CAPA – Manchete principal: *”Com pior mês de montadoras e deflação, crise se aprofunda”*
EDITORIAL DA FOLHA - *”Desafio constante”*: Ao abrir a sessão plenária do Supremo Tribunal Federal na quarta-feira (6), o ministro Dias Toffoli definiu a corte que preside como última trincheira da sociedade na defesa dos direitos assegurados pela Constituição. Pregou a harmonia entre os Poderes, condenou as agressões sofridas por jornalistas numa manifestação de apoiadores de Jair Bolsonaro no domingo (3) e cobrou respeito às decisões do tribunal, alvo predileto da turba golpista. Tratou-se de uma resposta adequada às provocações do presidente, ainda que tardia —como corretas e demoradas, por sinal, têm sido as reações de Toffoli. Fazia dias que, inconformado com o veto do STF à nomeação de um apaniguado para o comando da Polícia Federal, Bolsonaro ameaçara desafiar a determinação judicial e atacara o ministro Alexandre de Moraes, que assinara a liminar. Na segunda (4), coube ao ministro da Defesa, Fernando Azevedo, reiterar o compromisso das Forças Armadas com a Constituição, numa nota em que classificou a independência e a harmonia entre os Poderes como imprescindíveis para a governabilidade. Embora manifestações políticas das Forças Armadas sejam inconvenientes numa democracia, ainda mais quando se referem às ações do chefe do Executivo, a nota revestiu-se de caráter tranquilizador. À boca pequena, militares do primeiro escalão do governo vinham expressando desconforto com a ingerência do STF na escolha do novo diretor-geral da PF —e o próprio Bolsonaro vangloriara-se do apoio das Forças Armadas ao participar do ato insolente de domingo. Reafirmar constantemente as balizas estabelecidas pela Constituição, como Toffoli e Azevedo fizeram nesta semana, é necessário para conter os instintos autoritários de Bolsonaro, que não cansa de desafiar esses limites. Ele voltou a demonstrá-lo nesta quinta (7), ao liderar uma marcha patética na direção do Supremo para fazer uma visita surpresa a Toffoli, à frente de uma delegação formada por ministros e dirigentes de associações empresariais. A encenação, transmitida por redes sociais, transformou o STF em palco para Bolsonaro defender mais uma vez o relaxamento das medidas de distanciamento social adotadas contra o coronavírus. Como ninguém tinha plano a apresentar nem pedido a fazer, ficou claro que a intenção do presidente era apenas constranger Toffoli e transferir responsabilidades, em vez de buscar a cooperação. Em decisão unânime, o Supremo já esclareceu que estados e municípios têm autonomia para tomar providências para lidar com a pandemia. Tratando-se de Bolsonaro, a inação federal é o menor dos males.
PAINEL - *”Ofício fora de padrão leva crise para dentro da PF e desconfiança interna”*: A insistência de Jair Bolsonaro na indicação de Alexandre Ramagem levou de volta o clima de instabilidade à Polícia Federal. A situação aparentava melhoras, mas a ação do presidente expôs o novo diretor-geral, Rolando de Souza, dando sinais de que sua gestão é temporária. Um ofício elaborado dentro da PF, fora do padrão, com elogios a Ramagem, levou a crise que antes estava do lado de fora para dentro do órgão, com forte desconfiança entre colegas. O documento foi elaborado por delegados próximos a Ramagem, que trabalham no setor de Recursos Humanos, após consulta feita pela AGU. A resposta, chamada de institucional, foi muito além do que foi perguntado, contestou a decisão do Supremo, e reconheceu a relação entre o policial e a família Bolsonaro, tratando como normal. Delegados em cargos de chefia da PF interpretaram que o movimento foi feito de forma combinada, com a participação de Ramagem nos bastidores, desde o pedido da Advocacia Geral da União, até o documento de dentro do órgão. A PF tinha se recusado durante o período de crise a se manifestar. Tanto o ofício quanto a tentativa de Bolsonaro de reverter a suspensão da nomeação levaram a integrantes do órgão o mesmo recado, de que a paz está longe e o sangramento ainda vai continuar.
*”Verba publicitária de Bolsonaro irrigou sites de jogos de azar e de fake news na reforma da Previdência”* - O governo de Jair Bolsonaro veiculou publicidade sobre a reforma da Previdência em sites de fake news, de jogo do bicho, infantis, em russo e em canal do YouTube que promove o presidente da República. As informações constam de planilhas enviadas pela Secom (Secretaria Especial de Comunicação da Presidência) por determinação da CGU (Controladoria-Geral da União), a partir de um pedido por meio do Serviço de Informação ao Cidadão. A Secom contrata agências de publicidade que compram espaços por meio do GoogleAdsense para veicular campanhas em sites, canais do YouTube e aplicativos para celular. O anunciante escolhe que tipo de público quer atingir, em que tipos de sites não quer que sua campanha seja veiculada e quais palavras-chave devem ser vetadas. Então o Google distribui os anúncios para sites ou canais do YouTube que cumpram os critérios estabelecidos pelo anunciante. O montante pago pela Secom é dividido entre o Google e o site ou canal do YouTube. As porcentagens do Google variam, de 40% a 20% ou menos, dependendo da negociação entre os sites e a plataforma. No final, o anunciante recebe um relatório sobre todos os seus anúncios, onde foram veiculados, quantas impressões e outros dados. Segundo as planilhas da Secom, disponíveis no site de Acesso à Informação do governo federal, dos 20 canais de YouTube que mais veicularam impressões (anúncios) da campanha da Nova Previdência no período reportado, 14 são primordialmente destinados ao público infantojuvenil, como o canal Turma da Mônica e Planeta Gêmeas. Um dos canais de YouTube que mais receberam anúncios, segundo a Secom, é o Get Movies, que não só é destinado ao público infantil mas tem 100% do seu conteúdo em russo. “O destino no YouTube para russos que querem assistir a desenhos animados e outros tipos de programa para a família", diz a descrição do canal que recebeu 101.532 anúncios, segundo a tabela. Usando os filtros do Google, é possível que o anunciante ou a agência de propaganda que o representa excluam, por exemplo, sites ou canais infantis, de conteúdo político, de temática ilegal (como jogo do bicho) ou pornográficos, para garantir que a publicidade não será veiculada nesses canais. Os anunciantes também recebem uma lista detalhada de todos os sites, aplicativos e canais de YouTube que veicularam campanha publicitária. O canal infantil Kids Fun, por exemplo, foi um dos campeões em anúncios (469.777). Ao contratar anúncios pelo Google, é possível selecionar conteúdo para adolescentes e adultos e excluir o infantil. Em 11 de novembro de 2019, foi pedido à Secom, por meio do Serviço de Informação ao Cidadão, um relatório de canais nos quais os anúncios do governo federal contratados por meio da plataforma Google Ads foram exibidos, para o período de 1º de janeiro a 10 de novembro de 2019. A Secom negou duas vezes o pedido. Após recursos, a CGU determinou em fevereiro que a Secom deveria disponibilizar o relatório pedido no prazo de 60 dias contados da notificação da decisão. A resposta da Secom só foi encaminhada ao site em 17 de abril deste ano, mais de cinco meses após o pedido inicial. No entanto, as planilhas enviadas abrangem apenas o período de 6 de junho a 13 de julho de 2019 e 11 a 21 de agosto de 2019. As planilhas devem ser encaminhadas à CPMI das Fake News nos próximos dias. Os documentos não especificam o total gasto pela Secom com os anúncios. Em maio de 2019, a secretaria anunciou que gastaria R$ 37 milhões em inserções publicitárias sobre a reforma da Previdência, em televisão, internet, jornais, rádio, mídias sociais e painéis em aeroportos. Outra publicação que recebeu uma quantidade considerável de anúncios com dinheiro público foi um site com resultados do jogo do bicho. O resultadosdobichotemporeal.com.br recebeu 319.082 anúncios, segundo a planilha enviada pela Secom. O jogo do bicho é ilegal no Brasil. Sites de fake news também receberam muitos cliques —e verba— de anúncios do governo. Um dos campeões, com 66.431 anúncios, foi o Sempre Questione. Na página inicial deste site, nesta sexta (8), havia notícias como “Ovni é flagrado sobrevoando Croata, interior do Ceará, e aterroriza moradores” e “Kiko do Chaves diz que coronavírus é farsa de Bill Gates e da Maçonaria”. A campanha também foi veiculada em sites que disseminam desinformação, como o Diário do Brasil (36.551 anúncios). A Secom relata nas planilhas gastos com anúncios veiculados