O presidente Jair Bolsonaro tem marcada para hoje cedo uma teleconferência com os quatro governadores do sudeste. Ontem, sem citar qualquer um por nome, ele partiu para o ataque em pronunciamento por cadeia nacional. “Algumas poucas autoridades estaduais e municipais devem abandonar o conceito de terra arrasada, a proibição de transportes, o fechamento de comércios e o confinamento em massa”, ele pediu. O presidente quer diminuir a política de quarentena. “O que se passa no mundo tem mostrado que o grupo de risco é o das pessoas acima dos 60 anos. Por que fechar escolas? Raros são os casos fatais de pessoas sãs com menos de 40 anos de idade.” Ele também se queixou da imprensa. “Grande parte dos meios de comunicação foram na contramão. Espalharam exatamente a sensação de pavor, tendo como carro-chefe o anúncio do grande número de vítimas na Itália, um país com grande número de idosos e com o clima totalmente diferente do nosso. O cenário perfeito, potencializado pela mídia, para que uma verdadeira histeria se espalhasse pelo nosso país.” Em seu discurso, o presidente ainda reafirmou que está bem. “No meu caso particular, pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado com o vírus, não precisaria me preocupar. Nada sentiria ou seria, quando muito, acometido de uma gripezinha ou resfriadinho, como disse aquele famoso médico daquela famosa televisão.” Assista ou leia. (G1)
Na escrita do discurso, Jair Bolsonaro teve a ajuda de seu filho Carlos e do ‘gabinete do ódio’, apelido recebido pelos assessores que organizam suas redes sociais. (Estadão)
Entre as informações que o presidente ignora está um relatório da Agência Brasileira de Inteligência. A projeção dos analistas é de que o número de mortes pode chegar a 5.571 em apenas duas semanas. (Intercept)
No Congresso, a reação foi imediata. E, desta vez, não partiu da presidência da Câmara — mas do Senado. “Neste momento grave, o país precisa de uma liderança séria, responsável e comprometida com a vida e a saúde da sua população”, puseram em carta presidente e vice da Casa, Davi Alcolumbre e Antonio Anastasia. “Consideramos grave a posição externada pelo presidente da República hoje, em cadeia nacional, de ataque às medidas de contenção ao covid-19.” Os dois senadores pediram que a opinião de cientistas seja levada em conta. “É momento de união, de serenidade e equilíbrio, de ouvir os técnicos e profissionais da área para que sejam adotadas as precauções e cautelas necessárias para o controle da situação, antes que seja tarde demais. A nação espera do líder do Executivo, mais do que nunca, transparência, seriedade e responsabilidade.” (Poder 360)
O deputado Rodrigo Maia veio na sequência, via Twitter. “Desde o início desta crise venho pedindo sensatez, equilíbrio e união. O pronunciamento do presidente foi equivocado ao atacar a imprensa, os governadores e especialistas em saúde pública.” (Twitter)
O ex-presidente Fernando Henrique foi particularmente duro. “O presidente repetiu opiniões desastradas sobre a pandemia. Se não calar estará preparando o fim. E é melhor o dele que de todo o povo.” (Twitter)
Também da base governista vieram críticas. “Se o presidente se dispusesse a comunicar todas as suas visões e ações de forma coesa acerca de como enfrentará a pandemia do coronavírus, seria bom para ele, para os movimentos populares que o apoiam e também para toda a sociedade”, argumentou o deputado Luiz Philippe de Orléans e Bragança, pré-candidato do Planalto à prefeitura de São Paulo. (Oeste)
Aliás... Segundo estudo do DAPP, da Fundação Getúlio Vargas, os tuítes da base governista estão sendo em grande parte ignorados pelo público que acompanha a rede social. (Twitter)
Parte da repercussão do isolamento presidencial, evidentemente, é política. O governador paulista João Doria percebeu, no momento, que é hora de se posicionar como o anti-bolsonaro. Ontem, observa o jornalista Fábio Zanini, falou consistentemente a respeito da necessidade de transparência, um dos pontos fracos do presidente. Assim, apresentou em público o resultado de seu exame, negativo para o novo coronavírus. O prefeito paulistano, Bruno Covas, havia feito o mesmo, mais cedo. (Folha)
Pois é... O Hospital das Forças Armadas, em Brasília, apresentou ao governador local uma lista daqueles que receberam exame positivo. Lista parcial: dos 17 nomes, dois foram omitidos para que suas identidades fossem mantidas em sigilo. É onde Bolsonaro fez o seu exame. De acordo com o repórter Vicente Nunes, podem ser o presidente e a primeira-dama. (Correio Braziliense)
Para ler com calma: Se há, nalgum canto, uma lista dos 5 grandes colunistas da imprensa mundial, ela inclui o inglês Martin Wolf, do Financial Times. Segundo ele, estamos perante um dilema ético de escala global. “Alguns ainda argumentam que é errado forçar a economia no caminho de uma depressão para suprimir a transmissão do vírus”, ele escreve. “Mas não é certo que a economia ficaria melhor numa política laissez faire. Desde antes das quarentenas impostas por governos, muitos já haviam parado de ir a restaurantes, cinemas e lojas.” Ainda assim, Wolf mostra que o FMI e outros organismos internacionais não conseguirão, sozinhos, dar conta do nível de financiamento que muitos países em desenvolvimento precisarão. Quão mais rápido os países ricos conseguirem conter suas pandemias para poder agir de forma solidária mundialmente, melhor para todos. Numa economia global, a recuperação deve ser global. Governantes devem resistir à tentação de agir apenas dentro de suas fronteiras. “Escolheremos solidariedade contra hostilidade e responsabilidade global contra uma interiorização nacionalista? Diferentemente de vírus, seres humanos têm escolhas.” (Financial Times)
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