segunda-feira, 31 de agosto de 2020

"O aborto legal é um direito. Influência religiosa faz mal à saúde"

— Você sabe como mulher engravida?, perguntou à criança a médica Helena Paro, chefe do serviço de violência sexual do Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia.
— Não, porque eu só vou aprender isso na escola no ano que vem. — Respondeu a menina de 11 anos que, após sofrer um estupro, foi admitida no hospital com 17 semanas de gestação para fazer um aborto legal.
Casos como o relatado pela médica não são exceção e, segundo profissionais da saúde têm aumentado durante a quarentena. No Brasil, o isolamento social imposto pela pandemia provocou um aumento de 40% nos casos de violência contra a mulher, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o que se reflete também num número maior de registros de serviços de saúde que atendem vítimas desse crime e realizam a interrupção da gravidez prevista em lei. Reportagem de Joana Oliveira mostra que, somente o Hospital Pérola Byington, em São Paulo, realizou 275 procedimentos de aborto legal no primeiro semestre deste ano, 50% a mais que o registrado no mesmo período do ano passado. Neste hospital, que é referência no atendimento às vítimas de violência sexual no Brasil, 45% dos atendimentos de violência sexual referem-se a vítimas com até 11 anos.
"Nos centros de atendimento à interrupção legal da gravidez, as meninas menores de 18 anos são 60% do casos”, afirma o ginecologista obstetra Cristião Rosas, 65 anos, coordenador no Brasil da Rede Médica pelo Direito de Decidir (Global Doctors For Choice) e ex-diretor do Serviço de Atenção a Vítimas de Violência Sexual do Hospital Maternidade-Escola Vila Nova Cachoeirinha, na capital paulista. Em longa entrevista ao EL PAÍS, o médico —que realiza o procedimento legal desde 1989— defendeu a obrigatoriedade de treinamentos específicos para profissionais da saúde lidarem com casos assim e criticou a pressão dos grupos fundamentalistas religiosos sobre vítimas de violência sexual que optam por interromper a gravidez. “É preciso dar um basta nessa intromissão na individualidade das pessoas. Está se demonstrando à sociedade que a influência religiosa faz mal à saúde e põe a vida em risco”, afirmou.

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