CAPA – Manchete principal: ”Ala da Igreja Católica oferece a Bolsonaro apoio em troca de verba”
EDITORIAL DO ESTADÃO - ”O engodo e o embuste na vida pública”: Na vida política, as mentiras costumam ser mais plausíveis do que a realidade, uma vez que o mentiroso tem a vantagem de saber de antemão o que a plateia deseja. Ele prepara sua história para consumo público, de modo a tornála crível. Com isso, a verdade tende a desaparecer da vida pública, corroendo a estabilidade democrática. Esta é a conclusão de um dos ensaios mais discutidos no final da década de 1960, sobre o uso da mentira na política. De autoria da filósofa alemã Hannah Arendt e incluído no seu livro Crises da República, o ensaio discute o embuste e a falsidade deliberada como meios que determinados políticos utilizam para alcançar fins imorais e torpes. Também analisa as estratégias de vazamento de informações e a construção de narrativas que permitam interpretação deturpada dos fatos antes mesmo de eles acontecerem. “A veracidade nunca esteve entre as virtudes políticas. A capacidade de mentir e a capacidade de agir devem sua existência à mesma fonte: imaginação”, diz Arendt. Escritas há cinco décadas, essas palavras são de uma atualidade preocupante quando relidas à luz do que disse o presidente Jair Bolsonaro na quinta e na sexta-feira passadas, sobre os atos convocados por diferentes órgãos da sociedade civil para protestar contra as manifestações semanais de bolsonaristas em favor de uma ditadura militar por ele chefiada. Nas lives de que participou e nos discursos que fez nesses dois dias, Bolsonaro comportou-se como se o ensaio de Hannah Arendt tivesse sido escrito com base em suas falas. Procurando associar à violência os atos de protesto contra seu governo, o presidente deixou claro que os atos de domingo não serão travados entre adversários políticos, mas entre inimigos – entre “o pessoal de verde e amarelo, que é patriota”, e “idiotas, marginais, viciados e terroristas”. Segundo Bolsonaro, “este pessoal tem costumes que não condizem com a maioria da sociedade brasileira”. Além de desqualificar opositores no plano moral, que é uma conhecida prática fascista, Bolsonaro os acusou de serem inimigos da liberdade. “Mais importante que a sua vida é a sua liberdade. Esse pessoal não tem nada para oferecer para você. Se você pegar cem desse aí (sic), a maioria é estudante. Se você pegar e aplicar a prova do Enem neles, ninguém tira nota 5. São idiotas que não servem para nada”, afirmou. Como se não bastasse, o presidente ainda pediu aos pais que impeçam os filhos de participar dos atos contrários ao seu governo. “Quem for possível exercer o controle em cima dos filhos (sic), exerça para não deixar o filho participar. Alguns vão dizer que eu estou cerceando a liberdade. Isso não é liberdade de expressão, o cara vai para o quebra-quebra. E vai ter muito garoto desse usado como massa de manobra, idiota útil”, disse Bolsonaro, procurando desde logo responsabilizar seus opositores por qualquer ato violento. Horas depois, anunciou que em breve concederá autorização para importação, sem imposto, de armas de uso individual. Na ocasião, afirmou que “a boa medida (sic) vai ajudar todo o pessoal do artigo 142 da nossa Constituição”, referindo-se talvez aos membros das Forças Armadas. Além de definir as atividades militares, esse artigo se limita a classificar as Forças Armadas como “instituições que, sob a autoridade suprema do presidente da República, destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa destes, da lei e da ordem”. Mas, numa interpretação tortuosa e absurda desse texto, Bolsonaro acredita que este lhe confere a prerrogativa de convocá-las quando bem entender e para o que bem quiser. Mesmo advertido para o erro que comete, insiste em repeti-lo. Em seu ensaio sobre a mentira na política, Hannah Arendt lembra que o engodo e o embuste costumam ser eficientes apenas quando o mentiroso tem ideia clara da verdade do que tenta esconder. Bolsonaro sabe o que quer. Mas em momento algum consegue esconder seus anseios ignominiosos.
”Por verbas, TVs católicas oferecem apoio ao governo” - A queda de popularidade do presidente Jair Bolsonaro tem atraído propostas de alianças em troca de recursos públicos. Uma das mais tentadoras partiu de padres e leigos conservadores que controlam boa parte do sistema de emissoras católicas de rádio e TV. Ligados à ala que diverge politicamente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) dentro da Igreja, eles prometeram “mídia positiva” para ações do governo na pandemia do novo coronavírus. Pediram em contrapartida, porém, anúncios estatais e outorgas para expandir sua rede de comunicação. A proposta foi feita no último dia 21, em videoconferência com a participação de Bolsonaro, sacerdotes, parlamentares e representantes de alguns dos maiores grupos católicos de comunicação, no Palácio do Planalto. A reunião foi pública e transmitida por redes sociais do Planalto e pela TV Brasil. Na “romaria virtual”, o grupo solicitou acesso ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e, principalmente, à Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom). Dona do quinto maior orçamento do Executivo, a Secom tem R$ 127,3 milhões em contratos com agências de publicidade. Bolsonaro prometeu tratar pessoalmente do assunto. Um dos pedidos mais explícitos foi feito pelo padre Welinton Silva, da TV Pai Eterno, ligada ao Santuário Basílica do Divino Pai Eterno, em Trindade (GO). Silva afirmou que a emissora, há um ano no ar, passa por dificuldades e espera uma aproximação com a Secom para oferecer uma “pauta positiva das ações do governo” na pandemia da covid-19. “A nossa realidade é muito difícil e desafiante, porque trabalhamos com pequenas doações, com baixa comercialização. Dentro dessa dificuldade, estamos precisando mesmo de um apoio maior por parte do governo para que possamos continuar comunicando a boa notícia, levando ao conhecimento da população católica, ampla maioria desse país, aquilo de bom que o governo pode estar realizando e fazendo pelo nosso povo”, disse o padre. “Precisamos ter mais atenção para que esses microfones não sejam desligados, para que essas câmeras não se fechem.” O padre e cantor Reginaldo Manzotti, da Associação Evangelizar é Preciso, com rádios e TV próprias, cobrou agilidade e ampliação das outorgas e destacou o contraponto que os católicos podem fazer para frear o atual desgaste na imagem de Bolsonaro e do governo. “Nós somos uma potência, queremos estar nos lares e ajudar a construir esse Brasil. E, mais do que nunca, o senhor sabe o peso que isso tem, quando se tem uma mídia negativa. E nós queremos estar juntos”, observou Manzotti, dirigindo-se ao presidente. O empresário João Monteiro de Barros Neto, da Rede Vida, afirmou que “Bolsonaro é uma grande esperança”. Argumentou, ainda, que veículos católicos precisam ser “verdadeiramente prestigiados”. Barros Neto pediu não apenas mais entrevistas, como também a participação do presidente em eventos promovidos por católicos. “A Rede Vida é a quarta maior rede de TV digital do País, mas, para que possamos crescer, precisamos ter mais investimentos”, resumiu ele. ‘Ciúmes’. Emissoras de TV ligadas a grupos religiosos receberam, no ano passado, R$ 4,6 milhões em pagamentos da Secom por veiculação de comerciais institucionais e de utilidade pública. Os veículos católicos ficaram com R$ 2,1 milhões e os protestantes, com R$ 2,2 milhões. Em 2020, emissoras de TV católicas receberam, até agora, R$ 160 