Para Delfim, Bolsonaro está sozinho e não ameaça instituições
Ex-ministro vê Lula favorito, mas ressalva que lembrança do governo Dilma poderá prejudicá-lo
César Felício | Valor
Ex-ministro da Fazenda (1967-1974), Agricultura (1979-1980) e Planejamento (1980-1985), 93 anos, o economista Antonio Delfim Netto é o último signatário vivo do Ato Institucional número 5, de 13 de dezembro de 1968, momento mais amargo da ditadura brasileira entre 1964 e 1985. Hoje é um interlocutor do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e está absolutamente convicto de que uma ruptura institucional para evitar a volta da esquerda ao poder é um cenário impensável.
Delfim mantém a aposta de vitória de Lula ainda no primeiro turno, conforme avaliação que fez em meados de março, época em que o ex-presidente recuperou seus direitos políticos.
Lula foi condenado em 2017 por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, no âmbito da Operação Lava-Jato, decisão confirmada em segunda instância em 2018 por unanimidade. A sentença foi anulada este ano pelo Supremo Tribunal Federal, porque a Corte entendeu que o ex-presidente não poderia ter sido julgado pela 13ª Vara Federal, em Curitiba, já que este não seria o juízo natural. Posteriormente, o STF considerou que o juiz Sérgio Moro foi parcial ao julgar o ex-presidente. Os processos que envolvem o ex-presidente em casos de corrupção tramitam agora em Brasília.
O ex-ministro acha sem fundamento a polarização instalada no país, da qual o antipetismo impulsionado pelas revelações que vieram à tona na Lava-Jato foi um dos motores. Para ele, nem o presidente Jair Bolsonaro deu demonstrações cabais de que conspira contra a democracia, nem Lula será autor de mudanças radicais no campo político e econômico. Apesar de Lula ter defendido recentemente, e de forma taxativa, que o teto de gastos seja revogado, Delfim está convicto de que o ex-presidente tem convicções fiscalistas. E que só não as implantou plenamente em seu governo pela influência da ex-presidente Dilma Rousseff, quando ministra da Casa Civil em seu governo, entre 2006 e 2010. Apesar de muitos economistas terem alertado para o prolongamento desnecessário de estímulos ao setor produtivo, Delfim defende a atuação de Guido Mantega como ministro da Fazenda no fim de seu governo.
Delfim também diz não ter se impressionado com a crise militar de três meses atrás, ocasião em que Bolsonaro trocou os comandantes das três armas. E do mesmo modo minimizou a importância de não ter havido punição para o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, general da ativa que discursou em ato político a favor do presidente.
A seguir a entrevista concedida pelo ex-ministro, por telefone, na segunda-feira.
Valor: Como o senhor avalia o risco de ruptura institucional em caso de vitória do ex-presidente Lula em 2022?
Delfim Netto: Não creio que haja o menor risco. Acho que ele vai ganhar, e no primeiro turno. E não vai acontecer nada. O presidente Bolsonaro é forte, mas não ameaça as nossas instituições. Absolutamente ridículo imaginar que o Bolsonaro, perdendo, como vai perder, produzirá uma revolução no Brasil. Ele está sozinho. Essa que é a verdade. As instituições no Brasil são sólidas.
Valor: Mas o comportamento do presidente Bolsonaro e o clima de polarização do país não deixam dúvidas?
Delfim: Eu acho que o Bolsonaro vai respeitar as instituições. Não há nenhuma razão, até agora, para se imaginar que ele vai violar a Constituição. Ele não fez isso nenhuma vez. Não vejo que ele seja um risco para a democracia. O respeito à Constituição é dos dois lados. Eu não vejo o Bolsonaro violando a Constituição. Como Lula nunca fez isso também. O que há é crenças que não tem fundamento no comportamento dos dois. Vai haver eleição, o Lula vai ganhar a eleição, e o Bolsonaro vai dizer o seguinte: Deus me tirou do lugar. Ponto final.
Valor: Tudo isso começou a ganhar força quando ele fez uma reformulação no comando das Forças Armadas...
Delfim: As Forças Armadas são profissionais, são uma instituição nacional, ninguém manda. Quando o Bolsonaro diz o meu Exército, na verdade, há que se lembrar que ele pertenceu ao Exército. Ele nunca teve o Exército. Não vejo nenhum risco institucional.
Valor: Não há uma preocupação no empresariado com a volta do Lula? Ele não teria dado uma guinada à esquerda?
Delfim: O Lula nunca foi de esquerda. O Lula é um pragmático. Ele, na realidade, fez um governo excelente. Nós corremos o risco de confundi-lo com a tragédia que foi o governo Dilma. O governo Lula foi excelente, ainda que, na verdade, com condições externas muito favoráveis. Primeiro que cresceu bastante. Segundo que foi controlado. Nunca houve uma violação constitucional. O eleitor é que vai escolher, meu Deus. Nós vamos continuar respeitando as instituições. As Forças Armadas são profissionais, não têm lado. Respeitam as instituições.
