quarta-feira, 8 de setembro de 2021

E agora, Lira?

 Uma frase do presidente Jair Bolsonaro, proferida ontem em seu discurso na Avenida Paulista, pôs Brasília imediatamente em alerta. “Quero dizer a vocês” afirmou, microfone à mão, “que qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes, esse presidente não mais cumprirá.” O problema da frase é que ela tão clara, tão precisa, que em si enquadra Bolsonaro num crime de responsabilidade registrado explicitamente no artigo 85 da Constituição. “São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra o livre exercício do Poder Judiciário, o cumprimento das leis e das decisões judiciais.” O Centrão, repentinamente, ficou sem espaço de manobra retórica para argumentar que houve mal entendido. Bolsonaro declarou de viva voz que tem planos de cometer o único crime de responsabilidade claramente inscrito na Constituição e não em lei complementar, um crime cuja única punição é o impeachment imediato. (G1)

O presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL), conta Lauro Jardim, estava tranquilo até ali. De repente, fechou-se em copas e correu para Brasília. (Globo)

Além do desafio explícito ao Judiciário, Bolsonaro ainda falou em mandar que o Ministério da Justiça baixe uma portaria orientando a Polícia Federal a não cumprir “ordens ilegais” da Justiça. Não existe previsão legal de polícia não obedecer juiz na legislação brasileira. (Metrópoles)

Leia a íntegra dos discursos em São Paulo e Brasília.

Logo após os discursos de Bolsonaro, o presidente do Supremo Luiz Fux organizou uma reunião virtual entre os ministros da Corte para acertar uma resposta institucional. O clima era de revolta, mas nenhuma nota foi emitida ontem. Em vez disso, Fux fará um pronunciamento hoje, na abertura da sessão do STF. A busca de apaziguamento com o Executivo parece sepultada. (Globo)

As conversas também ocorrem entre Legislativo e Judiciário. Um dos motivos da resistência de Lira ao impeachment, conta a Coluna do Estadão, é a expectativa de o TSE cassar a chapa Bolsonaro-Mourão por crimes de campanha em 2018, o que poria o presidente da Câmara no Planalto. (Estadão)

Também o Senado fechou suas portas para que os senadores consigam fazer o cálculo da política. O presidente Rodrigo Pacheco (DEM-MG), suspendeu todas as sessões da Casa, o que trava a votação e tramitação de projetos de interesse do governo. A expectativa é de que ele devolva ao Planalto a MP das fake news, pela qual Bolsonaro pretendia blindar seus apoiadores nas redes sociais. (Folha)




Bolsonaro conseguiu reunir, segundo a PM paulista, 125 mil pessoas para ouvi-lo. É um número expressivo, mas aquém dos dois milhões que o governo apregoava. Expectativa irreal: segundo o Datafolha, a Avenida Paulista não comporta mais de 950 mil pessoas. (UOL)

A Polícia Militar do Distrito Federal teve trabalho, mas garantiu sem vacilo a segurança do Palácio do Supremo. De acordo com o Painel, houve sete tentativas reais de invasão do prédio e foram usadas bombas de gás para dispersar invasores. Os grupos mais inflamados eram de caminhoneiros e os chamados ‘boinas vermelhas’, sobre os quais agora as forças de segurança do DF pretendem levantar mais informações. (Folha)

Não foi só nas ruas que o engajamento ficou abaixo do esperado. Levantamento do analista de redes sociais Pedro Barciela mostra que menos de 18% dos usuários do Twitter mencionaram ontem as manifestações e que, após um início forte, a hashtag #7desetpelaliberdade perdeu força, foi suplantada por #forabolsonaro e alcançada por #flopou. (Twitter)

A oposição também fez um protesto em São Paulo, no Vale do Anhangabau, mas, segundo também a PM, não passou de 15 mil pessoas. (Folha)

Além de São Paulo e Brasília houve atos de apoio a Bolsonaro em todas as capitais e em diversas outras cidades do país. No Rio de Janeiro, a manifestação em Copacabana contou com um participante ilustre, Fabrício Queiroz. Ele é acusado de ser operador de um esquema de rachadinhas do hoje senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) na Alerj. Foi tratado como celebridade. (G1)

Se o dia foi de apoio, a noite foi de protestos. Panelaços foram registrados em dez estados e no Distrito Federal. (G1)