mil, enquanto as evangélicas, R$ 179 mil, de acordo com planilhas da Secom. O encontro virtual foi intermediado pelo líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), com a Frente Parlamentar Católica. O deputado frequentava grupos de oração da Renovação Carismática Católica. Enciumado com o acesso da Frente Parlamentar Evangélica ao Planalto, o presidente da bancada católica, deputado Francisco Jr. (PSD-GO), pediu que Bolsonaro promova, mensalmente, um café da manhã de conversa e oração com eles. “Estamos um pouco enciumados. Nós somos a maioria e a maioria é que ganha eleição sempre”, alegou Francisco Jr., para quem as pautas da bancada “têm a cara de Jair Bolsonaro.” O deputado Diego Garcia (Podemos-PR) afirmou, por sua vez, que a bancada quer fortalecer o governo. “O senhor pode contar 100% nas matérias pertinentes em apoio ao governo”, disse Garcia a Bolsonaro. Já o deputado Eros Biondini (Pros-MG) afirmou que há “empresários católicos alinhados com o governo” interessados em investir no Brasil e defendeu a liberação de verbas para entidades filantrópicas do setor que mantêm unidades de saúde. Audiência. A Rede Católica de Rádio possui oito geradoras que distribuem conteúdo para mais de mil emissoras e transmitem em cadeia para cerca de 430. O sistema de TV também é expressivo. No Brasil, há nove emissoras católicas de TV, geradoras de conteúdo: Aparecida, Nazaré, Imaculada, Horizonte, Pai Eterno, Rede Vida, Canção Nova, Século 21 e Evangelizar – as três últimas ligadas a movimentos da Renovação Carismática Católica. As primeiras não participaram da videoconferência. Já a Rede Vida, a maior delas, tem na grade programas de ícones do movimento, como O Terço Bizantino, do padre Marcelo Rossi, e o Rede Vida Sertaneja, do padre Periquito. Na videoconferência com Bolsonaro, o padre João Henrique, da Aliança de Misericórdia, descreveu o presidente como alguém que enfrenta uma “batalha espiritual” que exige “armas espirituais”. “A gente se identifica muito com as batalhas que o senhor está travando, somos muitos na Igreja Católica que oramos pelo senhor. Sentimos saudade do senhor. A Igreja Católica quer abraçar o seu filho e desejaria tê-lo mais próximo e mais atuante dentro da Igreja”, insistiu. O flerte entre Bolsonaro e veículos de comunicação católicos simpáticos ao governo representa uma investida do Planalto na divisão latente na Igreja. De um lado, conservadores alinhados ao governo, principalmente aqueles ligados à Renovação Carismática Católica e, de outro, progressistas e críticos do bolsonarismo vinculados à CNBB. Alguns episódios recentes marcaram uma escalada no tensionamento. A presença constante do presidente em manifestações antidemocráticas e a posição dele contrária às recomendações sanitárias no combate à pandemia da covid-19 fizeram a CNBB elevar o tom contra o governo e dizer que Bolsonaro “ameaça a saúde” e perdeu “credibilidade” social. Entidades ligadas ao episcopado chegaram a defender o impeachment do presidente. Padres identificados com movimentos de leigos (católicos praticantes não ordenados) conservadores e carismáticos, por outro lado, se aproximaram do Planalto.
”’Emissora nunca foi reconhecida’, diz empresário’” - O empresário João Monteiro de Barros Neto, da Rede Vida, disse que não teve mais contatos com o governo depois da videoconferência do dia 21. Afirmou ainda que houve queda de veiculação de publicidade estatal da ordem de 85% no governo Bolsonaro e que, mesmo em gestões anteriores, a emissora “nunca chegou a ser reconhecida pela sua cobertura e programação”. “A expectativa que a Rede Vida tem é que as veiculações publicitárias governamentais possam ser consentâneas com sua abrangência e importância.” O deputado Francisco Jr., presidente da Frente Católica, disse ao Estadão que o pedido de ajuda em forma de anúncios “destoou” do tom da reunião. “A Igreja Católica não é unânime. Tem gente de direita, de esquerda e de centro”, observou. O Planalto não quis comentar e a CNBB alegou não ter participado do encontro.
”Bolsonaro cogita Força Nacional em ato” - Com o temor de que atos previstos para amanhã se transformem em grandes movimentos de rua contra seu governo, o presidente Jair Bolsonaro intensificou ontem as críticas aos manifestantes e discute até mesmo convocar a Força Nacional de Segurança Pública para atuar nos protestos. Ao inaugurar um hospital de campanha em Águas Lindas de Goiás, cidade próxima a Brasília, Bolsonaro chamou novamente de “marginais” integrantes de grupos contrários ao seu governo. O presidente também voltou a pedir que seus apoiadores não participem desses atos. “Que o outro lado que luta pela democracia, que quer o governo funcionando e quer um Brasil melhor e preza por sua liberdade, que não compareça às ruas nesses dias para que (...) a Força de Segurança, nossas forças estaduais, bem como a nossa (Polícia) Federal possam fazer seu devido trabalho, (se) porventura esses marginais extrapolarem os limites da lei”, afirmou Bolsonaro. Como mostrou o Estadão, o Palácio do Planalto tem receio de que manifestações em defesa da democracia e contra o governo cresçam, aumentando a pressão pelo impeachment do presidente. O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), disse que não vai solicitar a Força Nacional para acompanhar os atos de amanhã. “O principal objetivo do governo do Distrito Federal, em relação às manifestações públicas programadas para o próximo domingo, dia 7, na Esplanada dos Ministérios, é garantir a segurança das pessoas e a integridade do patrimônio público”, afirmou o governo, em nota. “As forças de segurança do Distrito Federal, assim como outros órgãos do GDF, estarão nos locais dos eventos com o efetivo necessário para garantir a livre manifestação e a ordem.” Ao criticar os protestos, Bolsonaro também tenta criminalizar os movimentos. Nos últimos dias, ele tem classificado os manifestantes contra o governo não apenas de “marginais”, mas também de “terroristas” e “viciados”. Se a presença da Força Nacional for autorizada, não será a primeira vez que esse contingente vai atuar sob a gestão Bolsonaro. Em maio do ano passado, por exemplo, os agentes acompanharam atos na Esplanada. A função da Força neste tipo de missão é a de proteção do patrimônio público, para evitar que haja depredações de prédios de ministérios. Bolsonaro recebeu ontem um grupo de líderes evangélicos que oraram, no Planalto, contra a “baderna” e o “quebra-quebra” e pregaram a harmonia entre os Poderes. Sem citar os pedidos de impeachment para afastar Bolsonaro, os religiosos se manifestaram contra a “convulsão social e institucional” e disseram que é Deus quem escolhe e retira as autoridades públicas. “O povo brasileiro é um povo pacífico, não é povo de quebra-quebra, nem de baderna. A marca do povo brasileiro é o povo do verde e amarelo”, disse o pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, um antigo aliado e apoiador do presidente. “Esse País não vai ser Venezuela, não vai ser destruído por ninguém. Esse País não vai falir.” +++ O maniqueísmo é um dos principais “recursos” do discurso bolsonarista. Outros são a mentira e a distorção da realidade. Toda crítica ao governo e ao presidente podem ter mais eficiência se forem denunciados tais “recursos”.
”Tropeço e queda em chão de terra” - O presidente Jair Bolsonaro tropeçou e caiu de joelhos no chão de terra ao chegar em Águas Lindas de Goiás, onde participou de inauguração de hospital de campanha. Ele levantou com ajuda de assessor e voltou a caminhar normalmente.
