segunda-feira, 13 de abril de 2020

Análise de Mídia 13/04

DOS JORNAIS DE HOJE: A imprensa tradicional parece começar a voltar sua atenção para o problema da subnotificação de casos de coronavírus no Brasil. No entanto, as reportagens que tratam do assunto ainda são muito “tímidas”. Por outro lado, Folha e o Estadão chamam atenção para a atuação de Augusto Aras à frente da PGR. Aras não contraria Jair Bolsonaro, ao contrário, o apoia.
Embora os jornais registrem muitas críticas a Jair Bolsonaro, estas ainda aparecem sem muita profundidade. A Folha publica reportagem sobre a participação do presidente em uma “live” com pastores evangélicos neopentecostais, mas não se aprofunda em quem são estas figuras. O texto se preocupa mais em ressaltar a reafirmação do “terraplanismo sanitário” de Jair Bolsonaro – evidentemente, esta expressão não é utilizada pelo jornal. A Folha também publica entrevista com Eduardo Suplicy e mostra como estão vivendo os mais pobres à espera do auxílio da Renda Básica Emergencial. O jornal também aborda as tratativas em Brasília sobre novas medidas que podem ser tomadas.
O jornal O Globo mostra que o coronavírus está afetando um grande número de pessoas que estão fora dos grupos de risco para a doença. O jornal entrevista Julio Croda, infectologista que deixou uma das diretorias do Ministério da Saúde em março porque não concorda com a politização da epidemia feita por Jair Bolsonaro. Ele afirma que o Brasil teve tempo para se preparar, mas não o fez. O Globo ainda apresenta uma série de reflexões sobre o futuro político do mundo e do Brasil. No entanto, quando o tema é economia o jornal ouve apenas economistas liberais ligados ao mercado e aos bancos.
O Estadão chama atenção para a possibilidade de subnotificação de casos do coronavírus no Brasil. Apesar de todos os alertas, o jornal ainda não se convenceu. Pelo menos, deu entrada no tema.
O Valor Econômico, por sua vez, aborda e analisa as medidas que vem sendo tomadas pelo governo. O jornal foi o único que entrevistou um ex-ministro da Fazenda que fez parte de governos petistas.
 
 
 
CAPA – Manchete principal: *”Governo paga até o triplo em itens para coronavírus”*
EDITORIAL DA FOLHA - *”Sem tempo a perder”*: Com o comércio de portas fechadas, ficou evidente nas últimas semanas que o impacto econômico das medidas necessárias para deter o coronavírus será dramático —e que as autoridades precisam agir rapidamente para garantir a sobrevivência dos negócios e proteger o emprego e a renda dos trabalhadores. Entretanto o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, contrariou esse pressuposto ao analisar a legalidade do programa recém-criado pelo governo para conter a devastação no mercado de trabalho formal. Em decisão de caráter provisório, o magistrado defendeu que acordos de redução de jornadas e salários negociados individualmente por patrões e empregados —conforme as regras do novo programa— só tenham validade após o referendo dos sindicatos. A ação que questiona a medida e o entendimento de Lewandowski ainda serão examinados pelo plenário da corte, em julgamento por videoconferência na quinta-feira (16), mas o efeito prático do despacho do ministro foi imediato. Ao travar a implementação do programa e postergar por mais de uma semana a solução do problema, a decisão aumentou a insegurança de empresas e trabalhadores que contavam com recursos do Tesouro para atravessar a etapa mais aguda da retração econômica.
O governo se comprometeu a pagar parte do salário dos empregados do setor formal que tiverem redução da jornada e dos vencimentos nos próximos meses, ou suspensão temporária de seus contratos, desde que suas vagas sejam mantidas por igual período depois. A negociação individual foi autorizada na maioria dos casos para conferir agilidade ao auxílio. Os acordos devem ser comunicados aos sindicatos, mas Lewandowski afirma que a mera notificação deixa os trabalhadores desprotegidos e desrespeita a Constituição. Sua proposta —assim ele apresenta a liminar— é que os sindicatos tenham dez dias para opinar sobre os acertos. Na situação atual, em que empresas de diferentes setores veem seu fluxo de caixa secar repentinamente, é provável que muitas não tenham condições de esperar e acabem demitindo. Seria certamente o pior dos mundos, em que os trabalhadores ficariam ainda mais vulneráveis diante das consequências da epidemia. Não se pode subestimar a gravidade do momento. Conforme noticiou a Folha, pesquisadores da Fundação Getulio Vargas calcularam que a taxa de desemprego, de 11,6% no período dezembro-fevereiro, pode dobrar na ausência de intervenções do governo. Caberá ao plenário do Supremo encontrar um meio de viabilizar o programa sob ameaça, com a urgência que a crise requer.
PAINEL - *”Secretários estaduais criticam distribuição de recursos pelo Ministério da Saúde”*: A distribuição de cerca de R$ 4 bilhões pelo Ministério da Saúde a estados e municípios, na semana passada, irritou gestores locais, insatisfeitos com o critério do repasse. Cidades que ainda não registraram casos receberam a verba emergencial e estados com grande número de doentes, como Amazonas, onde a rede hospitalar já colapsou, receberam menos do que algumas cidades. Secretários estaduais de saúde preparam carta crítica à decisão de Luiz Henrique Mandetta. No documento, a ser divulgado nesta segunda (13), os gestores locais pedem que o Ministério da Saúde reveja o critério de repartição e ouça os estados na divisão de verba. A avaliação é que são os hospitais da rede estadual os mais demandados nesta emergência. O grupo de WhatsApp dos secretários estaduais de saúde não parou no feriado. “Estou realmente revoltado com essa divisão política do recurso do SUS”, escreveu Fábio Vilas-Boas, da Bahia. Ele se queixa que Salvador, administrada por ACM Neto (DEM), recebeu, proporcionalmente, mais dinheiro do que todo o estado. “É um escândalo, estão passando dinheiro para seus apadrinhados”, escreveu o secretário. Mandetta também é filiado ao DEM. “A base deveria ser a produção dos hospitais públicos e contratados para assistência ao Covid [...] Não dá para entender”, escreveu o secretário do Tocantins, Edgar Tolini. Outros secretários se queixaram do repasse imediato de R$ 2 bilhões às Santas Casas. A crítica é que esses hospitais não são os da linha de frente no enfrentamento da doença e, em muitos casos, principalmente no Norte e Nordeste, nem há Santas Casas.​
Preocupado com o índice de isolamento da população distante dos 70% almejados, o governador João Doria (PSDB-SP) apresentará na nesta segunda (13) nova campanha para rádios, TVs e internet, estimulando o distanciamento social.
*”PGR arquiva medidas contra Bolsonaro e mira reforço de caixa para enfrentar pandemia”* - O procurador-geral da República, Augusto Aras, tem se oposto a tomar medidas contra o presidente Jair Bolsonaro diante das orientações dele à população que contrariam recomendações do Ministério da Saúde no enfrentamento à Covid-19. Em outra frente, foca iniciativas para direcionar recursos obtidos em ações judiciais e acordos com investigados ao combate à doença. Provocado em mais de uma oportunidade, o chefe do MPF (Ministério Público Federal) arquivou pedidos de providências contra o mandatário, o que tem gerado acusações de possível omissão dentro da própria PGR (Procuradoria-Geral da República). Aras diz que não é papel do órgão entrar em disputas político-partidárias e que a prioridade agora são as gestões para levantar cerca de R$ 2,5 bilhões para a Saúde. A pedido dele, o STF (Supremo Tribunal Federal) autorizou que fosse destinado à pasta R$ 1,6 bilhão proveniente de um acordo da Petrobras com autoridades americanas, o chamado fundo da Lava Jato. Segundo o ministério, desse montante, R$ 1 bilhão já foi incluído em seu orçamento. Outros R$ 800 milhões terão de ser pagos pelo empresário Eike Batista, que fechou colaboração com a PGR, sendo R$ 116 milhões agora e o restante ao longo de quatro anos.
Entre outras verbas, também se busca carrear para o ministério os R$ 51 milhões apreendidos num bunker em Salvador atribuído ao ex-ministro Geddel Vieira Lima (MDB-BA), o que depende de autorização judicial. Apesar dos esforços para capitalizar o governo, a condução dos casos envolvendo Bolsonaro tem sido fonte de críticas e de embates internos de Aras com seus pares. Em 26 de março, um grupo de subprocuradores-gerais da República, coordenadores de câmaras temáticas da PGR, requereu a ele que recomendasse ao presidente que a implementação de políticas de saúde e a veiculação de pronunciamentos a respeito do coronavírus passassem a ser feitos em sintonia com as indicações das autoridades sanitárias. Foi uma reação ao discurso de Bolsonaro em cadeia de rádio e TV, dois dias antes, no qual refutou a necessidade de isolamento social e minimizou as consequências da doença. Para o grupo de subprocuradores, as falas desautorizaram as medidas de saúde em curso. Aras não levou o caso adiante. Em nota, afirmou que o MPF tem o papel de cooperar com as instituições, atuando para arrefecer polarizações e buscar soluções à crise da Covid-19.
Reclamou que o documento dos subprocuradores foi vazado à imprensa antes de chegar ao seu gabinete e que a finalidade do texto era a de “manifestar preocupação pessoal com políticas de governo”. O procurador-geral disse que não haveria instrumentos legais para efetivar a recomendação solicitada, caso o presidente se negasse a segui-la. “Os chefes do Poder Executivo detêm liberdade de expressão para se posicionar sobre assuntos considerados relevantes para a sociedade, e não subordinam suas opiniões a organismos externos”, diz a nota. Em outra oportunidade, subprocuradores pediram a Aras que ajuizasse no STF uma arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) contra a campanha “O Brasil não pode parar”, lançada pela Presidência após Bolsonaro incitar os brasileiros a saírem às ruas, e contra o decreto que classificou lotéricas e igrejas como serviços essenciais. O chefe da PGR discordou, argumentando que a arguição deve ser usada para preservar a Constituição “na falta de outro meio eficaz”. Destacou que uma ação com pedido semelhante, da Procuradoria da República no Rio de Janeiro, estava em curso na Justiça Federal em primeira instância. Diante disso, remeteu a representação dos colegas ao MPF naquele estado.
Aras teve posição coincidente com a do governo federal em questão que gerou embates com gestores locais. Em parecer enviado ao Supremo, pediu que uma liminar suspendesse medidas de interdição de transportes adotadas por alguns governadores e prefeitos. Justificou que elas poderiam gerar desabastecimento e prejudicar o tráfego de pacientes em busca de tratamento e remédios. Os bloqueios foram duramente criticados por Bolsonaro, que alegou invasão da competência federal pelas outras esferas de governo. Outra vitória do presidente na PGR se deu na última terça (7), quando o órgão remeteu ao ministro do Supremo Marco Aurélio Mello seu entendimento sobre sete representações criminais contra ele. Elas pleiteavam a abertura de investigação contra o mandatário por, supostamente, infringir em seus discursos e andanças “determinação do poder público destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”, crime previsto no Código Penal. Designado por Aras para atuar em casos dessa natureza no Supremo, o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, opinou contra o prosseguimento dos casos. Para integrantes da PGR, o procurador-geral tem se equilibrado entre manter um certo alinhamento com Bolsonaro —que o indicou mesmo ele estando fora da lista tríplice definida em eleição dos integrantes do Ministério Público— e dar respaldo ao ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, cujas recomendações seguem em linha oposta à do presidente. No último dia 2, Aras se reuniu com o ministro e fechou um acordo que permite o repasse de informações técnicas da pasta ao gabinete criado pela PGR para acompanhar a epidemia e definir ações (Giac). Indicou, com isso, que a instituição se guiará pelos dados levantados pelas autoridades sanitárias. Um dos objetivos do pacto é evitar que procuradores nos estados tomem medidas no âmbito regional sem observar o problema no país como um todo.
Professora da FGV Direito São Paulo, Eloísa Machado de Almeida afirma que a atuação de Aras com relação a Bolsonaro não é surpreendente porque segue a linha adotada antes da pandemia. Ela lembra que o atual PGR entrou com apenas uma ação no Supremo contra ato do presidente e que, mesmo assim, não foi para resguardar um direito de toda a população, mas só da instituição que comanda. “Foi a impugnação de um trecho de uma medida provisória que alterou as competências do Ministério Público do Trabalho [MPT]”, diz, em referência à MP do Emprego Verde e Amarelo, no ponto que limitou as competências do MPT para firmar termos de ajustamento de conduta. Para a professora, a marca da atuação de Aras durante a crise é a omissão. “Talvez o principal fator de destaque seja sua inação." "Quando provocado a estabelecer limites no que se refere à incitação à quebra de quarentena, o PGR amenizou a situação dizendo que as falas do presidente, inclusive a campanha publicitária 'O Brasil não pode parar', são questões de liberdade de expressão”, avalia. Eloísa Machado afirma que a atuação de Aras vai na contramão até das decisões do STF. “Além de ser uma interpretação absolutamente torta dos deveres presidenciais e constitucionais, também viola decisão explícita do ministro Luís Roberto Barroso", ressalta. Ao decidir sobre a campanha, Barroso "disse que não há direito à opinião do presidente nesse ponto porque não há sequer vias alternativas com respaldo científico”, afirma ela. A professora sustenta que a PGR poderia estar atuando, inclusive, em relação às afirmações do chefe do Executivo. Segundo ela, há medidas legais que alcançam os atos não oficiais. “Não é possível ignorar uma série de comandos nas redes sociais, que representam para grande parte da população um encorajamento de seguir uma medida, ainda mais vindo da autoridade máxima do país. Mesmo que não estejamos falando de atos concretos, eles têm efeitos concretos na população, e o direito é capaz de lidar com isso. A figura da incitação está aí justamente para isso.”
Questionado sobre as críticas, o procurador-geral disse à Folha que a PGR “tem buscado resultados em iniciativas concretas para enfrentar a pandemia e ajudar a salvar vidas, sem participar de disputas político-partidárias e sem buscar protagonismo político no meio de uma pandemia”. "A PGR não é casa de solução política, mas de legalidade e de análises técnicas e jurídicas fundamentadas na Constituição e nas leis. Para afastar um presidente é preciso ir ao Congresso”, afirmou. Aras argumentou ser necessário separar as figuras do Estado e do governo. “O Estado brasileiro está funcionando com profissionais de diversas áreas, atuando dia e noite no enfrentamento da Covid-19. O governo, representado pelo presidente, assim como parlamentares, tem liberdade de expressão e goza de certas imunidades.” Segundo Aras, eventuais atos administrativos que contrariem as orientações técnicas, contudo, podem ser passíveis de análise judicial. O chefe do MPF afirmou que a obtenção de recursos é a prioridade durante a pandemia. E que tomou providências diante da "escassez de recursos para aquisição de EPIs [equipamentos de proteção individual], insumos e equipamentos de toda a natureza para combate à Covid-19". "Fiz recomendação para que todos os membros procurassem localizar, arrecadar e dirigir a remessa desses valores aos órgãos de saúde pública”, informou o PGR. Ele ressaltou que "há bilhões [de reais] à disposição do Poder Judiciário, do Ministério Público, resultantes de multas, acordos de leniência, colaborações premiadas, em todos os ramos do MP brasileiro".
+++ Através da análise dos últimos posicionamentos de Augusto Aras, a reportagem constrói o argumento de que o PGR é tendencioso. A reportagem é forte, mas outras fontes além da professora da FGV poderiam ter sido ouvidas para dar chancela ao argumento.
*”Bolsonaro ignora freios do STF e segue ameaça retórica a estados”* - Embora o governo federal tenha mais uma vez ameaçado ações contra governadores e prefeitos que impõem à população medidas restritivas durante a pandemia do novo coronavírus, o STF (Supremo Tribunal Federal) já sinalizou em ao menos duas ocasiões que eles têm autonomia para decretá-las. As investidas do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e de sua equipe contra essas providências têm tido efeito apenas retórico, uma vez que o governo tem colhido derrotas não só na corte, mas em outras instâncias do Judiciário. No sábado (11), a AGU (Advocacia-Geral da União) divulgou nota afirmando que, diante das medidas restritivas “de direitos fundamentais” adotadas pelas outras esferas de governo, pretende ajuizar ações contra elas para “garantir a ordem democrática e a uniformidade das medidas de prevenção à Covid-19”. No texto, o órgão não cita nenhum caso específico, mas mira o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que disse que o estado poderá prender quem descumprir regras de isolamento. Desde o início da crise sanitária, o tucano e Bolsonaro protagonizam embates sobre a forma de enfrentar o novo coronavírus. São Paulo tem o maior número de contaminações confirmadas e de mortos. “Qualquer medida deve ser respaldada na Constituição e capaz de garantir a ordem e a paz social.
Medidas isoladas, prisões de cidadãos e restrições não fundamentadas em normas técnicas emitidas pelo Ministério da Saúde e pela Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] abrem caminho para o abuso e o arbítrio. Por fim, medidas de restrição devem ter fins preventivos e educativos —não repressivos, autoritários ou arbitrários”, diz o comunicado, assinado pelo advogado-geral da União, André Mendonça. Apesar da nova ameaça, na última quarta-feira (9) o ministro do STF Alexandre de Moraes decidiu que o governo federal não pode “afastar unilateralmente” as normas de restrição de circulação que vêm sendo adotadas por estados e municípios durante a pandemia do novo coronavírus. Ele afirmou que essas providências valem “independentemente” de posterior ato do presidente em sentido contrário. A decisão foi dada na ação em que a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) pedia ao Supremo para obrigar Bolsonaro a seguir as recomendações da OMS (Organização Mundial da Saúde) quanto ao enfrentamento da epidemia. Para o ministro, a entidade tem razão ao pedir “respeito à determinação dos governadores e prefeitos quanto ao funcionamento das atividades econômicas e as regras de aglomeração”. Ele se negou, contudo, a fazer imposições a Bolsonaro, justificando que não cabe ao Judiciário substituir o “juízo de conveniência do presidente da República sobre as ações”. O entendimento do ministro foi uma derrota para Bolsonaro, que acusa os chefes de Executivo locais de invadir competências da União ao decretar restrições à população. O presidente tem defendido a retomada de atividades país afora, mantendo-se o isolamento apenas de idosos e outros grupos mais vulneráveis à Covid-19. Para especialistas, contudo, essa estratégia não é eficiente.
Em várias oportunidades, o mandatário desafiou o recolhimento, participando de eventos e provocando aglomerações em passeios pelas ruas de Brasília. No mês passado, o ministro Marco Aurélio Mello já havia entendido, em outra ação, que estados e municípios têm competências concorrentes às da União na saúde e que, sendo assim, as decisões de um ente federativo não podem suplantar as dos outros. A decisão foi tomada numa ação ajuizada pelo PDT pedindo a nulidade de dispositivos da MP 926, assinada por Bolsonaro em resposta a críticas de Doria e do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), à conduta do governo federal na crise. “O que nela [na MP] se contém —repita-se à exaustão— não afasta a competência concorrente, em termos de saúde, dos estados e municípios. (…) Há de ser reconhecido, simplesmente formal, que a disciplina decorrente da medida provisória 926/2020, no que imprimiu nova redação ao artigo 3º da lei federal no 9.868/1999, não afasta a tomada de providências normativas e administrativas pelos estados, Distrito Federal e municípios”, afirmou Marco Aurélio. As decisões dos dois ministros terão de ser referendadas pelo plenário do Supremo. Está pautada para esta quarta-feira (15) a análise do caso conduzido por Marco Aurélio.
