sábado, 25 de abril de 2020

Moro sai atirando, Bolsonaro rebate e país mergulha em crise


Pontualmente às 11h, o ex-juiz Sergio Moro se apresentou no auditório do Ministério da Justiça para uma coletiva na qual todos já sabiam o que iria anunciar. “Vou começar a empacotar minhas coisas e providenciar o encaminhamento de minha carta de demissão”, afirmou. “Infelizmente, não tenho como persistir com o compromisso que assumi sem que tenha condições de preservar a autonomia da Polícia Federal ou sendo forçado a sinalizar concordância com uma interferência política na PF cujos resultados são imprevisíveis.” O agora ex-ministro afirmou ter sido pego de surpresa pela publicação, no Diário Oficial, da exoneração de Maurício Valeixo, superintendente da PF. O ex-juiz saiu atirando. “O presidente me disse que queria ter uma pessoa do contato pessoal dele, que ele pudesse ligar.” Segundo Moro, este tipo de intervenção nas investigações não ocorreu sequer durante o governo da ex-presidente Dilma. Para ele, Bolsonaro se manifestava preocupado com inquéritos relacionados a pessoas próximas suas. “Não é uma razão que justifique a substituição, tenho o dever de proteger a Polícia Federal.” Sergio Moro foi além em suas acusações. A exoneração de Valeixo, publicada no DO, levava sua assinatura e informava ter ocorrido sob pedidos. O ex-ministro disse que não assinou nada. “Vi que depois a Secretaria de Comunicação afirmou que houve essa exoneração a pedido, mas isso não é verdadeiro.” Assista aos principais trechos. (G1)

Os procuradores da força-tarefa da operação Lava Jato, no Paraná, divulgaram nota em repúdio à interferência que Moro afirma ter ocorrido. “A tentativa de nomeação de autoridades para interferir em determinadas investigações é ato da mais elevada gravidade e abre espaço para a obstrução do trabalho contra a corrupção e outros crimes praticados por poderosos, colocando em risco todo o sistema anticorrupção brasileiro.” (Poder 360)

O procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu autorização ao Supremo para investigar as denúncias feitas por Moro contra o presidente. Ele lista entre os possíveis crimes cometidos por Bolsonaro falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de Justiça, corrupção passiva privilegiada. Caso, porém, os crimes não sejam comprovados, voltam-se contra Moro os de denunciação caluniosa e crime contra a honra. O primeiro passo será ouvir o ex-ministro em depoimento. O ministro Celso de Mello será o responsável por analisar o pedido. (BBC Brasil)

No Twitter, o grupo bolsonarista rachou. Numa avaliação feita pelo Dapp da FGV, entre 11h e 13h30, 69% das manifestações vieram da oposição ao presidente e, 16%, da base de direita. Mas perfis importantes deste grupo manifestaram pesar pela saída do ministro e consideraram que o governo cometeu um erro. (Observatório da Democracia Digital)

O presidente Jair Bolsonaro respondeu a Moro também pontualmente — às 17h. Fez questão de subir ao tablado, no Palácio do Planalto, acompanhado de todos seus ministros para que demonstrassem apoio. “Mais de uma vez, o senhor Sergio Moro disse para mim: ‘Você pode trocar o Valeixo sim, mas em novembro, depois que o senhor me indicar para o Supremo Tribunal Federal”, acusou. “A exoneração ocorreu após uma conversa minha com o ministro da Justiça, pela manhã de ontem. À noite, eu e o doutor Valeixo conversamos por telefone, e ele concordou com a exoneração a pedido. Desculpe, senhor ministro, o senhor não vai me chamar de mentiroso. Não existe uma acusação mais grave para um homem como eu, militar, cristão, ser acusado disso.” Para o presidente, Moro é movido por seu ego. “Sabia que não seria fácil. Uma coisa é você admirar uma pessoa. A outra é conviver com ela, trabalhar com ela. Hoje pela manhã, por coincidência, tomando café com alguns parlamentares eu lhes disse: ‘Hoje, vocês conhecerão aquela pessoa que tem compromisso consigo próprio, com seu ego e não com o Brasil.’” Ele foi mais evasivo a respeito das acusações de interferência. “A PF de Sérgio Moro mais se preocupou com Marielle do que com o seu chefe supremo. Cobrei muito dele isso aí, não interferi. Acho que todas as pessoas de bem no Brasil querem saber — entendo, me desculpe senhor ex-ministro, entre o meu caso e o da Marielle, o meu está muito menos difícil de se solucionar. Acredito que a vida do presidente da República tem um significado. Que afinal de contas é o chefe de Estado. Isso é interferir na Polícia Federal?” (G1)

