segunda-feira, 24 de maio de 2021

"Lula já é de centro", diz Jaques Wagner

 



Senador deve disputar governo da Bahia em 2022 para tentar manter principal base eleitoral do PT

Por Andrea Jubé

O senador Jaques Wagner, responsável pela derrota do carlismo na Bahia em 2006, subirá de novo ao ringue para um novo "round" contra o grupo de Antonio Carlos Magalhães: agora encarando seu herdeiro direto na política, o ex-prefeito de Salvador, ACM Neto. Wagner tem a missão de preservar nas mãos do PT o Estado que o partido governa há 15 anos, tem o quarto maior eleitorado do país, e será palanque estratégico para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no ano que vem. 

Nesta conversa com o Valor, Wagner, que é amigo de Lula há 40 anos, confirma a pré-candidatura presidencial do petista, relata a tática da montagem dos palanques estaduais, e a preocupação em eleger deputados e senadores aliados para garantir uma base forte no Congresso em caso de vitória nas eleições. 

O "Galego", como lhe chama Lula, diz que não acredita em terceira via. Em meio à reaproximação de Lula e Fernando Henrique, classifica como um "azar histórico" que PT e PSDB, as duas grandes "novidades" pós-regime militar, não tenham caminhado juntos em algum momento na história eleitoral. A seguir, os principais trechos da entrevista ao Valor: 

Valor: Lula é candidato? 

Jaques Wagner: Hoje ele é o nosso pré-candidato, independente até do resultado das pesquisas. Mantenho minha posição de que pesquisa tão longe da eleição vale pouco, tem muita água pra rolar. Mas é claro que foi uma resposta da população ao que aconteceu com o Lula, e à inocência dele decretada pelo STF [o Supremo Tribunal Federal não decretou a inocência do ex-presidente, decidiu que ele deveria ter sido julgado em outro tribunal]. 

Valor: Que análise o senhor faz do cenário que as pesquisas atuais refletem, que favorece o PT? 

Wagner: O que acho que está acontecendo? Em 2018, o [presidente Jair] Bolsonaro deslocou da cena política eleitoral os dois partidos que faziam contraponto ao PT: o PSDB e o DEM. É um azar histórico: PSDB e PT foram as duas novidades pós-governo militar, e o ideal é que se encontrassem em algum momento. 

Valor: A disputa eleitoral os colocou como polos de atração de grupos diferentes. Como estarão em 2022? 

Wagner: Dizem que um terço é do lado de cá, do PT e seus aliados; um terço é do PSDB, DEM e seus aliados; e um terço decide pelo desempenho do governo. Em 2018, esse polo do PSDB e DEM foi deslocado para o atual presidente, que hoje detém esse um terço. Aquele um terço que se poderia chamar de liberais acabou dando lugar a um liberalismo extremado do [ministro da Economia] Paulo Guedes. 

Valor: O antipetismo que marcou a eleição de 2018 vai se converter em antibolsonarismo em 2022? 

Wagner: Na minha opinião, sim. O PT foi muito estigmatizado em 2018, pela cabeça das pessoas passou que preferiam um doido, um inesperado, do que aquilo que lhes parecia um mar de coisas erradas. Hoje pelo resultado da experiência com o atual presidente vai acontecer exatamente o contrário. 

Valor: Mas e os cerca de 40% do eleitorado que rejeitam Lula e Bolsonaro? 

Wagner: Não é que não queiram nenhum nem outro, eles não têm uma pré-escolha de nenhum nem outro. 

Valor: O senhor não teme um nome de centro que atraia esses indecisos? 

Wagner: Não acredito em terceira via, porque no mundo inteiro as eleições acontecem desse jeito. No fundo, a eleição de 2018 também foi uma polarização. Porque quem saiu da cena política em 2018 não foi o PT. Quem saiu de cena foi quem deu o golpe [o processo legal de impeachment, por pedaladas fiscais], e que ao estigmatizar o PT, acabou se estigmatizando junto como classe política. Quem votou no atual presidente, votou na negação da política, não foi só na negação do PT. 

Valor: A campanha de 2022 será tão agressiva como foi a de 2018? 