O presidente da corte, Dias Toffoli, em evento recente, defendeu a necessidade do isolamento. Outro revés do governo se deu no fim de março, quando a Justiça Federal no Rio proibiu a Secretaria de Comunicação da Presidência de veicular a campanha “O Brasil não pode parar”. Ela foi lançada após pronunciamento em rádio e TV no qual Bolsonaro fez incisivo discurso anticonfinamento e propôs a retomada de atividades. Em decisão liminar, a juíza Laura Bastos Carvalho afirmou que o governo não deve publicar qualquer outra campanha que sugira à população brasileira comportamentos que não estejam estritamente embasados com diretrizes técnicas. Apesar das derrotas no Judiciário, Bolsonaro tem dito que usará a caneta para reverter decisões dos gestores locais. Em 2 de abril disse que tem uma medida provisória pronta para liberar o comércio nos Estados, mas não a editou. Afirmou acreditar que seus adversários tentam “sufocar a economia para desgastar o governo” e que precisaria de apoio popular para tomar medidas mais radicais e conseguir a reabertura de estabelecimentos. Em 29 de março, após um passeio por Brasília, o presidente declarou ter vontade de assinar decreto autorizando alguns setores da economia a voltarem a funcionar. A norma, porém, não foi editada.
+++ A reportagem continua a anterior, mas perde a oportunidade de publicar mais falas contundentes contra os atos de Jair Bolsonaro. A crítica fica leve demais.
*”Em live com religiosos, Bolsonaro vai na contramão de especialistas e diz que vírus está indo embora”* - Na contramão do que dizem especialistas, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) afirmou neste domingo (12) que o novo coronavírus parece estar indo embora do país. "Parece que está começando a ir embora essa questão do vírus, mas está chegando e batendo forte a questão do desemprego​", afirmou o presidente em uma videoconferência com líderes religiosas em comemoração à Páscoa. Em uma fala de dez minutos, o presidente repetiu o que vem fazendo desde o chegada do vírus no país: equiparar a pandemia com o desemprego. Apesar da afirmação de Bolsonaro, de que haveria um arrefecimento da crise de saúde, o Brasil registrou 99 mortes de sábado (11) para domingo, totalizando 1.223 óbitos pelo novo coronavírus, segundo dados do Ministério da Saúde. Há pelo menos 22.169 casos confirmados da nova doença no Brasil. Autoridades têm chamado atenção para a possibilidade de subnotificação devido à falta de testes no país. A pasta prevê um pico da Covid-19 entre fim de abril e início de maio para estados com índices de contaminação mais avançados. Já para o país, de forma geral, esse ápice é esperado para junho.
A declaração de Bolsonaro também contraria um artigo científico escrito por pesquisadores brasileiros e por integrantes do Ministério da Saúde. O texto, publicado na Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, menciona um pico do novo coronavírus entre abril e maio e que a crise deve se estender ao menos até meados de setembro. Os autores afirmam que o outono está chegando e que nessa estação e no inverno aumenta a incidência de doenças respiratórias. São eles pesquisadores da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, da Fundação Oswaldo Cruz, Universidade do Estado do Amazonas, Fundação de Medicina Tropical Doutor Heitor Vieira Dourado e profissionais do Ministério da Saúde. Na transmissão ao vivo deste domingo, Bolsonaro disse que vem repetindo há 40 dias que o Brasil tem dois problemas a serem enfrentados: o vírus e o desemprego. A OMS (Organização Mundial da Saúde) decretou há pouco mais de um mês, em 11 de março, que trata-se de uma pandemia. O Brasil registrou seu primeiro caso em 26 de fevereiro e a primeira morte em 17 de março. Há infecções confirmadas em todas as unidades da federação. No caso do Amazonas, autoridades afirmam que o estado já atingiu a capacidade de atendimento da população.
O presidente vem agindo na contramão do que dizem autoridades sanitárias, o próprio Ministério da Saúde e lideranças mundiais. Ele tem saído do Palácio da Alvorada, visitado locais públicos, cumprimentado apoiadores e promovido aglomerações, o que gerou uma série de críticas. Bolsonaro defende que sejam isolados apenas aqueles que integram os grupos de risco, como idosos, diabéticos ou hipertensos. A recomendação da OMS e do ministério, contudo, é de que haja um distanciamento social amplo para evitar o colapso do sistema público de saúde. A live presidencial deste domingo contou com a participação de líderes religiosos alinhados ao governo, como o pastor Silas Malafaia e o deputado Marco Feliciano. A mediação da videoconferência ficou a cargo de Iris Abravanel, esposa do empresário e apresentador Silvio Santos, do SBT.
+++ A reportagem poderia ser muito melhor caso se aprofundasse em quem são os líderes religiosos que estavam na “live” junto como presidente da República. Se a imprensa se dedicasse a compreender de onde vêm e a quem são ligadas estas igrejas evangélicas neopentecostais, certamente, o texto teria muito mais potencial de colocar Bolsonaro em xeque.
CELSO ROCHA DE BARROS - *”O melhor de Bolsonaro na pandemia é sua ausência na gestão da crise”*
ANÁLISE - *”Presidente se afasta de bolsonaristas católicos ao minimizar pandemia”*
*”Poderíamos ter salvado vidas com medidas rígidas mais cedo, diz conselheiro de Trump”*
*”Pandemia gera impacto sem precedentes na venda de bens de consumo nos EUA”*
MATHIAS ALENCASTRO - *”Cloroquina segue à risca o roteiro da trama populista”*
*”Sistema de saúde público 'salvou minha vida', diz Boris após alta”*
*”Agradecimento de Boris mostra importância de imigrantes na saúde pública”*
*”'Guayaquil é uma necrópole', diz escritora equatoriana”*
*”Papa pede união, cessar-fogo e alívio de sanções em mensagem de Páscoa”*
*”Turistas são obrigados a pedir desculpas 500 vezes por quebrarem isolamento na Índia”*
ENTREVISTA DA 2ª - *”'Tudo indica que vou viver para ver a renda básica implementada', diz Eduardo Suplicy”*: Ao longo dos quase 30 anos em que o economista Eduardo Suplicy, 78, vem defendendo a proposta de uma renda básica para os brasileiros, nunca houve momento tão favorável como agora. "Mesmo antes da pandemia, o interesse pelo tema já estava por toda parte", comemora o ex-professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP) que ingressou na política em 1978 e tomou parte na fundação do PT em 1980, pelo qual hoje é vereador em São Paulo. A simpatia pela ideia de que todos tenham direito a recursos que garantam sua sobrevivência com dignidade tomou força na esteira do aumento da desigualdade social em boa parte do planeta. Agora, o debate ganha ares de urgência diante das medidas de isolamento social para a contenção da pandemia e consequente crise econômica. Diversos governos têm implementado medidas emergenciais de distribuição direta de recursos a seus cidadãos. No Brasil, o governo aprovou benefício emergencial de R$ 600 a trabalhadores informais durante três meses, prorrogáveis por mais três. Incansável pregador das vantagens da renda básica universal, Suplicy já foi chamado de teimoso e sonhador, mas agora tem apoio de economistas de várias vertentes. Ele é autor de quatro projetos de lei relacionados ao tema. Em 2004, o então senador viu aprovado seu projeto de renda básica de cidadania, com a ajuda do voto do então deputado federal Jair Bolsonaro. A lei, porém, não foi implementada --"ainda", diz Suplicy, pré-candidato à Prefeitura de São Paulo no próximo pleito, "na medida em que seja assegurada a prévia". Entre lives "com interessados na renda básica universal", sessões virtuais da Câmara dos Vereadores e do PT, ele conversou com a Folha de seu isolamento social, na casa da companheira, Mônica Dallari. Suplicy enviou à reportagem livro com dedicatória e entoou, ao telefone, a canção que é sua marca: "Blowing in the Wind", de Bob Dylan.
- Como o sr. avalia o projeto de renda emergencial sancionado pelo governo para a crise do coronavírus?
- Considero um passo muito importante que o Congresso tenha, por unanimidade, aprovado o benefício de uma renda básica emergencial para enfrentar a epidemia do coronavírus. Mas já havia um movimento muito forte nos mais diversos países de interesse, debate e experiências sobre a renda básica incondicional, universal.
- Quais são essas experiências?
- A mais bem-sucedida é a do Alasca, nos EUA. Nos anos 1960, o prefeito da vila de pescadores Bristol Bay percebeu que saía de lá riqueza por meio da pesca, mas que as pessoas eram pobres. Ele resolveu criar um imposto sobre a pesca, que demorou cinco anos para ser aprovado diante da resistência da comunidade a um novo tributo. Deu tão certo que ele depois virou governador do estado do Alasca e criou um fundo composto por parte dos royalties da exploração de petróleo. O Alasca, que em 1980 era um dos estados mais desiguais dos EUA, hoje tem o segundo melhor coeficiente de Gini [índice que mede a desigualdade, sendo 0 a igualdade plena e 1 o extremo da concentração de renda] do país: 0,40. Propor o fim desse sistema se tornou suicídio político no Alasca, que distribui cerca de US$ 2.000 (pouco mais de R$ 10 mil) por ano para todos.
- Há outras experiências do tipo?
- Macau, ex-colônia de Portugal na China, também resolveu, em 2006, separar receitas para criar um esquema de participação de todos na sua riqueza. Há também experiências na Finlândia e em cidades da Holanda, França, Espanha e Califórnia. Além disso, há uma experiência importante na Namíbia e no Quênia, esta última financiada por empresas do vale do Silício a partir de proposta de pesquisadores da Universidade Harvard (EUA).
- E no Brasil?
- Maricá (RJ) criou um programa a partir de um banco social e uma moeda solidária, a mumbuca, aceita pelo comércio local. Começaram pagando [o equivalente a] R$ 20 por mês em 2016 para a população mais carente e, desde 2019, todas as pessoas com renda familiar de até três salários mínimos, que somam 42 mil dos 162 mil habitantes, passaram a receber 130 mumbucas por mês, mais que os R$ 83 do Bolsa Família. Até 2024 Maricá vai pagar a todos os seus habitantes uma renda básica universal.
- Por que a renda básica universal ganhou relevo agora?
- Há um movimento crescente de reconhecimento da renda básica universal como instrumento eficaz para assegurar o direito à sobrevivência para o maior número possível de pessoas, promovendo uma sociedade mais justa e igualitária. Algumas das pessoas que têm falado disso são o ex-presidente dos EUA Barack Obama, o bispo sul-africano e Nobel da Paz Desmond Tutu, o presidente do Facebook, Mark Zuckerberg. No ano passado, 27 economistas laureados com o Nobel e quatro ex-presidentes do Federal Reserve (banco central americano) propuseram ao governo dos EUA taxar o carbono para a criação de programa similar. São propostas que estão amadurecendo.
- Esse interesse se deve a princípios de solidariedade ou à constatação de que o sistema econômico atual promove desigualdades tamanhas que necessita deste tipo de programa para funcionar?
- O diagnóstico de que as desigualdades cada vez maiores precisam ser resolvidas por meio de um desenho de um sistema tributário que promova maior igualdade abrange economistas no mais largo espectro. Desde Karl Marx – que sintetiza a ideia na frase "de cada um, de acordo com a sua capacidade, a cada um, de acordo com suas necessidades"– até o maior defensor do capitalismo, Milton Friedman, para quem o capitalismo é o sistema mais compatível com a liberdade do ser humano, mas não é capaz de resolver o problema da pobreza.
- O que o despertou para essa questão?
- Como economista, sempre me preocupei em descobrir meios para nos tornarmos uma sociedade mais justa. Apresentei a proposta de um imposto de renda negativo para os brasileiros que ganhavam até dois salários mínimos em 1991 no Senado. Foi aprovada por consenso.
- De que maneira essa ideia deu origem ao Bolsa Família?
- Os economistas simpáticos ao PT nos reunimos e propusemos uma renda mínima para as famílias carentes desde que as suas crianças estivessem frequentando a escola. Isso porque um dos maiores problemas do ciclo vicioso da pobreza é que crianças de famílias que não têm o que comer em casa começavam a trabalhar cedo e, na idade adulta, não teriam conhecimento suficiente para obter bons empregos.
- Em 2001, o sr. apresentou um projeto de renda mínima incondicional, aprovado nas duas Casas. Por que ainda não foi implementado?
- O projeto foi aprovado no Senado e na Câmara, onde contou com o voto favorável do então deputado federal Jair Bolsonaro. Sua implementação é por etapas. Portanto o programa Bolsa Família pode ser visto como um passo em direção à renda básica para a cidadania. E a preocupação com a segurança estará muito mais bem atendida com a possibilidade de as pessoas sobreviverem com dignidade do que com a flexibilização da posse de armas, como fez o atual presidente.
- Do que depende essa implementação?
- Historicamente, setores econômicos mais fortes têm influência maior nas autoridades econômicas do ponto de vista de recursos e incentivos fiscais. Uma renda básica modesta, de R$ 100 por pessoa por mês, daria R$ 248 bilhões por ano. E, desde 2013, os incentivos fiscais dados pelo governo federal a empresas ultrapassam R$ 300 bilhões ao ano. Enquanto isso, o orçamento do Bolsa Família é de cerca de R$ 30 bilhões anuais. Ou seja, ao invés de transferirmos recursos para os que ganham mais, por que não pagarmos para todos?
- De onde viria o dinheiro para uma renda básica universal no Brasil?
- Em 1999 eu propus um Fundo Brasil de Cidadania, composto por parcelas dos aluguéis de imóveis da União, royalties da exploração de recursos naturais, de programas de desestatização, entre outros. Seria um superfundo, aprovado por consenso no Senado e nas primeiras comissões da Câmara, mas que acabou rejeitado a partir de um parecer negativo do governo Dilma Rousseff (PT).
- Como o sr. avalia essa rejeição por governo de seu partido?
- Não foi fácil, ainda mais porque o PT sempre teve em seus programas de governo a proposta de transição do Bolsa Família para a renda básica de cidadania. Foi uma desatenção muito séria. Eu considero que isso negou o que todos os programas do PT explicitaram ao longo da nossa história. Mas não desisto! [risos]
- Quais são as vantagens da renda básica universal?
- Elimina-se toda a burocracia de saber quanto cada um ganha e qual é seu patrimônio. Elimina-se o estigma do indivíduo que precisa de auxílio financeiro. Estimula-se o progresso porque, ao contrário do que se imagina, esses recursos não promovem a ociosidade ou a vagabundagem. Todos nós gostamos de nos sentirmos úteis. A principal vantagem é a de elevar a liberdade e a dignidade da vida humana.
- Sua persistência neste projeto já lhe deu ares quixotescos. Isso o incomoda?
- Eu tenho muita admiração por Dom Quixote --tenho até uma estatueta dele em casa. Eu não me importo porque é uma batalha que vale muito a pena. Cada vez mais as pessoas estão me procuram para dizer: puxa, você estava no caminho certo. E me parece que começa agora uma conspiração a favor dessa ideia. Tudo indica que vou viver para ver a renda básica implementada.
*”Investidor só voltará a ter dividendo no longo prazo, dizem especialistas”*
*”Itaú prepara doação de R$ 1 bilhão para combater coronavírus”*
*”Produtores de petróleo aprovam corte histórico na produção em meio à pandemia”* - A Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), Rússia e outros países produtores de petróleo concordaram neste domingo (12) com um corte na produção em volume recorde, representando 10% da oferta global, para apoiar os preços do petróleo em meio à pandemia do coronavírus. O grupo, conhecido como Opep+, fez acordo para redução da produção em 9,7 milhões de barris por dia (bpd) em maio e junho, depois de quatro dias de negociações e após a pressão do presidente dos EUA, Donald Trump, para impedir a queda de preços. O acordo foi fechado em uma videoconferência neste domingo. A redução é quatro vezes maior do que a praticada durante a crise financeira de 2008. No maior corte na produção de petróleo de todos os tempos, os países continuarão diminuindo gradualmente os freios à produção por dois anos até abril de 2022. Medidas para conter a disseminação do coronavírus destruíram a demanda por combustível e reduziram os preços do petróleo, pressionando os orçamentos dos produtores de petróleo e prejudicando a indústria de xisto dos Estados Unidos, que é mais vulnerável a preços baixos devido aos seus custos mais altos. "O grande acordo com a Opec+ está feito. Isso salvará centenas de milhares de empregos nos Estados Unidos", escreveu Trump no Twitter, agradecendo o presidente russo, Vladimir Putin, e o rei Salman, da Arábia Saudita, por terem viabilizado o acordo. A Opep+ também disse que queria que produtores de fora do grupo, como Estados Unidos, Canadá, Brasil e Noruega, cortassem mais 5% da produção ou 5 milhões de bpd. O ministro de Minas e Energia do Brasil, Bento Albuquerque, disse na sexta-feira (10) que, por questões legais, o governo brasileiro não tem influência sobre o mercado de petróleo, sendo apenas responsável pelas políticas públicas do setor.
Também afirmou que a Petrobras, que é controlada pela União, já reduziu sua produção em 200 mil bpd, o que representa 20% do total das exportações de petróleo do Brasil. Canadá e Noruega sinalizaram disposição para cortar e os Estados Unidos, onde a legislação também dificulta a atuação em conjunto com cartéis como a Opep, disseram que sua produção cairia acentuadamente neste ano devido aos baixos preços. A assinatura do acordo da Opep+ foi adiada desde quinta-feira (9) pela resistência do México aos cortes de produção que foi solicitado a fazer. O presidente do México, Andres Manuel Lopez Obrador, afirmou na sexta-feira que Trump se oferecera para fazer cortes extras nos EUA em seu nome, uma oferta incomum de um Trump que há muito se opõe à Opep. Trump, que havia ameaçado a Arábia Saudita com tarifas sobre o petróleo se o país não resolvesse o problema de excesso de oferta do mercado, disse que Washington ajudaria o México pegando "parte da folga" e sendo reembolsado mais tarde. Neste domingo, o México afirmou que reduzirá sua produção de petróleo em 100 mil barris por dia a partir de maio. A Opep+ havia pedido ao México que diminuísse a produção em 400 mil bpd. O Ministério da Energia do Azerbaijão disse que os Estados Unidos compensarão o México cortando a produção em outros 300 mil bpd. O patamar representa 50 mil bpd a mais do que Lopez Obrador e Trump haviam concordado anteriormente. Uma autoridade mexicana confirmou o anúncio do ministério.