Valor: A melhora da economia não favorece Bolsonaro no segundo semestre de 2022?
Delfim: A economia está melhorando este ano mesmo. Você vai ter em 2021 um crescimento parecido com 5% a despeito de todas as dificuldades. Não há nenhuma razão para se imaginar que isso vai produzir uma mudança no comportamento nem do Bolsonaro, nem do Lula.
Valor: Em 2018 o senhor tentou fazer uma aproximação entre o Ciro e o PT, quando ficou nítido que Lula não poderia concorrer naquela eleição. Em 2022 o senhor acredita ser factível uma ação para ampliar o arco de alianças em torno do Lula?
Delfim: Não estou trabalhando neste sentido. Tentar construir posições políticas hoje na realidade é uma grande falácia. As coisas já estão decididas. O Ciro vai ser candidato, Lula vai ser candidato, Bolsonaro vai ser candidato, é capaz que apareça mais um e no final quem vai decidir é a sociedade brasileira livremente, na urna, em processo eleitoral bastante eficiente que, infelizmente, o Bolsonaro coloca sob suspeita.
Valor: Essa questão do questionamento do voto eletrônico pode ter a dimensão temida por diversos agentes políticos?
Delfim: Olha, ninguém vai levar isso a sério. Ele não tem condições de mudar isso. O Tribunal Superior Eleitoral decidiu que vai continuar com o aperfeiçoamento e vamos votar como temos votado todos esses anos. Não vai haver mudança nenhuma por conta dos desejos do Bolsonaro. Nunca houve dúvidas sobre os resultados. Os resultados só são contestados por quem perde.
Valor: Na classe empresarial e financeira, vivemos nos últimos anos grande aversão ao período Lula. É possível isso ser quebrado
Delfim: O setor produtivo não tem nenhuma razão para o temor. Como eu disse, as dificuldades surgiram pelo voluntarismo da presidente Dilma. Não há nenhuma razão para imaginar uma grande reação do setor produtivo em relação ao Lula. Pelo contrário, o setor produtivo nunca prosperou tanto.
Valor: É preciso que Lula deixe mais claro a linha divisória entre ele e o período Dilma?
Delfim: Isso é a sociedade que vai julgar. À medida que você vai apresentando as coisas, se você vai separar ou não. Não se deve esperar isso por parte do político. Na realidade, não há a menor base de comparação entre o governo Lula e o governo Dilma. O governo Dilma foi dominado pelo voluntarismo. Ela era uma pessoa profundamente séria, com características interessantes, mas era uma voluntarista. O Lula vai fazer um novo governo, se eleito, melhor do que já fez. Ele aprende muito. Eu sempre brinco que o Lula é um diamante bruto que foi aperfeiçoado. Ele vai fazer um governo melhor simplesmente porque uma das suas características é ser capaz de aprender.
Valor: Qual foi, em sua opinião, o ponto fraco do governo dele?
Delfim: Esse debate, em minha opinião, é irrelevante. Porque o ponto é que governar é um aprendizado e a virtude do Lula é que ele aprende.
Valor: Sobre a política econômica, no segundo mandato, não houve um erro no prolongamento dos estímulos?
Delfim: Na verdade enfrentaram a crise de 2008 muito bem. Saímos da crise muito rapidamente e o [então ministro da Fazenda Guido] Mantega comportou-se de modo excelente.
Valor: Poucos anos antes da crise de 2008 o senhor propugnava, juntamente com pessoas do governo, a criação de uma política estrutural de manutenção do superávit primário, linha que o governo Lula não seguiu.
Delfim: Mas o Lula apoiava. O Lula tinha definido isso. Quem tornou essa coisa impossível foi a Dilma, inventando que gastar era uma solução, que gasto era vida.
Valor: É possível esperar que ele resgate essa ideia e portanto não seja radical na hora de rever o teto de gastos, mecanismo que ele condena?
Delfim: Eu acho que o Lula, no fundo, não mudou de posição.
Valor: O senhor tem falado com ele?
Delfim: Tenho mantido contato com ele, por telefone. Gosto muito dele e de como ele funciona. Ele é um diamante bruto, que soube se corrigir e melhorar progressivamente. Eu o cumprimentei depois que ele obteve as vitórias judiciais. Afinal, foi feita a justiça. Nós temos uma relação de amizade respeitosa.
Valor: Em 2002 foi muito importante ele fazer a Carta ao Povo Brasileiro. Agora seria importante fazer um gesto igual?
Delfim: Naquele tempo ainda ele era para muitos um desconhecido.
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