Moro respondeu via Twitter. “A permanência do Diretor Geral da PF nunca foi utilizada como moeda de troca para minha nomeação para o STF. Aliás, se fosse esse o meu objetivo, teria concordado com a substituição.”

Respondeu, também, pela imprensa. Ao Jornal Nacional, passou a tela de WhatsApp de um diálogo seu com Bolsonaro, na quinta-feira. O presidente enviou ao ainda ministro o link de uma reportagem do site O Antagonista sobre a PF investigando dez a 12 deputados bolsonaristas. “Mais um motivo para a troca”, afirmou. Moro respondeu. “Esse inquérito é conduzido pelo ministro Alexandre, no STF. Diligências por ele determinadas, quebras por ele determinadas, buscas por ele determinadas. Conversamos em seguida, às 9h.” O encontro entre os dois, na manhã desta sexta, não ocorreu. O DO com a exoneração saiu. (G1)

Estas não são as únicas provas que o ex-ministro tem. Há informações de que também tem áudios de tentativas de interferência do presidente. (Valor)

Após as acusações, o ministro Alexandre de Moraes tratou de blindar os delegados da PF responsáveis pelos inquéritos que envolvem fake news e os a respeito das manifestações pedindo golpe de Estado. A Polícia Federal não poderá substituir os responsáveis pela apuração. (Estadão)



Sergio Abranches: “Com as revelações de Sérgio Moro sobre a pressão de Bolsonaro para demitir o Superintendente da Polícia Federal, a verdadeira face do governo ficou clara. Bolsonaro tirou a máscara de paladino do combate à corrupção. Foram quatro evidências recentes de suas verdadeiras intenções. A mudança no ministério da Saúde, para interromper a gestão de precaução da pandemia. O plano Pro-Brasil, um híbrido mal ajambrado dos planos de desenvolvimento do período militar e do corte e cola de programas de gaveta do PAC do governo Dilma Rousseff.

A demissão do Superintendente da Polícia Federal, para poder bloquear investigações e inquéritos que ameaçam sua família e, no limite, a ele próprio. As negociações com a escória do Congresso Nacional, formada por políticos condenados nos dois grandes escândalos de corrupção político-empresarial, o Mensalão e a Lava Jato. Uma aliança suja com o objetivo bloquear a liderança de Rodrigo Maia na Câmara dos Deputados. Está faltando a queimação final, do ministro da Economia. Para rasgar a fantasia de liberal. Bolsonaro não faz aliados. Do mesmo modo que lhe falta qualquer faculdade para a empatia, falta-lhe a capacidade de ser leal àqueles que se dispõem a cooperar com ele. Nunca os vê como colaboradores, mas como submissos. Sua mentalidade autoritária não admite o que sente como desrespeito à sua autoridade. Sua personalidade impulsiva o faz agir sem medir consequências. Jamais pensará na reputação dos auxiliares que força a convalidar seus desatinos. O governo de um presidente impulsivo, compulsivo e autoritário, não tem futuro bom. Seu desempenho será sempre comprometido pelos efeitos colaterais que provoca. Um governante que só opera por confronto não pode gerar mais do que crise política permanente. Um governante que sempre põe o sentimento pessoal e os interesses de seu clã acima dos interesses da Nação, não tem como seguir na trilha constitucional. Será sempre um governante infrator. A questão é saber até quando as elites que viabilizaram sua chegada ao poder tolerarão seus impulsos e desmandos.” (SA)