MARCIA DESSEN – *”Toda crise é transformadora”*
PAINEL S.A. - *”Associação de shoppings distribui guia com orientações pós-quarentena”*
*”PIB brasileiro deve cair 5% em 2020 por coronavírus, diz Banco Mundial”*
*”Guedes sugere a senadores uso de reservas internacionais para conter danos da pandemia”* - O ministro Paulo Guedes (Economia) defendeu, segundo senadores, que o governo federal faça uso de recursos das reservas internacionais do país para conter os danos causados pela pandemia do coronavírus na economia. A manifestação foi feita a um grupo de senadores na noite da última quinta-feira (9), em uma videoconferência que teve a participação de integrantes do Podemos, do Cidadania e Rede, que compõem o chamado Grupo "Muda Senado!". De acordo com o senador Ranfolfe Rodrigues (Rede-AP), que participou do encontro virtual, Guedes fez a afirmação quando questionado como o governo estava estimando pagar as contas públicas feitas devido à pandemia. “Ele (Guedes) disse que é incongruente um país ter uma dívida pública de quase R$ 4 trilhões e manter reservas de aproximadamente R$ 2 trilhões”, afirmou Ranfolfe. Aos senadores, Guedes ainda disse que o Brasil não precisa de todo o volume das divisas internacionais. “Ele ainda afirmou: ‘O Brasil não precisa de todo este volume em divisas internacionais, talvez a metade disso. Assim, passada a crise, nada impede que possamos utilizar parte deste montante para pagar a conta da crise e até reduzir nosso endividamento’”, afirmou o senador. O congelamento de salários de servidores públicos pelo período de dois anos também foi sugerido pelo ministro como alternativa para aumentar os recursos do governo.
“O ministro disse que com a redução dos juros da taxa Selic já economizamos R$ 120 bilhões esse ano e sugeriu duas medidas, congelamento do salário de servidores públicos por dois anos e internalização das reservas internacionais, que hoje somam 370 bilhões de dólares”, disse o senador. Esta não é a primeira vez que o ministro da Economia defende o uso das reservas internacionais para o pagamento de dívidas. Durante a campanha eleitoral de 2018, que elegeu Jair Bolsonaro para a Presidência, Guedes defendeu que a venda de parte das reservas poderia ajudar na redução da dívida pública, além de reduzir as despesas com juros da dívida. As reservas atuais equivalem a 20% do Produto Interno Bruto (PIB). De acordo com dados do Banco Central (BC), a estimativa é que neste ano, devido à crise econômica acelerada pela pandemia, a dívida bruta do país deva alcançar 80% do PIB. Na mesma reunião com os senadores, o ministro afirmou que o PIB poderá recuar em até 4%, caso passe de julho o isolamento social proposto como forma de reduzir o contágio pelo coronavírus. A reunião desta quinta foi a quarta da semana entre o ministro e senadores. Guedes escalou o núcleo duro de sua equipe econômica para as conferências virtuais, que se estenderam madrugada adentro, na grande maioria. Segundo a assessoria do ministro, a reunião foi proposta por ele para que pudesse ser explicado aos senadores a necessidade de apreciação da PEC do Orçamento de Guerra, que tem sua votação prevista para segunda-feira (13).​ Procurada neste sábado (11), a assessoria do ministro ainda não se manifestou.
+++ A reportagem não traz nenhuma fonte que seja contrária às medidas apresentadas por Paulo Guedes. Fica muito superficial.
*”Não temos certeza sobre quando haverá normalidade, diz secretário de Fazenda”*
RONALDO LEMOS - *”Desacelerar para progredir?”*
*”Governo e Congresso reavaliam acordo de socorro aos estados”* - Aliados do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no Congresso já avaliam que a proposta de até R$ 40 bilhões do Ministério da Economia para o pacote de socorro aos estados na crise do coronavírus não deve ser suficiente. Auxiliares do Palácio do Planalto, então, articulam com líderes partidários um meio-termo entre o que desejam o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e o ministro Paulo Guedes (Economia), que travam uma disputa sobre o tamanho da ajuda aos governadores e prefeitos. Com o apoio de Maia, chefes de Executivos estaduais tentam emplacar um plano de alívio financeiro no curto prazo e sem contrapartidas, o que incomodou a equipe econômica. O time de Guedes considera a proposta uma bomba fiscal que pode gerar um custo de até R$ 222 bilhões ao governo federal. Ciente das dificuldades na Câmara, o ministro vem buscando apoio dos senadores para tentar mudar eventual votação na Câmara que desagrade o governo. Neste sábado (11), o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, apresentou a ideia de compensar as perdas financeiras de estados em um valor de até R$ 40 bilhões. Os governadores e prefeitos, em troca, teriam que congelar os salários de servidores públicos por dois anos.
Maia indicou que, nessa negociação, o governo deveria abrir mais o caixa e ampliar as compensações por perda de receita ICMS (imposto estadual) e ISS (municipal) por um período maior que três meses —prazo previsto no projeto encampado por ele. Essa conta, por três meses, seria de R$ 41 bilhões. Com isso, o presidente da Câmara aceitaria reduzir a margem prevista na proposta para que governadores e prefeitos pudessem se endividar na crise. O texto permite que estados possam contratar empréstimos e financiamentos, limitados a 8% da receita corrente líquida do ano passado, para bancar medidas de enfrentamento ao novo coronavírus e para estabilizar a arrecadação em 2020. O Tesouro daria as garantias a essas operações de crédito, mesmo para estados com baixa condição de pagamento. Em caso de calote, o prejuízo é, portanto, dos cofres públicos. Essa medida poderia, segundo a versão da Câmara, chegar a R$ 55 bilhões, mas o governo quer reduzir o montante. Lideranças governistas querem resolver o impasse e, para isso, afirmam que Guedes também terá que ceder nas negociações por pressão do Congresso e dos governadores. Técnicos do Ministério da Economia dizem que o pacote em análise na Câmara é inviável. Além disso, reclamam que o plano não prevê que os chefes de Executivos estaduais e municipais tomem medidas amargas para ajustar as contas públicas no médio a longo prazo.
Esse é um dos pontos de tensão no projeto. Parlamentares e governadores querem evitar contrapartidas de austeridade, alegando que o momento é de socorro aos entes. Maia prevê votar a proposta, cuja versão é rejeitada pela equipe econômica, nesta segunda-feira (12). O governo conta com o apoio do Senado para conseguir um acordo que desidrate o pacote articulado pelo presidente da Câmara. De acordo com o governo, o impacto inicial direto do projeto será de R$ 105 bilhões sobre as finanças públicas federais, entre suspensão de dívidas com bancos públicos, novas operações de crédito e transferência direta aos entes. Além disso, há a perspectiva de despesas por conta de dívidas suspensas e renegociadas pelos governadores, além de recomposição de fundos regionais. O governo incluiu ainda a possível concessão de créditos e trechos da medida que não estão relacionados à pandemia, mas geram aumento de gastos –anistia por descumprimento de limite de gastos e perdão de encargos de dívidas. Com isso, o Tesouro estima que o custo total da medida ficará entre R$ 148 bilhões (em cenário conservador) e R$ 222 bilhões (em cenário que considera o uso de todas essas prerrogativas do projeto pelos entes).​
+++ A reportagem é muito fraca, não abre possibilidade de debate porque limita as fontes que discutem o problema.
*”Ministério da Saúde paga até 185% a mais por produto contra Covid-19”* - Durante a pandemia do novo coronavírus, o Ministério da Saúde tem pago variações de até 185% no preço de produtos necessários para abastecer redes públicas federal, estadual e municipal. Análise de 34 contratos emergenciais assinados pela pasta desde o início da crise mostra que o órgão desembolsa a empresas distintas valores díspares para materiais com a mesma descrição técnica. A maior diferença encontrada foi nas sapatilhas próprias para hospitais. O calçado feito de TNT é usado até o tornozelo para evitar que médicos, enfermeiros e pacientes carreguem microrganismos grudados nas solas para dentro das alas de tratamento. O órgão pagou R$ 0,07 por cada par numa compra de 100 mil itens feita em 2 de março, antes da declaração de pandemia, com um fornecedor. Menos de um mês depois, no dia 26, assinou contrato com outra empresa, pagando R$ 0,20. O cobiçado álcool em gel —que teve altas de até 300% no varejo de alguns estados, segundo os Procons-- também está saindo mais caro para o governo. No início da crise, o frasco de 500 ml foi vendido à pasta por R$ 3,91; no início de abril, o valor pulou para R$ 6,68, aumento de 70%.
No ano passado, ainda em período de normalidade, o recipiente com o dobro do volume (um litro) chegou a ser vendido por R$ 5,48 às redes públicas. A referência consta do banco de preços em saúde, mantido pelo ministério. Procurado pela Folha, o Ministério da Saúde atribuiu as variações à flutuação cambial e à questão mercadológica, de oferta e demanda. Afirmou que a compra de insumos, equipamentos e afins é um dos maiores desafios agora. Aventais, luvas, toucas e máscaras, exemplificou, são os produtos mais difíceis de encontrar. O ministério admitiu que parte das aquisições que planeja não tem se concretizado por falta de propostas financeiras ou de logística (prazo e entrega) viáveis. Segundo o ministério, ao fazer chamamento público para adquirir material ou serviço, não há a determinação de preço máximo, mas elaboram-se valores de referência. As variações se repetem em outros itens comprados para abastecer hospitais, como kits para leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva), luvas, máscaras, toucas e reagentes. Em alguns casos, a pasta não tem conseguido ganhos de escala. Em um contrato, comprou 500 mil máscaras cirúrgicas a R$ 0,96. Em outro, pactuou a aquisição de 20 milhões a R$ 2,08 cada —116% a mais. Segundo o banco de preços, era possível comprar o produto em 2019 a R$ 0,10.
Para a entrega do lote de máscaras, o ministério firmou contrato de R$ 41,6 milhões com a Aura Pharma Importação e Exportação de Medicamentos. Dono da empresa, Fernando Lacerda André diz que não é mais possível encontrar a mercadoria em fabricantes nacionais e que está negociando o fornecimento na China, o que classifica como “trabalho de Hércules”. No ano passado, afirma, comprava-se cada item a cerca a de R$ 0,07 de um fornecedor brasileiro. Com a pandemia, preços se inflacionaram, puxados pela valorização do dólar, e a logística para trazer o material está mais difícil. Quando fechou o contrato com o governo, a moeda americana estava cotada a R$ 4,63, mas subiu para R$ 5,22, o que encareceu o valor. Além disso, há menos aviões disponíveis. “Essa carga corresponde a um Boeing 747 cheio. Antes, o frete estava a US$ 600 mil. Agora, passou para US$ 1,9 milhão. Os Estados Unidos fretaram a maioria dos aviões”, diz. O uso de navios, opção mais barata, está descartado, ante a necessidade de que as mercadorias cheguem aos hospitais com rapidez.
Uma vez embarcado, o carregamento tem de cumprir rotas específicas entre China e Brasil para não correr o risco de ser confiscado por outros países no reabastecimento. Lacerda afirma que há uma fila imensa de compradores aguardando produtos nas fábricas da China. Apenas para entrar na espera foi necessário pagar quase 50% do valor da encomenda. O restante só pode ser despachado com o pagamento total, mas ele está tentando, sem sucesso, levantar empréstimo em bancos. “Com a altíssima demanda global, os equipamentos de proteção individual [EPIs] viraram uma espécie de commodity, fazendo com que ocorra ‘leilão’ dos produtos. Há risco de perder a mercadoria para os EUA, que chegam à China com cargueiros e pagamento à vista.” Lacerda calcula que a fatura da fábrica chinesa, convertida para a moeda brasileira, sairá a R$ 36 milhões. Para que os custos não superem o valor acertado com o ministério, está tentando encontrar alternativas para o frete. Ele diz que não está diante de uma mera operação comercial, mas de uma missão. “Queremos trazer as máscaras. Precisa ficar claro que não é o empresário que está se aproveitando da situação para fazer dinheiro. A gente corre o risco de tomar prejuízo.” Nas aquisições do álcool em gel, também não houve ganho de escala. O preço mais baixo (R$ 3,91) foi pago no menor lote, de 100 mil frascos. O mais alto (R$ 6,68) foi praticado num contrato muito maior. As variações no valor desse e de outros componentes já são investigadas pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica).
O órgão mapeou os principais participantes dos mercados de saúde em todo o país e solicitou o envio de notas fiscais relacionadas à comercialização de materiais e serviços de uso no combate à Covid-19. O Cade quer comparar os preços praticados de novembro de 2019 até agora, com o objetivo de verificar eventuais aumentos abruptos e margens de lucro que possam caracterizar ilícitos concorrenciais. Desde o fim de março, o Ministério da Saúde tem alertado para desabastecimento de bens para proteger médicos e outras categorias. O aumento acelerado no número de doentes e mortos pela Covid-19 tem pressionado sistemas de saúde ao redor do mundo e impulsionado a aquisição de EPIs, bem como respiradores e leitos de UTI. No último dia 1º de abril, o ministro Luiz Henrique Mandetta (Saúde) afirmou que a maior preocupação da pasta é conseguir comprá-los. Na terça (7), ele se reuniu com o embaixador chinês, Yang Wanming, para pedir ajuda ao Brasil. Mandetta disse que a China domina 90% de todo o mercado mundial desses itens e que ficou fechada para a exportação desde o início do ano por conta dos efeitos da pandemia na região. O Congresso tem ao menos dois projetos de lei que tratam do congelamento de preços de medicamentos e de um teto de valor a ser cobrado por itens essenciais ao combate do coronavírus. O Departamento de Estudos Econômicos do Cade elaborou no início de abril notas técnicas apontando, no entanto, preocupações concorrenciais relacionadas às propostas estudadas no Legislativo.
+++ O acesso aos equipamentos hospitalares é um dos assuntos mais importantes do momento, mas a reportagem ignora completamente o motivo de o Brasil não ter os equipamentos estocados e, muito menos, o motivo de não ter capacidade de produzi-los.
*”Fotógrafo registra vazio da Mooca, bairro de imigrantes em São Paulo”*
*”Estados acertam nas restrições contra avanço do vírus, afirma grupo da USP”*
*”Ministério quer aumentar testes para até 50 mil ao dia, mas oferta não será a todos”* - O Ministério da Saúde informou neste sábado (11) que pretende ampliar a capacidade de testes para o novo coronavírus de 4.200 para até 50 mil amostras por dia, por meio da instalação de "centros de coleta de emergência" e do uso de novas máquinas em parceria com a rede privada. Ao mesmo tempo em que pretende ampliar a testagem, o Brasil ainda não terá oferta de testes para toda a população, afirma o secretário de vigilância em saúde, Wanderson Oliveira. “Teremos testes em quantidade suficiente para avaliação do cenário epidemiológico. O que posso garantir é que não teremos testes para todas as pessoas. Os testes são para conhecer a epidemia e para algumas regiões do país", disse. Segundo ele, a pasta deve iniciar em breve uma estratégia para testagem de casos leves em cidades maiores. A ideia é direcionar pessoas com sintomas a centros de coleta de emergência, espécie de postos volantes que devem ser instalados em cidades acima de 500 mil habitantes. A orientação para ida aos postos deve ser feita por meio de um sistema de teleatendimento, já em funcionamento. O resultado será informado em até 24h. De acordo com Oliveira, um projeto-piloto para acelerar a testagem deverá ser iniciado em Curitiba e no Rio de Janeiro. Ele não deu detalhes da medida.
Ao mesmo tempo, um centro de testes em conjunto com a rede privada também deve ser instalado em São Paulo. O projeto aguarda finalização de contratos. A declaração ocorre em um momento em que o ministério enfrenta críticas pela baixa oferta de testes, restritos a casos graves e a amostras coletadas em unidades sentinela, que visam verificar a circulação do vírus. “Não é verdade que estejamos testando pouco. Estamos fazendo o máximo possível com a realidade de insumos nesse momento”, afirma Oliveira. "O que nós vamos fazer é testar mais, baseado numa estratégia de centros de coleta de emergência, com postos volantes para os casos leves." Atualmente, há 151 mil amostras à espera de testes. O volume corresponde a casos de síndrome respiratória aguda grave, quadro que pode ser causado por diferentes vírus respiratórios, incluindo o novo coronavírus, e casos leves com amostras coletadas em unidades de saúde sentinelas. Entre essas amostras, estão 2.176 de pacientes que morreram com síndrome respiratória grave. "Os potenciais casos de coronavírus estão dentro dos 2.176. O sistema está sensível e notificando [os casos]", afirma Oliveira, para quem o número de casos em investigação deve crescer com a entrada da fase de maior circulação de vírus respiratórios no país.
A ampliação dos testes é hoje um dos gargalos enfrentados pelo país. Outro desafio é aumentar a oferta de leitos e respiradores usados para assistência de pacientes graves em UTIs. Um contrato para importação de 15 mil respiradores foi cancelado. Agora, o ministério busca outros fornecedores e aguarda a entrega de 6.500 respiradores que devem ser produzidos em até 90 dias por empresas nacionais. Um segundo contrato, para produção de mais 7.000 respiradores, é previsto para esta semana, de acordo com o secretário-executivo do Ministério da Saúde, João Gabbardo dos Reis. Segundo ele, a pasta também deve iniciar o monitoramento da ocupação de leitos em hospitais. Portaria publicada na quinta-feira prevê que essa informação seja enviada duas vezes por dia para monitoramento pelo governo federal. Caso isso não ocorra, a pasta poderá suspender o envio de recursos. Em último caso, a Polícia Federal também poderá ser acionada, afirma.
*”Brasil tem 99 novas mortes por coronavírus; total é de 1.223”*
*”Pacientes curados viram maioria na Áustria após 4 semanas de quarentena”*
*”Morre 1º paciente de hospital de campanha montado em SP para vítimas do coronavírus”*
*”Grupo de risco do coronavírus, presos idosos e doentes são 9% do total em SP”*
*”À espera de auxílio do governo contra coronavírus, mães solo driblam fome acordando mais tarde”* - Faz duas semanas que Paula Renata dos Santos, 30, e seus quatro filhos acordam mais tarde. É que já está faltando dinheiro até para o pão, e o jeito é pular direto para o almoço, ao 12h. Nas duas refeições que a família tem feito por dia, o cardápio se repete: arroz, feijão e ovo. Desempregada e vivendo de bicos, ela é uma das mães solo que aguardam o auxílio emergencial de R$ 1.200 do governo federal para colocar comida na mesa. "Se não morrer do vírus, morre de fome", diz Paula, cuja conta bancária está a zero e que está descrente do prazo para liberação do dinheiro. "Essa demora não me espanta, nunca consegui ajuda do governo." Foi liberado nesta terça-feira (7) um aplicativo para que os trabalhadores informais se inscrevam para ter direito ao auxílio emergencial. A intenção do governo federal é que os valores sejam pagos antes da Páscoa. De acordo com a lei, pode receber o auxílio quem não tem emprego formal ou é MEI (microempreendedor individual), não recebe benefício do INSS ou seguro-desemprego e tenha renda familiar, por pessoa, de até meio salário mínimo ou renda mensal familiar de até três salários mínimos. As mães que são chefes de família recebem cota dobrada e terão direito a até R$ 1.200 por mês. O benefício será pago por três meses. Paula mora na favela do Nove, que fica na Vila Leopoldina, zona oeste de São Paulo. Lá, ao menos 270 famílias perderam tudo no início de fevereiro, quando uma enchente deixou a capital debaixo d'água. Ainda tentando se recuperar dos estragos da chuva, muitas mães solo não conseguem mais trabalhar devido à pandemia. E é difícil achar quem esteja cumprindo à risca a orientação de ficar em casa, de quarentena. Eliane dos Santos, 25, passa o dia sentada em uma cadeira de plástico com a filha de seis meses no colo em um dos becos da favela. Quando questionada sobre se não tem medo de se infectar com o novo vírus, ela mostra onde vive. O barraco minúsculo mal acomoda a cama de casal, a geladeira, o fogão, um guarda-roupas mínimo e uma cômoda. Não tem janela. "Não dá pra ficar lá o dia todo, não tem ventilação, é apertado. Saio para fora confiando em Deus", diz ela, que não trabalha e ganha R$ 178 do Bolsa Família. "Tá faltando a mistura, coisa de higiene, fralda, roupinha pro neném, que essas já estão ficando apertadas."
