Em palestra para clientes que foi vazada sócio-sênior do BTG exibe acesso ao poder
Maria Cristina Fernandes | Valor
O sócio-sênior do BTG, André Esteves, é consultado pelo presidente do Banco Central sobre a taxa de juros e pelo presidente da Câmara dos Deputados sobre a demissão dos secretários do Ministério da Economia. Diz que o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff foi uma resposta do sistema de freios e contrapesos vigente e equivale ao golpe de 1964. Acha que o Brasil tem preconceitos “leves” e que não desandou para extremismos de direita e esquerda graças ao Centrão. Esteves aposta que o presidente Jair Bolsonaro é o favorito para ganhar a eleição se ficar calado, mas diz que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com seu ex-ministro Henrique Meirelles de volta à Fazenda e o presidente do PSD, Gilberto Kassab, na Vice-Presidência, traz “tranquilidade ao ‘establishment’”.
Corria a tarde de quinta-feira, quando o secretário-especial do Tesouro e Orçamento, Bruno Funchal, o secretário do Tesouro Nacional, Jeferson Bittencourt, a secretária especial adjunta do Tesouro, Gildenora Dantas, e o secretário-adjunto do Tesouro Nacional, Rafael Araujo, pediram exoneração dos seus cargos. “E agora?”, perguntou o presidente da Câmara dos Deputados a Esteves, segundo relato do próprio sócio-sênior do BTG, que abreviou a conversa com Lira para falar com a plateia de “Jovens Lideranças” reunida naquela mesma tarde na sede do banco em São Paulo. “A gente tem que ter certo pragmatismo. Políticos não são bons nem maus, eles reagem aos estímulos políticos. Nossa obrigação institucional é ensinar e ouvir. Ninguém é obrigado a nascer sabendo”, explicou o banqueiro em sua preleção de mais de uma hora, como um pedagogo, que custa a aprender, para uma plateia de 30 jovens clientes do banco e dez funcionários.
Foi a gravação de uma conversa entre Delcídio Amaral e Bernardo, filho do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, que levou o banqueiro à prisão em 2015. Naquele áudio, o ex-senador disse que Esteves teria em suas mãos cópias de delações da Lava-Jato, o que foi entendido como interferência nas investigações. Ele foi absolvido das acusações e os inquéritos decorrentes do investimento do banco na Sete Brasil, acabariam arquivados - o último deles na sexta-feira seguinte à prelação do banqueiro à plateia de jovens investidores. Esteves, porém, amargou 28 dias em Bangu e ficou quatro anos afastado do comando do banco que fundou.
No áudio entre Delcídio e Bernardo, antes de relatar a suposta conversa, o ex-senador pergunta: “Você conhece André Esteves?” O objetivo, claro, era impressionar o filho de Cerveró para convencer o pai a não delatar. Passados dois anos de seu retorno ao banco, Esteves não apenas voltou a falar com todo mundo, como também a contar que falou. O fato de ter sido flagrado num encontro com clientes do banco reportando conversas com autoridades sugere que o banqueiro ignora os riscos porque seu negócio também passa por impressionar seus clientes com o acesso que tem.
No mesmo encontro, Esteves relatou um telefonema, que sua assessoria informa ter acontecido há um ano, com o presidente do BC, a quem reputa como “ótimo” gestor e se congratula por ter um mandato que invadirá o do próximo governo (“Lula eleito teremos dois anos de Roberto Campos Neto”). Neste telefonema, o presidente do BC lhe teria perguntado sobre o limite mínimo do juro: “André, onde você acha que está o ‘lower bound?’ Eu falei assim: “Olha, Roberto, eu não sei onde está, mas eu estou vendo pelo retrovisor, porque a gente já passou por ele. Em algum momento a gente se achou inglês demais e levamos esse juro para 2%, Acho que a gente ainda não comporta esse juro”.
Roberto Campos Neto soltou uma nota em que reputa o telefonema como praxe do mercado: “Como é da prática de bancos centrais e de autoridades de supervisão no mundo, os membros da Diretoria Colegiada do Banco Central do Brasil mantêm contatos institucionais periódicos com executivos de mercados regulados e não regulados para monitorar temas prudenciais que possam ameaçar a estabilidade do sistema financeiro e/ou para colher visões sobre a conjuntura econômica”.
Em 2020, o Supremo Tribunal Federal invalidou a delação do ex-ministro Antonio Palocci que acusava Esteves de “operar o Banco Central”. O então ministro da Fazenda, Guido Mantega, teria informado ao banqueiro que a Selic seria reduzida e, com isso, fundos do BTG teriam sido beneficiados. A Polícia Federal investigou e não encontrou procedência na acusação. O banqueiro mostrava-se tão à vontade junto à sua plateia da semana passada (“podem perguntar qualquer coisa”) que não parecia temer falar sobre tema tão delicado quanto conversa de juro com autoridade monetária. A intimidade que demonstra ter com interlocutores - o presidente da Câmara é “Arthur” e o ministro da Economia é “Paulo” - é correspondida. Ao anunciar o novo secretário do Tesouro, Esteves Colnago, na semana passada, Paulo Guedes chamou o auxiliar de “André Esteves”.