”OAB-SP lança manifesto com apoio de Doria” - A seção de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (OABSP) lançou ontem o “Movimento Democracia Sempre”. O anúncio, feito virtualmente pelo presidente da OAB-SP, Caio Augusto Silva dos Santos, recebeu apoio do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), do presidente da Câmara Municipal de São Paulo, Eduardo Tuma (PSDB), e de representantes do Ministério Público Estadual e do Tribunal de Contas Estadual, entre outros. “Estaremos ao lado da OAB, ao lado de todas as instituições e brasileiros que, aqui de São Paulo, dirão um não a qualquer movimento autoritário ou qualquer movimento que busque um regime ditatorial no País”, afirmou Doria. Ele também criticou a atuação de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro em manifestações recentes. Eduardo Tuma, que representou o prefeito Bruno Covas (PSDB), também endossou a iniciativa. “A Câmara Municipal se sente honrada de participar na defesa da democracia”, afirmou o vereador, que também se manifestou contra a prorrogação de mandatos e o adiamento das eleições municipais de 2020. Em texto lido durante a transmissão, a OAB-SP afirmou que “o Movimento Democracia Sempre será um observatório, um escudo aos retrocessos civilizatórios e um núcleo de defesa contra todas as ameaças antidemocráticas, por meio do qual serão reiteradamente reafirmados o dever e a responsabilidade de defesa das mensagens #DemocraciaSempre e #AutoritarismoNão”. A OAB-SP elabora um documento para formalizar o movimento. O lançamento acontece no momento em que uma onda de manifestos assinados por personalidades brasileiras de diferentes setores da sociedade em defesa da democracia e em oposição ao presidente Jair Bolsonaro ganha volume.
”Sem acordo, Av. Paulista deve ter três manifestações no domingo” - A Avenida Paulista deve receber três manifestações de rua em um espaço de quatro horas amanhã. Após duas reuniões, não houve, ontem, acordo entre Polícia Militar (PM), Ministério Público Estadual (MP), manifestantes que defendem o governo do presidente Jair Bolsonaro, movimentos antirracistas e opositores do mandatário, como representantes de torcidas de futebol e integrantes da Frente Povo Sem Medo. Apesar de não haver acordo, grupos antirracistas e contra Bolsonaro negociavam, até a conclusão desta edição, unificar seus atos e tomar medidas para evitar que se encontrem com os defensores do presidente, segundo líderes desses grupos. Uma das propostas da Frente Povo Sem Medo, segundo o professor Guilherme Simões, é fazer uma caminhada do Masp até a Praça Roosevelt, passando pela Rua da Consolação. Com isso, eles evitariam contato com o grupo que defende o governo federal. No domingo passado, a PM usou bombas de gás lacrimogêneo para dispersar protesto de grupos de torcedores que se declaram antifascistas na Avenida Paulista. Os torcedores disseram que a confusão começou porque um bolsonarista se infiltrou na mobilização. Os apoiadores de Bolsonaro pretendem se reunir em frente à Fiesp às 11h. Inicialmente, o movimento negro pretendia começar o ato às 10h no Masp. O grupo pode se juntar à manifestação das 14h, no mesmo lugar, que reuniria torcedores de futebol e movimentos sociais. “Não teve consenso”, disse Simões. “Nosso intuito é fazer um protesto de forma pacífica”. Simões afirmou ao Estadão que, além da caminhada, o ato terá profissionais da Saúde, cujo trabalho será garantir que as pessoas mantenham uma distância de um metro e meio entre si, e distribuição de máscaras e de álcool em gel. Na segunda-feira, o governador João Doria (PSDB) havia determinado que atos de grupos opostos não poderiam ocorrer na mesma data, horário e local para “assegurar o direito às manifestações e preservar a segurança dos participantes”. De acordo com pessoas que estiveram na reunião, o acordo não foi possível porque nenhum dos grupos aceitou as propostas do governo paulista. O objetivo das reuniões, segundo o secretário da Segurança Pública, João Campos, era chegar a um acordo para que um dos grupos fizesse seu ato no sábado ou em outro lugar da cidade. Oficialmente, a PM diz que vai tentar negociar até o último minuto para evitar que grupos antagônicos se reúnam no mesmo lugar no fim de semana. Mas a corporação já prepara um reforço no policiamento na avenida Paulista. “Nessas manifestações, usaremos as informações que temos nos nosso planejamento para identificar e agir contra pessoas ou grupos que tentem impedir o uso deste direito constitucional (de manifestação)”, disse o secretário, ontem, durante coletiva de imprensa ao lado de Doria. Ele afirmou que a PM deverá fazer revistas em pessoas que querem participar do ato. “(Faremos) revistas criteriosas para evitar que as pessoas possam levar objetos que possam causar dano em outras pessoas.” Manifestos. Grupos que divulgaram manifestos pró-democracia ao longo da semana não recomendam a presença de apoiadores nos atos marcados para domingo. Há o temor por parte desses grupos, criados por entidades da sociedade civil e personalidades, que a manifestação termine em briga generalizada, como ocorreu domingo passado, o que daria uma narrativa para o governo Jair Bolsonaro condenar seus adversários – o presidente já classificou os manifestantes contrários a seu governo de “idiotas, marginais e viciados”. Além disso, os grupos citam o risco de contaminação em meio à pandemia do novo coronavírus. Para o sociólogo Marcelo Issa, coordenador do Transparência Partidária, uma das 130 organizações que fazem parte do Pacto pela Democracia, o ponto principal é a questão sanitária e a violência por parte dos bolsonaristas nas ruas. “O que me preocupa é a atuação de civis armados e a reação dos que apoiam Bolsonaro”, afirmou. Ele defende que durante a pandemia as manifestações contra o governo ocorram em formatos alternativos, como panelaços e panos pretos nas janelas das casas. “Mas não condeno quem sai às ruas.” Criador do Somos 70%, o engenheiro Eduardo Moreira disse que “respeita e compreende” quem for para a Paulista no domingo. “Não recomendo que se juntem ao ato pelo risco sanitário, mas respeito e recomendo as pessoas que cruzaram essa linha”, afirmou.
ENTREVISTA: FERNANDO GABEIRA, jornalista – ”Generais viram que proposta é a guerra civil”: Um ano atrás, o jornalista Fernando Gabeira tinha críticas ao presidente Jair Bolsonaro, mas avaliava que as instituições eram suficientes para contê-lo, como expressou em junho de 2019 em entrevista ao Estadão, onde é colunista. Não pensa mais assim. A pregação em favor de armar a população, seus movimentos para atrair as Forças Armadas e sua aproximação das polícias militares foram decisivos para o jornalista mudar de ideia. Para ele, a ação do presidente sugere o espectro de uma guerra civil ou um golpe de Estado, sem, necessariamente, participação direta das Forças. “Muito possivelmente ele pode estar articulando um golpe usando polícias militares e neutralizando as Forças Armadas”, disse Gabeira, em nova conversa com o Estadão, anteontem. • Há quase um ano, o senhor fez críticas ao governo Bolsonaro, mas se mostrou confiante nas instituições. Recentemente, o senhor passou a defender que os brasileiros se mobilizem para barrar um possível golpe do presidente. O que aconteceu? - O primeiro aspecto da minha confiança eram os contrapesos democráticos, que estavam baseados no Congresso e no Supremo. Esses contrapesos continuam tentando fazer frente a esse processo. Mas há sobre eles, hoje, uma carga muito intensa, a partir do bolsonarismo. As manifestações foram claramente dirigidas ao fechamento do Congresso e do Supremo. Então, o que alterou é que Bolsonaro não está aceitando muito bem a presença desses contrapesos, pelo contrário, está tentando neutralizar alguns deles. Esse é um fato. Outro é a relação com as Forças Armadas, que sempre (desde a redemocratização) tiveram, aparentemente, um papel democrático, e funcionaram. E as Forças Armadas foram muito envolvidas pelo Bolsonaro. Não só pelo trabalho orçamentário, mas pela visão da reforma da Previdência dos militares, pela entrada de 3 mil militares no governo, entende? E sobretudo agora pela aliança que fizeram na Saúde. Praticamente, (as Forças) estão atraindo, participando ou partilhando uma política que pode trazer para elas uma repercussão nefasta. Então, isso tudo alterou muito o quadro.