Com três filhos, Rafaela dos Santos, 36, recebia R$ 500 por mês para trabalhar num salão como manicure. Como não tinha carteira assinada, ficou sem renda desde que o estabelecimento foi obrigado a fechar com a quarentena determinada pelo governo do estado. Ela abre a cesta básica que acabou de receber e que vai alimentar a família nas próximas semanas. Tem arroz, feijão, farinha, farofa, macarrão, óleo, molho de tomate, açúcar, leite, ervilha, café e sardinha. "Também tenho essa salsicha enlatada. A gente vai se virando como dá, né?", diz. A escola onde a filha estuda, que é parte de um projeto social, também enviou itens de limpeza: álcool em gel, desinfetante, detergente. Rafaela, como outras mulheres, não sabe como se cadastrar para receber o auxílio emergencial. "É do SUS [o aplicativo]?", pergunta. Até o mês passado, Grazielle Cristina Beraldo, 34, recebia da prefeitura um auxílio-aluguel, de R$ 400, mas o benefício foi cortado. Ela, que tem sete filhos, com idades entre 6 meses e 12 anos, também não recebe o Bolsa Família. A casa de um cômodo na favela do Nove custa R$ 500 por mês. "O pai de uma das crianças me ajuda como pode, mas ele é caminhoneiro e às vezes não consegue", conta ela, que vez ou outra junta e vende latinhas para comprar itens mais baratos, como pão. "Quer que eu seja sincera? Não tenho esperança [de receber o auxílio do governo]. E se for pra pegar [o coronavírus], todo mundo aqui vai pegar. Não tem pra onde correr." Por enquanto, na favela do Nove há casos suspeitos, mas nenhum confirmado.
Pesquisa do Data Favela, da Cufa e do Instituto Locomotiva com 621 mães em 260 favelas de todos os estados mostrou que 9 em cada 10 mudaram suas rotinas devido ao coronavírus. Todas afirmaram estar preocupadas com o impacto da doença e a maioria relatou que os gastos aumentaram quando as crianças passaram a não ir mais para a escola, o que também dificulta a saída da mãe para trabalhar. Ainda segundo o estudo, 37% dessas mulheres são autônomas e só 15% tem carteira assinada. Por causa da pandemia, 84% já tiveram a renda diminuída e 72% afirmam que a alimentação da família já está ou ficará prejudicada. A pesquisa foi realizada nos dias 26 e 27 de março e tem margem de erro de 2,9 pontos percentuais.
Antes da pandemia, Flavia Dourado, 37, estava em busca de emprego e chegou a fazer dois processos seletivos. Como não conseguiu trabalho, não tem de onde tirar dinheiro para manter a casa com os filhos de 13 e 5 anos, na Vila Fundão, no Capão Redondo, zona sul da capital paulista. "Uma mãe chefe de família é mais difícil, né? E criança em casa sem fazer nada só come, é desesperador. Estou tentando segurar para a peteca não cair. Eles pedem danone, bolacha, e não posso dar", conta Flavia. "Quem pode, estoca. Mas e quem não pode?" Os três estão vivendo com a ajuda de amigos e doações de cestas básicas. "Mas não vem uma fruta, não vem papel higiênico, sabão em pó." O aluguel de R$ 900 vence em poucos dias e ela só tem R$ 280. "É o dinheiro para comer. Não sei ainda como vou fazer para não ser despejada." Sobre o auxílio do governo, diz: "Só acredito vendo". Na casa de Aluzinalda Oliveira dos Santos, 61, na favela Parque Jocelia II, na periferia de Salvador, "tá faltando já é tudo" para ela e os dois filhos, de 20 e 24 anos. Diarista, ela ganhava R$ 500 por mês, mas agora ela está "dentro de casa, proibida de sair na rua", já que é parte do grupo de risco da Covid-19. Os filhos também não trabalham. "Quando isso começou, já era ruim, mas agora o negócio pegou mesmo", conta ela, que está comendo com a ajuda de vizinhos, "que dão o que pode, porque também não são ricos". "É 1kg de arroz, de feijão, de farinha." O que recebe do Bolsa Família, usa para pagar o aluguel, de R$ 200. "Se eu deixar o aluguel, vão me botar para fora. Vou morar aonde? Tem que entregar na mão do Senhor. Quem tem fé em Deus não cai."
THIAGO AMPARO - *”Por que a Covid-19 é tão letal entre os negros?”*
*”Sem proteção, vendedores desafiam Covid-19 e segurança reforçada em trens da CPTM”*
FOME NA PANDEMIA - *”Sem comida, estrangeiros de SP pulam refeições e já voltam para seus países”*
*”Sem renda e até sem água, circos desmontam picadeiros em meio à pandemia”*
*”Ministério da Saúde convoca médico para Roraima, mas diz que não há transporte”* - Ao saber do edital de emergência por causa do novo coronavírus, o médico mineiro Gusthavo Cândido Alves, 27, pediu licença do trabalho, em Uberlândia, e se inscreveu para trabalhar com indígenas em Roraima, numa região que inclui o ponto mais setentrional do Brasil. No entanto, ao entrar em contato com o Ministério da Saúde, foi informado de que não há transporte disponível para o local onde deve servir. A informação, recebida pelo telefone, contradiz as próprias regras do edital, segundo o qual o transporte dos profissionais é responsabilidade do Programa Mais Médicos. Mesmo assim, Alves tentou por conta própria voos para Boa Vista —todos cancelados. Outra opção seria seguir por terra desde Manaus, mas o transporte rodoviário interestadual também está suspenso por causa das medidas de restrição social impostas diante da pandemia. O médico foi o único convocado para trabalhar no Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Leste Roraima, que tinha quatro vagas abertas e é responsável pelo atendimento a cerca de 51 mil pessoas, distribuídas 342 comunidades. A maioria fica na Terra Indígena Raposa Serra do Sol. O acesso, muitas vezes difícil, é feito via terrestre, fluvial ou aérea. Até a última sexta-feira (10), o estado de Roraima registrava 75 casos e três óbitos. Entre os mortos estão um motorista do próprio Dsei Leste e um adolescente de 15 anos do povo ianomâmi, atendido por um Dsei à parte.
Apesar de não fornecer transporte, o Ministério da Saúde manteve a data de apresentação, em Boa Vista, entre a próxima quarta-feira (15) e o dia 24 deste mês. Caso não chegue a tempo, Alves será automaticamente excluído do programa. Atualmente, o Dsei Leste dispõe de 15 médicos via Programa Mais Médicos, 7 a menos do que o número ideal em condições normais, sem considerar a pandemia. Além disso, segundo a Folha apurou, os profissionais sofrem com a falta de EPIs (equipamentos de proteção individual). O Dsei Leste atende a uma população considerada de alta vulnerabilidade devido às fronteiras com Venezuela e Guiana e à pouca estrutura de saúde. Por conta própria, muitas comunidades indígenas já bloquearam vias de acesso como forma de se proteger do Covid-19. São sete povos na região: macuxi, wapichana, ingarikó, taurepang, sapará, patamona e wai-wai. Procurado pela reportagem, o secretário de Sesai (Secretaria Especial da Saúde Indígena), Robson Silva, diz que desconhecia a situação de Alves, mas que buscará uma solução por meio de voo militar. “Ele é uma pessoa importante neste momento, ninguém vai dispensar a mão de obra dele. É realmente [um problema] administrativo, porque não tem voo”, afirmou. Sobre a atenção aos indígenas em Roraima, Silva diz que houve o reforço via Operação Acolhida, administrada pelo Exército para a recepção de imigrantes venezuelanos. “Haverá leitos exclusivos para indígenas, então está sob controle em termos de pessoal, não tem nenhum desespero nesse sentido”, afirmou, por telefone.
Caso consiga se apresentar a tempo, o médico mineiro, que em 2018 já trabalhou com saúde indígena no remoto noroeste do Amazonas, ficará no mínimo seis meses e no máximo um ano no Dsei Leste, com um salário cerca de um terço menor da renda que costuma ter em Uberlândia. “Estou indo no ímpeto social”, disse Alves. “Estou deixando os meus pais, que estão no grupo de risco, aqui em Uberlândia, mas sei que aqui tem assistência, hospital, leito. Os que estão lá em Roraima não têm.”​
*”Veja perguntas e respostas sobre coronavírus e mande suas dúvidas”*
*”'Foi a pior Páscoa da minha vida', diz moradora da favela Santa Marta, no Rio”*
MÔNICA BERGAMO - *”Internações em UTI por causa de Covid-19 crescem 2.260% em SP”*: As internações de pacientes com a confirmação de Covid-19 em leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) em São Paulo cresceram 2.260% desde 20 de março. Elas saltaram de 35 para mais de 820 na semana passada. Os números são do painel da Secretaria de Estado da Saúde de SP em pareceria com a Semantix, empresa de inteligência artificial e big data abastecida por 550 hospitais públicos e privados. Já o número de mortes por Covid-19 subiu 158,5% em uma semana, chegando a 540 óbitos desde que o primeiro caso foi registrado no estado. O número ultrapassa o de vítimas de gripe em 2019. Os dados até aqui também apontam que o coronavírus mata dez vezes mais do que todos os tipos de meningite. Até o momento são 13,7 óbitos diários, em média, por Covid-19, contra 1,3 morte/dia por meningite em 2018, conforme informações consolidadas pela Vigilância Epidemiológica Estadual de SP. As informações reforçaram a decisão de prolongamento da quarentena no estado —que, tudo indica,​ deve ser prorrogada pelo menos uma vez mais.
 
CAPA – Manchete principal: *”Um quarto dos mortos por covid-19 já não faz parte dos grupos de risco”*
EDITORIAL DO GLOBO - *”A chance de reerguer o país e evitar uma repetição de erros”*: Na emergência sanitária é natural que as atenções se concentrem na saúde. Porém, em algum momento adiante — o mais breve possível, espera-se — a pandemia será vencida pela ciência. Será, então, a hora da reconstrução, muito provavelmente um divisor de águas na política e na economia. Isso porque o vírus deixou singularmente expostas fragilidades do modelo de desenvolvimento sustentado nas últimas sete décadas, desde a Segunda Guerra Mundial. No Brasil, o primeiro desafio será equacionar a conta dessa crise. Pelas projeções governamentais apresentadas na semana passada, o rombo nas contas de União, estados e municípios deve somar R$ 500 bilhões ao final deste ano, equivalente a 6% do Produto Interno Bruto. Para comparação, no ano passado foi de R$ 61 bilhões. Não é pouco, mas é necessário, porque o importante é a vida. Governo, Congresso e Judiciário, deve-se reconhecer, empreendem esforços para mitigar as consequências da pandemia. Ao mesmo tempo, sinalizam preocupação com a transição para a etapa pós-crise. Esse debate ainda é incipiente e está descoordenado, mas é fundamental. Ideias avançam nas reuniões virtuais de bancadas e nas sessões remotas da Câmara e do Senado, a partir do acervo de projetos existentes.
O adiamento da reestruturação das finanças estaduais obedece a essa lógica. Foi, prudentemente, remetida à agenda pós-crise, com as reformas tributária e administrativa. Caminho inverso adotou-se para a renda mínima. O debate começou nos anos 1960, impulsionado pelo economista americano Milton Friedman. No Brasil dos anos 1990 ganhou forma legislativa com os então senadores Fernando Henrique Cardoso e Roberto Campos, atualizada depois pelo senador Eduardo Suplicy. A pandemia levou-a à prática, em caráter transitório, mas é tema com o qual Congresso e governo têm encontro marcado depois da crise. A reconstrução vai exigir nova perspectiva sobre a arbitragem da carga tributária para cidadãos e empresas, estímulo a investimentos e empregos. Será preciso repensar os gastos públicos com reforço de saúde, saneamento, pesquisa, tecnologia e inovação, vitais ao desenvolvimento em segurança. Há vários projetos, também, para modernização do Estado. O foco deve estar na prioridade aos serviços diretos ao público, à redução da burocracia via tecnologia digital, com liquidação de benesses corporativistas, como supersalários. O debate sobre o futuro está começando, mas é preciso cautela para não se repetirem erros, já clássicos, como a concentração de recursos na União, de renda dentro do Orçamento público, tributação máxima e serviços mínimos e concentração da propriedade do capital combinada com amarras ao empreendedorismo. A crise abre oportunidades para avançar na direção de um país mais eficiente na produção e mais equânime na distribuição da riqueza acumulada.
*”Mudança de perfil – Vírus se expande fora dos grupos de risco”* - No Brasil, um quarto dos mortos por Covid-19 desde o primeiro registro da doença no país não faz parte dos chamados grupos de risco —ou seja, 25% das vítimas fatais são pessoas com menos de 60 anos e sem comorbidades que agravam os sintomas. Esse número disparou nos últimos 15 dias, segundo levantamento do GLOBO feito com base em dados no Ministério da Saúde. Até o dia 27 de março, apenas 11% dos óbitos foram vistos entre pessoas com menos de 60 anos, e somente 15% das vítimas fatais não apresentavam comorbidades. Agora, porém, esses índices aumentaram —25% das mortes ocorrem entre pessoas com menos de 60 anos, e 26% dos óbitos foram em pacientes sem registro de doenças preexistentes, como diabetes, cardiopatias e pneumopatias. O país, então, segue um padrão diferente de nações como a Espanha, a segunda com maior número de óbitos —cerca de 166 mil, atrás apenas dos EUA. No Brasil, a proporção de pessoas abaixo dos 60 anos de idade que morreram pela Covid-19 é mais de cinco vezes maior que a registrada na Espanha (4,6%). Segundo o boletim mais recente do Ministério da Saúde, divulgado ontem, o Brasil tem até agora 22.169 pessoas diagnosticadas com o novo coronavírus, e 1.223 óbitos. O balanço de sábado contabilizava 20.727 contaminações e 1.124 mortes.
Com base na premissa de que a doença é mais perigosa para idosos e pessoas com comorbidades, empresários e políticos, entre eles o presidente Jair Bolsonaro, vêm defendendo a estratégia conhecida como isolamento vertical, na qual apenas as pessoas consideradas dentro de um grupo de risco seriam submetidas ao isolamento social. O Ministério da Saúde, no entanto, vem defendendo que ainda não é hora de relaxar as medidas de isolamento para todos os que podem ficar em casa. Secretário-executivo do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Jurandi Frutuoso diz acreditar que o aumento dos óbitos entre pessoas fora dos grupos de risco no Brasil mostra que isolamento vertical não faria sentido:
— Se você tem um número cada vez maior de jovens e pessoas saudáveis morrendo da doença, não faz sentido falar em isolar grupo de risco. Não seria eficaz.
Uma das explicações para a mudança de perfil dos mortos no Brasil está no fator socioeconômico, segundo especialistas. Professor do Departamento de Epidemiologia da USP, Eliseu Alves Waldman afirma que o coronavírus está chegando na periferia das grandes cidades, onde a população é “socialmente mais vulnerável”. Antes, tinha atingido apenas setores da elite, com acesso a um melhor atendimento de saúde.
—O coronavírus podes e expandir muito nessa região( nas periferias), porque as condições de moradia são mais frágeis. As casas são pequenas, e há várias dividindo o mesmo dormitório —afirma.
O número de mortos fora do grupo de risco poderia, portanto, continuar a crescer — o que não significa que idosos e pessoas com comorbidades corram menor risco. Professora visitante da Fiocruz, a italiana Marta Giovanetti afirma que o Brasil “aprendeu lições” com os países europeus, e não deve expor a população, principalmente em comunidades.
— Algumas pessoas podem ter pensado que valeria a pena expor a população que não pertence à zona de risco e levá-las ao trabalho, mas sabemos que elas também podem ser vulneráveis. Todos estão sujeitos ao contágio, e pode haver uma procura em massa do SUS, o que vai gerar em seu colapso.
Para Hélio Bacha, coordenador técnico da Sociedade Brasileira de Infectologia, primeiro “a doença atingiu muitos idosos de melhor poder aquisitivo, que têm uma expectativa de vida maior, depois, eles se isolaram e aumentaram os casos entre a população mais jovem e de menor poder aquisitivo, que precisa continuar a trabalhar e, portanto, acaba tendo uma exposição maior ao coronavírus”.
SOBREPOSIÇÃO VIRAL
Outro fator que pode ter aumentado a gravidade da doença entre os mais jovens é a combinação do novo coronavírus com outros patógenos. Segundo o secretário nacional de Vigilância em Saúde, Wanderson Oliveira, os brasileiros estão convivendo com uma sobreposição entre os casos de Covid-19 e de influenza A e B, outras doenças virais.
— Essa é uma hipótese que ainda precisa ser testada, mas acreditamos que é plausível — avalia. — Podemos estar observando uma cocirculação de outros vírus respiratórios ao mesmo tempo em que enfrentamos a Covid-19. Isso pode fazer com que mais jovens e adultos jovens contraiam a Covid-19 no Brasil do que o observado em países do Hemisfério Norte.
Como pouco se sabe até agora sobre as mutações que o novo coronavírus vem sofrendo, também existe a possibilidade de os brasileiros estarem enfrentando um patógeno mais agressivo para os grupos fora de risco do que o visto em outros países, afirma o infectologista Alexandre Vargas Schwarzbold, professor da Universidade Federal de Santa Maria.
—Na China, a doença acometeu mais a população mais velha, e os jovens foram estigmatizados por isso. Os idosos também foram as principais vítimas na Europa. É provável que o coronavírus tenha sofrido uma mutação que aumentou sua agressividade, e isso foi sensível para a população do continente europeu, cuja média de idade em alguns países é avançada —explica. — Nos EUA, o maior fator que estamos vendo é o social. Cerca de 70% dos óbitos são entre negros, que predominam entre os pobres.
+++ A reportagem pode ser impactante para o público do Globo, mais conservador.
*”País ‘não sabe se escuta o ministro ou o presidente’”* - O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, afirmou ao Fantástico, da TV Globo, que diferentes estratégias de combate ao vírus provocam “dubiedade”, e o brasileiro não sabe se “escuta o ministro ou o presidente”. Horas antes, a líderes religiosos, o presidente Bolsonaro disse que o vírus “parece que está começando a ir embora”. O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, afirmou, em entrevista exclusiva ao Fantástico, da TV Globo, que espera unidade no combate ao coronavírus. Na semana em que chegou alimpar as gavetas e quase deixar o cargo por divergências como presidente Jair Bolsonaro, o ministro disse que a divisão de estratégias no combate ao vírus gera “dubiedade”.