Wagner: É isso [agressividade] que vai derrotar ele [Bolsonaro]. Essa experiência a gente viveu, e está colhendo tristes frutos. Não acho que mais pessoas vão embarcar nessa de novo. As pesquisas mostram isso. A gente não vai pra guerra, eu vou continuar fazendo campanha como sempre fiz, com argumentos. Não vou jogar no território dele, é um erro enfrentar essa campanha no território do adversário. 

Valor: Veremos então a reedição do "Lulinha paz e amor" da campanha de 2002? 

Wagner: Se depender da minha opinião, sim. Acho que ele está nessa. Nenhum país pode viver sob tensão interna o tempo todo. Não há economia que sobreviva, quantas empresas já saíram do Brasil? As empresas saem por isso, pelo ambiente ruim de conflito, insegurança jurídica, tem conflito até entre os Poderes. 

Valor: Lula está conversando com os mesmos partidos que promoveram o impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, como MDB, PSD, PL... 

Wagner: É a vida, é tentativa, erro e acerto. Uma coisa são as vontades, outra, as necessidades. Há necessidade de diálogo. 

Valor: Como foi a rodada de conversas de Lula com potenciais aliados em Brasília? 

Wagner: O que ele está começando a fazer é o que se faz na política: começando as costuras para ver as possibilidades, está conversando com os partidos, sentindo qual é a demanda de cada um. Porque ele não está preocupado só com a eleição dele, está preocupado com as bancadas de apoio a ele na Câmara e no Senado. 

Valor: Quer eleger um Congresso forte para eventual governo dele? 

Wagner: Se você não tem nome forte para o governo, é melhor sair a deputado federal, ou senador, porque precisamos de apoio em Brasília. Não adianta olhar pra eleição majoritária como se ela fosse uma eleição solteira, os parlamentares pesam muito. 

Valor: É com esse cálculo que o PT está cedendo a cabeça de chapa para os governos na montagem dos palanques estaduais? 

Wagner: Isso é a análise do tabuleiro de xadrez. Se a gente quer o apoio nacional, evidentemente os partidos que vierem nos apoiar, querem contrapartida onde se sintam fortes. Onde o PT não tiver uma expressão mais forte de candidatura, vai ser natural ele ceder para um aliado.

Valor: Uma candidatura atraente do Lula pode estimular a migração de deputados para o PT na janela partidária de março? 

Wagner: Não faço essa conta, embora o PT absorva muita gente que não é petista desde criancinha. O leque partidário é amplo, então junto com a gente tem muitos que são de partidos de centro, que ganham nesse momento porque o cara quer estar perto de uma candidatura forte de presidente da República, mas prefere estar num partido onde se sinta mais à vontade na sua pauta. 

Valor: O empresário Josué Gomes tem o perfil de vice que Lula busca? 

Wagner: Pra mim sempre será poderoso o binômio operário-empresário que houve em 2002. Já em 2018 eu propus o nome do Josué, mas as coisas aconteceram de outra forma, e hoje ele está trabalhando para ser presidente da Fiesp [Federação das Indústrias de São Paulo]. O Lula inevitavelmente vai buscar uma pessoa que seja complementar: como ele representa o social, vai buscar alguém que represente o empresarial. 

Valor: O que acha das críticas de que Lula terá que dar uma guinada ao centro para atrair mais apoio? 

Wagner: Lula já é de centro, ele é de centro-esquerda. É uma injustiça querer contrapor um cara como o Lula ao atual presidente, um contrassenso. Lula foi um conciliador. Quando foi que o Lula propôs a fissura da sociedade brasileira? 

Valor: Criticava-se o "nós contra eles" que Lula adotou nos discursos. 

Wagner: Tudo bem, mas é óbvio que ele estava dizendo que a preferência dele era ajudar os mais pobres. Isso sempre será nosso discurso. É bom lembrar que o atual governo já botou de novo 19 milhões de pessoas na extrema pobreza, voltamos ao mapa da fome, e incluíram 20 famílias no ano passado no grupo de bilionários. 

Valor: O senhor vai concorrer na Bahia à sucessão de Rui Costa? 