• Recentemente, algum fato acelerou a mudança de opinião? - Aquela reunião (de 22 de abril) apresentou fatos alarmantes. O mais importante foi a defesa pelo Bolsonaro do uso de armas. Se você lembrar a campanha, Bolsonaro tinha como proposta de armamento da população a necessidade de se defender da violência urbana. Mas naquela reunião ficou evidente que ele tem uma visão de armas para a expressão da sua visão política. A pessoa armada teria condições de se expressar politicamente através das armas. Inclusive, sugeriu que isso fosse feito contra a quarentena. Quatro generais do Exército estavam presentes e não moveram uma palha, nem houve expressão de surpresa. Isso é absolutamente novo: os generais ouvindo a ideia de armar a população para a sua expressão política, sem terem algum tipo de reação.
• Na campanha de 2018, muita gente dizia “Bolsonaro só fala essas coisas horríveis para ganhar voto”. Ou: “Ele já pensou assim, não pensa mais...” - Bolsonaro, na Câmara dos Deputados, tinha um tática de popularização. Ele utilizava vários temas, como direitos humanos, como a questão das mulheres, da homossexualidade... Ele usava isso para se popularizar. A tática era pegar algumas pessoas conhecidas, por exemplo Maria do Rosário, Jean Wyllys, e fazer diante das câmeras alguns debates que sustentariam o seu público. Mas ele não tinha muito ideia de uma proposta para o Brasil. Tinha um saudosismo do governo militar, mas que não tinha correspondência naquele momento com a própria situação das Forças Armadas. Ao chegar ao governo, ele faz uma política de sedução das Forças Armadas. Ele está usando as Forças Armadas, de forma bem clara, como um elemento de intimidação. E as Forças Armadas, pura e simplesmente, estão se deixando usar. E isso não é o único perigo dele. Ele tem uma boa penetração nas polícias militares. Então, muito possivelmente, ele pode estar articulando um golpe usando polícias militares e neutralizando as Forças Armadas. Ele pode estar até em um ponto em que não precise usar as Forças Armadas. Basta que elas fiquem neutras e deixem a Polícia Militar atuar.
• Quando começou o governo, havia expectativa de que os militares seriam um fator moderador dos impulsos do Bolsonaro. - Olha, aconteceu o seguinte: ao invés de os militares se tornarem moderadores do Bolsonaro, ele se tornou um fator de radicalização dos militares. O general Augusto Heleno tem se tornado um radical, cada vez maior, dentro do governo. É claro que, no caso dele, pesou aquela prisão, na Espanha, de um oficial (na verdade, o sargento Manoel Silva Rodrigues) da Aeronáutica com cocaína. E ele, como o homem do GSI, foi considerado responsável pelo furo de segurança pelo Carlos Bolsonaro. Depois disso ele ficou assustado e começou a se unir a este grupo ideológico. Outros generais, por exemplo, o Braga Netto (chefe da Casa Civil) tem até uma capacidade de organização boa, mas não tem condições de segurar o Bolsonaro. Da mesma maneira, o (vice-presidente Hamilton) Mourão não tem esse papel. O Mourão sempre foi considerado pelos próximos ao Bolsonaro como um adversário em potencial. Então, ele se recolheu. O general (Luiz Eduardo) Ramos (chefe da Secretaria de Governo), que deu entrevista dizendo que são todos democratas e que é uma ofensa às Forças Armadas pensar que elas podem estar sendo cúmplices de um golpe, ele também é o cara que está fazendo a política do Bolsonaro. Então, esses generais viram que a proposta do Bolsonaro é a guerra civil. Eles sabem muito bem que Bolsonaro é um homem que ganha as eleições e denuncia as eleições como fraudadas. Então, com as armas na mão, o que vai querer fazer? Vai querer se rebelar. Eles sabem disso.
• O que explica a reação de Bolsonaro à pandemia? - O Bolsonaro pensa muito curto. Ele pensou: ‘O que isso pode fazer comigo? O que isso pode representar para o meu governo? Então, uma crise econômica, o desemprego, vão atrapalhar minha gestão. Então, vou negar essa epidemia’. Ele negou a epidemia porque achava que era contrária a ele.
• Como o senhor avalia a participação de Bolsonaro nas manifestações que pedem o fechamento do Supremo e do Congresso? - Qualquer democrata, diante de uma manifestação desse tipo, passa longe. Ele (Bolsonaro) vai lá saudar os manifestantes. Meio que demonstra, com isso, que tem uma simpatia pela causa deles. Ele tem alguma simpatia pela causa do fechamento do Congresso e do fechamento do Supremo.
• Bolsonaro pode ser levado a respeitar as leis? - Acho que é evidente agora que Bolsonaro está querendo armar o povo para uma expressão política, para que o povo tome uma posição política que eles querem. Está querendo criar milícias armadas. E um homem que quer armar parte da população está preparando uma guerra civil. Naquele momento, ficou bastante claro para mim qual é o desígnio dele, qual é a posição. Então, acho que tem que trabalhar para, ou neutralizá-lo visando ir até 2022, ou afastá-lo antes disso.
”Justiça intima Bolsonaro para explicar portaria sobre munições” - A Justiça Federal intimou o presidente Jair Bolsonaro, por meio da Advocacia-Geral da União (AGU), a dar explicações sobre a publicação de uma portaria que aumentou em três vezes a quantidade de munições que pode ser comprada por cada pessoa. A ação foi aberta após o Estadão revelar que a norma foi fundamentada em parecer do general de brigada Eugênio Pacelli Vieira Mota, que já havia sido exonerado e não tinha mais função no governo. A portaria elevou de 200 para 600 o número de projéteis permitidos anualmente por registro de arma de pessoa física. O despacho da 25.ª Vara Cível Federal de São Paulo atende a um pedido do deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP). Na ação, o parlamentar também cobra a revogação da portaria. Ao citar reportagens do Estadão, a ação afirma que “os documentos oficiais do Exército demonstraram que a elaboração do parecer de Pacelli ocorreu em menos de 24 horas – às 22h do dia 15 de abril – e consistiu em um email pessoal de três linhas”. O documento foi baseado, ainda, em outro parecer , subscrito por Fernanda Regina Vilares, chefe da Assessoria Especial de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça. Essa segunda peça limita-se a um “OK” em mensagem de WhatsApp. A Justiça Federal deu prazo de 72 horas para a AGU dar explicações, a contar do dia 4 de junho. Em nota, o órgão afirmou que está reunindo informações com ministérios responsáveis pela portaria, para poder se manifestar. A pressão de Bolsonaro para armar a população e aprovar a portaria foi evidenciada com a divulgação da tensa reunião ministerial do dia 22 de abril. O vídeo foi tornado público no mês passado por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) e mostra Bolsonaro determinando, nominalmente, que o seu então ministro da Justiça Sérgio Moro, e da Defesa, Fernando Azevedo, providenciem a portaria que ampliava o acesso a munições. A norma foi publicada no dia seguinte. Especialistas em direito administrativo ouvidos pelo Estadão consideraram “grave” e possível “fraude” a decisão do Ministério da Defesa de utilizar parecer de um general exonerado e sem função numa portaria para aumentar o limite de compra de munições. No País, 379.471 armas estão nas mãos da população, segundo a Polícia Federal. Dessa forma, o novo decreto pode possibilitar a compra de 227.682.600 balas (600 munições por arma). Após a divulgação da reportagem, o Ministério da Defesa afirmou em nota que “o militar estava em pleno exercício legal do seu cargo ao assinar os documentos”. No entendimento da Defesa, uma regra expressa do art. 22 da Lei 6.880/80 permite que o militar possa assinar atos mesmo exonerado e com um substituto em seu lugar.
