segunda-feira, 20 de abril de 2020

Bolsonaro parte contra democracia


O presidente Jair Bolsonaro se encontrou ontem, no início da tarde, com um grupo de manifestantes que desfilava em carreata por Brasília contra a política de isolamento social. Vestindo uma camisa polo rosa e sem microfone, Bolsonaro subiu na caçamba de uma caminhonete e falou ao público por pouco mais de dois minutos, enquanto um segurança o amparava.

 “Nós não queremos negociar nada”, afirmou com a voz em tom máximo, entrecortada por tosse. “Nós queremos é ação pelo Brasil. O que tinha de velho ficou para trás. Temos um novo Brasil pela frente. Todos, sem exceção, têm de ser patriotas e acreditar e fazer a sua parte para que possamos colocar o Brasil no lugar de destaque que ele merece. Acabou a época da patifaria. É agora o povo no poder.” 

Por sua vez, os manifestantes pediam um novo AI-5, cobravam os fechamentos de Congresso Nacional e Supremo, clamavam por intervenção militar, além de gritar “Fora Maia”. “Estou aqui porque acredito em vocês”, disse o presidente. “Vocês estão aqui porque acreditam no Brasil.” (G1)

As condenações vieram de toda parte. “O mundo inteiro está unido contra o coronavírus. No Brasil, temos de lutar contra o corona e o vírus do autoritarismo. É mais trabalhoso, mas venceremos”, escreveu no Twitter o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. “Lamentável que o presidente da república apoie um ato antidemocrático, que afronta a democracia e exalta o AI-5”, escreveu João Doria. O ministro Gilmar Mendes, do STF, chegou ao ponto de retuitar o também ministro Luís Roberto Barroso — em geral, estão em constante desentendimento. “É assustador ver manifestações pela volta do regime militar, após 30 anos de democracia.” (Twitter)

Diferentemente dos políticos, os militares não falaram em on — assinando suas queixas. Mas se incomodaram. “ Se a manifestação tivesse sido na Esplanada, na Praça dos Três Poderes ou em qualquer outro lugar seria mais do mesmo”, disse um, pedindo resguardo do anonimato. “Mas em frente ao QG, no dia do Exército, tem uma simbologia dupla muito forte. Não foi bom porque as Forças Armadas estão cuidando apenas das suas missões constitucionais, sem interferir em questões políticas.” (Estadão)


Igor Gielow: “A demonstração de apoio do presidente Jair Bolsonaro a uma manifestação que pedia intervenção militar e ‘um AI-5’ na frente do quartel-general do Exército fez a crise política inserida na pandemia do coronavírus subir de patamar. A agressividade estava na conta, mas Bolsonaro ainda consegue chocar alguns, a começar por integrantes da cúpula militar da ativa que trocaram mensagens durante o domingo. A escolha minuciosa do local e da data, o Dia do Exército, colocou as Forças Armadas ante um impasse que juravam querer evitar desde que pactuaram apoio tácito ao pleito presidencial de Bolsonaro no segundo turno de 2018. Agora, os fardados terão de se posicionar sobre as intenções de seu comandante nominal. Bolsonaro foi claro em sua fala: quer uma ruptura ao estilo Hugo Chávez, de ‘povo no poder’, desde que, claro, o poder seja exercido por ele. Olimpicamente isolado dos outros Poderes, seus instrumentos para tal missão são parcos. Os sinais da tibieza bolsonarista são claros. As carreatas em favor das ideias intervencionistas foram mínimas. Se a frustração popular com as limitações da quarentena é compreensível, não havia uma multidão na rua. Havia, sim, as mesmas franjas que pediam ‘SOS Forças Armadas’ nos atos pelo impeachment de Dilma. São pessoas que acham correto buzinar na frente de hospitais com pessoas morrendo da mesma doença que eles negam a gravidade, sob inspiração de Bolsonaro. Mesmo quem quer encerrar as limitações, sem necessariamente fazer parte do grupo, são só 22% da população, mostrou o Datafolha. Pesquisas internas de partidos mostram que Congresso e Judiciário continuam com suas imagens no chão. É com isso e com o fato de que as Forças Armadas são ainda vistas com respeito que Bolsonaro conta. 
A ala militar dentro do governo, o líder Fernando Azevedo (Defesa) à frente, acreditava que seria possível moderar o chefe e conduzir o manejo da emergência sanitária. Este domingo provou, pela enésima vez, que isso é impossível. Pior, Bolsonaro colocou os fardados em xeque no tabuleiro da política. Isso adensa a crise a um novo nível, e a perspectiva não é das melhores para o isolado mandatário.” (Folha)




A democracia, diz o lema corrente no Washington Post, morre quando há escuridão. Quando quem está no poder consegue manter seus segredos ou calar as vozes dissonantes. 

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