— Não há ninguém contra nem a favor de nada. O nosso inimigo é o coronavírus—afirmou Mandetta. — O presidente olha pelo lado da economia. O Ministério da Saúde entende a economia, entende acultura e a educação, mas chama pelo lado de equilíbrio de proteção à vida. Eu espero que essa validação dos diferentes modelos de enfrentamento possa ser comum e termos uma fala única, unificada. Porque isso leva para o brasileiro uma dubiedade: ele (o brasileiro) não sabe se escuta o ministro ou o presidente. No domingo, dia em que o Brasil chegou à marca de 1.223 mortes por coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro disse, em videoconferência com líderes religiosos, que o vírus está “indo embora”:
— Temos dois problemas pela frente, lá atrás eu dizia: o vírus e o desemprego. Quarenta dias depois, parece que está começando a ir embora a questão do vírus, mas está chegando e batendo forte o desemprego. Devemos lutar contra essas duas coisas.
A declaração foi feita horas antes da entrevista de Mandetta, na semana em que Bolsonaro estimulou o desrespeito às medidas de isolamento, circulando em Brasília por farmácia, padaria e cumprimentando apoiadores nas ruas. Mandetta passou o domingo no Palácio das Esmeraldas, sede do governo de Goiás e residência do governador, Ronaldo Caiado, que rompeu politicamente com Bolsonaro por divergências sobre como enfrentar a crise. O ministro avaliou que o pico da doença deve ser em maio e junho:
—A gente imagina que maio e junho serão os 60 dias mais duros para as cidades.
Perguntado sobre o que seriam “dias mais duros”, o ministrou respondeu:
— Dias em que nós seremos... “olha, vocês não fizeram o que tinham de fazer, por isso está entrando em colapso”. Sempre vão haver os engenheiros de obra pronta. Depois que você faz o possível e o impossível para enfrentar ,“ah, não deveria ter sido assim”.
O ministro atribuiu o afrouxamento do isolamento em parte a fake news como a que diz iaque a pandemia era “uma invenção de países para ter vantagem econômica”, e citou pessoas que veem “um complô mundial contra elas”. Mandetta confirmou a subnotificação de casos no país e ressaltou a importância do isolamento social.
—Se não fizermos nada, se a gente falar vamos todos trabalhar, deixar só quem tem mais de 60 ano sem casa, como o país vai lidar comisso ?— disse. — O problema é que não tem teste suficiente para o planeta.
Mandetta fez críticas a filas em padarias e mercados:
— As pessoas entrando em padaria, entrando em supermercado, com filas uma atrás da outra, encostadas, isso claramente é um equívoco.
*”Municípios ameaçados – Um em cada cinco é mais vulnerável”*
*”Pelo mundo, estruturas novas tentam conter a doença”*
ENTREVISTA: JULIO CRODA, infectologista e pesquisador - *”Politização desviou foco do combate à covid-19”* - Conhecido por suas pesquisas em epidemias, o infectologista e pesquisador da Fiocruz Julio Croda integra o grupo do Centro de Contingência do Coronavírus do Estado de São Paulo e avalia o impacto da redução do isolamento social no aumento de casos de Covid-19. Croda deixou em março o cargo de diretor do Departamento de Imunização e Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde por discordar da politização que, a seu ver, tirou o foco do combate da epidemia.
- Qual o cenário para as próximas semanas?
- É muito ruim. O coronavírus começou a se espalhar pelas comunidades carentes, que dependem exclusivamente do SUS. E os leitos de UTI estão concentrados no setor privado. Quando olhamos a distribuição de leitos de UTI nos municípios, vemos a imensa desigualdade. Desconhecemos a situação real da Covid-19 no Brasil, muitos dos mortos nem sequer foram testados. Os números são subdimensionados. Estamos testando muito pouco, e isso causa distorções.
- Quais?
- Por exemplo, a taxa de mortalidade. Só testamos mortos e doentes graves. Claro que entre eles a taxa de letalidade será elevada. E, mesmo nesse grupo, testamos pouco. E há disparidades entre os estados, números que não informam a realidade devido à falta de testes. Pernambuco tem uma taxa de mortalidade de 10%, brutal. Em São Paulo, está na faixa dos 7%, também muito alta. Não foi o vírus que mudou nesses estados e ficou mais letal. A amostragem é ruim por falta detestes. O Reino Unido, por exemplo, já sabe que até agora 15% de sua população testou positivo, e com isso pode pensar na melhor estratégia para deter o coronavírus. Aqui não temos qualquer dado nesse sentido.
- Quando isso deve mudar?
- O Ministério da Saúde disse esperar solucionar esse problema nas próximas semanas. Existe uma mensagem do governo de que a Fiocruz vai começar a produzir mais testes.
- Por que o Brasil testa tão pouco?
- Porque perdeu tempo. O Brasil teve tempo de se preparar. Mas houve politização da pandemia e isso prejudicou demais o país. O Brasil está na última região do mundo a ser atingida pela pandemia. Teve tempo. Tivemos quatro meses para nos preparar, desde os primeiros casos na China. Mas não conseguimos fazer isso porque a politização prejudicou o combate à Covid-19, nos atrasou muito.
- Como a politização atrasou o combate ao coronavírus no Brasil?
- Ela desviou o foco do que funciona e é fundamental para questões menores e sem base em fatos científicos. Perdemos um tempo enorme discutindo, por exemplo, se cloroquina funciona ou não. Cloroquina não vai resolver o problema. O que vai deter o coronavírus é isolamento social, testagem em massa e ter leitos de UTI suficientes para todos. A população não está discutindo se terá leitos caso adoeça, se haverá testes. Não, ela está falando de cloroquina, uma droga para a qual ainda faltam provas de segurança e eficiência. Desviar o foco do que funciona, o isolamento, os testes e as UTIs, é condenar nossa população ao sofrimento.
- Por que o senhor deixou o Ministério da Saúde?
- Não saí por causa do ministro Luiz Henrique Mandetta, ele é muito técnico, age corretamente, procura tomar decisões com base em conhecimento científico. Mas não embarquei em concessões políticas. Eu sou um cientista, um técnico, tenho uma carreira científica a zelar. Saí quando vislumbrei que o caminho de combate da Covid-19 seria prejudicado pela Presidência. Considerei que o Brasil será prejudicado sem uma resposta unificada, tomada sem pensar em política, em eleição. Saí no momento oportuno. É preciso despolitizar a luta contra o coronavírus e pensar de forma técnica.
- Quando a epidemia deve chegar ao pico no Brasil?
- A epidemia não está afetando os estados da mesma maneira. Há diferenças em função do início do espalhamento, da rede de saúde, de características de cada estado. Manaus, no Amazonas, está quase no limite da capacidade de atendimento. O pico depende do isolamento social.
- Como assim?
- Se o governo determina medidas de contenção e a população respeita, não há pico. Há um platô, um achatamento da curva de subida de casos. Nesse platô há muitos casos, mas é possível para a rede de saúde atender. Quanto maiores forem as medidas de intervenção e de isolamento, maior será o achatamento da curva.
- E o isolamento tem dado resultado?
- Sim. Mas algumas cidades respondem melhor do que outras. O isolamento funcionou, tivemos um achatamento da curva. Mas isso teve também um efeito perverso.
- Qual?
- A população vê que não estão faltando leitos e pensa que a situação é tranquila. É uma ilusão extremamente perigosa porque só funciona porque há isolamento. Na medida em que ele enfraquece, o coronavírus se espalha e voltamos ao risco de ter um pico e o colapso da rede. A comunicação de risco é extremamente complicada, as pessoas muitas vezes entendem errado a mensagem. O resultado é que a população tem uma falsa sensação de segurança.
- O que vai acontecer se sairmos do isolamento social?
- A capacidade de contágio do coronavírus é o dobro da dos vírus influenza (gripe). Se as pessoas saírem do isolamento agora, em 30 dias teremos uma explosão de casos, todo o esforço terá sido em vão e vamos ser uma Itália. O impacto da movimentação não se vê em uma semana, leva cerca de um mês.
- O que vai acontecer?
- Vamos ter cidades sem leitos e pessoas morrendo na porta dos hospitais, uma situação totalmente sem controle. E isso vai impactar muito mais a economia do que manter o isolamento social agora.
- O senhor está trabalhando agora na avaliação do isolamento social. Como ela é feita?
- Teremos nesta semana os resultados de um trabalho que monitora a mobilidade da população com dados de telefonia móvel e a relaciona a casos da doença.
- Como está a situação da contaminação de profissionais de saúde?
- Vejo com muita preocupação porque eles estão se contaminando, adoecendo e ficando fora de combate. Os hospitais são enormes fontes de contaminação e o país enfrenta a Covid-19 num cenário que já era ruim. O Brasil tem um dos maiores índices de infecção hospitalar do mundo, com alta contaminação por bactérias resistentes. Em muitos hospitais brasileiros, os profissionais nunca receberam um EPI, um artigo de luxo.
*”Futuro da democracia – Crise pode gerar novo Estado-nação”* - A crise deflagrada pela pandemia do coronavírus está sendo considerada como capaz, uma vez terminada, de alterar não apenas os sistemas econômicos, mas também as formas de governança política no mundo. Um dos cenários que tem sido evocado por analistas na França aponta para a configuração de um novo Estado-nação, diferente dos modelos existentes nas democracias ocidentais e também dos populismos nacionalistas atuais. Na mais recente sondagem realizada pelo Centro de Pesquisas Políticas (Cevipof), 41% dos franceses concordaram que “na democracia nada avança; seria melhor menos democracia e mais eficácia”. A pesquisa foi realizada no início de fevereiro, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) já havia definido a epidemia do coronavírus como uma “emergência de saúde pública de âmbito internacional”. Para o analista Luc Rouban, do Instituto de Estudos Políticos de Paris (SciencesPo), do qual faz parte o Cevipof, esta “grande minoria” que almeja menos democracia e mais eficácia é um “contrapeso ao longo período de contestação da tecnocracia e do poder centralizado” vivido recentemente no país, seja pelo movimento dos coletes amarelos ou nas manifestações contra a reforma das aposentadorias.
— Esta demanda por maior autoridade, ainda dentro de um espectro democrático, visa maior eficácia e melhor gestão — diz Rouban. — Após esta crise, poderá ocorrer uma reorientação para uma direita bem mais conservadora, autoritária, mas, ao mesmo tempo, respeitando a Constituição e as liberdades públicas. Haveria uma dimensão de “democracia iliberal”, sustentada na ideia de que a maioria deve impor suas vontades à minoria e de que é preciso uma liderança forte.
Na sua análise, haverá igualmente uma demanda pelo retorno do controle das fronteiras nacionais, o que significaria um recuo do projeto da União Europeia (UE) e de livre circulação no Espaço Schengen (formado por 26 países). O cursor tenderia, segundo ele, para a direção de uma Europa de nações, mais centrada nos Estados e menos em um espaço comum, mas não baseada nas ambições dos governos populistas de direita atuais:
— A diferença com os populismos é que haveria um peso muito importante dos especialistas e cientistas nas decisões políticas, ao menos nos âmbitos da saúde e do meio ambiente. Nos regimes puramente populistas, procura-se agradar o povo, dizendo que não é grave e não haverá problema. Não penso que haverá a saída brasileira de Jair Bolsonaro, mas poderá haver um tipo de tecnocracia um pouco mais reforçada.
O cientista político David Djaïz, também da SciencesPo e autor do ensaio “Slow democracia — Como controlar a globalização e retomar as rédeas de nosso destino”, vê a emergência de um novo Estado, não autoritário, mas mais voltado ao aspecto nacional. Para ele, existe, hoje, a necessidade de reabilitar a nação no discurso progressista.
— O vocabulário da nação foi abandonado há 30 anos aos identitários e autoritários, que não fazem dele um uso com fins de democracia, solidariedade social e liberdades civis — pondera Djaïz. — É possível reativar um imaginário positivo do Estado-nação, como um dique da globalização, uma força capaz de equilibrar os efeitos da abertura econômica, colocar fora do mercado um certo número de bens públicos, relocalizar ativos estratégicos e dar dignidade a profissões essenciais ao funcionamento do social, como médicos, enfermeiros, professores, funcionários. Precisamos de poder público. Na pesquisa do Cevipof, 52% dos entrevistados se disseram favoráveis a que sejam “especialistas e não um governo que decidam o que lhes parece ser o melhor para o país”, e 33% afirmaram que gostariam de ter no comando “um homem forte que não tivesse que se preocupar com Parlamento ou eleições”.
—É algo relacionado socialmente na sondagem —nota Djaïz. — As classes superiores se desengajam da democracia em proveito do governo de especialistas, e as classes médias e populares preferem o homem forte. Não acredito que os homens fortes estejam administrando melhor a crise que enfrentamos, mas o inverso. Há uma verdadeira questão para a democracia provar que, mesmo na situação catastrófica que atravessamos, é tão ou mais eficaz que os regimes autoritários, e que respeita o Estado de Direito e assume a transparência em sua comunicação, o que não foi o caso da China, por exemplo.
PACTO DEMOCRÁTICO
A UE, hoje, está em “perigo de morte”, diz ele, que nota na tríade em que foi edificada — liberdade, responsabilidade e solidariedade —uma falta evidente do terceiro elemento. Por outro lado, acredita que a oportunidade única de grande parte do mundo estar vivendo uma mesma experiência, em uma mistura de medo e de solidariedade, pode ser fundadora de uma nova política.
— Mesmo em sociedades como as dos Estados Unidos ou do Brasil, muito polarizadas economicamente e culturalmente, há talvez uma experiência comum do medo, da igualdade diante da morte, e de se dizer que, no fundo, a vida e a saúde não têm preço. Existe disposição de congelar a economia para proteger os mais vulneráveis. Todas estas ideias, mais a desaceleração da globalização, devem ser o coquetel de um novo pacto democrático, que se apoiará em Estados-nação, com valor central na solidariedade e não no autoritarismo e na identidade.
Djaïz reconhece a existência de “raízes muitos profundas” nos movimentos populistas nacionalistas, com “danos enormes” para a democracia e sua credibilidade nos últimos anos, e que será preciso “muita energia” para se contrapor a este discurso:
— Muitas vezes, as crises não resultam no melhor. Algo muito importante é o imaginário e as narrativas que criamos. O erro maior após a crise financeira de 2008 foi que se tomaram medidas de urgência tecnocráticas, das quais algumas bem-vindas, mas não houve o cuidado de dizer: “Aqui está o que aprendemos de nossos erros e o mundo novo que vamos desenhar juntos”. E a única oferta que se impôs foi a populista, que tinha uma contranarrativa.
*”O vírus da revolução – Brasil pós-pandemia não será mais o mesmo, afirmam pensadores”*
*”As pessoas se pautarão mais na ciência para tomar decisões”* 
por MOZART NEVES RAMOS Titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira do Instituto de Estudos Avançados da USP-Ribeirão Preto: A minha geração jamais passou por algo similar à Covid-19. As pessoas começaram a perceber que o mundo, e não apenas parte dele, está diante de um inimigo invisível, o coronavírus. E o pior, sem as armas adequadas para combatê-lo. A ciência corre contra o tempo. Certamente, após esta pandemia, os países deverão passar a colaborar mais no campo da ciência e a destinar mais recursos para este fim. As pessoas cada vez mais se pautarão na ciência para tomar decisões, exceto aquelas que preferirem continuar presas à escuridão da ignorância. No Brasil, como também na maioria dos países infectados pelo vírus, escolas e universidades estão fechadas e sem uma perspectiva de retorno. Estes tempos estão nos mostrando que o ensino mediado por diferentes tecnologias, incluindo aqui a inteligência artificial, pode nos ajudar não só a repensar as nossas escolas, mas a nossa maneira de fazer as coisas. Ganhará velocidade a possibilidade de uma convivência harmoniosa entre as aulas presenciais e as aulas mediadas por tais tecnologias, em prol de um projeto pedagógico que atenda às necessidades de uma educação voltada para o século XXI. Esta é uma oportunidade para repensar o papel da escola e dos pais na vida escolar dos filhos.
*”Sem o SUS nós hoje estaríamos muito pior”* por LÍGIA BAHIA Médica sanitarista e professora da UFRJ: O coronavírus mostrou que o rei estava nu. Fotos de hospitais luxuosos, exclusivos para ricos, infectados após viagens ao exterior, foram substituídas por imagens de leitos organizados para atendera todos. Sem o SUS, contando apenas coma assistência privada, estaríamos muito pior. Faz diferença contar com núcleos técnicos nas secretarias, no Ministério da Saúde e em instituições de pesquisa. Com o SUS, ainda que frágil para enfrenta ruma pandemia, não partimos do zero. Passamos mais de 30 anos discutindo que a saúde pública era jurássica, ineficiente, sorvedora de recursos que seriam melhor aplicados na atenção privada. O SUS foi escanteado, maltratado por diferentes governos, que não souberam priorizar um sistema público de saúde que articule aprestação de serviços coma vigilância sanitária e epidemiológica, a produção de insumos e a pesquisa. O nome SUS passou ater conotação negativa. Para fugir do SUS, passou-se a “botar no ar” programas de cada gestão. Atualmente, o SUS e os profissionais de saúde se tornaram os heróis da pátria. A tragédia sanitária evidenciou que o vírus atravessa as barreiras de condomínios. Após reduzir os casos de Covid-19, teremos que fazer um grande esforço para continuar organizando um SUS potente e qualificado. Cortar recursos para a saúde pública e subsidiar o setor privado nunca mais.
*”O atual presidente falhou inapelavelmente”* por MARCOS NOBRE Professor da Unicamp e presidente do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) - Bolsonaro continua lutando contra o “sistema”. E o país inteiro continua esperando que o sistema funcione. O país continua esperando que os equipamentos cheguem aos hospitais e aos profissionais de saúde que nos defendem em primeira linha. Continuamos esperando que as pessoas e os negócios tenham o amparo de que necessitam para sobreviver. Continuamos esperando um plano. Para a emergência de agora e para depois que o pior tiver passado. Mas Bolsonaro continua atirando a esmo. E ainda se dá o direito de atacar quem está colocando a mão na massa para encontrar soluções. O atual presidente falhou inapelavelmente. Jogou fora o tempo precioso que nos tinha sido dado pela experiência de outros países para preparar o Brasil diante da crise. Política e moralmente, Bolsonaro perdeu a autoridade para continuar a ser presidente. Pensar o futuro significa pensar como vamos reconstruir nossa democracia de maneira a evitar que uma situação de fragilidade institucional como essa se repita. Acontece que a sobrevivência das pessoas vem antes de acertar as contas com um presidente irresponsável e desumano. Para podermos pensar o futuro, o primeiro passo agora é apoiar toda iniciativa democrática que isole Bolsonaro e salve vidas.