”Presidente pede a TSE que rejeite provas de inquérito” - A defesa do presidente Jair Bolsonaro pediu ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que rejeite o compartilhamento de conteúdo do inquérito das fake news com os processos eleitorais que buscam a cassação da chapa presidencial eleita em 2018. A pedido do PT, o TSE ainda vai analisar se inclui ou não as provas do inquérito do STF, conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes – que nesta semana tomou posse como ministro do TSE. Há também pedidos para inclusão dos conteúdos da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPI Mista) das Fake News. A advogada Karina Kufa, que representa a chapa Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão, afirmou que os pedidos devem ser rejeitados porque não teriam, segundo ela, relação com o objeto original da ação de investigação judicial eleitoral. “São diametralmente opostos ao que se discute na presente ação”, disse. O pedido é fundamental para a defesa de Bolsonaro porque, no cenário atual, a inclusão de novas provas do controverso inquérito do STF é vista como algo que pode pavimentar o caminho da cassação do presidente e do vice no TSE. As ações mais delicadas são as que tratam do disparo de mensagens em massa pelo WhatsApp. A avaliação entre ministros do tribunal é a de que o compartilhamento, caso seja autorizado, deve dar um novo fôlego às investigações que apuram o disparo de mensagens em massa na campanha presidencial de 2018.
”Líder do Centrão é acusado de receber propina” - A Procuradoria-Geral da República denunciou no Supremo Tribunal Federal o deputado federal Arthur Lira (PP-AL), um dos principais líderes da sigla e do Centrão, por corrupção passiva. Ele já responde a duas ações na Lava Jato. Segundo a denúncia, Lira atuou como arrecadador de propina para o PP. Ele é acusado de movimentar R$ 1,6 milhão da Queiroz Galvão em troca de defender interesses da empresa no governo federal. A defesa de Lira afirmou, em nota, que a denúncia não se sustenta. O advogado Pierpaolo Bottini criticou o uso da delação de Alberto Youssef, que teria “inverdades”, e disse que, no processo, há depoimento que desmente a acusação.
”Decreto inclui avião para Exército; brigadeiros criticam” - A decisão do presidente Jair Bolsonaro de permitir ao Exército voltar a ter aviões provocou reação de integrantes da Força Aérea Brasileira (FAB). Brigadeiros ouvidos pelo Estadão criticam “a oportunidade da medida”, um período de crise econômica, em que as verbas para a Defesa são escassas. Também alegam que a medida pode afetar a operação conjunta das duas Forças. Foi por meio do decreto 10.386, publicado no dia 2, que Bolsonaro e o ministro da defesa, o general Fernando Azevedo e Silva, concederam ao Exército, após 79 anos, o direito de voltar a ter aeronaves de asa fixa. Até então, decreto de 1986 permitia ao Exército operar apenas helicópteros. “O problema não é o Exército ter sua aviação, mas o momento da decisão, que não é oportuno”, afirmou o tenente-brigadeiro-do-ar Sérgio Xavier Ferolla, ex-presidente do Superior Tribunal Militar (STM). Os custos de manutenção de uma aviação são considerados altos. Os brigadeiros ouvidos pelo Estadão citam o exemplo da Marinha, que depois de décadas de disputas com a FAB obteve o direito de operar aviões em seu porta-aviões São Paulo. Depois que o navio aeródromo foi aposentado pela Força, a aviação de caça naval, com duas dezenas de A-4 Skyhawk, ficou sediada em terra, na base de São Pedro da Aldeia, no Rio. Das três Forças, os integrantes da FAB são os que têm se mostrado mais distantes das polêmicas do governo. Em um ministério repleto de generais e almirantes, nenhum brigadeiro ocupa cargo na Esplanada. Apenas um coronel da Aeronáutica – o astronauta Marcos Pontes – é ministro (Ciência e Tecnologia). E vê seu cargo em risco diante das negociações de Bolsonaro com partidos do Centrão. Dos presidentes de clubes militares, só o da Aeronáutica, o brigadeiro Marco Carballo Perez, não se manifestou em apoio ao presidente contra recentes ações de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Um coronel da FAB, que pediu anonimato, reclamou dos termos abrangentes do decreto presidencial, que permitiram no futuro o Exército e ter qualquer tipo de aeronave, não só as de transporte de tropa. Ferolla afirmou que não se opor à ideia de o Exército ter aviação de asa fixa. O brigadeiro, hoje na reserva, esteve entre os oficiais responsáveis por ajudar o Exército a montar sua base de helicópteros, na sede da Aviação do Exército, em Taubaté (SP). O episódio encerrou então uma disputa de quase vinte anos, desde que o Exército buscara em 1969 pela primeira vez comprar helicópteros Bell H-1H. Prazo. Com a decisão de criar a tropa aeromóvel, o Exército foi autorizado em 1986 por decreto a ter helicóptero – decreto que Bolsonaro alterou. “Hoje, o Exército é o maior operador do País de aeronaves de asas rotativa”, disse o deputado federal, general Roberto Peternelli (PSLSP), que comandou a Aviação do Exército. Segundo ele, a intenção da Força – que contaria com a concordância dos comandos da Marinha e da Aeronáutica – é usar aeronaves em apoio logístico na Amazônia. “Muitas vezes a FAB tem prioridade distintas. E pode ser necessário o Exército fazer evacuação aeromédica.” Não é a curto prazo que a aviação do Exército vai operar aeronaves de asa fixa, seus próprios cargueiros leves, para cumprir missões na linha de fronteira, da Amazônia principalmente. A primeira reunião do grupo técnico que cuida do programa está prevista para a segunda metade de julho. Só depois começará o processo de definições. Segundo um general ouvido pelo Estadão, todas as especificações devem ser revistas. O decreto que permite à Força Terrestre empregar aviões determina também que a Aeronáutica e a Marinha cooperem com a reestruturação. Recentemente, o tema passou pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência, quando o general Alberto Santos Cruz era assessor especial da pasta. O plano foi exposto em uma reunião no Comando da Aeronáutica. A demanda do Exército era por maior autonomia e pronta resposta nas tarefas que exigem transporte aéreo. “A FAB argumentou que bastava que fosse feito um aporte de dinheiro na sua infraestrutura logística para aumentar a disponibilidade dos meios”, lembra um brigadeiro, ex-integrante do Alto Comando. Em 2018, foi anunciada a intenção de compra de oito aviões Sherpa Short C23, bimotores modernizados. Podem transportar 3,5 toneladas de carga ou 30 passageiros. Desmobilizados do Exército americano, seriam financiados por meio de operação de crédito do governo dos EUA de valor não revelado. O Exército não confirma o cronograma de entregas. O Estadão procurou o Ministério da Defesa, mas a pasta não se manifestou.