em sites e canais que promovem o presidente Jair Bolsonaro. No Bolsonaro TV –que se descreve como “canal dedicado em apoiar o presidente da República, Jair Messias Bolsonaro”– houve 5.067 impressões, segundo a planilha. Aplicativos para celular como “Brazilian Trump”, “Top Bolsonaro Wallpapers” e “Presidente Jair Bolsonaro” também veicularam a campanha. Ainda segundo a planilha, foram veiculados anúncios em sites de políticos eleitos, como o do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ). “Usar dinheiro público para anunciar em sites que promovem o presidente pode, potencialmente, ferir o princípio da impessoalidade”, diz Diogo Rais, professor de direito eleitoral da Universidade Mackenzie e diretor do Instituto Liberdade Digital. “Além disso, ao anunciar em sites que disseminam notícias falsas, o governo está financiando a produção de fake news.” Para Manoel Galdino, diretor-executivo da Transparência Brasil, ao anunciar em sites de jogos de azar ilegais, o “governo está remunerando atividades criminosas”. “Segundo a Constituição, a propaganda do governo precisa seguir a moralidade, o que não inclui incentivar atividades antiéticas, como fake news, ou ilegais, como jogo do bicho.” O canal de YouTube Terça Livre TV, que pertence ao blogueiro Allan dos Santos, consta na planilha da Secom de veículos que receberam anúncios do governo. Segundo o documento, houve 1.447 anúncios no canal. Em depoimento à CPMI das Fake News, em novembro de 2019, Santos afirmou: "Sou dono do maior portal conservador da América Latina e não recebo nenhum centavo do governo". Procurada, a Secom afirmou, em nota, que "a plataforma de anúncios da Google atua automaticamente a partir de parâmetros para a entrega do conteúdo publicitário aos públicos de interesse. As definições são abrangentes e não determinam com exatidão o local na internet em que o anúncio será veiculado. Porém, neste caso específico, buscou-se perfis reconhecidos pela ferramenta do Google que tenham afinidade para o tema “Previdência” e demais correlações de acordo com sintaxe para o tema da campanha". "Foram realizados comandos para o bloqueio da entrega da publicidade em sites de conteúdos impróprios, que incitem a violência ou que atentem contra os direitos humanos. Trata-se de procedimento padrão, em cumprimento às diretrizes da lei 6.555/2008", finaliza a nota. O Google afirmou, em nota: “Mesmo quando um site ou vídeo não viola nossas políticas, compreendemos que os anunciantes podem não querer sua publicidade atrelada a determinados conteúdos e, por conta disso, nossas plataformas permitem bloquear categorias de assuntos e sites específicos, além de gerarem relatórios sobre a exibição dos anúncios". Por meio de sua assessoria, o senador Angelo Coronel (PSD-BA), presidente da CPMI das Fake News, afirmou que não iria comentar o assunto porque “não recebeu e não conhece as informações”.
*”Weintraub xinga STF em vídeo de reunião que Planalto não quer mostrar”* - O Planalto resiste em entregar ao STF o vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril sob o argumento de que o encontro tratou de "assuntos potencialmente sensíveis e reservados de Estado, inclusive de relações exteriores". A Advocacia-Geral da União, que representa o presidente da República no inquérito aberto a partir das acusações do ex-ministro Sergio Moro, pede para ser autorizada a entregar apenas parte do registro da reunião. Já se sabe que o vídeo —além de trazer a suposta ameaça do presidente de demitir Sergio Moro caso ele não concordasse com a substituição do delegado Maurício Valeixo— mostra uma reunião pródiga em palavrões e menções a assuntos que o governo preferiria tratar em volume baixo, como os acordos com o centrão. E também é sabido que a China foi citada na reunião em termos pouco elogiosos —pelo próprio Bolsonaro e logo na abertura do encontro. Mas a frase mais potencialmente danosa dita na mesa não saiu da boca do presidente, e sim do seu ministro da Educação. Depois de comentar medidas tomadas pelo STF que desagradaram o governo, Abraham Weintraub afirmou que a corte era composta por 11 filhos da puta. Um deles é o destinatário do vídeo. E ainda pode compartilhar com os outros dez o comentário "sensível" do ministro. Pelo Twitter, o ministro afirmou que não faz xingamentos e que é educado. "Há muito 'jornalista' dizendo que eu xinguei fulano, beltrano e siclano. Tenho muitas horas de entrevistas duras e inúmeros debates no Congresso (onde eu fui sim xingado). Desafio a apontarem um único palavrão que eu tenha proferido. Posso ser contundente, porém, sou bem educado", afirmou. O ministro, porém, já usou as redes sociais para fazer diversos xingamentos, como quando chamou o presidente francês, Emmanuel Macron, de "calhorda oportunista" ou quando provocou uma crise dimplomática com a China por um tuíte racista. Ele também xinga seguidores que o criticam: "Miguel, sinto em avisar, porém, seu caso não resolve estudando. Tem que reencarnar. Aproveita e peça para não voltar tão feio (parece mistura de tatu com cobra)". Chegou a chamar a mãe de uma internauta de "égua sarnenta e desdentada". Também ofendeu a jornalista Vera Magalhães, chamando-a de pinóquio. Em audiência no Senado, em fevereiro passado, Weintraub Weintraub afirmou que não se arrependia de seus xingamentos nas redes sociais e que eles eram fruto da liberdade de expressão.
*”Em reunião, Bolsonaro reclamou de nota que lamentava morte de policial rodoviário por coronavírus”* - Em reunião ministerial no dia 22 de abril, o presidente Jair Bolsonaro reclamou da divulgação de uma nota oficial da PRF (Polícia Rodoviária Federal) que lamentava a morte de um integrante da corporação por coronavírus. No dia anterior, a PRF havia divulgado uma manifestação de pesar pela morte de Marcos Roberto Tokumori, 53, ocorrida naquela madrugada. Ele atuava em Santa Catarina. A nota oficial informava que a morte ocorrera devido à Covid-19. "A doença, a Covid-19, não escolhe sexo, idade, raça ou profissão", disse a nota, assinada pelo diretor-geral da PRF, Adriano Furtado. "Contra ela, Marcos lutou bravamente", ressaltou. Segundo relatos feitos à Folha, Bolsonaro criticou na reunião de 22 de abril o tom da nota, alegando que poderia assustar as pessoas e que não levava em conta possíveis comorbidades de Tokumori. O video desta reunião é alvo de embate entre o ex-ministro Sergio Moro e a Advocacia-Geral da União (AGU). A AGU recorreu ao STF (Supremo Tribunal Federal) para entregar à corte apenas o trecho da reunião em que o presidente Bolsonaro teria ameaçado demitir Moro caso não trocasse o diretor-geral da Polícia Federal, segundo depoimento do ex-ministro. No recurso, a AGU pede autorização para não encaminhar a íntegra da reunião, mas apenas a parte que tenha relação com as investigações do inquérito que apura as acusações de Moro contra Bolsonaro. Celso de Mello, que na terça (5) determinou a entrega do vídeo em 72 horas, deu nesta sexta (8) 24 horas para o procurador-geral da República, Augusto Aras, se manifestar sobre o pedido da AGU. No encontro, Bolsonaro cobrou da sua equipe de ministros o acesso a relatórios de inteligência e disse que cabe a ele a palavra final em nomeações de seu próprio governo. A bronca foi relatada à Folha em caráter reservado por quatro ministros. A captura de imagens da reunião foi feita pela EBC (Empresa Brasil de Comunicação) e armazenada na íntegra pela Secom. Segundo presentes na reunião, o presidente disse que é a prerrogativa dele fazer indicações em qualquer pasta ministerial. E acrescentou que o ministro que se opusesse a obedecê-lo poderia ser substituído. Bolsonaro também cobrou acesso a relatórios de inteligência, mas ele não fez referência apenas à Polícia Federal. Ele solicitou dados também das Forças Armadas e da Abin (Agência Brasileira de Inteligência). E ressaltou que, sem ter acesso a informações estratégicas, não tinha condições de gerir o país, sobretudo durante a pandemia do coronavírus. A PF agendou para a próxima segunda-feira (11) os depoimentos de Maurício Valeixo, demitido por Bolsonaro da diretoria-geral da PF, e de Alexandre Ramagem, nome escolhido pelo presidente para o cargo, mas que foi barrado pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF. Na terça (12), depõem os ministros Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), Heleno Augusto (Gabinete de Segurança Institucional) e Braga Netto (Casa Civil). No dia seguinte está prevista a oitiva da deputada Carla Zambelli (PSL-SP). Todos foram citados por Moro em depoimento.