Wagner: Sou o pré-candidato do PT na Bahia. Minha candidatura é muito diferente porque o PT tem um legado imenso de 15 anos no Estado. 

Valor: Valor: Mas vocês não temem perder por fadiga de material, o povo não vai pedir mudança? 

Wagner: Sempre tem esse risco, e nosso adversário vai querer usar isso o tempo todo. Mas, repare, o grupo que governava antes do PT era o samba de uma nota só, quem mandava era o governador, quem é que tinha opinião no grupo? 

Valor: O que o senhor destacaria nesse legado petista na Bahia? 

Wagner: A mudança do jeito de fazer política na Bahia. Ele [o ex-prefeito de Salvador ACM Neto] representa uma coisa antiga, independentemente da idade, porque o estilo de fazer política dele não é diferente do que o DEM, ou o PFL, sempre fizeram na Bahia. É impositivo, restritivo, só sobrevive quem ele quer. Basta ver os últimos episódios, a eleição para a presidência da Câmara, ele não está tão bem nem no partido dele. O DEM está minguando, e ele é o presidente do DEM, qual é a obra que ele está entregando? A redução do partido? [Depois da derrota para Arthur Lira, Rodrigo Maia e o prefeito do Rio, Eduardo Paes, anunciaram a saída do DEM e a filiação ao PSD]. 

Valor: Mas ACM Neto foi um prefeito bem avaliado. Elegeu o sucessor, Bruno Reis (DEM), no primeiro turno. 

Wagner: Claro, mas isso era previsto, ele tinha uma boa avaliação e a gente deixou pra lançar uma candidatura muito tarde. Teve acerto do lado dele, e erro do nosso lado. 

Valor: O grupo de vocês renovou a aliança para 2022 no Estado? 

Wagner: Já fiz reunião com o PP, com o PSD, não vejo ninguém desgarrado, a não ser o PDT, porque o Ciro Gomes tensionou. [O PDT trocou o PT pelo DEM na Bahia]. 

Valor: PSD e PP juntos fizeram mais de 200 prefeitos em 2020, enquanto o PT elegeu apenas 32. Os prefeitos são cabos eleitorais dos deputados, e vão ajudar os outros partidos a fazerem bancadas maiores na Bahia. O PT não saiu em desvantagem nessa aliança? 

Wagner: Sim. Alguns dos nossos aliados na Bahia são base de sustentação do governo federal. Com isso, ganham mais musculatura com emendas. Isso é a reclamação do PT. Mas eu não posso fazer nada, não posso proibir os partidos que estão comigo na Bahia de estarem com o governo federal em Brasília. 

Valor: O PP nacional, estando com Bolsonaro, vai liberar o PP da Bahia para apoiar Lula no Estado? 

Wagner: Acho que sim, isso sempre acontece porque o país tem realidades muito diferentes. Veja, o Podemos está com o PT na Bahia. As pessoas analisam a eleição pela lógica dos majoritários, e na verdade, muitas decisões são tomadas em função dos interesses proporcionais. Quem dá o fundo partidário é o deputado, por isso, ele diz em qual chapa vai querer estar. 

Valor: Como ex-ministro da Defesa, vê risco de golpe contra a democracia, com apoio dos militares? 

Wagner: Isso é besteirol, não existe isso, não tem espaço politico internacional pra isso. O sonho das forças armadas é serem valorizadas profissionalmente. Elas respeitam o presidente como decorrência do respeito que têm à Constituição. Não são obrigadas a respeitá-lo quando ele tenta afrontar a Constituição. Se for pra ter golpe, é melhor fazer na formalidade como foi contra a Dilma [Rousseff]. 

Valor: O senhor não vê ao menos as instituições fragilizadas? 

Wagner: Sim, me preocupa a disputa entre os três Poderes, que deveriam ser harmônicos, mas acabam disputando o protagonismo político. O Poder Judiciário é sempre mais forte na democracia porque diz o que está na lei. Vejo o Judiciário com protagonismo politico indevido. 

https://valor.globo.com/politica/noticia/2021/05/24/lula-ja-e-de-centro-diz-jaques-wagner.ghtml

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