sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Um Brasil de luto no Dia da Consciência Negra

 

Brasil


Um assassinato brutal no estacionamento de uma unidade do Carrefour, em Porto Alegre, causou perplexidade no Brasil, que nesta sexta-feira lembra o Dia da Consciência Negra. A vítima, um homem negro —João Alberto Silveira Freitas, 40 anos— foi espancada até morrer por dois homens brancos, um segurança da loja e um policial militar, após uma discussão com uma funcionária do mercado, que em nota repudiou o crime. Os vídeos da agressão que resultaram na morte de Beto, como era conhecido, permeavam as redes sociais e os jornais brasileiros nesta sexta-feira, causando comoção numa data que existe justamente para fazer refletir sobre o que é ser negro no Brasil e sobre o racismo.

Nesta edição destacamos, além desta trágica notícia, uma reportagem de Felipe Betim que reflete sobre como a tese da democracia racial não existe no Brasil. A reportagem compara os números assustadores de assassinatos de pessoas negras no país, superiores até que os registrados em outro país racista, os Estados Unidos.

A questão racial sempre foi prioritária na nossa cobertura. Em dezembro de 2013, um mês depois do nascimento do EL PAÍS no Brasil, um evento pautava o noticiário brasileiro. Um amontoado de adolescentes entravam em shopping centers de São Paulo para se divertir. A maioria negros. Eram os chamados rolezinhos, uma nova balada daquele momento em que encontros eram marcados pelas redes sociais para irem todos juntos fazer o que todo adolescente gosta de fazer. Olhar vitrines, paquerar, e rir com os amigos. Saindo do trivial, cantavam funk. A quebra de padrão assustou a classe média, que protestou contra a suposta invasão. Jovens então foram detidos, outros revistados, e o Brasil seguiu adiante. O assunto foi abordado brilhantemente pela colunista Eliane Brum. Não havia dúvidas que o racismo era um fator que estigmatizava os rolezinhos. Os episódios seriam tema de diversas reportagens e análises deste jornal.

Muitas reportagens seriam escritas desde então para abordar o racismo no Brasil e no mundo. A então correspondente María Martín descobriu, em 2016, que o primeiro episódio de discriminação racial que chegara ao Judiciário brasileiro foi em 1955, quando “o caso do menino preto” foi parar nos jornais. O tal menino era Fernando Dias, filho de uma faxineira e de um mordomo, que tinha então 3 anos e contava com a generosidade da patroa rica para estudar numa escola de elite. A criança foi expulsa pelos olhares enviesados de outros pais de alunos e a expulsão foi parar na Justiça. Ele venceu.

Também nesta edição recomendamos a leitura da reportagem de Daniela Mercier, que conta de maneira primorosa como a estudante Isadora Ribeiro, 21 anos, reuniu outras jovens negras como ela para resgatar a memória de mulheres negras que ajudaram a construir o Brasil mas tiveram suas histórias apagadas ao longo do tempo. Dandara, mulher de Zumbi dos Palmares, Esperança Garcia, a primeira advogada do Piauí em 1770, e mais recentemente, Carolina de Jesus, e Marielle Franco, num total de 41 personagens, tiveram sua histórias contadas e ilustradas em Narrativas Negras, corrigindo uma falha da nossa sociedade.

Falta muito para que o Brasil possa dar o espaço que deveria às negras e negros. Mas o EL PAÍS certamente vai continuar debatendo e denunciando o racismo o ano todo, para ser uma gota no oceano em prol da justiça e da atenção que o assunto merece.


Na véspera da Consciência Negra, cliente negro é espancado até a morte em loja do Carrefour
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O Brasil é mais racista que os EUA?
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