*”Em dia de recorde de mortes por coronavírus, Bolsonaro ironiza e fala em 3.000 em churrasco no Alvorada”* - No mesmo dia em que o país registrou recorde de mortes em 24 horas pelo coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro fez ironias sobre a realização de um churrasco no Palácio da Alvorada neste sábado (9) e chegou a falar em 3.000 convidados. Na quinta-feira (7), o presidente havia dito que faria um churrasco apenas com a presença de sua equipe ministerial, cerca de 30 pessoas, o que foi criticado por deputados e senadores por desobedecer as recomendações das autoridades de saúde. Na entrada da residência oficial, nesta sexta-feira (8), Bolsonaro foi questionado se promover um evento com aglomeração de pessoas não seria um mau exemplo para o país. Em tom irônico, o presidente convidou apoiadores, que o esperavam no local, para participarem da festa e disse que serão convidadas pessoas de diferentes cidades do Centro-Oeste, como Águas Lindas (GO) e Taguatinga (DF). "Está todo mundo convidado aqui, 800 pessoas no churrasco. Tem mais um pessoal de Águas Lindas. Tem umas 900 pessoas para o churrasco amanhã", disse. "Tem 1.300 convidados. Quem estiver amanhã aqui a gente coloca para dentro. Vai dar mais ou menos 3.000 pessoas no churrasco amanhã", acrescentou. O presidente foi questionado pelo menos seis vezes pelos veículos de imprensa se o gesto não é um exemplo negativo para a população. Ele, no entanto, não respondeu e continuou a fazer ironias. Os dados do Ministério da Saúde apontaram nesta sexta-feira (8) que o Brasil registrou 751 novas mortes por Covid-19 nas últimas 24 horas. É o quarto dia seguido com mais de 600 óbitos por dia. Com isso, chega a 9.897 o número de mortes confirmadas pela doença. O país também tem, ao todo, 145.328 casos. Na quarta-feira (6) o Brasil superou a Bélgica e se tornou o sexto país com mais mortes no mundo. Os cinco primeiros são Estados Unidos, Reino Unido, Itália, Espanha e França. Segundo especialistas, os números reais no Brasil devem ser maiores, já que há baixa oferta de testes no país e subnotificação. Na entrada do Palácio da Alvorada, o presidente também ironizou os jornalistas e disse, em tom de brincadeira, que retirará a classificação da imprensa como atividade essencial durante a pandemia. "Eu vou tirar os jornalistas das essenciais, falou?" Na quinta, Bolsonaro ampliou a lista de serviços essenciais durante a pandemia, atendendo à demanda de empresários que se reuniram com ele naquela manhã. Além da construção civil, que ele havia anunciado mais cedo, o presidente incluiu, em edição extra do Diário Oficial da União, mais três categorias: atividades industriais, setor de produção, transporte e distribuição de gás natural e o ramo químico e petroquímico de matérias-primas, bem como o de produtos de saúde, higiene, alimentos e bebidas. Com a inclusão na relação, esses setores passaram a ser autorizados a funcionar mesmo diante das restrições de circulação determinadas por estados e municípios. Na semana passada, Bolsonaro já havia incluído na relação 13 serviços, entre eles a locação de veículos, o comércio de produtos de higiene e alimentação e o transporte de carga.
*”Moraes nega pedido para reconsiderar veto à nomeação de Ramagem para PF”* DEMÉTRIO MAGNOLI - *”Carta a um não confinado”* *”Entenda possíveis crimes de Bolsonaro em torno da disputa judicial sobre seu exame de coronavírus”* ENTREVISTA - *”Cabral é aliado da Lava Jato e não deveria estar preso, diz advogado”* *”Conselho manda suspender criação de auxílio-saúde pelo MP-MT em meio à pandemia”*
*”Deputado que intermediou acordo de cargos entre centrão e Bolsonaro é alvo da PF”* - Um dos integrantes do centrão responsáveis por negociar cargos com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em troca de apoio político, o deputado federal Sebastião Oliveira (PL-PE) foi alvo nesta sexta-feira (8) de uma operação da Polícia Federal contra desvio de recursos em obras na BR-101. Oliveira foi secretário de Transportes em Pernambuco no governo Paulo Câmara (PSB). Embora seja filiado ao PL, ele comanda extraoficialmente o Avante em Pernambuco. O deputado é o padrinho da indicação de Fernando Marcondes de Araújo Leão como diretor-geral do Dnocs (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas), nomeação publicada no Diário Oficial da União de quarta-feira (6). A intermediação com o governo foi feita pelo deputado federal Arthur Lira (PP-AL), líder do centrão na Câmara. O Dnocs, vinculado ao Ministério do Desenvolvimento Regional, tem orçamento de aproximadamente R$ 1 bilhão para o ano de 2020 e é responsável pela construção de barragens e açudes nas regiões áridas do país. Tem forte caráter assistencial no interior do Nordeste e, historicamente, é fonte de escândalos de corrupção. Gigantes do chamado centrão, como PP, PL e Republicanos, estão gerenciando a distribuição de cargos do governo federal para atrair partidos menores para a base de apoio de Bolsonaro no Congresso. Nesta sexta-feira, os policiais federais cumpriram ordens de busca e apreensão em endereços de Oliveira. Segundo investigadores, o novo chefe do Dnocs estava com o deputado em seu apartamento funcional, em Brasília, no momento da ação. Na véspera, viajara à capital federal para uma reunião com líderes do centrão. O MPF (Ministério Público Federal) em Pernambuco avalia recomendar ao governo federal que suspenda a nomeação de Leão. Decisão a esse respeito deve ser tomada até o sábado (9). Segundo a procuradora da República Silvia Pontes Lopes, a suspensão se daria no período de tramitação das investigações, para que se avaliem eventuais riscos ao Dnocs. Embora Leão não seja investigado na operação desta sexta, afirmou ela, as apurações indicam que o deputado exerce forte influência sobre seus indicados e o Dnocs atua em área semelhante à do DER (Departamento de Estradas de Rodagem), foco do esquemas investigado, também contratando empresas do setor de infraestrutura. A operação desta sexta foi autorizada por decisão assinada em 12 de março pelo juiz César Arthur Cavalcanti de Carvalho, da 13ª Vara da Justiça Federal em Pernambuco, mas só deflagrada quase dois meses depois, em meio às negociações de Bolsonaro com o centrão. Questionados pelas Folha, investigadores da PF e do MPF informaram que, por causa da pandemia do novo coronavírus, foi necessário um tempo maior de planejamento da ação, inclusive para que fossem adquiridos os equipamentos de proteção individual para os agentes enviados a campo. Os mandados foram expedidos em 27 de março, mas a PF pediu prorrogação de prazo paras cumpri-los, com a justificativa de se adaptar às circunstâncias da epidemia. O presidente Bolsonaro é alvo de uma investigação no Supremo por, supostamente, tentar interferir indevidamente na PF. Em depoimento, o ex-ministro da Justiça Sergio Moro disse que o mandatário fez pressão para a troca de alguns dirigentes da corporação, entre eles a superintendente em Pernambuco, Carla Patrícia Cintra Barros da Cunha. REUNIÃO NO PLANALTO Logo após a operação ser deflagrada, nesta sexta, o novo diretor-geral da PF, Rolando de Souza, foi ao Planalto. Inicialmente, a PF disse que Souza havia se reunido com Bolsonaro. Mais tarde, porém, mudou de versão e informou que a reunião foi apenas com o ministro da Justiça, André Mendonça, na Presidência. Em nota, a PF informou que o objetivo da conversa foi para tratar da nomeação de outros diretores da corporação. Ao todo, foram cumpridos nove mandados de busca e apreensão, além de dois de prisão temporária, expedidos pela Justiça Federal em Pernambuco, na segunda fase da operação Outline. Oliveira tem foro especial perante o Supremo, mas os fatos investigados são anteriores ao seu mandato. Também houve quebras de sigilos bancário e fiscal, além de sequestro de bens. O inquérito sobre o caso mira os serviços de requalificação da BR-101 no trecho do Contorno Viário da Região Metropolitana do Recife, orçados em R$ 190 milhões, a maior parte bancada pelo governo