A indignação do meio político com as falas de Bolsonaro foi generalizada e sem se restringir a nichos ideológicos. No Twitter, figuras díspares como o ex-candidato à presidência João Amoêdo (Novo) e a ex-candidata a vice Manuela D’Ávila (PCdoB) defenderam o impeachment, assim como Roberto Freire, presidente do Cidadania. Marina Silva (Rede) disse que “Bolsonaro sempre demonstrou não ter limite, mas o Brasil o limitará”. Os governadores tucanos João Doria (SP) e Eduardo Leite (RS), que colaram na imagem de Bolsonaro no segundo turno de 2018 e hoje disputam as prévias do PSDB, também cobraram o afastamento do presidente. (Poder360)

O presidente do PSDB, Bruno Araújo, convocou para hoje uma reunião da executiva nacional do partido para fechar uma posição em relação ao impeachment e a outras medidas legais contra o presidente. (G1)

Lauro Jardim: “O anúncio de uma reunião da executiva do PSDB com o tema impeachment de Bolsonaro caiu como uma bomba na bancada do partido na Câmara, que abriga deputados simpáticos ao governo. Aécio Neves (MG), Geovania de Sá (SC) e Paulo Abi-Ackel (MG) foram alguns dos que demonstraram contrariedade.” (Globo)

Em vias de se fundirem ainda este mês, DEM e PSL soltaram uma nota conjunta de repúdio à fala do presidente. Parece pouco, mas o DEM tem pelo menos um ministro no governo, Onyx Lorenzoni, e o PSL ainda abriga o grosso dos deputados bolsonaristas, incluindo o filho Zero Três, Eduardo Bolsonaro (SP). (Poder360)




Vera Magalhães: “Arthur Lira é cúmplice dos sucessivos crimes de responsabilidade cometidos por Bolsonaro não só contra os demais Poderes, mas também no enfrentamento da pandemia. Só deixará de ser conivente se houver uma pressão tremenda de todos os partidos do Centrão, grupo que coordena à base de dinheiro público na veia. Como ainda não cessou a fonte de recursos, inútil contar com isso.” (Globo)

Igor Gielow: “O problema para o país, noves fora a confusão estimulada por seu presidente, é que novamente a classe política é desafiada. Bolsonaro conseguiu subir o tom, se é que isso era possível. Isso tudo gera um caldo de pressão sobre o Centrão que carrega as chaves da sobrevivência política de Bolsonaro com a Procuradoria-Geral da República.” (Folha)

Celso de Mello, ex-ministro do STF: “Os discursos de Bolsonaro, em Brasília e em São Paulo, revelam a triste figura (e a distorcida mente autocrática) de um político medíocre e sem noção dos limites éticos e constitucionais que devem pautar a conduta de um verdadeiro Chefe de Estado que seja capaz de respeitar o dogma fundamental da separação de Poderes!” (Globo)

Merval Pereira: “Mesmo tendo tido menos gente nas ruas do que o governo previu – Bolsonaro chegou a falar em dois milhões de pessoas — a manifestação de Brasília teve claramente o caráter golpista. A possível reunião do Conselho da República que ele anunciou no palanque para hoje, mas não convocou ninguém, poderá ser a crise final, caso os presidentes da Câmara e do Senado não aceitem, se for proposto, o estado de defesa. Nesse caso, ou Bolsonaro recua, ou dá o golpe. E, se recuar, abre brecha para o impeachment.” (Globo)

Elio Gaspari: “Bolsonaro tem uma só preocupação: continuar na Presidência. Teme perder a eleição e por isso continua satanizando as urnas eletrônicas. Sabe que corre o risco de ser declarado inelegível pelo que fez e deixou fazer em suas campanhas e antecipa-se. Declará-lo inelegível em 2022 por malfeitorias de 2018 dará ao processo legal um cheiro desagradável de tapetão. Nada melhor que chamar os eleitores, computar os votos e empossar o candidato que tiver mais votos.” (Folha e Globo)

Carlos Melo: “Foi mostrando sua força que o bolsonarismo revelou sua fragilidade. Ao lado do presidente há uma massa disforme, sem organicidade, agenda, visão de longo prazo. Como reagirá o fragmentado e disperso antibolsonarismo, principal força política do país, dividida em interesses eleitorais diversos? Perceberá que a polarização de fato existente é de Bolsonaro com a nação? O 7 de setembro trouxe o desafio do dia seguinte: é preciso união para pôr freio, a tempo, a um ônibus em carreira e desgovernado.” (Estadão)




Meio em vídeo. E ao final do dia 7 de setembro de 2021, o editor Pedro Doria recebeu o cientista político Christian Lynch em uma edição ao vivo do Conversas com o Meio. Durante a transmissão, discutiram as implicações das falas inflamadas do presidente Jair Bolsonaro para seus apoiadores, analisaram a resposta da oposição e aliados, debateram a possibilidade de impeachment e o que se espera para o próximo ano de mandato de Bolsonaro. Confira no YouTube.




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