segunda-feira, 27 de julho de 2020

Análise de Mídia 27/07




CAPA – Manchete principal: *”Pressão por gastos pode levar a aumento da carga tributária”*
EDITORIAL DA FOLHA - *”Meia volta, volver”*: Os números falam por si. Sob o governo do capitão reformado do Exército Jair Bolsonaro, cresceu em 33% o número de militares da ativa em cargos comissionados. Ampliando o escopo para todos os postos, chega-se a quase 2.900 fardados do serviço ativo na condição de agregados —ou seja, emprestados para funções civis, o que por lei pode durar até dois anos. O universo militar na administração pública é ainda maior, chegando a 6.157 quando a conta inclui o pessoal da reserva ou aposentado. A formação desse éthos militar, personificado por 9 de 23 ministros com origem nos quartéis, é indesejável tanto para o governo quanto para as Forças Armadas. Atentam contra a institucionalidade cenas como a do ministro Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) envergando seu uniforme de general em solenidade recente —felizmente ele foi compelido a ir à reserva logo na sequência. Entes de Estado, os ramos militares não podem se confundir com governos de ocasião, sob risco de ver sua missão constitucional afetada por casuísmos políticos.
Assim, é tempestiva a sugestão do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de, num futuro próximo, impedir, por meio de emenda constitucional, que militares da ativa ocupem cargos civis. As melhores práticas democráticas de fato recomendam que militares da ativa cuidem de assuntos afeitos à sua função. Nos Estados Unidos, por exemplo, uma diretriz de 2008 estabeleceu normas rígidas para o intercâmbio entre os mundos fardado e paisano, tratado como uma exceção a ser aprovada pelo secretário de Defesa —e ele próprio só pode ser oriundo da caserna, em tempos de paz, caso tenha ido à reserva há pelo menos sete anos. Alguns ajustes e nuances merecem ser considerados na proposta de Maia. Há posições em áreas civis, como no Ministério da Defesa ou no Gabinete de Segurança Institucional, que poderiam ser preenchidas por oficiais agregados. Tampouco deve haver preconceito com o militar da reserva, caso tenha notório saber e capacidade para determinada função. O pior dos mundos se vê hoje na Saúde. Não só o interino, Eduardo Pazuello, é general da ativa, como a militarização da pasta e o cumprimento de ordens exóticas de Bolsonaro são deletérias tanto ao enfrentamento da Covid-19 quanto à imagem do Exército. O debate fará bem a um país em que a opacidade rege o meio militar. Regras de engajamento claras, como bem sabem os fardados, delimitam responsabilidades.
PAINEL - *”Brasil gastou R$ 67 milhões em repatriações em 2020, maior operação da história”*: O Itamaraty afirma ter utilizado cerca de R$ 67 milhões para operações de repatriação em 2020, sendo a maior parte destinada para casos envolvendo a pandemia do coronavírus. Os recursos vieram de créditos extraordinários de duas medidas provisórias. Desde o começo do ano, mais de 38.200 brasileiros foram trazidos de volta ao Brasil, segundo o governo —26.700 retornaram por via aérea. Trata-se da maior operação de repatriação da história do país, diz a pasta. “Milhares de brasileiros se viram retidos no exterior, impossibilitados de retornar ao Brasil, em decorrência das medidas de combate à propagação do novo coronavírus, como o fechamento de espaço aéreo, cancelamento de voos comerciais, proibição de deslocamento interno em outros países ou perda de alojamento”, afirma a pasta sobre os motivos das operações. Entre os repatriados estão o ex-técnico do Corinthians, Fábio Carille, Marcelo Grohe, ex-Grêmio, ambos estão hoje no Al-Ittihad, e outros profissionais do futebol que lideraram uma empreitada que trouxe brasileiros da Arábia Saudita. Além deles, o modelo e ator Paulo Zulu embarcou na Indonésia em voo de repatriação que trouxe de volta 368 brasileiros retidos no Sudeste Asiático.
