sábado, 25 de julho de 2020

O apagão da extrema direita nas redes


A internet pegou fogo na tarde de ontem quando as contas da maior parte dos influenciadores de extrema-direita apareceu assim:
O ministro Alexandre de Moraes já havia ordenado há dois meses, em 26 de maio, a suspensão de uma série de contas de redes sociais ligadas ao presidente Bolsonaro. Os alvos eram a nata da rede de extrema direita: os blogueiros ativistas Allan dos Santos e Bernardo Küster, a ativista Sara Winter, os empresários Luciano Hang e Edgard Corona, donos de Havan e SmartFit, respectivamente. 
Só havia um problema: a ordem não podia ser cumprida por não conter nomes de usuários e URLs. Trata-se de um requisito do Marco Civil da Internet para que a justiça ordene a remoção de um conteúdo.
Quase dois meses depois, uma nova ordem foi expedida – e desta vez executada por Twitter e Facebook. E assim, ontem, sexta-feira, parte considerável dos influenciadores bolsonaristas foi varrida das redes sociais no Brasil como se tivessem apagado a luz.
Na sentença, Moraes falou em "reiteração de ordem anterior não cumprida" e impôs multa diária de R$ 20 mil por perfil não bloqueado no prazo de 24 horas a partir da notificação. Mas é fato que no documento de maio não constavam os perfis e URLs das páginas de Twitter e Facebook, argumento usado pelas empresas para empurrar com a barriga aquela decisão.
Muita gente comemorou o apagão da extrema direita, conhecida por espalhar notícias falsas, teorias conspiratórias e ataques a pessoas e instituições. Não é todo dia que notórios espalhadores de mentiras, assassinos de reputação e incitadores de violência são banidos das redes. "Grande dia" virou trending topic no Twitter. Ufa. Depois de tanto tempo, finalmente as redes estariam livres dessa escória. Só que não é bem assim. 
Gente como Allan dos Santos, Bernardo Küster e muitos outros que seguem espalhando ódio tranquilamente só chegaram ao tamanho que têm hoje porque Twitter, Facebook e Google (dono do Youtube) foram coniventes, por anos, com as contas e perfis de extrema direita que cresceram se alimentando da lógica das redes. Seus termos de uso são bem claros em relação a discursos de ódio, incitação à violência e propagação de alguns conteúdos falsos, como desinformação sobre a covid-19. 
Mas limitar o alcance de alguns dos principais usuários de seus produtos seria ruim para os negócios do Vale do Silício. As redes sociais ganham dinheiro com o tempo que damos de graça a elas. Quanto mais tempo ficamos online, mas eles faturam com publicidade. Não importante se estamos vendo fotos de gatos fofos ou ataques racistas contra alguém. Se é ruim para a democracia, paciência. Quem se importa com ela se o dinheiro está jorrando no caixa?
Tem mais: a decisão só é válida no Brasil. Twitter e Facebook não confirmaram, mas o aviso exibido nos perfis removidos explica que as páginas estão indisponíveis só por aqui. Em outros países, usuários relataram ter visto posts – e se encarregaram de espalhar os prints com a palavra da extrema direita pela mesma rede da qual foram banidas, desta vez esperneando contra a censura. Os perfis podem ter sido removidos, mas a suspensão deu uma nova vida para a narrativa de perseguidos políticos e censurados que os ativistas estão tentando fazer colar desde que o inquérito começou – e continua livremente no submundo do zap bolsonarista.
Uma conta em nome da ativista Sara Giromini, que usa publicamente o sobrenome Winter, chegou a postar o seguinte:
Giromini, inclusive, está proibida por Moraes de usar suas redes sociais, sob pena de voltar a ser presa. Menos de uma hora depois da postagem, ela a apagou. Küster, um cristão pouco afeito à caridade e ao amor ao próximo pregados pela religião que diz professar, classificou o dia de "sexta-feira chinesa" e se disse vítima de "censura". 
Censura parece pesado, mas não é só gente da extrema direita que concorda com ele. Para Francisco Brito Cruz, pesquisador em direito e tecnologia e diretor do InternetLab, a decisão de Moraes é, sim, "censura prévia". Isso porque o ministro não a fundamentou para conteúdos específicos, mas afirmou ser necessária a "interrupção dos discursos" de ódio, subversão da ordem e incentivo à quebra da normalidade institucional e democrática. Pablo Ortellado, filósofo e coordenador do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação, da USP, concorda com ele. "Uma coisa é investigar e eventualmente punir por aquilo que publicaram; outra, inteiramente diferente, é impedir que falem", ele tuitou. 
É verdade que as contas banidas têm um longo histórico de violência, discurso de ódio e mentiras. Seria possível argumentar que já praticaram crimes antes – pelos quais são investigados – e que seguem praticando-os em suas redes. Portanto, é necessário que percam suas armas. Mas não foi isso que levou o Supremo a agir. O pedido de remoção das contas bolsonaristas é relacionado ao inquérito das fake news – aquele que incluiu a censura de reportagem da revista Crusoé sobre Dias Toffoli (que nós republicamos pois achamos a decisão inaceitável). 
Ele não levou em conta postagens específicas – tanto é que sequer especificava posts e arrobas –, mas a história pregressa dos alvos. Se há, de fato, crimes cometidos pelos ativistas, não sabemos. O inquérito segue em sigilo.
Vale lembrar, ainda, que neste inquérito os ministros do Supremo Tribunal Federal são ao mesmo tempo vítimas, investigadores e, daqui a algum tempo, julgadores. "Quais os critérios que justificam que o STF atue num caso como esse? Devemos entrar com ações no Supremo pra derrubar contas de todo mundo que espalhou fake news sobre Coronavírus? Sobre protestos? É essa a competência do Tribunal?", questionou o advogado e professor Horacio Neiva no Twitter.
É verdade que a turma que Moraes persegue agora costuma celebrar a ditadura, a tortura, e que já manifestou o pouco apreço que sente pelo bem estar e pela vida dos inimigos de sua causa. Mas dá para imaginar o tipo de perseguição que um STF de maioria reacionária e autoritária faria contra críticos e jornalistas usando o mesmo instrumento. E isso nem está distante – se for reeleito em 2022, Bolsonaro pode fazer da corte suprema algo bem parecido com essa descrição.
A questão permanece em aberto porque o inquérito ainda não veio a público. Em maio, Sara Giromini gravou um vídeo no qual disse explicitamente sobre Alexandre de Moraes: "Ele mora lá em São Paulo, não é? (...) vamos descobrir os lugares que o senhor frequenta, a gente vai descobrir quem são as empregadas domésticas que trabalham para o senhor...". Isso é crime. No mesmo mês, Allan dos Santos postou uma foto na qual aparecia fumando um cigarro e mandando um dedo médio na frente do STF. Isso é apenas bobagem. Do que exatamente o STF está falando? 
Ninguém sabe. Ainda.
Leandro Demori
Editor Executivo
 
Rafa Moro Martins
Editor Contribuinte Sênior
Tatiana Dias
Editora Sênior

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