”Camargo é alvo de pedido de inquérito”
”Após crítica de Trump, Bolsonaro exalta amizade e cogita deixar OMS” - O presidente Jair Bolsonaro evitou ontem confrontar as declarações de Donald Trump, que citou o Brasil como mau exemplo na luta contra a covid-19. Diante do Palácio da Alvorada, o brasileiro exaltou a amizade com o americano e sugeriu que também pode retirar o País da Organização Mundial da Saúde (OMS), repetindo o que fez Trump com os EUA, em maio. “Ou a OMS deixa de ser uma organização política ou nós estudamos sair de lá”, afirmou Bolsonaro, que evitou criticar as declarações do presidente americano. “Trump é meu amigo, é meu irmão. Falei com ele esta semana, foi uma conversa maravilhosa. Um abraço Trump. O Brasil quer cada vez mais aprofundar nosso relacionamento”, disse Bolsonaro. Mais cedo, Trump fez um discurso nos jardins da Casa Branca e comparou Brasil e Suécia, que não impuseram quarentenas rígidas. “Se você olhar para o Brasil, eles estão passando por grandes dificuldades. Eles vivem citando o exemplo da Suécia, que está passando por um momento terrível. Se tivéssemos feito isso, teríamos perdido um milhão, talvez até 2 milhões ou mais de vidas”, disse o presidente americano. A Suécia, com 10 milhões de habitantes, registrou 4,6 mil mortes de covid-19, oito vezes mais que a Dinamarca e quase 20 vezes mais que a Noruega – ambos vizinhos têm metade da população sueca e adotaram isolamento rígido. Nesta semana, o governo sueco admitiu que deveria ter adotado medidas mais duras de afastamento social para conter a pandemia. No Brasil, o distanciamento foi determinado por Estados e municípios, não pelo governo federal. Apesar de ser considerado um aliado de Bolsonaro, Trump vem adotando um discurso crítico em relação ao País. No final de abril, o americano já havia alertado sobre o avanço da pandemia no Brasil. Em maio, ele suspendeu os voos do País, citando a gravidade do caso brasileiro. A entrevista coletiva de ontem foi convocada para Trump poder se vangloriar dos 2,5 milhões de empregos criados em maio – o desempenho econômico é considerado crucial para sua reeleição em novembro. Mas o presidente abandonou o teleprompter e disparou insultos de improviso. A declaração mais questionada foi quando ele se referiu a George Floyd, negro morto por policiais brancos em Minneapolis, na semana passada – o que deu origem à onda de protestos que completou ontem 11 dias. “Espero que George esteja olhando para baixo agora e dizendo que isto que está acontecendo é algo grandioso para nosso país. É um grande dia para ele. É um grande dia para todos”, disse o presidente, aparentemente se referindo ao aumento no número de empregos. Em seguida, a repórter Yamiche Alcindor, da PBS, que é negra, questionou se o presidente não faria algum pronunciamento para tratar do racismo nos EUA. Trump levantou a cabeça e colocou o dedo indicador no nariz, fazendo o gesto de silêncio. Depois, disse que o melhor remédio contra o racismo é a recuperação econômica. As últimas semanas foram desastrosas para o presidente. Apesar de criticar a situação do Brasil, os EUA ainda são o país mais afetado do mundo pela covid19, com quase 2 milhões de casos e 110 mil mortos. As medidas de isolamento afetaram a economia e o número de desempregados passou de 40 milhões em abril. Além das crises econômica e de saúde pública, a morte de Floyd causou uma tensão social, com protestos contra a violência policial e o racismo. Em vez de colocar panos quentes, Trump optou por uma resposta dura e ameaçou enviar tropas para reprimir as manifestações nos Estados. Em Washington, ele militarizou a repressão e foi criticado por importantes ex-generais e militares do alto comando das Forças Armadas. Por isso, os números de ontem, que indicaram uma recuperação do emprego em maio, contribuíram para o tom otimista do discurso do presidente. “Tínhamos a maior economia da história do mundo. E essa força nos permitiu vencer esta horrível pandemia, que já foi praticamente superada. Estamos indo muito bem”, disse. “Tomamos todas as decisões corretas.” Trump falou por cerca de uma hora. Assim que terminou, começaram as críticas – principalmente à referência feita a Floyd. O democrata Joe Biden, seu adversário em novembro, classificou o discurso de “desprezível”. Brandon Gassaway, porta-voz do Partido Democrata, disse que a mensagem do presidente “era um tapa na cara”. Alguns republicanos também criticaram Trump, entre eles Michael Steele, que é negro e foi presidente do Comitê Nacional Republicano. “O discurso não apenas soa mal, mas beira a blasfêmia diante do que aconteceu com Floyd”, disse Steele.
”UE reabrirá fronteiras externas em julho”
”Enem pode ser suspenso no ano que vem por falta de recursos, alerta MEC” - Um corte de R$ 4,2 bilhões no Orçamento do Ministério da Educação (MEC) previsto para 2021 pode levar à suspensão do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) no ano que vem. O alerta foi feito pelo ministério em ofício enviado ao Ministério da Economia e obtido pelo Estadão/Broadcast. A prova é usada por milhões de estudantes brasileiros como acesso à universidade. Para evitar esse desfecho, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, pediu complementação de R$ 6,9 bilhões ao limite previsto para 2021, conforme revelou ontem o estadao.com.br. O pedido ainda será analisado pela área econômica, que trabalha na elaboração da proposta orçamentária do ano que vem. O projeto precisa ser enviado ao Congresso Nacional até 31 de agosto de 2020. A estimativa inicial é de que o MEC tenha R$ 18,78 bilhões para despesas discricionárias (as que não são obrigatórias), que incluem o custeio de políticas educacionais, uma queda de 18,2% em relação aos R$ 22,97 bilhões programados para este ano. “Ressalta-se que, dentre os programas que correm risco de não serem continuados, encontra-se o consagrado Enem, e soma-se a esse prejuízo o fechamento de cursos, câmpus e possivelmente instituições inteiras, comprometendo a educação superior e a educação profissional e tecnológica”, diz o ofício assinado por Weintraub em 4 de junho. Em nota técnica, o subsecretário de Planejamento e Orçamento do MEC, Adalton de Rocha Matos, também cita o risco de suspensão na concessão de bolsas de pesquisa por meio da Capes e interrupção nos programas do Prouni, que concede bolsas integrais e parciais para estudantes ingressarem em universidades privadas. No ano que vem, a restrição nos gastos do governo volta a se impor porque todas as regras fiscais terão a vigência retomada. Em 2021, a âncora da política fiscal será o teto de gastos, mecanismo que limita o avanço das despesas à inflação. O teto é considerado pela equipe econômica instrumento fundamental para manter a credibilidade dos investidores no processo de ajuste das contas públicas. Apesar de o limite ser corrigido pela inflação, algumas despesas acabam crescendo num ritmo superior, como são os casos de benefícios previdenciários e assistenciais, de pagamento obrigatório. Quando isso acontece, as despesas não obrigatórias, que incluem o custeio das políticas e os investimentos, acabam ficando com um espaço menor no Orçamento – daí o corte na previsão de gastos para o MEC em 2021. Outras pastas também devem ser atingidas. O alerta do Ministério da Educação é uma primeira mostra da pressão por recursos que a equipe econômica deve começar a sofrer no processo de elaboração do Orçamento. A situação do ano que vem é diferente do cenário de 2020, em que o estado de calamidade pública decretado pela pandemia do novo coronavírus livrou a equipe econômica de cumprir regras fiscais e autorizou a expansão de gastos emergenciais para combater a crise. O rombo nas contas deve chegar a R$ 675,7 bilhões este ano, mais de cinco vezes o déficit de R$ 124,1 bilhões autorizado inicialmente. A situação ficou mais crítica porque a proposta de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2021, que lança os parâmetros para a elaboração do Orçamento, foi feita com base numa expectativa de correção do teto em 3,23%, mas a inflação deve ficar bem abaixo disso. Como mostrou o Estadão/Broadcast, o aumento dos preços num ritmo menor deve tirar R$ 16,7 bilhões do espaço reservado para gastos no ano que vem. Os pré-limites já foram repassados aos ministérios com uma previsão de correção de 2,08% no teto. No ano passado, Weintraub teve uma atuação bem-sucedida nas reuniões da Junta de Execução Orçamentária (JEO) que bateram o martelo sobre o Orçamento de 2020. Mesmo sem ser integrante permanente do colegiado, ele garantiu lugar privilegiado nos momentos decisivos da divisão do bolo de recursos e, após uma pressão corpo a corpo por mais dinheiro, conseguiu aumentar a dotação do MEC em cerca de R$ 5 bilhões. À época, outros ministérios tiveram perdas maiores, como Infraestrutura, Desenvolvimento Regional (que administra o Minha Casa Minha Vida), Mulheres e Meio Ambiente. Depois disso, Weintraub sofreu desgastes por episódios como a ofensa aos chineses e à China e a fala na reunião ministerial de 22 de abril em que defendeu a prisão de ministros do STF. Apesar disso, ele ainda tem o apoio do presidente Jair Bolsonaro, de seus filhos e da ala ideológica do governo. O Ministério da Economia informou em nota que os limites preliminares para gastos informados aos ministérios “foram definidos com base em projeções globais das despesas e receitas da União” e estão sujeitos a alterações. A pasta ressaltou que cabe ao ministério setorial distribuir internamente os valores, de acordo com as prioridades. O MEC não respondeu.