federal. A execução está a cargo do Departamento de Estradas de Rodagem (DER) de Pernambuco. As investigações apontam que, em troca de uma fiscalização leniente dos trabalhos executados, representantes do consórcio contratado, formado pelas construtoras Andrade Guedes e Astep, pagavam propinas a agentes políticos e servidores públicos. O deputado do centrão é suspeito de receber “vantagem pessoal indevida para ser condescendente” com o suposto esquema enquanto secretário de Transportes, diz documento do MPF encaminhado à Justiça. A investigação afirma que o gestor do contrato no DER, Silvano José Queiroga de Carvalho, atestou os serviços sem que houvesse a comprovação de requisitos técnicos do projeto. O inquérito apontou que ele teve uma evolução patrimonial incompatível com a renda declarada. Em mensagens de maio do ano passado, Carvalho trata com o deputado do centrão sobre duas embarcações. “Organiza o jet [ski] e a lancha. Deixa tudo ok”, ordena o congressista. “Beleza”, responde o servidor. “É imprescindível destacar que na última declaração de bens ao então candidato Sebastião Oliveira ao TRE-PE em 2018 não há menção a embarcação alguma. Logo, não pode ser descartado que as embarcações tenham sido adquiridas por Sebastião e registradas em nome de seu amigo Silvano Queiroga ou de outros indivíduos ou empresas”, registra o MPF. O órgão sustenta que foram detectados atrasos com relação ao cronograma das obras e à contratação indevida de serviços de conservação e recuperação, “com fortes indícios de montagem de licitação emergencial para o favorecimento de uma construtora do consórcio”. O consórcio construtor teria transferido valores a título de pagamentos de fornecedores a contas de empresas ‘fantasmas’, que não funcionam nos endereços indicados em seus estatutos”. A Folha não localizou Oliveira, Carvalho ou representantes do consórcio nesta sexta. A obra na BR-101 é objeto de termo de compromisso firmado em 2012 entre o Dnit e o estado de Pernambuco. Em 2017, foi formalizado contrato com o consórcio de construtoras. Os crimes investigados são os de peculato, corrupção ativa e passiva, associação criminosa e lavagem de dinheiro. O DER pernambucano alegou em nota que está à disposição da Polícia Federal e reiterou que vem contribuindo com as investigações. Eleito com a promessa de acabar com o que chama de “velha política”, moldada no toma lá dá cá, o presidente iniciou nas últimas semanas negociações com o novo centrão. O “toma lá” são os vários cargos de segundo e terceiro escalão da máquina federal, postos cobiçados por caciques partidários para manter seu grau de influência em Brasília e nos estados. O “dá cá” é uma base de apoio mínima no Congresso para, mais do que aprovar projetos de seu interesse, evitar a abertura de um possível processo de impeachment. Para se ver fora da cadeira presidencial, Bolsonaro precisa ter ao menos 342 dos 513 deputados contra ele e um clima propício à destituição —economia em frangalhos, tensão nas ruas, por exemplo. Líderes de partidos do chamado centrão afirmam que Bolsonaro enquadrou ministros que resistiam em ceder cargos de suas pastas ao grupo, deixando claro que quem se opuser pode ser demitido do governo. Segundo relato desses parlamentares, a atitude de Bolsonaro se deu em dois atos: primeiro, forçou a demissão de Sergio Moro (Justiça), que no começo da gestão chegou a ser considerado “indemissível”, justamente em um contexto de que tem a palavra final sobre cargos-chave. Antes da exoneração, ele havia deixado claro em reunião com todos os ministros que a prerrogativa de fazer nomeações no governo era dele. Depois, reafirmou a quem ficou, em encontros coletivos e a sós, que ele irá distribuir postos de segundo e terceiro escalão ao centrão e que não aceitará recusas. A conduta do presidente foi confirmada por integrantes do governo à Folha. Símbolo dessa aproximação de Bolsonaro com o chamado centrão, o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs) é apontado pelo TCU (Tribunal de Contas da União) como um dos órgãos do governo federal mais suscetíveis ao risco de fraude e corrupção. Como mostrou a Folha nesta sexta-feira, a avaliação foi feita em auditoria de 2018 do tribunal, divulgada no mês seguinte à eleição de Bolsonaro à Presidência. As conclusões do trabalho foram encaminhadas à época ao Palácio do Planalto e também à equipe de transição do governo federal. Com um orçamento de aproximadamente R$ 1 bilhão para o ano de 2020 e com foco em obras de combate aos efeitos da seca, o órgão teve apontadas fragilidades “muito altas” em todos os quesitos apurados: na prevenção de fraudes e corrupção, na gestão de ética e integridade, na transparência, no controle e também na designação de seus dirigentes. “Espera-se que esse trabalho sirva para a implementação de melhorias nos mecanismos de controle das instituições do Poder Executivo Federal, em especial nas práticas preventivas e detectivas de fraude e corrupção”, disse o TCU, em nota, na época. Questionado agora pela reportagem, o Dnocs —que é vinculado ao Ministério do Desenvolvimento Regional— afirmou que vem trabalhando no fortalecimento de seu sistema de governança por meio de normas e da criação de instâncias relacionadas ao tema.
*”Assembleia de SP quebra promessa para manter licitação milionária em meio à pandemia”* *”Vaquinhas de pré-candidatos estreiam em meio a indefinição sobre data de eleição municipal”*
*”Duelo com China protagoniza debate eleitoral e une democratas e republicanos”* *”Colômbia vive crise institucional após revelação de rede de espionagem do Exército”* *”Ernesto chama FHC e Ricupero de paladinos da hipocrisia em reação a artigo”*
*”'Nem passa pela cabeça reabrir fronteiras com o Brasil', diz presidente do Paraguai”* - O presidente do Paraguai, Mario Abdo Benítez, disse nesta sexta-feira (8) que reabrir as fronteiras com o Brasil será perigoso, pois o país concentra um grande número de casos do novo coronavírus. "Com o que se vive no Brasil, nem passa pela nossa cabeça abrir as fronteiras, já que é o lugar onde talvez haja mais expansão da Covid-19, e isso é uma grande ameaça para nosso país", disse Abdo, durante uma visita à região de Misiones, segundo o jornal La Nación. "Já reforcei, militarizei as zonas mais vulneráveis e de maior volume de gente para fazer todo o esforço para diminuir a possibilidade de que ingressem pessoas vindas do lado brasileiro que não respeitem os protocolos", acrescentou. O Brasil soma mais de 135 mil casos de Covid-19, e cerca de 9.100 mortes até a tarde desta sexta-feira (8). No Paraguai, houve 563 casos e dez mortes. Abdo celebrou o fato de nenhum paraguaio estar na UTI por conta do coronavírus e de haver poucos casos de contaminação fora dos abrigos que recebem pessoas vindas do exterior. Segundo ele, isso permitirá a retomada das atividades aos poucos. O presidente estima que 40% da economia paraguaia sigam operando durante a quarentena. Durante a semana, outros países vizinhos também disseram ver o Brasil como uma fonte de perigo. Na terça-feira (5), o Uruguai anunciou um aumento do controle sanitário na fronteira com o Brasil ao ver com "preocupação" a existência de casos de coronavírus em cidades fronteiriças do país, informou o secretário da Presidência, Álvaro Delgado. Na Argentina, que mantém uma quarentena nacional desde 20 de março, o presidente Alberto Fernández expressou várias vezes sua inquietação com o avanço da epidemia no Brasil e a atitude de Bolsonaro. "Obviamente que é um risco muito grande (...) Aqui estão entrando caminhões do Brasil transportando cargas de São Paulo, que é um dos locais mais infectados" do país, declarou Fernández na quarta-feira (6) à Rádio con Vos. Na Venezuela, o regime do ditador Nicolás Maduro tem multiplicado as críticas a Bolsonaro e qualificado de "grande ameaça" para seu país a proximidade do Brasil pela "estupidez" de Bolsonaro. "Sua irresponsabilidade levou milhares de brasileiros a se contaminarem. Levou à morte de milhares", disse Maduro.
