Um assassinato brutal no estacionamento de uma unidade do Carrefour, em Porto Alegre, causou perplexidade no Brasil, que nesta sexta-feira lembra o Dia da Consciência Negra. A vítima, um homem negro —João Alberto Silveira Freitas, 40 anos— foi espancada até morrer por dois homens brancos, um segurança da loja e um policial militar, após uma discussão com uma funcionária do mercado, que em nota repudiou o crime. Os vídeos da agressão que resultaram na morte de Beto, como era conhecido, permeavam as redes sociais e os jornais brasileiros nesta sexta-feira, causando comoção numa data que existe justamente para fazer refletir sobre o que é ser negro no Brasil e sobre o racismo. Nesta edição destacamos, além desta trágica notícia, uma reportagem de Felipe Betim que reflete sobre como a tese da democracia racial não existe no Brasil. A reportagem compara os números assustadores de assassinatos de pessoas negras no país, superiores até que os registrados em outro país racista, os Estados Unidos. A questão racial sempre foi prioritária na nossa cobertura. Em dezembro de 2013, um mês depois do nascimento do EL PAÍS no Brasil, um evento pautava o noticiário brasileiro. Um amontoado de adolescentes entravam em shopping centers de São Paulo para se divertir. A maioria negros. Eram os chamados rolezinhos, uma nova balada daquele momento em que encontros eram marcados pelas redes sociais para irem todos juntos fazer o que todo adolescente gosta de fazer. Olhar vitrines, paquerar, e rir com os amigos. Saindo do trivial, cantavam funk. A quebra de padrão assustou a classe média, que protestou contra a suposta invasão. Jovens então foram detidos, outros revistados, e o Brasil seguiu adiante. O assunto foi abordado brilhantemente pela colunista Eliane Brum. Não havia dúvidas que o racismo era um fator que estigmatizava os rolezinhos. Os episódios seriam tema de diversas reportagens e análises deste jornal. Muitas reportagens seriam escritas desde então para abordar o racismo no Brasil e no mundo. A então correspondente María Martín descobriu, em 2016, que o primeiro episódio de discriminação racial que chegara ao Judiciário brasileiro foi em 1955, quando “o caso do menino preto” foi parar nos jornais. O tal menino era Fernando Dias, filho de uma faxineira e de um mordomo, que tinha então 3 anos e contava com a generosidade da patroa rica para estudar numa escola de elite. A criança foi expulsa pelos olhares enviesados de outros pais de alunos e a expulsão foi parar na Justiça. Ele venceu. Também nesta edição recomendamos a leitura da reportagem de Daniela Mercier, que conta de maneira primorosa como a estudante Isadora Ribeiro, 21 anos, reuniu outras jovens negras como ela para resgatar a memória de mulheres negras que ajudaram a construir o Brasil mas tiveram suas histórias apagadas ao longo do tempo. Dandara, mulher de Zumbi dos Palmares, Esperança Garcia, a primeira advogada do Piauí em 1770, e mais recentemente, Carolina de Jesus, e Marielle Franco, num total de 41 personagens, tiveram sua histórias contadas e ilustradas em Narrativas Negras, corrigindo uma falha da nossa sociedade. Falta muito para que o Brasil possa dar o espaço que deveria às negras e negros. Mas o EL PAÍS certamente vai continuar debatendo e denunciando o racismo o ano todo, para ser uma gota no oceano em prol da justiça e da atenção que o assunto merece. | ||||||||||
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