Vera Magalhães: “Sérgio Moro deixa o ministério para se tornar, ato contínuo, pivô de um agora mais provável processo de impeachment. Além das gravíssimas revelações que fez, ainda deixou claro que não concorda com a forma como Bolsonaro tumultua o combate à pandemia. Com o pronunciamento, passa a encarar dois tipos de personagens de processos anteriores de impeachment: o do aliado que rompe, como Pedro Collor com o irmão, e do jurista que capitaneia o processo, como fizeram Janaina Paschaol, Miguel Reali Jr. e Hélio Bicudo, no caso de Dilma Rousseff. Ao sair atirando, o ministro tenta já fazer a desinfecção de sua imagem em relação à eleição de 2022. O cerco institucional ao presidente se fecha. A passagem de Moro para a outra margem do rio não é fator acessório no xadrez. Pode ser o que faltava para o alinhamento de astros necessário para fazer com que um pedido de impeachment ganhe corpo e viabilidade.” (BR Político)

Gustavo Alves: “A refutação a acusações feitas pelo ex-ministro da Justiça era o objetivo do presidente no fim da tarde. Mas as versões que apresentou sobre sua tentativa de se relacionar com a Polícia Federal acabaram por reforçar as suspeitas do ex-auxiliar. O presidente voltou a se apresentar como uma vítima, ao dizer-se perseguido pelo establishment e pela imprensa. Enquanto revisitava temas maiores e menores, Bolsonaro admitiu que pediu a Moro relatórios da Polícia Federal para, segundo ele, poder tomar decisões de governo. E que pediu à PF para ouvir um dos acusados pela morte da vereadora do PSOL, o PM aposentado Ronnie Lessa. O motivo teria sido a notícia de que a filha de Lessa, que morava no mesmo condomínio do presidente no Rio, teria namorado Jair Renan, o ‘filho 04’. Bolsonaro contou que determinou que os agentes da PF fossem ouvir o ex-PM, quando já estava preso no Rio Grande do Norte, porque o ministro da Justiça não se mexeu. O presidente acrescentou que tem em suas mãos o conteúdo deste inquérito e que o acusado de assassinar Marielle negou a relação da filha com Jair Renan. As implicações legais destas admissões pelo presidente ainda vão ser esquadrinhadas. Mas ao relatar esse fato, assim como os pedidos de relatórios, Bolsonaro reforça a visão de que não separa interesses públicos e privados.” (Globo)

Fernando Canzian: “A principal acusação de Moro contra Bolsonaro, de interferência política na Polícia Federal, mostra o avanço do presidente sobre os pilares técnicos do governo e ajuda a explicar o sumiço do ministro Paulo Guedes. Bolsonaro estaria apostando, com base em pesquisas, que seu apoio entre as classes baixas subirá após o início do pagamento da ajuda emergencial de R$ 600, por três meses, a milhões de informais durante a pandemia. Isso, mais a aproximação política com o fisiológico centrão, garantiria ao presidente algum espaço para confrontar Moro e aliviar a barra das investigações sobre seus filhos ao mesmo tempo em que promove uma guinada populista na economia. Simulações feitas pelo Insper mostram que se a ajuda atingir 32 milhões de pessoas, a taxa de pobreza no país despencará de 16,7% para 6%. Vale lembrar que algo semelhante ocorreu no primeiro mandato de Lula, quando o ex-presidente parecia ferido de morte pelo mensalão e acabou reeleito. Naquela época, no entanto, o Brasil já estava com as contas em ordem, fazia superávits primários superiores a 3,5% do PIB e o mundo entrava no maior ciclo de expansão desde Segunda Guerra. Bolsonaro não tem nada disso, nem condição de estender a ajuda aos informais por muito tempo. Ao contrário, ele preside um país quebrado em um mundo em recessão. A pergunta agora é quanto Paulo Guedes ainda dura nessas condições.” (Folha)

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