*”Indonésia antecipa liberação de viagens pelo país e preocupa especialistas”* *” Promotoria recomenda que governo Trump readmita diretor demitido após criticar cloroquina”* *”China anuncia reabertura gradual de cinemas e museus”*
*”Praticamente estagnadas em abril, montadoras miram incentivos para preservar empregos”* - O passado distante bate à porta do setor automotivo. A tempestade perfeita causada pela pandemia do novo coronavírus– somada à crise política– derrubou a produção de veículos em abril. Os números regrediram a níveis registrados em 1957, primeiro ano cheio de uma indústria que surgiu com o Plano de Metas do governo Juscelino Kubitschek. Apenas 1.800 unidades foram fabricadas no país no mês passado, segundo a Anfavea (entidade que representa as montadoras instaladas no Brasil). a produção de veículos caiu 99,4% em relação a abril de 2019 e 99% na comparação com março. No acumulado do ano, a queda é de 39,1%. Assim como ocorreu nos anos 1950, a solução para fortalecer a cadeia automobilística deve passar pelo incentivo à produção local, uma forma de preservar empregos e melhorar a rentabilidade diante da alta do dólar. “A localização é uma questão crítica para reduzir a exposição ao câmbio, temos focado nisso já há algum tempo. Mas, claramente, os níveis atuais ainda deixam uma grande parte do nosso negócio exposta, o real tem sido uma das moedas com pior desempenho de todos os mercados emergentes”, diz Carlos Zarlenga, presidente da General Motors América do Sul. O executivo lembra que a moeda acumula uma desvalorização de quase 40% desde janeiro de 2020. “Isso afeta drasticamente a lucratividade da indústria e da GM. A maioria das empresas de automóveis está perdendo dinheiro, e o colapso extraordinário do real faz esse cenário ficar insustentável.” A Anfavea tem conversado com a equipe econômica sobre suas demandas específicas, mas se preocupa com as turbulências no governo em seguidos embates com os poderes Judiciário e Legislativo. As pautas mais importantes que envolvem estímulos à indústria por meio de benefícios fiscais precisam passar pelo Congresso. “Quanto mais barulho em Brasília, mais problemas teremos com a economia”, afirma Luiz Carlos Moraes, presidente da Anfavea. Sobre o processo de nacionalizar componentes, Moraes explica que sempre será necessário importar algumas tecnologias e peças de menor volume. Há também o problema dos prazos de desenvolvimento e homologação: equipamentos de segurança, por exemplo, levam cerca de 24 meses para serem desenvolvidos e aplicados nos automóveis. Por outro lado, há muitos outros itens que podem voltar a ser manufaturados no Brasil, pois migraram para o exterior apenas por questões de custo. Essa reversão, além de contornar o problema do câmbio, será importante para manter a indústria ativa em um ambiente de redução das vendas e de baixa atratividade para disputar contratos. De acordo com a Anfavea, haverá aumento da competitividade entre as subsidiárias. As vendas globais devem cair 22% em 2020 e levar a uma ociosidade de 30% na indústria automotiva mundial. Com isso, as nações que têm fábricas instaladas devem se tornar mais agressivas na busca por investimentos das matrizes, que também procuram fortalecer as linhas de produção em seus países-sede. “A globalização está sendo rediscutida. O Japão puxou 200 empresas de volta da China, EUA e Alemanha aceleram esse processo, há uma proteção muito maior no setor”, diz Paulo Cardamone, da Bright Consulting. O Brasil entra em desvantagem nessa disputa e enfrenta uma ociosidade bem acima da média: com as previsões indicando queda nas vendas entre 25% e 40% neste ano, a ociosidade do setor deve ultrapassar os 60%, o que pode levar a demissões. E mais uma vez surgem as semelhanças com os anos 1950. Naquela época, o estímulo à produção visava atender a um público consumidor que nascia junto com a indústria e, por consequência, gerar empregos. Todo o foco estava no mercado interno, como deve ocorrer neste momento. Além disso, produzir no Brasil significa evitar uma explosão de preços que, pelos cálculos da Bright, podem resultar em aumentos acumulados de até 17% ao longo do ano. Isso afugentaria compradores que já estão assustados. Esse público é fundamental para a saúde das empresas. As vendas diretas a frotistas, que são menos rentáveis, começam a despencar. As locadoras passam por um movimento inverso, recebendo de volta milhares de carros que estavam sendo usados por motoristas de aplicativos. Com a redução das corridas, eles não têm condição de pagar o aluguel. Zarlenga afirma que, no cenário atual, os repasses são a única solução de curto prazo. Nesta semana, a GM aumentou em 4% os valores sugeridos para seus carros. “E é apenas o começo se a moeda permanecer nesses níveis sem precedentes. Nós continuaremos aumentando os preços significativamente, mesmo em um mercado menor”, diz o executivo. O presidente da GM afirma que a indústria no Brasil não é lucrativa e não tem sido já há algum tempo. “Os preços dos carros no Brasil são compostos por mais de 40% de impostos contra 7% em outros países, o que é a principal razão pela qual os carros são caros aqui”. A Ford também avalia investir na produção regional de componentes para reduzir custos e driblar o dólar. “No mundo ideal, nós buscaríamos comprar e produzir onde vendemos, mas muitos fatores como investimento, escala, exposição cambial, custos de logística e impostos precisam ser considerados”, diz Lyle Watters, presidente da montadora americana na América do Sul. Segundo Antonio Filosa, presidente do grupo FCA Fiat Chrysler América Latina, há um trabalho para atrair novas fábricas de componentes e de tecnologias que poderiam atuar na região. “Há muitas conversas em andamento e este é um investimento que tem um ciclo de médio prazo, mas a atual situação global de mercado torna a execução desta estratégia mais complexa, porque também impacta o caixa destas empresas”, afirma Filosa. Todos esses movimentos convergem para um plano de estímulo à indústria, que deve ser bem diferente das ações de incentivo ao consumo que foram comuns nos primeiros 15 anos desde século. Esse é mais um dos pontos que remetem a 1957 e também a outros momentos da história nacional em que a indústria automotiva nacional recebeu ajuda –algumas polêmicas, como a sobretaxa aos carros importados imposta em 2011, que levou à criação do programa Inovar-Auto. Mas antes de propor qualquer plano de incentivo, a Anfavea corre atrás de crédito para manter as empresas saudáveis. Uma das propostas apresentadas sugere usar os créditos retidos do ICMS (Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) como garantia de empréstimos bancários. A entidade afirma que o valor acumulado tanto no âmbito federal quanto nos estados chega a R$ 25 bilhões. Enquanto montadoras e governo discutem se a solução para o futuro das fábricas está nas estratégias do passado, o setor de peças, que emprega 248 mil trabalhadores, aguarda. “Acompanhamos o ritmo de produção das montadoras, nosso principal segmento de mercado. O setor é muito resiliente e trabalha para atravessar essa crise, da mesmo forma que o fez entre 2014 e 2016, quando tivemos quedas expressivas de volumes por um longo período de tempo”, diz Dan Ioschpe, presidente do Sindipeças. O executivo acredita que o caráter temporal da crise causada pela pandemia do novo coronavírus oferece uma condição mais extrema no curto prazo, mas com uma retomada mais rápida. Contudo, segundo Ioschpe, "isso não significa dizer que diversas empresas do setor não terão problemas enormes e, talvez, algumas não sobrevivam." Quanto ao movimento de nacionalização, o presidente do Sindipeças avalia que será necessário haver competitividade a longo prazo e não apenas uma reação pontual. “Isso envolve trabalho árduo de redução do custo sistêmico local, o chamado ‘custo Brasil’". INDICADOR APONTA CENÁRIO ECONÔMICO CADA VEZ MAIS FRÁGIL A divulgação do tombo do setor automotivo ocorre na mesma semana em que foram anunciados dados indicando retração de 9% na indústria, em março, e deflação em abril, o que aponta um cenário econômico cada vez mais frágil. Para o pesquisador Samuel Pessôa, colunista da Folha e pesquisador do Ibre/FGV, o crescimento do ano foi comprometido. “A recessão já está contratada, basta esperar”, diz Pessoa. Segundo o Codace, comitê que marca os ciclos econômicos, do Ibre/FGV, há recessão quando ocorre, em ao menos dois trimestres seguidos, declínio expressivo na produção de diversos setores simultaneamente. O comitê analisa uma série de indicadores para avaliar se o país está em recessão, entre eles, o PIB. Claudio Considera, também do Ibre/FGV, diz que é cedo para falar em recessão. ” Não há definição fechada para depressão. Em seu “Dicionário de Economia do Século 21”, Paulo Sandroni a define como “fase do ciclo econômico em que a produção entra em declínio acentuado, gerando queda nos lucros, perda do poder aquisitivo da população e desemprego” —elementos bem presentes atualmente. +++ A reportagem menciona o período em que o país foi governado pelo Partido dos Trabalhadores, mas não menciona o partido nem os ex-presidente Lula e Dilma. A referência é aos primeiros 15 anos deste século.
