Semipresidencialismo é velho golpe
O veneno do regime brasileiro está na reeleição
Elio Gaspari
O tucanato, responsável pelo envenenamento do regime presidencialista brasileiro ao patrocinar o instituto da reeleição, voltou a namorar com o parlamentarismo. Chamam-no de semipresidencialismo por uma questão de pudor.
Uma experiência fracassada no século passado e rejeitada em dois plebiscitos não bastou para que um pedaço do andar de cima nacional desistisse da ideia.
Nesse namoro juntam-se dois blocos. Num, estão os parlamentaristas sinceros, no outro, aqueles que temem uma vitória eleitoral de Lula. Em 1994, quando ele parecia ser uma ameaça, a revisão constitucional encurtou o mandato do presidente de cinco para quatro anos.
Numa trapaça da História, Lula acabou beneficiado pelo dispositivo da reeleição que garantiu um segundo mandato a Fernando Henrique Cardoso e, em vez de cinco anos, acabou governando por oito, de 2003 a 2010, sem abalar as instituições ou balançar o coreto do andar de cima. Beneficiado pela mágica tucana, o PT reelegeu não só Lula, mas também Dilma Rousseff.
A ideia de que o semipresidencialismo
Os defensores do semiparlamentarismo dizem que ele amenizaria as crises: em vez de cair o presidente, cairia o primeiro-ministro. Vira e mexe, apresenta-se a matriz do regime francês, criado pelo general Charles de Gaulle. Trata-se de uma falsidade histórica.
O que De Gaulle fez na França foi o contrário, reciclou um parlamentarismo que ia de crise em crise, fortalecendo a figura do presidente. Ganha um fim de semana em Brasília quem souber o nome dos três últimos primeiros-ministros franceses. (Jean Castex, Édouard Philippe e Bernard Cazeneuve.)
A maior demonstração de que a proposta é apenas um truque está no fato de o ex-presidente Michel Temer defendê-la, argumentando que praticou-a enquanto esteve no cargo. Ele governou olhando para o Congresso, respeitando os adversários e amortecendo crises.
Se Jair Bolsonaro faz o contrário, o problema não está no regime, mas nele. Quem não quer vê-lo na cadeira poderá votar em outro candidato no ano que vem. Quem não quer ver Bolsonaro nem Lula terá tempo para achar um terceiro nome. Ciro Gomes e João Doria estão na pista.
O regime democrático brasileiro elegeu cinco presidentes e defenestrou dois: Fernando Collor e Dilma Rousseff. Contudo, Dilma 2.0 foi produzida pelo mecanismo da reeleição e pela tibieza de Lula, que não lhe pediu a vaga na chapa no pleito de 2010.
A máquina da política brasileira não rateia por causa do presidencialismo, mas pela possibilidade da reeleição. Ela transforma presidentes, governadores e prefeitos em mandatários que assumem as funções obcecados pela recondução.
Fernando Henrique Cardoso já reconheceu que, historicamente, cometeu um erro. Ele dizia não querê-la e, querendo-a, criou-a. Tanto Lula como Bolsonaro combateram a ideia da reeleição. Sentindo o quentinho da faixa, mudaram de ideia.
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