”País registra mais de mil mortos em 24 horas”
”Abin fez alerta sobre caos em cemitérios” - A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) alertou o Palácio do Planalto e ministros sobre situações de caos em cemitérios do País e a falta de espaços para sepultamentos, causados pelo aumento de óbitos pela covid19. Mesmo assim, o presidente Jair Bolsonaro tem acusado gestores de fazer “terrorismo” ao buscar novos espaços para enterros e xingou o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio Neto (PSDB), por ter aberto covas coletivas. Em informes sobre a pandemia que somam cerca de 950 páginas, com datas de 27 de abril a 13 de maio, obtidos pelo Estadão com exclusividade, a Abin mostra o desespero de famílias que não encontram parentes mortos em enterros precários em Manaus. “Famílias relatam desaparecimento temporário dos corpos de familiares que morreram na rede pública de saúde. No cemitério público Nossa Senhora Aparecida, a prefeitura informou que os corpos serão enterrados em valas comuns, empilhados três a três”, apontou a agência em documento de 29 de abril. No mesmo informe, a Abin afirma que cresce em Manaus a opção de cremar corpos “por não haver mais espaço suficiente nos cemitérios públicos” para vítimas da doença. Ainda segundo a agência, caixões na capital do Amazonas foram abertos por pessoas que buscavam parentes. “A ação ocorre após trocas e desaparecimento de cadáveres.” Apesar de alertas de autoridades de saúde e da Abin, Bolsonaro reclama da mobilização de gestores de Estados e municípios para dar conta de enterrar mortos pela covid. No início de abril, chamou de “terrorismo” a abertura de covas no cemitério da Vila Formosa, em São Paulo. Em reunião ministerial de 22 de abril, Bolsonaro xingou o prefeito de Manaus por abrir covas coletivas. “Aproveitaram o vírus, está um bosta de um prefeito lá de Manaus, agora, abrindo covas coletivas. Um bosta.” O presidente disse que Virgílio estava “aproveitando” a pandemia para levar um “clima desse, para levar o terror ao Brasil”. Dias após a reunião com ministros, em 4 de maio, a Abin informou sobre chegada de reforço de 300 urnas funerárias a Manaus, cidade já com a capacidade de enterros esgotada. Os informes da Abin abastecem o Centro de Coordenação de Operação do Comitê de Crise para Supervisão e Monitoramento dos Impactos da Covid19 (CCOP). Coordenado pela Casa Civil, o órgão foi criado em março, quando Bolsonaro atuava para retirar o protagonismo do Ministério da Saúde na crise. A Abin faz, desde março, diagnóstico da situação da pandemia no País e um mapeamento no exterior. Como revelou o Estadão no domingo, adota, nos documentos endereçados ao Planalto e a ministérios, discurso oposto ao do presidente sobre o tema. Procurados, a Presidência da República e o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) não se manifestaram.
”Desmatamento na Amazônia cresce 22% neste ano” - Nos cinco primeiros meses deste ano, o desmatamento na Amazônia foi 22% maior do que o registrado no mesmo período do ano passado, segundo o sistema Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). A perda foi de 1.844 km², ante 1.512 km² de janeiro a maio do ano passado. O total desmatado neste ano é o maior para o período de 5 meses desde 2015. Em apenas dez meses, os alertas de desmate da Amazônia já respondem por 92% do observado nos 12 meses anteriores. Entre agosto do ano passado até 28 de maio deste ano, o Deter divulgou alertas para a derrubada de 6.309 km². Nos 12 meses anteriores (agosto de 2018 a julho de 2019), foram 6.844 km² . O dado mantém um cenário de alta que se instalou na Amazônia há um ano. Com agravante de que junho e julho são tradicionalmente meses que trazem as maiores taxas de desmatamento, o que indica que o período atual de 12 meses deve ter devastação ainda mais elevada do que a do ano passado. O Deter é um sistema de monitoramento por satélite em tempo real, voltado para alertar a fiscalização a combater crimes ambientais em campo. Não serve como taxa oficial de desmate, mas é um bom termômetro da situação. Por ser muito dinâmico, acaba sujeito a uma baixa visibilidade quando há muitas nuvens, e nem sempre consegue ver tudo, mas a tendência apontada por ele normalmente é confirmada depois pelo Prodes, sistema que traz os dados anuais oficiais de desmatamento. O Prodes mede o que foi perdido na floresta entre agosto de um ano e julho do ano anterior. Enquanto o Deter alertou, no passado, os 6.844 km², o Prodes depois bateu o martelo: foram devastados 9.762 km², a taxa mais alta desde 2008. Se em maio, segundo o Deter, 2020 já quase alcançou 2019, é de se imaginar que o Prodes também virá com uma taxa ainda mais alta que a do ano anterior. O aumento já havia motivado a Justiça do Amazonas a determinar que órgãos ligados ao governo federal, como Ibama, Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e Funai adotem, imediatamente, ações de comando e controle para conter ações de desmatamento na Amazônia. Pandemia. Estados amazônicos são alguns dos mais afetados pela pandemia, mas isso não impediu o avanço de criminosos. Tribos indígenas estão sendo contaminadas, em parte, por garimpeiros ilegais. Estudo do Instituto Socioambiental (ISA) em parceria com a Universidade Federal de Minas (UFMG), com revisão da Fiocruz, estima que quase 40% dos ianomâmis que vivem perto de áreas de garimpo ilegal na Terra Indígena Ianomâmi podem ser contaminados pela covid-19. A terra indígena têm hoje cerca de 20 mil garimpeiros ilegais em sua área. Conforme o ISA, três ianomâmis morreram da doença e há 55 infectados entre os ianomâmis e os ye’kwana. “Estamos chegando ao período mais seco na Amazônia, em que as queimadas costumam ser recorrentes na região, conforme vimos ano passado. Isso significa que mais pessoas precisarão de atendimento médico por causa dos problemas respiratórios causados pela fumaça e pelas cinzas da floresta queimando”, diz Rômulo Batista, da campanha de Amazônia do Greenpeace, em nota à imprensa. Procurado, o Ministério do Meio Ambiente não se manifestou sobre o tema.