*”Carro de R$ 500 mil faz Porsche bater recorde de vendas no Brasil”* - Tem Porsche na contramão. Enquanto as vendas de veículos leves e pesados no mercado brasileiro caíram 27% no primeiro quadrimestre de 2020, a montadora alemã cresceu 117% no mesmo período. O destaque do período foi o novo modelo 911, que teve 455 unidades comercializadas, o que representa 42,6% do total da marca. Seu preço começa em R$ 519 mil e vai até R$ 1,33 milhão –valor pedido pela versão Turbo S, que chegou ao país no último mês. Rodrigo Soares, gerente de relações públicas da Porsche no Brasil, explica que esses carros são comprados por empresários, altos executivos e profissionais autônomos bem-sucedidos. Os ramos de atuação variam de região para região. No Sul e no Centro-Oeste, por exemplo, é o dinheiro do agronegócio que estimula as vendas. Esses clientes já aguardavam pelo novo 911, e mais de 90% desses veículos foram vendidos por encomenda. A pandemia do novo coronavírus não foi suficiente para fazer o público-alvo cancelar o negócio, que até pareceu uma pechincha. A empresa garantiu o preço em reais acordado no ato da compra mesmo que o veículo escolhido demorasse um ano para ser entregue. O cliente precisa dar um sinal como garantia, mas o faturamento só ocorre quando o veículo chega ao Brasil. Com a variação do câmbio, o comprador tem a sensação de ter desembolsado um valor menor ao fazer a conversão pelo dólar atual. Nos dias de hoje, há um efeito raro no setor automotivo nacional. O Porsche 911 mais em conta vendido nos EUA atualmente custa o equivalente a R$ 545 mil, sendo R$ 26 mil mais caro que a opção disponível no Brasil. Segundo Soares, entre 25% e 35% dos compradores financiaram o Porsche novo. O número poderia ser maior caso a montadora oferecesse seus serviços bancários no Brasil. É a primeira vez que uma nova geração do esportivo mais icônico da Porsche é vendido diretamente pela marca. Até 2015, os carros chegavam ao país por meio de revendedores credenciados. A importação dos esportivos alemães teve início em 1968 por meio da concessionária paulistana Dacon. Na época, um pequeno lote do modelo 912, versão simplificada do 911, chegou ao país com motor 1.6. O mercado foi fechado aos carros importados em 1976. A reabertura ocorreu há 30 anos, em maio de 1990, mas a Porsche não estava entre as primeiras marcas que retornaram ao Brasil naquela época. A montadora só voltou a ter um representante oficial em 1996, quando seus automóveis começaram a ser trazidos e revendidos pela Sttutgart Veículos. Ao assumir a operação em julho de 2015, a matriz alemã assumiu acelerou os negócios. Literalmente. A homologação dos carros tornou-se mais rápida. O novo 911 foi apresentado no Brasil em março de 2019, mesma época em que foi lançado na Alemanha e nos Estados Unidos. A marca montou uma estrutura para clientes e potenciais compradores no autódromo Velo Città, em Mogi-Guaçu (interior de São Paulo). Os convidados participaram de cursos de direção e puderam dirigir o lançamento na pista. Equipe, carros e pneus vieram da Alemanha em um circo itinerante. De nacional, apenas o bufê montado sob uma tenda branca, que oferecia café da manhã e almoço aos participantes. Os instrutores explicaram o funcionamento das novas tecnologias. O 911 atualizado traz sensores instalados perto das rodas que conseguem detectar o quanto de água há no asfalto em dias de chuva. Assim adaptam os dispositivos de segurança para essa condição. O carro também é capaz de frear sozinho caso detecte uma parada subida no trânsito ou um pedestre na via. Esses recursos trazem brilho aos olhos dos possíveis clientes, que são motivados a trocar seus modelos “antigos” –alguns com menos de 10 mil quilômetros rodados—por um 2020. Um dos 911 avaliados naquele evento passou pelo teste Folha-Mauá. Com 450 cv de potência, a versão intermediária Carrera S (R$ 679 mil) acelerou do zero aos 100 km/h em 3,4 segundos. Um Volkswagen Polo 1.0 MSI (R$ 54,8 mil) abastecido com etanol gasta 16,6 segundos para cumprir a mesma prova. Seu motor tem 84 cv. As ações presenciais voltadas a milionários estão suspensas devido a pandemia do novo coronavírus e ainda não têm previsão de retorno. Esses eventos são realizados tanto em circuitos de corrida como na rede de concessionárias da marca, que segue em expansão. A Porsche vai abrir uma nova loja em São Paulo, na zona oeste, e ainda unidades nos estados de Goiás e do Ceará. Ao que tudo indica, será a única marca de veículos a venda no Brasil a registrar crescimento em 2020. +++ A crise econômica não atinge toda a sociedade. Enquanto milhões perdem seus postos de trabalho porque o governo se recusa a bancar salários, as vendas de carros de luxo seguem em alta.
CIFRAS& LETRAS - *”Novo livro de Vargas Llosa mostra papel empresarial em golpe de Estado na AL”* PAINEL S.A. - *”Fabricantes de remédios vão à Justiça contra megarrodízio em São Paulo”* *”País tem deflação de 0,31% em abril, a maior desde 1998”* *”Entenda o que é deflação e os riscos da queda de preços se tornar persistente”*
ANÁLISE - *”Recessão, isolamento e cautela sinalizam IPCA abaixo do piso”*
*”Governo destina R$ 5 bilhões em crédito para empresas de turismo”* - Em MP (Medida Provisória) publicada nesta sexta-feira (8), o governo Jair Bolsonaro destinou R$ 5 bilhões para auxílio —via linhas de crédito— de empresas de turismo que tenham sido afetadas pela crise do novo coronavírus. O montante foi direcionado ao Fungetur (Fundo Geral do Turismo) e as empresas do setor que fazem parte de um cadastro (Cadastur) do ministério poderão acessar os empréstimos via 17 instituições financeiras, sendo a principal delas a Caixa. Ao comentar a MP na tarde desta sexta, o ministro Marcelo Álvaro Antônio, do Turismo, argumentou que o segmento foi o mais afetado pela paralisação da economia gerada pela Covid-19 e que provavelmente será um dos últimos a iniciar uma recuperação. "As empresas de turismo, bem como os guias de turismo, não estavam tendo acesso ao crédito, e essa MP vem para corrigir essa distorção e fazer com que essas empresas, de todos os tamanhos, possam ter acesso efetivo a esse crédito", declarou Álvaro Antônio. A pasta planeja que 80% dos R$ 5 bilhões sejam destinadas às micro, pequenas e médias empresas, enquanto que o restante ficará disponível para os grandes empreendimentos. Ainda de acordo com o ministério, haverá carência de até 12 meses e uma taxa de juros abaixo de 0,9% ao mês. Empresários que têm negócios de micro e pequeno porte poderão acessar até R$ 1 milhão, limite que sobe para R$ 3 milhões (médias) e R$ 30 milhões (grandes). A linha de crédito tem como destino empresas que de acampamento turístico, agências, hospedagem, casas de espetáculos, centros de convenções, locadoras de veículos, restaurantes, cafeterias e bares, entre outros. Por último, o ministro disse que na próxima semana a pasta deve lançar um programa para que guias turísticos que também deixaram de trabalhar no período da pandemia possam acessar crédito em melhores condições. Segundo ele, são mais de 20.000 profissionais no Brasil. Além do crédito, o governo já havia editado uma MP para determinar que o reembolso de pacotes de viagens, diárias de hotéis e ingressos para eventos não seja concedido imediatamente ao consumidor. +++ A “salvação” que o governo oferece às empresas é o endividamento. O acúmulo de dívidas para a sobrevivência deve impedir o investimento da iniciativa privada para a saída da crise.
