Não se constrói um país sozinho. O pouco que há de sólido no tecido social brasileiro foi erguido a duras penas com o esforço de muitos. Não foi resultado do trabalho desse ou daquele partido, de um ou dois presidentes. Numa sociedade tão violenta, tão racista, tão misógina, o que existe no campo dos direitos e da igualdade foi conquistado por muitas e muitos que vieram antes de nós.
Vale o mesmo para a destruição de um país. O governo Bolsonaro não é obra de um homem só. Também não é apenas resultado da aliança de empresários com generais, algo tão antigo quanto a República. E não me refiro só aos sólidos 20% de apoio que o presidente detém, mas também aos setores organizados, mobilizados de maneira eficiente em torno do bolsonarismo.
É muito importante identificarmos esses grupos, apontarmos qual a sua colaboração para a desgraça que vivemos e, não tenha dúvida, responsabilizá-los. Se não agora, em um futuro muito próximo.
O Conselho Federal de Medicina é, sem dúvida, um ator essencial para a cruzada da extrema direita contra a vida hoje no Brasil, mas especialmente contra a vida das mulheres. Falo com a tranquilidade de quem há alguns anos cobre as ações do CFM e as políticas que se referem aos direitos sexuais e reprodutivos.
É uma das razões que me prendem ao Intercept. Essa é uma cobertura que não costuma ter espaço em grandes veículos, afinal, quem quer bater de frente com uma classe conhecida por seu poder econômico e seu corporativismo? Mas é uma cobertura que me interessa muito e aqui no TIB sempre encontrei espaço para tocar as investigações nesse campo.
Por essa razão publiquei muitas reportagens de 2018 para cá. Meu último texto, uma coluna, saiu sexta-feira. Nele, demonstrei os artifícios do CFM para dificultar o acesso à contracepção e barrar a luta pelo fim da violência obstétrica. Também conto como funciona o novo conselho: a autarquia que, em 2013, se manifestou favoravelmente à descriminalização do aborto até a 12ª semana, afirmando-se defensora da autonomia da mulher, há dois anos chegou ao ponto de aprovar procedimentos forçados em gestantes.
Essa, digamos, "proximidade" com o que vem acontecendo no CFM nos permitiu enxergar primeiro o papel que o conselho desempenhou durante a pandemia. Dezenas de milhares de brasileiros foram feitos de cobaias de tratamentos ineficazes sob a benção do Conselho Bolsonarista de Medicina. Indicamos como tudo isso ocorreu em uma série de matérias publicadas ao longo deste ano. Depois, a CPI da Covid comprovou para o país todo o tamanho da responsabilidade da instituição na desastrosa política nacional de enfrentamento à pandemia.
Tudo isso é muito grave. Está bastante claro o perigo que o Conselho Federal de Medicina representa hoje. E é assustador perceber que, a despeito de tudo que está comprovado, a entidade ainda não é cobrada publicamente de maneira enfática.
Aqui no TIB, como alertei no começo deste texto, estamos convencidos de que uma das nossas funções neste momento histórico é justamente documentar esse tipo de absurdo. Porque essas instituições e pessoas precisam ser responsabilizadas. É por isso que o CFM é um dos focos do meu trabalho. Tenho mais reportagens para tocar sobre esse tema e preciso de toda ajuda possível para conduzir as investigações.
Ultimamente as reportagens que você recebe do Intercept são mais relacionadas à política e à pandemia, os assuntos, sem dúvida, mais urgentes do momento. Mas vasculhar as ações de uma entidade como o CFM é também uma frente importante que não quero deixar de cobrir. Por isso pedi aos meus colegas de redação para enviarem esta newsletter.
Um abraço,
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