”Participação do Brasil na carteira de investidores estrangeiros cai a 0,3%”
”Para analistas, melhora do mercado no País é ‘disfuncional’” - Apesar de o Brasil ser motivo de preocupação quanto ao avanço de novos casos da covid-19, os resultados positivos da Bolsa brasileira têm elevado as expectativas de que o fim do confinamento na China e em países europeus pode ser um sinal de alento para a economia brasileira. Para alguns analistas ouvidos pelo Estadão, no entanto, pode não ser bem assim. Os resultados recentes do Ibovespa, principal índice da B3, mostram esse “otimismo”. No fim do primeiro trimestre, com a propagação do novo coronavírus pelo País e a adoção das medidas de isolamento social para conter o contágio, houve uma queda de 47% em relação ao início do ano. Estava em quase 120 mil pontos e chegou aos 63 mil em março. Mas, nas últimas semanas, com as notícias de reabertura na China e em países europeus, a Bolsa subiu mais de 40% desde o ponto mais baixo. Ontem, voltou para perto dos 100 mil pontos, fechando em alta de 0,86% aos 94.637,06 pontos. O dólar também teve trajetória semelhante. Estava cotado na casa dos R$ 4 em janeiro, chegou a R$ 5,97 no mês passado, mas depois disso engatou uma sequência de quedas e ontem terminou o dia a R$ 4,99, queda de 2,73%. Para o economista Nathan Blanche, sócio da Tendências Consultoria, porém, é uma melhora artificial. “O câmbio e o preço dos ativos do Brasil não têm hoje influência de melhora ou piora dos preços ou dos ativos. Há uma disfuncionalidade no mercado. Ela é provocada pelo excesso de liquidez no mundo. E vai piorar, porque vai aumentar a liquidez no mercado internacional”, diz. “Hoje, a maior parte dos países ricos já está com juros negativos. O próprio Brasil pode passar a ter juros negativos em breve.” Para Blanche, o Brasil enfrentará daqui para a frente um desafio para colocar a situação fiscal em ordem. “Teremos dois caminhos: ou o País retoma as reformas e reequilibra a situação fiscal ou corremos o risco da volta da inflação.” Também para a economista Monica De Bolle, do Peterson Institute, o mercado brasileiro não tem razão alguma para ficar otimista. No Brasil, nada vai melhorar, as coisas estão em franca trajetória de piora, diz. “O excesso de otimismo é uma marca do mercado brasileiro, que só sabe apostar para cima.” Os dados de comércio exterior, por exemplo, dão pouca margem para otimismo. “A Bolsa tem decisões que não têm sentido prático. É um indicador, mas não é um fato por si mesmo. A pandemia jogou as exportações de manufaturados para 23% do total, o País voltou ao patamar em que estava em 1974”, diz José Augusto de Castro, da Associação Brasileira de Comércio Exterior. Ele avalia que o mercado pode achar que a crise não é tão feia, mas isso não quer dizer que não seja. “Basta olhar para o que está acontecendo nos EUA e na falta de gestão federal da crise aqui no Brasil para saber que não está tudo bem. Enquanto não houver uma vacina testada e eficaz, não haverá motivo para ficar otimista com o cenário internacional.” Pessimismo. Mesmo os países que já começaram a reabrir suas economias após a quarentena ainda estão pessimistas quanto ao futuro, segundo dados mais recentes do Índice de Confiança nos Negócios, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Nesse indicador, em que números abaixo de 100 mostram pessimismo com o rumo dos negócios, o Brasil estava na lanterna entre as 20 maiores economias, com 95,8 pontos em abril. Mas em nações que já passaram pelo pior da pandemia há mais pessimismo também, como China (98,8), Itália (99,3) e Espanha (98,1). Há pessimismo quanto ao futuro mesmo na Alemanha, país europeu considerado um caso de sucesso na contenção da doença e que começou a relaxar as medidas de isolamento. “Estamos caminhando sobre gelo fino”, disse a chanceler Angela Merkel em abril. “É preciso cuidado para dimensionar os primeiros sinais de retomada pós-covid”, avalia Castro, da AEB. “Na China, as informações disponíveis nunca são completas e algumas medidas tomadas pelo governo sugerem que o comércio internacional ainda esteja longe da normalidade.”
”Votação de marco de saneamento deve ser retomada”
”Empresas preveem mais demissões” - Apesar do número já recorde de demissões no mercado de trabalho em abril, o empresariado brasileiro prevê que os próximos três meses sejam de mais dispensas de funcionários, segundo um estudo do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV) feito a pedido do Estadão/Broadcast. Na indústria de vestuário e acessórios, mais de 80% dos empresários pretendem reduzir o quadro de funcionários nos próximos três meses. Na indústria têxtil, mais de 60% dos empresários declararam em maio que farão ajustes entre seus empregados no curto prazo, segundo dados coletados pela Sondagem Empresarial do Ibre/FGV em maio. Embora os subsetores em pior posição sejam do ramo industrial, a situação também é preocupante em segmentos de serviços, construção e comércio de automóveis e autopeças. Segundo a FGV, não há expectativa de que a situação se reverta no curto prazo, ou seja, que passe a haver mais empresários planejando contratar do que planejando demitir. “Algumas dessas empresas são grandes e de alguma forma até conseguem reduzir o quadro de pessoal sem precisar demitir, fazendo plano de demissão voluntária, não substituindo algum aposentado. A gente sabe que neste momento vai ter muita demissão. Mas a gente não pode confundir com a magnitude da demissão. Pode ter 90% das empresas dizendo que vão demitir, mas elas não estão dizendo quanto será essa redução do quadro de pessoal. A gente assume que existe uma relação histórica com esse saldo. Geralmente, quando há mais gente querendo demitir, há mais demissões”, lembrou Aloisio Campelo Júnior, superintendente de Estatísticas Públicas do Ibre/FGV. Sondagem. Considerando toda a amostra da Sondagem Empresarial, um terço dos empresários pretende reduzir o número de funcionários nos próximos meses, 33,1% do total. Uma melhora na intenção de contratações ainda depende de a pandemia evoluir favoravelmente e as medidas de socorro do governo surtam efeito, explicou Capelo Júnior. “Mesmo que a economia volte, a gente vai ver o nível de atividade retomando, mas ainda abaixo de uma situação de normalidade, então as empresas vão ficar um tempo na balança, ainda vendo quanto dá para se sustentar, porque já gastaram as reservas que tinham”, ressaltou Campelo Júnior, defendendo a importância de injeção de capital via crédito ou pelo programa de sustentação do emprego “para fazer essa ponte entre a situação pior da crise e uma situação mais próxima da normalidade”. Segundo ele, algumas ainda precisarão demitir para ajustar as contas, e o emprego se recuperará de forma mais lenta do que a atividade econômica. “Pode haver certa heterogeneidade entre os segmentos, alguns vão demorar um pouco mais para reagir, vão ter outros com uma adaptação um pouco mais rápida à medida que houver afrouxamento (do isolamento social)”, acrescentou Rodolpho Tobler, economista do Ibre/FGV, também responsável pelo estudo. Ele espera melhora, na melhor das hipóteses, apenas no fim do ano. “No curto prazo a gente não tem uma expectativa de que esse número salte para o patamar positivo (mais empresas prevendo contratar do que demitir), como a gente vinha operando no fim do ano passado”, completou Tobler. O economista Fabio Bentes, da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), lembra que quase 800 mil postos de trabalho com carteira assinada já foram extintos de janeiro a abril deste ano, segundo os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Ele estima que o emprego formal perca 2,5 milhões de vagas em 2020, caso a expectativa de queda de 6% no Produto Interno Bruto brasileiro se confirme. “Pelo menos mais 1,7 milhão de vagas com carteira assinada serão extintas de maio a dezembro, guardadas as relações fortíssimas entre o PIB e a geração de vagas pelo Caged. Para Bentes, é possível que haja alguma criação de empregos formais temporários em novembro, dependendo da evolução da pandemia da covid-19. Exceções. No levantamento da FGV, os dois únicos subsetores que previram em maio aumentar o quadro de funcionários num horizonte de três meses foram a indústria farmacêutica, com 8,7% do empresariado prevendo contratações, e hipermercados e supermercados, com 1,9% dos empresários planejando aumentar o número de empregos. O levantamento do Ibre/FGV ajustou sazonalmente a série de respostas dos que planejam contratar e dos que planejam demitir, antes de fazer o saldo de demissões, neutralizando assim os movimentos característicos de contratações e dispensas que marcam o mercado de trabalho a depender da época do ano.
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