PAINEL - *”Mais de 30 panfleteiros fizeram campanha para Ibaneis com dinheiro de laranjas, diz PF”*: Na investigação sobre esquema de laranjas envolvendo Ibaneis Rocha (MDB-DF), a Polícia Federal ouviu 46 prestadores de serviço de militância de rua que constavam nos gastos de campanha de duas candidatas do MDB antes de indiciar o governador por crime eleitoral. Trinta e uma pessoas que foram declaradas por Kadija de Almeida afirmaram que, na verdade, trabalharam para a campanha de Ibaneis de forma exclusiva. No caso dos 15 contratados pela Psicóloga Dolores Ferreira, a PF diz em relatório que a maioria também trabalhou apenas para o candidato. O governador nega irregularidades.
PAINEL - *”Líderes indígenas se irritam com Barroso após negativa de acesso a vídeo de reunião com Heleno”*: Causou perplexidade em lideranças dos povos indígenas a decisão do ministro do STF Luís Roberto Barroso de indeferir pedido que fizeram para ter acesso à gravação da reunião da sala de controle entre eles e o governo Bolsonaro na sexta-feira (17). Nesse encontro, determinado por Barroso para a discussão sobre o controle da pandemia nas comunidades, os indígenas dizem ter sido atacados pelo ministro-chefe do GSI, Augusto Heleno, e pelo secretário de Saúde Indígena, Robson Santos. Apesar de ter indeferido sem justificativa esse pedido, o ministro Barroso decidiu que um observador escolhido por ele acompanhará os novos encontros da sala de controle para evitar a repetição de problemas. "Como foi impossível a comunicação adequada entre os participantes, o melhor caminho será o de termos um novo começo, sem reavivar mal-entendidos que dificultem uma solução de compromisso e construtiva, que, de resto, é urgente", escreveu Barroso em sua decisão.
PAINEL - *”BNDES proíbe adesão de funcionários com processos no TCU a plano de aposentadoria”*
PAINEL - *”Bolsonaro envia ao Congresso acordo de troca de dados sigilosos com Emirados Árabes”*: Um acordo com os Emirados Árabes Unidos sobre troca e proteção mútua de informação classificada, assinado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em Abu Dhabi, em 2019, foi encaminhado para o Congresso na semana passada. O ato estabelece “equivalência dos níveis de classificação, medidas de proteção, regras de acesso e transmissão de informações classificadas, bem como providências relacionadas ao vazamento de dados sigilosos.” É o primeiro acordo desse tipo assinado no governo Bolsonaro. O Brasil tinha assinado antes com Suécia (2014), Espanha (2015), Israel (2010, emendado em 2018) e Luxemburgo (2018). “As partes não necessariamente determinam, antes da celebração do acordo, que tipo de informação classificada será intercambiada ao abrigo do instrumento. Uma vez em vigor, o acordo, dentro de seus parâmetros, poderá subsidiar a troca de qualquer tipo de informação classificada”, explica o Itamaraty. Na visita presidencial a Abu Dhabi, foram assinados oito atos: três internacionais e cinco interinstitucionais. A área militar foi um dos principais focos da visita do presidente Jair Bolsonaro ao país do Golfo Pérsico.