O sócio-sênior do BTG relatou que, assim como se dedica a “educar o Congresso”, também julga importante conversar com ministros do STF como o fez por ocasião da contestação da emenda constitucional que tornou o Banco Central independente. “Não tem melhor argumento para um ministro do que mostrar que na Venezuela e na Argentina não tem BC independente e nos Estados Unidos e no Reino Unido tem.”
A pedagogia de Esteves não se limitou aos Poderes da República. “Somos sofisticados sociologicamente”, disse, citando o filósofo austríaco Karl Popper. A tradução dessa sofisticação seria o Centrão, liderado pelo interlocutor que, minutos antes, lhe havia telefonado para saber sua opinião sobre as demissões em série na Economia. Para Esteves, é o bloco que permite ao Brasil não seguir o caminho da Argentina, cuja ausência de centro político a teria levado à derrocada. “É diferente do Brasil, que mantém o fio terra ligado. Tenho mais respeito pelo centro político do que a média do establishment. Pelo caráter quase sempre fisiológico tendemos a desprezar essa turma, mas foram eles que, por 100 anos, nos mantiveram republicanos quando o país flertou com as maiores maluquices à direita e à esquerda”.
Entre as maluquices, Esteves inclui o governo Dilma Rousseff. Quando Bolsonaro “fala muita besteira” e lhe perguntam sobre golpe, ele diz que este, na verdade, já aconteceu. O impeachment é a “melhor analogia” do golpe de 1964: “Não teve tiro, ninguém foi preso, as crianças foram para a escola e o mercado funcionou.”
Entre as características que fariam do Brasil uma sociedade “sociologicamente avançada” está seu “melting-pot” de raças e povos, que só encontra paralelo nos Estados Unidos. Esteves vê mais semelhanças entre brasileiros com americanos do que com os vizinhos, cujos preconceitos, disse, não são partilhados no Brasil. Relatou sua experiência no Chile, país em que foi incapaz de fazer com que os funcionários de diferentes escalões do banco de investimentos comprado pelo BTG almoçassem num único restaurante. “Somos leves”, concluiu.
Além de “leve”, Esteves diz estar convencido de que o brasileiro tem natureza “centrista”. “O candidato que ocupar o centro vai ganhar a eleição. Se Bolsonaro ficar calado e trouxer tranquilidade para o ‘establishment’, é o favorito. Se Lula pegar [Henrique] Meirelles e colocar na Fazenda e [Gilberto] Kassab na Vice também se torna favorito”, disse. Não está preocupado com um lula “ultrapopulista” ou com um Bolsonaro “doido”. Nem com a demora em se viabilizar uma terceira via. “Eduardo Leite é um produto eleitoral com mais novidade apesar do excelente governo do [João] Doria em São Paulo (...) pode anunciar candidato em agosto que não será tarde, com a conectividade do Brasil será uma candidatura competitiva”.
Esteves gosta do termo “pesos e contrapesos”, que prefere citar em inglês (“checks and balances”). Usa-o para tudo. Do Centrão às preferências partidárias do Brasil que, para ele, permanecem sob a égide da centro-direita: “Sociedade não quer extremo. Quando andamos pelo agro perguntamos: ‘Quem é o candidato?’ ‘Bolsonaro’. ‘Vacinou?’ ‘Sim’. ‘Quer fechar o STF?’ ‘Não’. ‘E por que Bolsonaro?’ ‘É que o vizinho limpou o pasto, veio o Ibama e multou porque disse que o cara estava acabando com a Mata Atlântica’”.
É este vento da centro-direita, disse, que vai aparecer quando Lula se apresentar: “Ele tem uma falsa baixa rejeição. Quando entrar em campo com refletor, a sociedade vai ver: ‘Puxa, é Lula mesmo’. Tem um sentimento de certa injustiça. A mulher do cara morreu, o procurador falou do neto. A culpa no cartório é mais associada ao PT. O problema do Lula não é de CPF, mas de CNPJ. Uma Tabata [Amaral, deputada federal] amadurecida, será o novo Lula. Hoje Doria e Leite vão competir com Bolsonaro e Lula estará no 2º turno”.
André Esteves está em Riad, capital da Arábia Saudita, para encontro de investidores. A interlocutores manifestou inconformidade com a repercussão da palestra, vazada pelo site 247. Disse que se limitou a dar sua opinião - aos clientes e às autoridades que o procuraram.
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