*”Câmara finaliza votação de MP que agiliza venda de imóveis da União”* *”Lojas fazem 'força-tarefa' para tentar salvar Dia das Mães durante crise do coronavírus”* *”Crise na produção de carne nos EUA pode abrir espaço para exportações do Brasil”* *”JBS nos EUA é processada por família de funcionário morto por Covid-19”*
ENTREVISTA - *”Vamos precisar de aumento temporário de impostos para pagar a crise do coronavírus, diz economista-chefe do Itaú”* MARCOS MENDES - *”Desigualdade e coesão social”* *”Taxa de desemprego dos Estados Unidos tem pior resultado desde a Grande Depressão”*
*”Doria prorroga quarentena no estado de SP até 31 de maio contra novo coronavírus”*
*”Prefeitos de SP falam em decepção e injustiça sobre prorrogação da quarentena”* - Prefeitos de algumas das principais cidades do interior de São Paulo reagiram de diferentes formas ao anúncio do governador João Doria (PSDB) de prorrogar a quarentena até o dia 31 em todo o estado, que vão de decepção e injustiça ao apoio à decisão. Independentemente da posição, porém, três dos prefeitos ouvidos pela Folha deverão apresentar, na segunda-feira (11), em reunião na capital, propostas para defender a flexibilização em suas cidades. O prefeito de São José dos Campos, Felicio Ramuth (PSDB), que foi à Justiça para tentar reabrir o comércio nas últimas semanas, disse que a decisão é decepcionante e que vai lutar para conseguir reabrir atividades econômicas impactadas pelo decreto. “Fui surpreendido [com a prorrogação], como muitas pessoas [...], nos deparamos com essa extensão da quarentena, sem, claro, a comunicação aos prefeitos”, disse. Na segunda, prefeitos das sedes das regiões administrativas do estado se reunirão em São Paulo, às 16h, dentro de um comitê criado pelo governo. Segundo Ramuth, nos últimos 20 dias prefeituras têm conversado com o governo sobre a importância de serem levadas em consideração as características regionais. “Com o anúncio, percebemos que isso não foi feito. A primeira sensação é de decepção.” Já o prefeito de Ribeirão Preto, Duarte Nogueira (PSDB), disse esperar que, com o comitê, outras opiniões possam ser mostradas e que é injusto tratar todas as regiões iguais sendo que há locais em que a restrição absoluta não é necessária. “Não é justo impor de maneira generalizada para todo mundo um sacrifício, sendo que há regiões que permitem atividades sem essa restrição absoluta que está se fazendo.” Ele disse que a curva de contaminação na cidade é linear e que há capacidade com folga para atendimento de pacientes em leitos de UTI e enfermaria. “Entendo que não podemos tratar os desiguais de maneira igual.” Prefeito de Bauru, Clodoaldo Gazzetta (PSDB) disse que apresentará um projeto que transforma indicadores numa fórmula matemática para mostrar o que poderia ser aberto ou não na cidade. Ela, que precisa, segundo ele, ser validada pelo estado e pesquisadores, consiste em atribuir um valor após análise de indicadores estatísticos e epidemiológicos que resultará em um de cinco cenários --de lockdown à abertura total. “Estamos na fase 2, após o lockdown, mas consigo começar a fase 3, que é flexibilizar alguns setores, com restrição.” Sobre a prorrogação da quarentena, ele disse que, se o entendimento do estado foi esse, tem de concordar. Em Campinas, o prefeito Jonas Donizette (PSB) disse, na internet, que vai prorrogar a quarentena no município até o dia 31, seguindo o estado, e que não discordou por ter recebido informação do centro de contingência de que o risco de transmissão no interior está muito alto. Já o prefeito de Jundiaí, Luiz Fernando Machado (PSDB), disse que ser favorável à necessidade da quarentena não faz ignorar as dificuldades econômicas. Segundo ele, o estado está diante de um momento crucial em relação à escalada da propagação do coronavírus e “não há margem para experimentações”.
*”Rio ultrapassa São Paulo em mortes por coronavírus em 24 horas e Witzel admite plano de 'lockdown'”* *”Teich visita o Rio, defende cuidados básicos contra coronavírus e não responde a perguntas”* *”Após falta de luz, dois pacientes morrem em hospital de referência para coronavírus no RJ”* *”Brasil registra 751 novas mortes por coronavírus em 24 h e bate recorde”*
ENTREVISTA - *”Brasileiro que lidera estudo com remdesivir diz que a droga é a mais promissora contra Covid”* *”Manutenção do Enem durante a pandemia coloca Brasil na contramão da tendência mundial”*
*”Na periferia, faltam internet, computador e até mesmo papel e lápis para aulas a distância”* - Quando as folhas em branco dos caderninhos acabaram, Raphaela dos Santos, 4, passou a desenhar nas paredes da casa da avó em Paraisópolis, na zona sul de São Paulo. As broncas logo pararam —não porque a menina aprendesse que aquele não era o lugar adequado, mas pela falta de canetinhas ou lápis. Longe da escola há mais de 50 dias, Raphaela está há semanas sem desenhar, ter contato com livros ou escrever o próprio nome, o que estava começando a aprender na Emei (Escola Municipal de Educação Infantil) Perimetral, em Paraisópolis. Apesar de a Prefeitura de São Paulo informar que está disponibilizando atividades a distância para os seus alunos, muitas famílias não têm condição de acessá-las; alguns nem ao menos sabem que elas estão acontecendo. "Ela passa o dia aprontando e quer ir brincar com as crianças que moram aí em frente. Só fica quieta quando está com o celular na mão”, contou a mãe de Raphaela, Cindy Santana, 21. Como trabalha em um pet shop, que manteve o funcionamento durante a epidemia, ela deixa a filha durante o dia com a avó. A família ainda não recebeu o material didático que a prefeitura disse que vai enviar às casas dos alunos. Santana não sabia da distribuição do kit, mas disse achar que os livros vão ter pouca utilidade para a menina. “Ela não tem um lápis, uma caneta e não temos como comprar. Moramos em uma casa de um cômodo, com cinco pessoas, não tem espaço para ela fazer lição”. Poucas casas acima, José Leandro Melo, 8, também não recebeu o material didático. No terceiro ano do ensino fundamental, o menino, em sala de aula e com acompanhamento da professora, já tinha dificuldade para aprender a ler e escrever. Por isso, a mãe se preocupa que ele possa esquecer o que tinha aprendido. “Todo dia peço para que ele escreva o próprio nome, mas ele já está esquecendo. Então, comecei a escrever as letras no papel e peço para ele copiar embaixo. Ele não gosta e eu também não sei se estou fazendo certo”, conta a mãe Jéssica Laurindo, 29. Por orientação da professora, ela tinha marcado consulta com um neurologista para investigar se a dificuldade do menino poderia ser por algum transtorno. Com a pandemia, ela não sabe quando conseguirá levá-lo ao médico. “Meu medo é que, sem escola, sem passar no médico, ele piore e esqueça o pouco que aprendeu com tanto custo”. José passa a maior parte do dia assistindo televisão ou brincando com vizinhos em frente de casa. Laurindo disse achar bom quando o menino sai para brincar, já que se distrai e não fica o tempo todo pedindo para comer. “Quando fica em casa, ele só quer comer. E, agora, não tenho muito para oferecer. Ganhamos a cesta básica e eu uso o auxílio da merenda para comprar as coisinhas de que ele gosta, leite e bolacha”, disse. Ela recebeu os R$ 55 do auxílio da prefeitura destinado para beneficiários do Bolsa Família. A dois quilômetros de onde moram José e Raphaela, os dias sem aulas presenciais têm sido bem diferentes para Maria Clara e Isabella Pedretti, de nove e sete anos. Alunas do colégio Porto Seguro, no Morumbi, a dificuldade para elas tem sido o excesso de atividades