concorrência de outras empresas. 

No mesmo mês em que escreveu o artigo, o colunista se reuniu duas vezes com o ministro Albuquerque, nos dias 15 e 18 de abril. Um terceiro encontro aconteceu logo depois, em 13 de maio, dessa vez com a presença do executivo Guimarães, da Comgás. A pauta de todas as reuniões – "temas referentes ao setor energético" – pouco diz sobre o que de fato foi tratado. Pedi mais detalhes sobre o encontro ao ministério, que se limitou a informar que "foram tratados temas preparatórios concernentes ao setor energético". 

A Lei do Gás acabou não sendo tão favorável à Comgás quanto Pires gostaria e defendia em seus artigos, determinando a independência entre as empresas de produção, de transporte e de distribuição do gás natural. Mas a relação entre o ministro e o lobista se manteve.

Agora, os dois estão na linha de frente da defesa da energia nuclear como melhor estratégia para preservar os reservatórios das hidrelétricas, principalmente em períodos de escassez hídrica, como ocorre no Brasil atualmente. Sobre o lixo radioativo que a geração de energia nuclear produz, os altos custos e os riscos de acidentes, como o que aconteceu em Fukushima, no Japão, em 2011, eles desconversam. 

O lobista já escreveu que "o histórico de segurança da energia nuclear em comparação com os meios tradicionais de geração de eletricidade é reconfortante". E o ministro, que já foi diretor-geral de Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Marinha e registrou ao menos 80 compromissos relacionados ao tema em sua agenda oficial desde que assumiu, afirmou, em entrevista de julho deste ano, que "a energia nuclear é muito importante para uma matriz elétrica mais equilibrada". 

Pires concorda. Em um artigo publicado no dia 27 de abril de 2021, ele afirmou que a energia nuclear tem papel importante no combate à mudança climática, mas as contribuições que ela "tem dado por décadas para reduzir as emissões globais" não são amplamente divulgadas, "como ocorre com as fontes de energia renováveis". O ideal, sugere Pires, seria investir na "termoeletricidade nuclear e a gás natural, que são as fontes mais limpas entre as fósseis". Falta saber se Pires tem algum cliente no setor. 

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