quinta-feira, 26 de novembro de 2020

A Argentina, e o mundo, perdem Maradona

 


“Cala a boca e me abraça, idiota!” Na frente de Maradona, Checho Batista estava incrédulo. O colega acabara de marcar um evidente gol de mão contra a Inglaterra nas quartas de final da Copa de 1986. Precisava do abraço. Precisava simular que era tudo normal para enganar o juiz. E o gesto de certa forma resumia o argentino Diego Armando Maradona, um dos maiores jogadores de futebol de todos os tempos, que morreu ontem, aos 60 anos, de parada respiratória. Um gênio completo do futebol com malandragem equivalente ao talento e uma vida repleta de polêmicas. Numa época pré-VAR e com a festa dos argentinos em campo, o gol irregular de Maradona, mais tarde apelidado de “A Mão de Deus”, foi validado (YouTube). A Argentina venceu a partida por 2 a 1 e depois conquistou a Copa, puxada pela genialidade de seu maior craque.

Conquistar a Copa foi o ponto culminante de uma carreira que começou aos 16 anos no Argentino Juniors. Ficou de fora da Copa de 1978, embora já tivesse jogado pela seleção argentina, mas encantou o mundo no ano seguinte, na Copa Sub-20. Passou pelo Boca e brilhou em grandes clubes europeus, como o Barcelona e o Napoli. Foram 483 partidas oficiais disputadas, 255 gols e 11 títulos.

Se você tem dúvidas sobre a genialidade de Maradona, confira estes cinco lances.

Mas na década de 1990 a estrela de Maradona começou a se apagar, com seu talento sufocado pela dependência de cocaína. Em 1991 foi flagrado no antidoping num jogo entre o Napoli e o Bari e acabou suspenso por 15 meses. Três anos depois, na Copa dos EUA, acabou banido da competição quando um exame deu positivo para efedrina, uma substância proibida. Sua vida de atleta terminou em 1997, dando lugar de vez à de dependente químico. Chegou a aparecer em público trôpego e foi internado com vários problemas de saúde ao longo das últimas décadas. (Folha)

O craque também tinha uma atuação política forte. Esquerdista orgulhoso, tinha tatuagens de Fidel Castro e Che Guevara e uma ligação estreita com os ex-presidentes brasileiros Lula e Dilma.

No mundo da bola, a notícia foi devastadora, com homenagens de todo o mundo. Pelé, com quem Maradona tantas vezes trocou farpas, resumiu: “Um dia, eu espero que possamos jogar bola juntos no céu.” Mas não foram só atletas. No Vaticano, o Papa Francisco o chamou de “poeta do futebol”. O velório começa hoje na Casa Rosada, sede do governo argentino.

Alberto Amato, do Clarín: “Foi um dos grandes ídolos argentinos, o que implica a tragédia inevitável. Maradona não tinha os 33 anos de Eva Perón ou os 45 de Carlos Gardel, mas compartilhou com eles a fogueira, a imolação, a oferenda. O menino humilde que chega tão longe exerce fascínio, traz em si uma certa autoridade moral que muitas vezes não tem, mas isto licencia autoconfiança, rebelião, fúria e ternura, tudo junto. O destino do ídolo está escrito como em uma peça: primeiro a miséria, a ascensão à glória e a tragédia final. A vida de Maradona parecia escrita por Shakespeare. E ele desempenhou o papel como o melhor dos atores. Maradona tentou se livrar dos vícios, da cocaína, do álcool, para cair novamente como Sísifo e sua pedra. Uma dessas recaídas afundou a Seleção Argentina na Copa do Mundo dos Estados Unidos. Até isso lhe foi perdoado. Construiu seu próprio Calvário, pregou os pregos na cruz na crença de que tudo lhe seria perdoado. Até que seu corpo se partiu como um galho frágil. O sofrimento nacional inconsolável. Mas ele estará por toda parte sempre. Se Gardel canta melhor a cada dia, Maradona e seus gols serão mais espetaculares. Mas é um absurdo: Maradona está morto e a tristeza é irremediável.” (Clarín)

Tostão: “Maradona, além de ter sido um dos maiores craques da história do futebol mundial, é um símbolo da tragédia humana, de um tango argentino, por ter sido, ao mesmo tempo, genial, contraditório, divino e humano, sem nunca esconder suas fraquezas. Essa é uma das razões dos argentinos adorarem tanto seu ídolo. Paradoxalmente, Maradona era o maior craque do mundo em uma época em que a ciência esportiva tentava fazer do futebol um jogo essencialmente científico, programado e previsível. Ele, com seu show de habilidades, inventividade, imprevisibilidade, plasticidade e efeitos especiais, foi uma resistência ao futebol pragmático.” (Folha)





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