*”‘Toda crise também abre uma fresta’”* por LILIA SCHWARCZ Historiadora e antropóloga, professora da USP e de Princeton: O mundo já passou por várias pandemias, se perdeu e se encontrou. Cólera, lepra, peste negra, gripe espanhola, tuberculose, varíola, tifo, ebola, zika são exemplos da história da humanidade, mas que nesta hora pouco importam. Costumamos achar que nosso sofrimento é sempre único, e que nossa experiência é evento singular e isolado no tempo —o que não chega a estar errado. Testemunhos dos que sobreviveram a grandes catástrofes costumam desta carcomo suas vidas mudar ampara sempre. Pandemias são como guerras mundiais: fáceis de entrar, difíceis de sair. Toda crise fecha um aporta: perdemos amigos, lidamos como luto, não encontramos mais a rotina, sentimos faltados familiares ou de andar pelas ruas. Mas toda crise também abre uma fresta. Hora de passara limpo o que vale apena, de nos emocionarmos com os grandes e pequenos gestos que inspiram a nossa própria solidariedade, de nos sentirmos mais responsáveis, e de exercer nossa “com-paixão” cidadã, identificar-se com o outro e aprender com ele. O termo crise vem da palavra decisão. Hora de decidir sobre os caminhos que queremos tomar, as reuniões que não podemos cancelar, as viagens que talvez não precisamos realizar, anova normalidade que queremos criar. Crise é como cicatriz; está sempre lá para lembrar do pedaço de nós que ficou no “passado”, mas que insiste em permanecer no “presente”.
*”‘Que a dor de agora possa, amanhã, ser a cura’”* Por LUIZ ANTONIO SIMAS Escritor e professor de História: As ruas estão vazias, mas não é de hoje que agonizam. Há tempos prevalece entre nós um modelo de cidade destruidor das sociabilidades que as ruas cotidianamente construíam. Encaradas como pontos de passagem, pensadas a partir do medo e da lógica da circulação de carros, mercadorias e corpos apressados, as ruas se desencantam. A pandemia passará e voltaremos às ruas. Mas será que elas continuarão experimentadas apenas como pontos de passagem? Ou será que priorizaremos os encontros, a vida comunitária, os laços de afeto, as pausas para o flozô diante da loucura dos relógios? Um dos mitos mais conhecidos do candomblé diz que Omolu, recém-nascido, contraiu a varíola e foi abandonado por Nanã. Iemanjá o adotou e cobriu o corpo dele, deformado pela peste, com palha da costa. O rosto de Omolu não foi visto durante muito tempo. Ele cresceu causando medo e repulsa. Um dia Iansã mandou os ventos levantarem as palhas que cobriam Omolu. O que se viu não foi um corpo deformado. Omolu estava curado e seu rosto, tão bonito, brilhava. Que a dor de agora possa, amanhã, ser a cura das nossas mazelas. Precisamos de corpos livres em ruas encantadas, capazes de olhar o outro — aquele que causa medo e repulsa —e perceber que debaixo da palha da costa vive a beleza do senhor do sol.
*”‘É possível parar, diminuir o consumo, a devastação’”* Por CHRISTIAN DUNKER Psicanalista e professor do Instituto de Psicologia da USP: Quero crer que a pandemia que fez com que nos recolhêssemos às nossas casas trará efeitos de redefinição em nossa experiência de intimidade, com novas fronteiras entre o que chamamos de público e de privado. Nossa economia libidinal aprenderá que nem toda solidão gera verdadeira solitude, nos tornaremos mais amigos do vazio que nos constitui. Esta dieta narcísica forçada, que nos fará baixar da arrogância, nos levará a admitir que é possível parar, diminuir o consumo, a devastação e a sensação de fuga para a frente que o neoliberalismo nos fez engolir. Reteremos a experiência geral de repactualização, reconhecendo que havia valores superestimados, não só no mercado financeiro, mas na vida comum das pessoas. Confiaremos menos no uso instrumental do direito para oprimir os mais vulneráveis e mais na justiça que a palavra das pessoas pode criar. Teremos mais apreço pela saúde pública, pela ciência e pela pesquisa. Boa parte das previsões acima é pensamento desejante (wishfull thinking). Mas talvez esse seja o único resíduo realmente importante: a retomada da capacidade de sonhar. Deixaremos para trás tanto a biopolítica quanto a necropolítica, rumando para uma oniropolítica, uma política que dê lugar para o sonho de um mundo diferente.
*”Contaminação pelo coronavírus chega a asilo no Rio”*
*”Cariocas nas ruas - Witzel quer legislação mais dura”*
*”Mais de meio trilhão – Economistas receitam disciplina fiscal e reformas para pagar a conta da crise”* - A forte elevação das despesas, indispensáveis para combater a pandemia do novo coronavírus, combinada com a queda na arrecadação de impostos acarretada pela atual crise, levará o país a fechar o ano com um rombo histórico nas contas federais que pode ultrapassar meio trilhão de reais. Apesar do gigantismo do número, especialistas ouvidos pelo GLOBO avaliam que reduzir a dívida pública, que deve superar este ano a marca de 80% do PIB, é tarefa que pode ser feita sem maiores traumas. É preciso garantir, entretanto, que as medidas que estão sendo tomadas neste momento não sejam transformadas em políticas permanentes. Se essa receita não for seguida, a recuperação da economia brasileira ficará comprometida.
— Todos os cenários consideram a transitoriedade do impulso fiscal e a volta do país ao caminho das reformas. Estamos fazendo tudo isso por meio de aumento do endividamento público. Precisamos fazer com foco e de uma maneira que nos permita sair da crise organizados, para a recuperação da economia ser mais rápida — afirma a economista-chefe do Banco Santander, Ana Paula Vescovi. — Se titubearmos nas reformas mais à frente, a recuperação vai ser mais lenta e mais cara — destaca a economista, que foi a número dois da equipe econômica do governo Michel Temer.
RECUO OU TOMBO?
Pelas contas oficiais, o governo federal (União, Banco Central e Previdência) encerrará o ano com um déficit primário (diferença entre receitas e despesas, sem considerar os gastos com juros) de R$ 419,2 bilhões, o que corresponde a 5,55% do PIB, o conjunto de bens e serviços produzidos pelo país. Essa estimativa foi feita considerando a possibilidade de a economia crescer 0,02% este ano. Os números serão atualizados esta semana. A equipe econômica reconhece que não há como o país crescer em 2020, e o próprio ministro Paulo Guedes já admite queda de 1,5% a 4%, dependendo da duração da desaceleração da atividade imposta pela pandemia. O GLOBO ouviu sete especialistas sobre os cenários mais prováveis para a economia em 2020 e os resultados das contas públicas. As estimativas feitas até agora indicam que o país pode passar por leve retração, de 0,5%, até um tombo de mais de 6% do PIB.
— Isso expressa o tamanho da crise, da dificuldade que estamos passando — afirma Ana Paula Vescovi.
Ela lembra que os gastos anunciados pelo governo para combater os efeitos da pandemia, estimados até semana passada em cerca de R$ 230 bilhões, são a parte mais fácil do cálculo sobre o desempenho das contas públicas neste ano de 2020.
— O que realmente terá impacto e faz a diferença é o que vamos perder de receita — pondera a economista, que foi a primeira mulher a comandar a Secretaria do Tesouro Nacional.
Nas contas do economista Raul Velloso, especialista em contas públicas, o déficit primário será de, no mínimo, R$ 500 bilhões, o equivalente a 7% do PIB. Velloso estima queda de 5,5% da economia este ano.
— O governo vai ter que aumentar gastos, e as receitas vão cair. Mas esse não é o maior problema. A questão é termos alguma perspectiva em relação às medidas sanitárias de isolamento social para reativar a economia —argumenta Velloso.
A preocupação central dos especialistas é evitar que as despesas extraordinárias de 2020 sejam transformadas em permanentes em 2021.
— Esse é um risco nada desprezível, por isso, é importante que o governo seja claro na comunicação e sinalize aos investidores que, no curto prazo, as coisas vão piorar, mas as regras fiscais serão mantidas, e a agenda de reformas será retomada — afirma o economista Fábio Klein, especialista em contas públicas da consultoria Tendências.
O economista-chefe do banco Haitong, Flávio Serrano, concorda com essa análise:
— Mesmo que não avance a reforma administrativa, a tributária, só o fato de ter uma visão mais ortodoxa do ponto de vista fiscal, voltar a ter um quadro de mais controle dos gastos, será fundamental. Mas Klein insiste: mesmo que a dívida chegue a 83% do PIB, ou um pouco mais, com a retomada da agenda de reformas e a manutenção das premissas fiscais, o país deve manter a tendência de queda que vinha sendo registrada.
—Mesmo partindo de um patamar maior, a dinâmica de queda que vinha sendo observada fica preservada com as reformas andando.
O professor de economia do Insper João Luiz Mascolo teme que a tsunami do coronavírus desvie o governo, por mais tempo, da trilha da austeridade fiscal.
— Em 2021, pode ser que as reformas não andem, e o ano de 2022 é de eleição. Isso pode levar a dívida pública a continuar subindo — afirma o professor. — A dívida só vai entrar em trajetória de queda quando o país tiver um superávit de pelo menos 2% a 2,5% do PIB. E isso vai levar cinco ou seis anos, se as reformas andarem e a austeridade fiscal permanecer.
RECUPERAÇÃO DA ATIVIDADE
Pedro Schneider, economista do Itaú Unibanco, pondera que a retomada do crescimento em 2021 ajudará no processo de redução do endividamento público:
—Essa recuperação da atividade ajuda na dinâmica da dívida. Com o ajuste sendo feito pelo lado do corte de gastos, a Taxa Selic pode ficar baixa, o déficit primário volta para ao redor de 1% do PIB. E o país volta a crescer com investimento privado.
Professor da FGV/EAESP e especialista em administração pública e governo, Nelson Marconi reconhece que o cenário de 2020 não abre muitas alternativas para a equipe econômica:
— É tentar reduzir as perdas sociais e econômicas e retomar as reformas em 2021.
+++ A reportagem ouve apenas especialistas que falam no mesmo sentido. O último, que talvez pudesse dar algum parecer diferente sobre o que fazer no futuro, fica com apenas uma frase na reportagem inteira.
ENTREVISTA: WALDERY RODRIGUES, secretário Especial da Fazenda - *”Estamos dando pausa, mas o esforço fiscal tem de voltar”*
 
 
 
CAPA – Manchete principal: *”País tem alta de 2 mil mortes por problemas respiratórios”*
EDITORIAL DO ESTADÃO - *”O bom exemplo dos políticos”*: Ainda que haja algumas penosas exceções, os políticos em sua grande maioria têm dado exemplo de responsabilidade, de coordenação e de trabalho no enfrentamento da pandemia do novo coronavírus. A população tem se mobilizado em torno de várias iniciativas de solidariedade, para amenizar o prejuízo e o sofrimento decorrentes da atual crise. Mas seria equivocado aplaudir apenas a reação positiva da sociedade. Se muitos têm do político a imagem de quem pensa apenas em seus próprios interesses, a pandemia do novo coronavírus oferece como contraponto a atuação propositiva e responsável do Congresso. Tal como se viu no ano passado, com a aprovação da reforma da Previdência, deputados e senadores manifestam agora, em meio à dramática situação do País, compromisso com o interesse público, muito além de questões partidárias e eleitorais. São abundantes os exemplos de atuação responsável de políticos. No início de fevereiro, antes mesmo de haver casos de infecção pelo novo coronavírus no País, o Congresso aprovou a Lei 13.979/2020 dispondo sobre as medidas relativas à emergência de saúde pública decorrente da covid-19. O Poder Legislativo foi também diligente na aprovação da Lei 13.982/2020, que estabeleceu auxílio emergencial de R$ 600 para trabalhadores informais e intermitentes de baixa renda, bem como a microempreendedores individuais (MEIs). Com duração prevista de três meses, podendo ser prorrogada, a medida é de fundamental importância para reduzir os danos sociais e econômicos provocados pela pandemia do novo coronavírus. Elaborada pelo Executivo, a redação original da proposta previa auxílio mensal de R$ 200.
Além de ágil na votação de projetos de lei (PLs) apresentados pelo Executivo, o Congresso tem sido zeloso na redação de propostas legislativas referentes à pandemia. Por exemplo, o senador Antonio Anastasia (PSD-MG) apresentou projeto de lei propondo a criação do Regime Jurídico Emergencial e Transitório das Relações Jurídicas de Direito Privado, para o período da pandemia. Entre outras medidas, o PL 1.179/2020 dispõe sobre regras de despejo, prazos de prescrição, direito de devolução de mercadorias, procedimentos para assembleias de pessoas jurídicas e o adiamento da entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), prevista originalmente para viger em agosto deste ano. Aprovado no Senado, o PL 1.179/2020 está sob a análise da Câmara. Outra iniciativa relevante para o enfrentamento da pandemia é o Projeto de Lei Complementar (PLC) 39/2020, estabelecendo uma ação coordenada entre União, Estados e municípios no combate à pandemia. A proposta regulamenta o art. 23 da Constituição, que estabelece a competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios no cuidado da saúde e da assistência pública. “Trata-se de regulamentar o processo de discussão e de deliberação dessas medidas de saúde pública, com vistas a encontrar um regramento que, além de vincular todos os entes da Federação, garanta a unicidade de objetivos e de meios de atuação contra tais situações emergenciais”, afirmou o senador Anastasia. Também no âmbito estadual se verifica a diligência dos políticos. Por exemplo, a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo aprovou, por votação remota, decretos legislativos reconhecendo o estado de calamidade pública no Estado de São Paulo e em todos os municípios paulistas. Entre outros efeitos, a medida confere maior autonomia ao gestor público para realizar investimentos nas áreas mais afetadas pela pandemia. O reconhecimento do bom trabalho dos políticos no combate ao novo coronavírus não significa fechar os olhos à ocorrência de erros, tal como o jabuti incluído pela Câmara Municipal de São Paulo no PL de emergência. Ao votar medidas para enfrentar a covid-19, os vereadores aprovaram uma extemporânea e imoral alteração do funcionamento da Controladoria-Geral do Município (ver editorial O vírus do corporativismo, 31/3). Há muitos erros e disfuncionalidades na política. Mas os fatos mostram que, em sua maioria, os políticos têm sido, neste momento, parte relevante da solução para enfrentar a pandemia do novo coronavírus. Não convém desprezar tal realidade.
*”Bolsonaro pode decidir sobre isolamento, diz PGR”* - O presidente Jair Bolsonaro tem o direito de decidir sobre o “momento oportuno” para maior ou menor distanciamento social no enfrentamento do novo coronavírus. A opinião é do procurador-geral da República, Augusto Aras. Em parecer ao qual o Estado teve acesso, Aras afirma que, como o mundo passa por uma “crise sem precedentes”, repleta de “incertezas”, não é possível avaliar hoje, com precisão, se a estratégia de limitar a circulação de pessoas tem eficácia para impedir o avanço da covid-19. Alegando preocupação com os efeitos da quarentena sobre o PIB e o emprego, Bolsonaro tem travado um cabo de guerra com governadores de todo o País, desde março. Na semana passada, em reunião com o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, ele chegou a dizer que a economia vai para o “beleléu”, neste ano, por causa da pandemia. “As incertezas que cercam o enfrentamento, por todos os países, da epidemia de covid-19 não permitem um juízo seguro quanto ao acerto ou desacerto de maior ou menor medida de isolamento social, certo que dependem de diversos cenários não só faticamente instáveis, mas geograficamente distintos, tendo em conta a dimensão continental do Brasil”, escreveu Aras.
Para o procurador-geral da República, cabe ao Executivo definir qual o grau mais adequado de isolamento social, levando em conta tanto o sistema de saúde quanto a economia. Ontem, Bolsonaro afirmou no Twitter que, para toda ação desproporcional, a “reação também é forte”. “Além do vírus, agora também temos o desemprego, fruto do ‘fecha tudo’ e ‘fica em casa’, ou ainda o ‘te prendo’”, escreveu o presidente, numa referência ao governador de São Paulo, João Doria (PSDB). Apontado como potencial presidenciável em 2022, Doria ameaça aplicar medidas mais duras – como multas e até prisão –, caso a população não respeite o isolamento social. O parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR) deve ser encaminhado hoje ao Supremo Tribunal Federal (STF). A Corte vem dando sinais, porém, de que não vai dar aval a medidas que contrariem recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), que defende limitar a circulação de pessoas para impedir a propagação do vírus. No mês passado, o ministro Luís Roberto Barroso proibiu que o governo federal veicule qualquer campanha na linha “O Brasil não pode parar” que sugira que a população retorne ao trabalho. A posição de Aras, no entanto, colide frontalmente com o entendimento de Barroso. Para o ministro do Supremo, o distanciamento social não é uma decisão política do presidente da República, mas, sim, uma “questão técnica”, que se impõe para garantir o bem-estar da população – uma opinião que também vem sendo defendida pela maioria dos governadores.
Enquanto Barroso “fecha a porta” para qualquer medida do Palácio do Planalto que possa colocar em risco o isolamento, Aras deixa a possibilidade aberta para o presidente, sob a alegação de que o cenário é instável e cabe a Bolsonaro avaliar as medidas realmente necessárias, considerando orientações técnicas e científicas de sua equipe. “As decisões dos órgãos de governo sobre um maior ou menor isolamento social como ferramenta de enfrentamento da epidemia de covid-19 levam em consideração os avanços científicos, cujos esforços têm trazido a cada dia dados novos a serem considerados, e dependem de cenários fáticos que estão em constante mutação”, destacou o procurador.
Rejeição. Indicado para o cargo por Bolsonaro, o procurador-geral da República se manifestou em ações movidas pelo Rede Sustentabilidade e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos (CNTM), que acionaram o Supremo contra a campanha “O Brasil não pode parar”. Aras defendeu a rejeição das ações por algumas razões, apontando que não ficou comprovada a existência da peça publicitária, que já saiu do ar. O procurador também alega que o assunto já é tratado em ações que tramitam na Justiça Federal de São Paulo, Rio e Distrito Federal, havendo, portanto, outros meios jurídicos para resolver a controvérsia.
+++ Se a reportagem trouxesse os pareceres de outros juristas, o leitor poderia ter uma visão mais ampla do que está sendo pensado sobre a questão.
*”Presidente afirma que ‘vírus está começando a ir embora’”* - O presidente Jair Bolsonaro disse ontem, durante uma celebração de Páscoa com líderes religiosos, que o novo coronavírus “está começando a ir embora”. De acordo com o Ministério da Saúde, porém, a situação mais crítica, ao menos em São Paulo e no Rio de Janeiro, deve ser vivenciada apenas no final de abril e no início de maio. “Tenho dito desde o começo, há 40 dias. Temos dois problemas pela frente, o vírus e o desemprego. Quarenta dias depois, parece que está começando a ir embora a questão do vírus, mas está chegando e batendo forte o desemprego”, afirmou o presidente, ao final da celebração, realizada por videoconferência. Até ontem, mais de 1,2 mil pessoas haviam morrido no Brasil por conta da covid-19. Ao todo, eram mais de 22 mil casos confirmados. “Devemos lutar contra essas duas coisas (o vírus e o desemprego). Obviamente, sempre lutamos crendo, acreditando em Deus acima de tudo. Vamos vencer esses obstáculos”, completou o presidente. Procurado pela reportagem, o Ministério da Saúde não comentou as declarações de Bolsonaro. Participaram a videoconferência 21 representantes da Igreja Católica, de igrejas evangélicas e da comunidade judaica, além da empresária e escritora Íris Abravanel, que foi a mediadora da conferência. Ela é casada com o apresentador de TV Silvio Santos.