escolares. Elas acordam cedo, tomam café da manhã com os pais e depois seguem para a sala de casa para acompanhar as aulas remotas. A escola organizou dois períodos de atividade por vídeo de 30 minutos para cada turma. “Como elas são pequenas, eu tenho que acompanhar, e às vezes coincide de as duas terem aulas ao mesmo tempo. Também só temos um computador para as duas, então revezamos com o celular”, contou a mãe, Giovanna Pedretti. INTERNET Apesar de ter aulas a distância, Isac Souto, de 16 anos, acorda cedo todos os dias e caminha por cerca de dez minutos até a unidade de Paraisópolis da escola Alef Peretz, onde é bolsista. Para conseguir acompanhar as atividades de seu último ano escolar, ele ganhou um notebook do colégio, mas não tem internet em casa. “Eles me deram um chip de celular com um plano grande de dados, mas não é sempre que funciona. No começo, eu perdi algumas aulas porque não conseguia conexão. Então eles decidiram abrir a escola para que eu pudesse usar a internet”, contou. Ele disse até preferir ir para a escola, já que em casa não tem um espaço onde possa estudar com tranquilidade. Souto mora com mais sete pessoas, a mãe, padrasto, a avó e três irmãos. “Estudava na mesa da cozinha, mas, quando todo mundo acordava ou iam almoçar, era difícil me concentrar”. Além da tranquilidade do ambiente escolar, o adolescente disse sentir falta do almoço que era servido no colégio. Desde que as atividades presenciais foram suspensas, ele é quem prepara a própria refeição, no intervalo de uma hora entre as aulas. “Sinto falta da comida de lá, que era muito saudável e sempre com muitas opções. Comia salada todos os dias. Em casa, é sempre alguma coisa mais gordurosa. Como não tenho muito tempo, acabo quase sempre comendo pão com manteiga no almoço”, disse. Mesmo com todas as dificuldades da adaptação à nova rotina, Souto disse se considerar privilegiado por continuar estudando, já que vai prestar vestibular no fim do ano. “Meus amigos e vizinhos que estudam em escola pública não têm aula nenhuma, nada de atividade. Fico triste por eles. Vejo que eles vão dormir tarde, só ficam no celular, porque não tem outra opção”. Uma dessas vizinhas é Débora Cibele dos Santos, 13, que, por mais de uma semana, tentou acessar o aplicativo da Secretaria Estadual de Educação para fazer as atividades online. Ela teve dificuldade com a internet e também com o cadastro. “Liguei na escola para pedir ajuda, mas não souberam me informar qual era o problema. Ninguém me ajudou. Eu queria muito assistir às aulas de português e educação física”, contou a menina, que está no sétimo ano do ensino fundamental. Ninguém tampouco tinha lhe dito que poderia acompanhar as aulas pela televisão. Na mesma região da cidade e distante apenas três quilômetros da escola de Débora, estuda Carolina Betoletti, 16 anos, que teve a rotina pouco alterada com a suspensão das aulas presenciais. Aluna do ensino médio do Porto Seguro, ela teve a grade horária mantida, com atividades online das 7h às 15h todos os dias. Para estudar, a menina usa um computador, tablet e celular. No início, a dificuldade era a velocidade da internet, já que os pais e as duas irmãs também fazem atividades remotas em casa. O problema foi resolvido com a contratação de um pacote maior de dados para a família. “Sei que sou privilegiada por ter todos esses equipamentos e recursos disponíveis. Tenho um quarto só para mim para poder estudar. Minhas irmãs, que são mais novas, dividem o quarto e, para estudar, precisam usar fone de ouvido para não se atrapalharem”, contou. ‘PANDEMIA ESCANCARA DESIGUALDADE’ Para Anna Maria Chiesa, especialista em desenvolvimento infantil, a pandemia “escancarou a desigualdade e as fragilidades sociais” do país. Ela disse que as políticas públicas na educação dos últimos anos, assim como as elaboradas emergencialmente durante a crise do coronavírus, miram na igualdade, mas deixam de lado a equidade. “Elaboram políticas universais em que a questão da igualdade é muito bem pontuada, mas que esquecem a desigualdade absurda do Brasil. É o caso da entrega de material didático. É um ótimo apoio para as famílias, mas não considera o ambiente em que as crianças estão, quais materiais têm disponíveis em casa”, disse. Para ela, haverá prejuízo para crianças que estão em casa sem acesso a atividades escolares e em ambientes sem estímulo para se desenvolverem. Por isso, a retomada das aulas presenciais vai exigir um olhar atento e sensível a fim de recuperar esse tempo. “Devemos ter repercussão desse período de isolamento por muito tempo, mas nada que seja impossível de ser revertido. Para isso, no entanto, vamos precisar de políticas e acompanhamentos muito bem estruturados em todas as áreas, educação, saúde, assistência social”. Beatriz Abuchaim, gerente da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, também disse que a avaliação dos efeitos desse período no desenvolvimento das crianças vai ser fundamental para evitar que a desigualdade de oportunidades perpetue para os próximos anos escolares. “Precisamos nos comprometer com a recuperação dessas crianças. Entender que estamos vivendo um período atípico que terá repercussões graves”. “Mesmo as crianças de classe média, com todos os recursos que têm, não estão aprendendo a mesma coisa que na escola. Precisamos reconhecer isso e ter um olhar ainda mais atento para essas famílias mais vulneráveis, que não tem um lápis em casa”, disse Abuchaim.
MÔNICA BERGAMO - *”Fábio, filho de Lula, vende participação na Gamecorp”*: Fábio Luís Lula da Silva, filho do ex-presidente Lula, vendeu nesta semana a sua participação na Gamecorp, empresa que explorava a PlayTV, canal a cabo especializado em games. Ele e os sócios, os irmãos Fernando e Kalil Bittar, se desfizeram de 70% das ações, adquiridas pelo empresário Walther Abrahão Filho —ele herdou também as dívidas do negócio. Walter é filho de Walter Abrahão, locutor da antiga TV Tupi. Já foi presidente da Juventude do DEM e candidato a deputado estadual em SP pelo PR. O valor do negócio é mantido em sigilo. Fábio e a Gamecorp sofreram várias investigações desde que a empresa se associou à Oi. A tele investiu R$ 5 milhões no negócio quando Lula era presidente. A PlayTV chegou a ter 300 funcionários e patrocinadores como Itaú e Samsung. Em 2012, a Justiça arquivou os inquéritos contra os sócios. Sete anos depois, em 2019, a Lava Jato de Curitiba retomou as investigações sobre o mesmo assunto. Elas hoje correm em SP. Numa carta enviada aos funcionários, à qual a coluna teve acesso, Fábio comunica a venda. “Lembro desses últimos 15 anos como se tivesse feito uma longa escalada, em um terreno muito íngreme, sempre contra o vento e as tempestades”, diz ele. “A maioria das empresas precisa se preocupar apenas em fazer seu trabalho direito”, segue o filho de Lula. “Tivemos que enfrentar a desconfiança da mídia, operações policiais (...), denúncias do Ministério Público (...), ondas de ataques em redes sociais e o julgamento fulminante da opinião pública.” “Em vários momentos eu me senti absolutamente exausto”, diz ainda Fábio na carta. “Apesar do massacre, nunca conseguiram demonstrar qualquer irregularidade.” A defesa do filho de Lula confirma a operação. “A perseguição criminosa e implacável contra Fábio merece uma resposta enérgica do poder Judiciário. Fábio não pode ser criminalizado por carregar o sobrenome do maior líder popular do país. A venda Gamecorp confirma o propósito negocial e o significado econômico de suas atividades profissionais”, diz o tributarista Marco Aurélio de Carvalho.
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