*”PSDB de Doria filia 50 prefeitos em São Paulo”* - O PSDB do governador João Doria ampliou sua base política em São Paulo e atraiu 50 novos prefeitos do Estado até o limite do prazo de transferência partidária, que se encerrou no último dia 4. A investida tucana reforça o projeto eleitoral de Doria, potencial candidato do partido à Presidência em 2022. Em 2016, o PSDB, que comandava o Palácio dos Bandeirantes com Geraldo Alckmin, contabilizou a filiação de 20 novos prefeitos. Há praticamente 26 anos no poder em São Paulo, a sigla chefia hoje 220 das 645 prefeituras do Estado. Deste montante de prefeitos tucanos, 115 tentarão a reeleição no Executivo municipal, segundo levantamento feito pela legenda e ao qual o Estado teve acesso. O presidente estadual do PSDB, Marco Vinholi, é também secretário de Desenvolvimento Regional e despacha com prefeitos no Palácio dos Bandeirantes. Entre os chefes do Executivo municipal que entraram no PSDB estão prefeitos de grandes colégios eleitorais, como o ambientalista Clodoaldo Gazeta, (ex-PSD) de Bauru (com 374.272 habitantes), o promotor Nelson Bugalho (ex-PTB) de Presidente Prudente (227.072 habitantes) e Marcos Neves (ex-PV) de Carapicuíba (369.908 habitantes). Segundo Vinholi, o PSDB vai lançar 500 candidatos a prefeito no Estado e 1.300 a vereador.
O PSDB também buscou quadros no movimento de renovação política RenovaBR e vai lançar 20 candidatos ligados ao grupo. Em cidades governadas por outros partidos a estratégia é investir em nomes considerados de fora da política. Esse crescimento do PSDB paulista – fora do período eleitoral, por meio de novas filiações de prefeitos efetuadas depois que Doria assumiu o governo – irritou vários dirigentes regionais de partidos. O que mais deixou clara sua insatisfação com o assunto foi o deputado estadual Campos Machado, secretário-geral da Executiva Nacional do PTB. Ele entrou em fevereiro com uma representação no Ministério Público em São Paulo contra Doria e contra o presidente estadual do PSDB e secretário de Desenvolvimento Regional do Estado de São Paulo, Marco Vinholi, acusando-os de pressionar prefeitos a migrarem à sua sigla em troca de liberação de verba. Campos Machado incluiu na representação uma gravação do prefeito de Chavantes (SP), Márcio de Jesus Rego, à época filiado ao MDB, em que ele supostamente admite à sua secretária que a filiação ao PSDB valeria R$ 2 milhões em obras de recapeamento de vias e duplicação da rodovia na região.
Ao Estado, o tucano negou que a máquina tenha sido usada para formar esse exército no prefeitos. “O PSDB, que já era o partido mais estruturado, se renovou e sob a liderança de João Doria atingiu um patamar histórico. Esses prefeitos estão seguindo o Doria, que é um líder nacional, e não a máquina”, disse Vinholi. O Palácio dos Bandeirantes também rebateu a acusação do parlamentar. “O Palácio dos Bandeirantes lamenta a manifestação do deputado Campos Machado. E informa que o governo está preocupado e focado com a crise do Coronavírus e não com eleição. O Palácio recomenda que o deputado Campos Machado também priorize o seu tempo e mandato para ajudar nesta crise. E deixar eleição para depois.”
‘Namoro’. Recém filiado ao PSDB, o prefeito de Bauru, Clodoaldo Gazetta, está entre os tucanos que disputarão a reeleição em outubro (se o pleito não for adiado). “Meu namoro com o PSDB vem de longa data”, afirmou. Seu partido até a março era o PSD, liderado pelo ex-prefeito Gilberto Kassab, que é aliado de Doria. “Não vejo nada de imoral nesse contexto (de ir para o PSDB). O prefeito vislumbra o apoio do governador para disputar a reeleição. Não é porque o governo manda recursos que o prefeito muda de legenda”, disse Gazetta. Em seu mandato, Bauru recebeu R$ 7 milhões do governo estadual para recapear avenidas. O projeto custou R$ 14 milhões e a prefeitura pagou metade da obra. Segundo o prefeito, outra obra, do Mercado Municipal, recebeu R$ 2 milhões do governo. Para o deputado estadual Emídio Souza (PT), que faz oposição a Doria na Assembleia Legislativa, o “uso da máquina” é uma herança que o PSDB recebeu do MDB em São Paulo. “O instrumento são pequenas obras e muito asfalto.” Líder do PSDB na Assembleia, a deputada Carla Morando responde que os novos prefeitos vieram para o partido por meio de parlamentares e líderes locais da sigla. “Os partidos reclamam porque perderam espaço. Não tem fundamento falar em uso da máquina. Doria faz um governo municipalista. Ele investe nas cidades e conhece as deputada tucana”.
Mário Covas foi o primeiro tucano a governar São Paulo e comandou o Palácio dos Bandeirantes de 1995 a 2001 – quando morreu vítima de um câncer e seu vice Geraldo Alckmin assumiu o posto. Ele foi reeleito. Em 2006 foi José Serra quem venceu a eleição no Estado, dando lugar novamente a Alckmin em 2010 e 2014.
*”Lei Penal é usada contra fake news sobre covid-19”* - Na ausência de uma legislação específica que defina como crime a produção e o compartilhamento de fake news no cenário de pandemia do novo coronavírus e de ameaças à saúde coletiva, autoridades passaram a enquadrar casos à Lei de Contravenções Penais, de 1941, numa tentativa de coibir a disseminação de notícias falsas relacionadas à covid19. O dispositivo já foi utilizado em ao menos três capitais. O texto estabelece pena de prisão de até seis meses para quem “provocar alarma, anunciando desastre ou perigo inexistente, ou praticar qualquer ato capaz de produzir pânico ou tumulto”. Mas, na prática, a punição, se aplicada, é restrita à prestação de serviços comunitários ou multa. Em Belo Horizonte, a polícia recorreu ao dispositivo ao investigar o homem que fez um vídeo na Ceasa denunciando um falso desabastecimento, em março. O conteúdo foi compartilhado pelo presidente Jair Bolsonaro, e depois apagado. No Recife, em fevereiro, quando o município registrava apenas cinco casos suspeitos de covid-19 um cidadão apresentouse nas redes como profissional da saúde e disse que a capital pernambucana tinha 61 infectados. A alegação inverídica preocupou a população, que passou a desconfiar da transparência dos gestores locais. Com base na lei de contravenções, o município pediu uma investigação policial, que comprovou a mentira. Em Vitória, a polícia indiciou um homem que publicou vídeo no qual dizia estar infectado e que, prevendo um cenário de caos com a disseminação da doença, usaria sua arma para se defender. Mais tarde, quando a gravação já estava amplamente disseminada, ele descobriu que o resultado do exame era negativo.
O Ministério da Saúde tem manifestado, em coletivas, preocupação com o fenômeno de postagens que confundem a população. A Polícia Federal informou, no entanto, que até agora não foi acionada por órgãos federais da área da saúde a respeito de “possíveis práticas criminosas” ligadas à divulgação de fake news relacionadas à pandemia. À reportagem, o Supremo Tribunal Federal destacou, em nota, que integra o Painel de Checagem de Fake News. Nas eleições de 2018, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que tem na sua composição ministros do STF, chegou a instalar um grupo para monitorar crimes nas redes, mas não apresentou resultados convincentes. Em março de 2019, o presidente do Supremo, Dias Toffoli, abriu inquérito para apurar crimes nas redes contra ele e outros membros da instituição. No último dia 6, o ministro limitouse a dizer que quem propaga notícia falsa sobre a covid-19 comete dolo. Reprimir fake news com o aparato estatal, no entanto, não é recomendável, avaliam especialistas, por causa de riscos à liberdade de expressão. As principais medidas nesta crise têm sido tomadas por órgãos de imprensa e pelas gigantes de tecnologia. O procurador-geral do Recife, Rafael Figueiredo, reconhece que o efeito inibidor é baixo. “Embora seja uma punição de menor potencial, elas podem perder a primariedade penal, além de ter que gastar horas indo se explicar à Justiça”, comentou, ao mencionar a lei de contravenções. Se a punição para quem usa a tecnologia para oferecer riscos à saúde pública é branda, bastaria endurecê-la? Esse é um caminho problemático, afirmam especialistas. Caberia a deputados e senadores criar as leis, além de definir o que deveria ser considerado fake news ou não.
Subjetividade. A conceituação é mais complexa do que parece, uma vez que a desinformação possui várias nuances. O deputado Eduardo Bolsonaro (PSLSP), por exemplo, publicou um vídeo verdadeiro do médico Dráuzio Varella dando orientações sobre como encarar o novo coronavírus. Contudo, as explicações eram de janeiro, num cenário de alastramento completamente diferente, e foram publicadas como sendo atuais. O Twitter removeu a publicação. “Não adianta colocar uma proibição na lei e esperar que o Judiciário julgue todos os casos. O volume de posts torna inviável. Mesmo que fosse viável, não é boa ideia, dada a subjetividade, concentrar esse tipo de decisão nas mãos de poucas pessoas”, afirmou o professor Ivar Hartmann, coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da FGV Direito Rio. É o que também defende Sérgio Lütdke, coordenador do Projeto Comprova, iniciativa que reúne jornais brasileiros para combater a desinformação – e da qual o Estado também faz parte. “Qualquer atitude ou legislação que se imponha sobre a livre manifestação das pessoas pode ter consequências nefastas. Deve haver regulação de outras maneiras. Atitudes mais reativas tendem a ser melhores do que as que podem levar à censura.” Caso alguém se proponha a recomendar tratamentos falsos que prejudiquem a saúde dos que receberem a informação, há quem entenda haver margem para processos por lesão corporal ou mesmo tentativa de homicídio. “Temos alguns crimes que poderiam ser interpretados para englobar essas situações. Mas quando você precisa pegar a legislação penal e fazer interpretação grande em cima dela para punir, os tribunais não aceitam”, avaliou o advogado Gustavo Arthur Coelho Lobo de Carvalho, especialista em Direito Constitucional e Administrativo. “A hipótese criminal tem que estar muito clara. Penalmente falando, a gente não está protegido.”
*”Imigrantes brasileiros ilegais recebem ajuda para enfrentar surto nos EUA”*
*”África corre contra o tempo para conter vírus”* - Desde que o coronavírus foi considerado uma pandemia, autoridades de saúde expressam preocupação com a África. O número oficial de casos confirmados ainda é baixo, 10 mil, mas o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) faz um alerta: é preciso agir contra o tempo para evitar uma catástrofe. Nos 54 países do continente vive um sétimo da população mundial – muitos em guerra e pobreza extrema. “Temos de agir agora, informar sobre a doença, como preveni-la, preparar clínicas e hospitais para atendimento rápido e garantir que as pessoas tenham acesso ao básico: água e sabão. Se agirmos rápido, conseguiremos evitar o pior”, afirma Crystal Wells, porta-voz do CICV no leste da África. Até agora, a África do Sul tem o maior número de contaminados no continente, com mais de 1,7 mil casos e 9 mortes. No país, profissionais de saúde usam trajes de proteção e máscaras ao testar a população, que está confinada até dia 16 sob ordem do governo. O presidente, Cyril Ramaphosa, lançou uma campanha que mobilizou 10 mil médicos, enfermeiras e voluntários para impedir a disseminação da doença.
Mas a preocupação dos agentes comunitários está em outros países, principalmente pela precariedade dos sistemas de saúde. Os hospitais sofrem com falta de camas e respiradores, há poucos médicos e serviços como água corrente são raros em muitos lugares. Segundo o CICV, a situação é ainda mais grave porque não houve redução da violência em países em guerra, o que tende a sobrecarregar os centros de saúde. “O surto está pressionando sistemas sofisticados de saúde na Europa e Ásia, com equipes médicas sobrecarregadas lutando para tratar seus pacientes, e instalações de terapia intensiva lotadas nos países ricos. Imagine o que acontecerá com os sistemas de saúde na África quando o vírus chegar”, disse Winnie Byanyima, diretora do Programa Conjunto da ONU sobre Aids (Unaids). Wells relata uma preocupação especial com alguns países, como o Sudão do Sul, que sofre com a guerra há muitos anos, tem comunidades devastadas, hospitais lotados de feridos por bala. “As pessoas lá morrem de outras doenças, como malária, que tem tratamento, porque não há acesso a um sistema de saúde adequado”, afirma. O fato de os conflitos continuarem exige que as organizações humanitárias continuem atuando. “As pessoas continuam contando com nossos sistemas para sobreviver, como a distribuição de comida. O que estamos fazendo é colocar as pessoas na fila em uma distância adequada, pedindo que lavem as mãos sempre”, explica.
Em Burkina Fasso, país mais afetado do oeste da África, o número de deslocados pelos conflitos internos é o ponto mais alarmante porque, segundo o CICV, dificulta táticas de detecção da covid-19 e a manutenção do distanciamento social. “A Somália também tem infraestrutura precária. Apenas 50% da população vive em regiões urbanas com acesso a sistemas de saúde adequados”, disse Wells. Segundo a agência France Press, na Somália há menos de um médico para cada 10 mil habitantes e muitos já estão contaminados com a covid-19. “No norte do Mali, mais de 90% das instalações de saúde foram destruídas pela guerra e as que sobraram estão lotadas por feridos”, afirmou Wells. O governo do país impôs um toque de recolher para tentar evitar a propagação da doença. O vírus, segundo o CICV, pode não ser controlado caso afete os países e comunidades mais frágeis da África. “Nosso maior medo é que se ele continuar a se espalhar e chegar em áreas que são muito pobres ou enfrentam crises em razão da violência, o controle da doença será quase impossível e os sistemas de saúde vão colapsar.”
A Cruz Vermelha lançou um apelo, no mês passado, pedindo 800 milhões de francos suíços (US$ 823 milhões) para ajudar as comunidades mais vulneráveis do mundo. A verba será destinada também para fornecer mais suprimentos a estabelecimentos de saúde, expandir programas de saneamento e prevenção da covid-19. Os governos africanos estão impondo restrições de circulação, medidas de confinamento, fechamento de fronteiras, mas o CICV pede que seja garantido o acesso a água e sabão e haja muita divulgação sobre a doença e a pandemia. “Notícias falsas podem levar à morte. Precisamos informar sobre o que é o coronavírus, o que faz e como pode ser combatido para que as famílias saibam como agir se alguém ficar doente.” O CICV considera essencial que os sistemas de saúde sejam melhorados porque em alguns locais as medidas impostas sob orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS), como o distanciamento entre as pessoas, não poderão ser cumpridas. “Como manter a distância aconselhada quando se vive em um campo de refugiados e se dorme em uma tenda com mais 10 pessoas da família? Por isso, precisamos garantir as questões básicas”, afirma Wells.
*”Itália planeja lançamento de ‘carteira de imunidade’”* - O desenvolvimento de um novo teste nacional para verificar a presença de anticorpos contra o coronavírus é o primeiro passo na estratégia italiana para entrar na chamada fase 2 da epidemia, aquela que deverá assistir ao começo da retomada econômica. O teste permitiria aos italianos lançar uma espécie de “carteira de imunidade”. Essa é uma das hipóteses discutidas no Parlamento. O uso maciço dos exames, aliado a manutenção de máscaras e da distância social seriam as bases da reabertura. “É ilusório pensar em um mundo sem pessoas contaminadas dentro de um mês. As linhas sanitária serão decididas pelo comitê científico, que deve se guiar pelo caminho dos testes”, afirmou o ministro dos Negócios Regionais, Francesco Boccia ao jornal Il Sole 24 Ore. Lucca Zaia, governador da região do Vêneto, vizinha à Lombardia, afirmou que os testes de anticorpos é a última barreira para a retomada. “Pense nos trabalhadores que poderão ter a certificação, porque imunizados poderão sair de casa tranquilos.” Para pôr em prática o plano, a Policlínica San Matteo, de Pavia, desenvolveu o primeiro exame de sangue italiano para verificar a presença de anticorpos da covid-19. A empresa DiaSorin anunciou ainda que deve ser a segunda a desenvolver o teste, que deve custar ¤ 5. O resultado sai em uma hora. Os laboratórios afirmam que podem processar 500 mil deles por dia.
O teste, segundo os pesquisadores, serve para mostrar quem, depois do contato com o coronavírus, desenvolveu anticorpos, estando imunizado. Ele seria uma espécie de “carteira de imunidade”. Para o presidente do Conselho Superior Sanitário da Itália, Franco Locatelli, também entrevistado pelo Il Sole 24 Ore, graças ao teste será possível ter um retrato fiel da epidemia. Esses dados serão usados para estabelecer “a retomada da atividade produtiva em algumas áreas”. A Itália conta com quase 150 mil casos de covid-19 e quase 20 mil mortos. Na quinta-feira, o primeiro-ministro da Itália, Giuseppe Conte, anunciou que o país permanecerá em quarentena até 3 de maio. Mas devem reabrir, no dia 14, livrarias, lojas roupas para bebês, fábricas de computadores e obras hidráulicas. Os negócios reabertos terão der ser limpos duas vezes por dia, manter o ambiente arejado e dispor de sistemas para desinfetar as mãos ao lado de teclados, telas e caixas. O uso de máscara será obrigatório em lugares fechados e se deve usar luvas descartáveis para compra e venda de alimentos. O horário de funcionamento será ampliado e nos mercados, será permitida a entrada por vez de um cliente para cada 40 m² da loja. Em 3 de maio, a ideia é primeiro acabar com a quarentena das fábricas. “Devemos prestar muita atenção na fase 2. Se errarmos, teremos de recomeçar do zero”, disse o chanceler, Luigi di Maio à RAI.
*”Em um mês, Brasil tem alta de 2.239 mortes por problemas respiratórios”* - O número de registros de mortes por insuficiência respiratória e pneumonia no Brasil teve um salto em março, contrariando tendência de queda que vinha sendo observada nos meses de janeiro e fevereiro. Foram 2.239 mortes a mais em março de 2020 do que no mesmo período de 2019, o que levanta a suspeita de que vítimas do coronavírus podem estar entrando nas estatísticas de outros problemas respiratórios. Os dados são do sistema de cartórios de registro civil e foram divulgados pela Associação dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen). De acordo com levantamento feito pelo Estado na plataforma da entidade, o número de óbitos registrados em março por esses problemas respiratórios teve alta de 8,15% no País em relação ao mesmo mês de 2019. Em janeiro e fevereiro, as ocorrências haviam recuado 2,59% e 4,19%, respectivamente, em comparação com os mesmos períodos do ano anterior. Em São Paulo e no Rio, Estados mais afetados pelo surto de coronavírus até agora, a alta de mortes por problemas respiratórios foi ainda mais expressiva do que a média nacional.
O número de mortes por insuficiência respiratória e pneumonia aumentou 14,66% em território paulista em março – nos dois primeiros meses do ano, houve queda de 6,13% e 8,24%. No Rio, a alta em março foi de 10,17%. A primeira morte por covid-19 no Brasil foi confirmada no dia 16 de março e, no final do mesmo mês, o Ministério da Saúde contabilizava 201 vítimas pela doença. A falta de testes e a demora para análise dos exames coletados, porém, levam a um provável cenário de subnotificação e atraso na confirmação de casos e mortes. Dados do sistema InfoGripe, da Fiocruz, já haviam mostrado alta em março no número de internações por síndrome respiratória aguda grave (SRAG), que também poderia encobrir os registros de covid-19. Apenas entre os dias 15 e 21 de março, o sistema estimou que cerca de 2.250 casos de pessoas foram internadas com sintomas de síndrome gripal forte – além de febre, tosse, e outros sintomas, elas têm dificuldade de respirar. Em 2019, houve 934 casos. Procurado para falar sobre as mortes, o ministério informou, em nota, que “diante da insuficiência de insumos no mundo, nem toda a população será testada”. A pasta disse ainda que a orientação é de que seja priorizada a testagem dos casos graves e que “fará inquérito epidemiológico por amostragem para conseguir as melhores informações sobre a dinâmica da epidemia”.
Subnotificação. Presidente da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, José Miguel Chatkin diz que um aumento de casos e mortes por problemas respiratórios é esperado para o período, em razão das temperaturas mais baixas, mas afirma que o crescimento perceptível neste ano pode estar relacionado a casos do novo coronavírus que não foram diagnosticados. “O frio traz um aumento do número de infecções respiratórias. O que deve estar acontecendo a mais é que existe um número não determinado de casos de covid-19 não diagnosticados. Existe subnotificação porque não há testes para todas as pessoas. Estamos vivendo um surto muito grave, que tende a aumentar até o início de maio para, então, ter alguma diminuição.” A falta de testes para toda a população também é apontada por Margareth Dalcolmo, pneumologista e pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), para a alta de mortes em outras doenças respiratórias. “É possível que haja mortes, particularmente por pneumonia, que tenham relação com a infecção causada pela covid-19, já que estamos testando. Avaliações feitas por epidemiologistas estimam que, para cada caso notificado, temos 15 outros desconhecidos. Não temos controle da velocidade de transmissão e a epidemia cresce de forma desordenada. A mortalidade pode não ser rigorosamente real, porque não ocorreu testagem em todos esses óbitos, por falta de testes.” Segundo ela, a notificação é importante para que sejam estabelecidas estratégias de controle da doença e para entender como o vírus se comporta. “É fundamental para sabermos o caminho que a transmissão tomou e toma, a perspectiva de como vai se disseminar e a proporção de casos. A imprecisão da magnitude da epidemia atrapalha o entendimento do futuro imediato e do comportamento da demanda de serviços. A indefinição de dados já é altamente prejudicial à comunidade médica e à sociedade.”
+++ A reportagem parece ser um sinal de que a imprensa começa a despertar para o tamanho da subnotificação de casos de covid-19 no Brasil.
*”Com mais 99 óbitos, País chega a 1.233 vítimas da covid-19”*
*”Cidades mantêm baixo isolamento”*
*”Quarentena reduz ruídos e muda som da cidade”*
*”Banco Mundial vê queda de 5% no PIB do Brasil, na maior recessão em 120 anos”*
 
CAPA – Manchete principal: *”Socorro atinge 7,8% do PIB, mas gera incertezas”*
*”Na crise, Freitas é escalado para coordenar construção de hospital de campanha”*
*”Número de presos libertados na pandemia chega a 29 mil”*
*”Metade do Nordeste está apta ao auxílio”* 
- Consultoria mostra que 61% das pessoas aptas a receber os R$ 600 têm até o fundamental completo
*”Benefício pode mais que compensar queda da massa salarial”* - Cálculos do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV) mostram que as medidas de proteção ao trabalhador anunciadas pelo governo federal podem mais do que compensar as potenciais perdas de massa salarial do trabalho durante o pior momento dos efeitos do novo coronavírus. Sem a política de proteção do governo federal, a população ocupada no país (empregados, trabalhadores por conta própria, empregadores) tenderia a mostrar uma redução de 4,9% no segundo trimestre deste ano, em relação ao mesmo período do ano passado, enquanto o rendimento médio real teria leve alta de 0,5%. O total de desempregados chegaria a 17 milhões. Dessa forma, Daniel Duque, pesquisador do Ibre/FGV, calcula que a massa de rendimento do trabalho (soma dos salários de todos os trabalhadores) cairia de R$ 632 bilhões no segundo trimestre de 2019 para R$ 604,2 bilhões no segundo trimestre de 2020 por causa dos efeitos do novo coronavírus, o correspondente a R$ 27,8 bilhões a menos. “A questão é que o gasto esperado do auxílio emergencial do governo federal é da ordem de R$ 100 bilhões, o que representa 15% da massa de rendimentos do trabalho do segundo trimestre do ano passado. Ou seja, mais do que compensa essas perdas potenciais estimadas”, acrescenta Duque. Somente na quinta-feira, primeiro dia de pagamento do auxílio emergencial, o governo liberou cerca de R$ 1,5 bilhão para os inscritos, segundo a Caixa Econômica Federal. Foram 2,5 milhões de cidadãos beneficiados pela medida por meio de contas da Caixa e do Banco do Brasil.
Duque lembra que, além do auxílio emergencial de R$ 600, a serem pagos por um período de três meses, o governo federal também autorizou saques do FGTS a partir de junho, o que poderia elevar a massa salarial ampliada em pelo menos mais 4%, considerando a hipótese de um saque médio de R$ 500 dos trabalhadores formais. O desafios nos cálculos do Ibre/FGV continua sendo entender como o programa de proteção ao emprego lançado pelo governo vai influenciar o mercado de trabalho nos próximos meses. Entre as medidas está a redução da jornada de trabalho e do salário dos trabalhadores em 25%, 50% ou 70%. A LCA Consultores também calculou os possíveis impactos das medidas de isolamento social sobre a massa salarial do país. Considerando o cenário básico da consultoria, de queda de 1% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2020, a massa de rendimentos do trabalho deve recuar para R$ 211,691 bi em junho, 2,7% abaixo de fevereiro (R$ 217,563 bilhões). “Deve haver uma retração tanto da massa de renda quanto do rendimento médio dos trabalhadores, como autônomo, conta própria e informal”, disse Cosmo Donato, economista da LCA e autor dos cálculos. “O trabalhador com CLT deve ser mais protegido e manter renda num primeiro momento.”
*”Baixa inflação de serviços reforça IPCA perto de 2,5%”*
*”Efeito no emprego deve ser forte, similar ao de outros países”* 
- Considerando estimativa do governo de cerca de 3 milhões de demissões, Bradesco calcula que taxa de desemprego vai aumentar 3 pontos percentuais
*”Internação pode ser maior para jovens e adultos, indica estudo”*
*”’Não estamos tão mal como os EUA porque temos o SUS’”* -
 Professora que ajudou na concepção do SUS diz que Brasil só está melhor que os EUA porque tem um sistema universal
*”Entidades apontam subnotificação das mortes de indígenas pela doença”* - Entidades da sociedade civil estão preocupadas com a subnotificação da pandemia do novo coronavírus entre a população indígena. Enquanto os grupos contabilizam a morte de cinco índios, os dados oficiais da Fundação Nacional do Índio (Funai) registram três óbitos. Essa diferença acontece porque os dados da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) leva em conta apenas índios que moram em aldeias - excluindo os chamados índios urbanizados. O Ministério Público Federal (MPF) acredita que essa contabilização pode vir a ser judicializada no futuro. A 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, responsável por atuar junto a populações indígenas e comunidades tradicionais, vai discutir o assunto amanhã. No momento, mais do que as estatísticas, o órgão defende que é preciso garantir atendimento a todos os índios. Até agora, pela contagem oficial, há nove casos confirmados de contaminação por coronavírus e três mortes, incluindo um índio yanomami de 15 anos, que vivia em Roraima, que morreu na última quinta-feira. No início do mês, no entanto, foi confirmada a morte, por coronavírus, de uma senhora indígena, da etnia Borari, que morava em Alter do Chão, vila turística de Santarém (PA). No dia 5, uma nova morte aconteceu em Manaus, de um índio da etnia Mura.
Esse levantamento paralelo tem sido feita pelo Instituto Socioambiental (ISA), que lançou um painel para monitorar o avanço do coronavírus entre a população indígena. A entidade aponta que essa separação entre índios aldeados e não aldeados é um “problema estrutural” do Estado brasileiro. Em nota, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) também cobrou uma posição das autoridades. “Nós da Apib repudiamos o racismo institucional da Sesai, que não está acompanhando e contabilizando os casos de contaminações e mortes dos indígenas que vivem em áreas urbanas”, diz o grupo. O secretário de Saúde Indígena, Robson Santos da Silva, afirma que nenhum indígena ficará sem atendimento, mas que a Sesai não tem estrutura para atender quem está nas cidades e que isso será feito pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Nas últimas semanas, lideranças indígenas lançaram a campanha “Fica na Aldeia”. O slogan é uma adaptação do “Fica em casa” que vem sendo usado para promover o isolamento social.
*”Marinho desponta como articulador ‘informal’ na crise”* - Ministro teria ‘carta branca’ do Planalto para atuar junto ao Congresso e ao empresariado
*”Avança acordo para ajuda aos Estados”* - Parecer deve sugerir que a União faça a recomposição do ICMS e do ISS nos próximos seis meses
*”Moro diz que descumprir quarentena pode levar à prisão”*
*”TSE começa a definir conceito de desfiliação por justa causa”* 
- Para Fachin, punição por votar contra as diretrizes partidárias não justifica configura discriminação pessoal
*”Crise abala popularidade de Crivella”* - Prefeitos alinhados a Bolsonaro na resposta à covid-19 tiveram queda de prestígio nas redes sociais
*”Cresce aprovação de Kalil em BH”* - Prefeito reforça restrições e vai na direção oposta à do governador Romeu Zema, que fala em flexibilizar isolamento
*”Marchezan Junior reverte desgaste com adoção de medidas restritivas”* - Quarentena tem prejudicado movimentação de adversários do prefeito
*”Economia global caminha para uma recessão histórica”* - A economia mundial já deparava-se com o pior colapso desde a Segunda Guerra Mundial logo que o coronavírus começou a ter impacto global em março, bem antes do auge da crise, segundo o índice Brookings-FT mais recente
*”Banco Mundial prevê contração do PIB de 5% no Brasil e 4,6% na AL”* - Queda de demanda afetará exportações, mas em 2021 poderá haver recuperação do crescimento econômico em praticamente toda a região
*”Plano de ajuda soma 7,8% do PIB, mas ainda gera dúvidas”* - Apesar da lentidão inicial, as medidas anunciadas pelo governo para diminuir os efeitos da novo coronavírus já atingiram R$ 568,6 bilhões (7,8% do Produto Interno Bruto), segundo um levantamento de Manoel Pires, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). Embora mais robusto, o plano de socorro guarda incertezas. Para analistas, a dúvida é se o pacote chegará a tempo de amparar empresas e trabalhadores. Outra incógnita é até onde vai o fôlego do governo caso a crise persista. A maior preocupação do momento é sobre as operações de crédito a empresas, ainda “emperradas” e com alto risco de inadimplência. A demora para que os empréstimos cheguem mais rapidamente à cadeia produtiva é um sinal de alerta, porque as medidas necessárias de isolamento social geram queda abrupta de receita. Na comparação internacional, o Brasil está em nível parecido ao da Austrália, com 7,2% do PIB, e acima do pacote de 6,7% do PIB no Chile, mas segue distante das nações avançadas: os EUA devem desembolsar o equivalente a 9,5% do PIB e a Itália, um dos epicentros da doença, 21,1% do PIB. “Do ponto de vista de atuação direta, já nos equiparamos em termos de reação a outros países. Mas tem uma perna que me parece ainda complicada na atuação do crédito”, disse Pires em debate de pesquisadores do Ibre/FGV e o Valor. Ex-secretário de Política Econômica da Fazenda, Pires nota que as ações anticrise têm mix distinto. A Itália vai empregar 1,1% do PIB em programas governamentais, menos do que o Brasil (5,7%). Porém, o país europeu destinará 20% do PIB para crédito, ante 2,1% por aqui.
O dado consolidado do Brasil exige ressalvas. Do pacote governamental total, R$ 415,4 bilhões são gastos e desonerações, mas a parte de dinheiro “novo” é pouco mais da metade deste valor, ou R$ 222,4 bilhões. Isso acontece porque o governo se valeu de medidas de antecipação de despesas, como as parcelas do 13º dos aposentados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) que serão pagas em maio, e o adiamento de receitas, como postergação do PIS/Cofins por 3 meses. Os R$ 153,2 bilhões restantes incluem ações de crédito que embutem algum tipo de incentivo, como garantias e subsídios ou cuja fonte são recursos fiscais, explica Pires. Elas visam garantir fôlego financeiro a Estados e empresas, e o setor privado deve ficar com R$ 91 bilhões deste bolo. Há dúvidas se as companhias conseguirão acesso ao crédito. As medidas anunciadas pela Caixa de empréstimo imobiliário não entram na conta por não ter um incentivo fiscal específico. “Como os bancos retraem muito o crédito por conta do risco, as ações do Banco Central são mais direcionadas para oferecer liquidez”, diz Pires. Logo, as medidas protegem os bancos contra saques, desinvestimentos, aumento de calotes e renegociações, mas não expandem o crédito, segundo ele. Isso afeta sobretudo microempresas e trabalhadores informais. Muitos desse grupo podem ficar de fora da ajuda por não estarem inclusos no sistema financeiro. Pires alerta que os impostos diferidos, isto é, com prazo de pagamento estendido, estão com prazo apertado, todos para 2020. Tudo somado, o cenário indica a necessidade de o governo, nos próximos meses, se ver obrigado a abrir o caixa novamente e socorrer o setor privado. “Um Refis [programa de refinanciamento tributário] para empresas já está contratado”, afirma o ex-ministro da Fazenda Nelson Barbosa, pesquisador associado do Ibre/FGV.
A resposta inicial do BNDES para pequenas e médias empresas foi uma linha de capital de giro de R$ 5 bilhões. Desde o anúncio, foram 261 operações com juro médio de 13% ao ano, diz Pires. Nos últimos dias, foram criadas operações mais baratas. Há uma linha para financiar a folha de pagamento no valor de R$ 40 bilhões, com 85% do risco assumido pelo Tesouro e taxa de 3,75% ao ano. Outra vai usar recursos de fundos constitucionais para empréstimos de capital de giro, a um custo de 2,5% ao ano. A crise exige ações além da esfera federal. Segundo Pires, 21 Estados anunciaram algum tipo de auxílio financeiro às empresas e famílias, como transferência de renda aos mais pobres, redução do ICMS e postergação do IPVA. Também há iniciativas mais direcionadas, como distribuição de cestas básicas, adotada em 19 dos entes. “Nos Estados, temos atribuição melhor de como o dinheiro vai ser gasto. Deveria haver uma coordenação entre os entes, caso contrário todo mundo vai para a mesma direção e falta para outras áreas”, afirma Vilma Pinto, pesquisadora do Ibre/FGV. Em 22 Estados, há planos específicos para as empresas, o que representa um “ponto de partida” ruim porque os mais atingidos são os entes com dívida alta. “Em outros países, essas medidas são feitas com transferências diretas da União aos Estados, sem gerar dívida”, afirma Pires. A dimensão da crise atual é diferente da de 2008 e prevê uso intensivo de serviços públicos. Para Pires, o excesso de medidas de crédito e a recessão desencadeada pela doença vão exigir reestruturação das finanças subnacionais na saída da crise. Ao analisar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do “Orçamento de Guerra”, Pires diz que o texto deverá ajudar a organizar a atuação do BC no crédito, o que é positivo, mas há incertezas, como o risco de o Congresso cancelar ações do governo. “A justificativa da PEC é ter cheque em branco para descumprir a regra de ouro [que proíbe emissão de dívida para gastos correntes], mas perdeu-se tempo com algo que não tira a insegurança jurídica”, diz Barbosa. Diretor do Ibre/FGV, Luiz Schymura destaca a dramaticidade da situação, lembrando que há previsões de queda de 6% do PIB no ano. “É difícil traçar qualquer cenário nesse contexto”, diz, ressaltando a importância de se tomar medidas bem focadas nesse ambiente.
*”Canal de saída da crise é incógnita”* - Enquanto o surto do novo coronavírus leva os governos de todo o mundo a traçar às pressas planos para evitar falências em massa e garantir a renda dos mais vulneráveis, os economistas começam a debater por quais canais será a feita a saída da crise. Sem precedentes no mundo neste século, o choque deverá exigir uma ação mais prolongada, não se restringindo a medidas de curto prazo. Um dos maiores desafios é garantir que as medidas adotadas para enfrentar a turbulências não deixem uma conta insustentável e, ao mesmo tempo, sejam suficientes para evitar danos mais duradouros à economia. “Seja para onde formos, se tivermos decisões econômicas bem focadas e muito cuidadosas, o custo vai menor”, afirma Luiz Guilherme Schymura, diretor do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). O exemplo da crise de 2008 é frequentemente lembrado pelos analistas. O Brasil enfrentou o período com relativa tranquilidade, mas o conjunto de medidas adotadas à época baseou-se em vultosas desonerações e forte expansão do crédito público. Embora o pacote tenha contribuído para um crescimento de 7,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2010, o modelo foi levado à exaustão nos anos seguintes e é um dos responsáveis pela crise de 2015 e 2016, ainda não superada.
Nesse ponto, o plano de socorro atual tem vantagens. As desonerações anunciadas até agora são de R$ 12 bilhões, e representam apenas 0,17% de um total de 7,8% do Produto Interno Bruto (PIB) do conjunto de estímulos. O que é novo da crise atual é a inédita adoção de isolamento social em grandes proporções, o que tem derrubado a atividade econômica por aqui e mundo afora. “Não vejo discussão sobre como vamos fazer a transição do isolamento social. Sem essa medida não tem jeito [de conter a disseminação do vírus], mas não sabemos o quanto a economia suporta”, afirma Schymura. O pesquisador associado do Ibre/FGV, Nelson Barbosa, alerta que, passada a fase mais aguda de fraqueza da atividade, será imprescindível adotar políticas mais prolongadas para normalizar o ritmo da economia. “Há a ilusão de que a economia funciona como um ‘liga e desliga’. Com um déficit primário de mais de R$ 500 bilhões, famílias com menor renda e endividadas, a incerteza será elevada”, afirma o ex-ministro da Fazenda. Os economistas também defendem que, à medida em que a crise peça por atuação mais forte dos governos, demandas da sociedade por serviços públicos de saúde devem se cristalizar. “A crise está colocando o papel do Estado como garantidor de risco na saúde e na renda”, diz Manoel Pires, pesquisador do Ibre/FGV. Ao mesmo tempo, será necessária a regulação de instrumentos financeiros mais sofisticados, como faz o Federal Reserve (Fed, o Banco Central americano). “O ideal é que o BC participasse mais, mas isso não é fácil de implementar. Mesmo que atrasados, é importante que da crise saiam canais mais rápidos de atuação”, afirma Barbosa. O pesquisador sugere um modelo em que as operações de crédito envolvam três agentes - empresas, bancos e o Banco Central. “O banco vai estar autorizado a operar em determinadas condições de crédito. O BC, por sua vez, vai comprar e carregar esse empréstimo da instituição financeira”, explica ele.
*”Auxílio de R$ 600 pode ter custo maior que o previsto”* - Para Vilma Pinto, do Ibre/FGV, gastos com programa emergencial podem superar os R$ 98 bilhões estimados pela equipe econômica

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