PAINEL - *”Projetos culturais na periferia ganham espaço em nova versão de lei de isenção fiscal da Prefeitura de SP”*
*”Ministro do STJ que analisará prisão de Queiroz negou 97% dos pedidos que alegaram riscos da Covid”* - Nos últimos dias de trabalho antes do recesso do Judiciário, o ministro Felix Fischer, relator do caso da "rachadinha" no STJ (Superior Tribunal de Justiça), negou 97% de habeas corpus a favor de presos que alegaram riscos em razão do coronavírus. Levantamento da Folha nas edições do Diário da Justiça da semana pré-recesso revelou que o ministro rejeitou 133 de 137 pedidos para que detentos pudessem deixar as cadeias e cumprir medidas alternativas durante a crise sanitária. Em agosto, com o retorno das férias, Fischer terá sob a mesa a decisão do presidente do STJ, ministro João Otávio Noronha, que beneficiou o PM aposentado Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ). No início do recesso, Noronha converteu a prisão preventiva de Queiroz em domiciliar, e estendeu o benefício à mulher do ex-policial, Márcia de Oliveira Aguiar, que estava foragida. A defesa de Queiroz usou em sua argumentação os riscos da Covid-19. Na última quinta-feira (23), o gabinete de Fischer despachou os autos do habeas corpus de Queiroz para manifestação do Ministério Público Federal. Foi um indicativo de que o caso poderá estar pronto para ir a julgamento de mérito tão logo a 5ª Turma da corte, um dos dois colegiados criminais do tribunal, retome as atividades. Embora o escândalo da "rachadinha" seja investigado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, a procuradoria federal atua nos processos que tramitam na corte. Colegas de STJ apontam Fischer como um dos mais rigorosos ministros na análise dos pedidos de prisão domiciliar ou liberdade para presos que acionam o tribunal em razão da pandemia. E não deve ser diferente com o caso de Queiroz, apostam. Ao rejeitar os pedidos dos presos, o ministro afirmou, entre outras razões, que a recomendação do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) para afrouxar a prisão de pessoas acusadas de crimes não violentos “não determina imediata soltura de presos, nem mesmo daqueles que apresentem comorbidades e idade que potencializem a infecção pelo Covid-19”. Fischer negou, por exemplo, a transferência para prisão domiciliar de uma mulher de 66 anos que é hipertensa, diabética e portadora de HIV, conforme mostrou o Painel.
O ministro concordou com a decisão da primeira instância de que a idosa, condenada por tráfico, recebia os cuidados necessários na prisão. “Tal medida, por si só, não resolve nem mitiga o problema, uma vez que o risco de contrair a doença não é inerente àqueles que fazem parte do sistema penitenciário”, afirmou ele, ao rejeitar um pedido de prisão domiciliar da Defensoria Pública de São Paulo para um homem acusado de organização criminosa e uso de documento falso. Na amostra de 137 habeas corpus ou recursos em habeas corpus pesquisados pela Folha, Fischer autorizou o relaxamento da prisão preventiva em quatro casos. Em um deles, de Rondônia, o ministro permitiu que um homem preso em flagrante por tráfico de drogas pudesse sair da cadeia e aguardar o julgamento em liberdade. A decisão, no entanto, teve mais relação com o processo que tramita em Rondônia do que com a Covid-19. Segundo o magistrado, as razões da prisão imposta ao acusado estavam em desacordo com a jurisprudência do STJ, segundo a qual “a gravidade abstrata do delito por si só não autoriza a decretação ou a manutenção da prisão cautelar”. Em duas outras situações, Fischer converteu prisão preventiva para o regime semiaberto. E em três casos determinou que Tribunais de Justiça reavaliassem as condições dos presos e dos estabelecimentos prisionais para a tomada de decisão. Noronha, que vem se aproximando do presidente Jair Bolsonaro, está a poucas semanas de encerrar seu mandato à frente do STJ e há um indicativo de que seguirá para a 5ª Turma, a mesma de Fischer.
Após o benefício concedido a Queiroz, Noronha negou um pedido de prisão domiciliar para presos enquadrados no grupo de risco do coronavírus. Para ele, a falta de informações individualizadas sobre o quadro de saúde dos detentos impede a concessão do benefício coletivo. O pedido foi apresentado pelo Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos, que buscava o benefício para pessoas presas por terem cometido crimes sem violência. Os autores argumentaram que as penitenciárias brasileiras enfrentam situação de calamidade, com risco de proliferação desenfreada do coronavírus entre a população carcerária. Afirmaram ainda que faltam ações mais efetivas por parte do poder público para proteger a saúde e a vida dos presos pertencentes ao grupo de risco. Noronha alegou que, apesar das orientações de recomendação do CNJ sobre a flexibilização das prisões em razão do coronavírus, é necessário demonstrar de maneira individualizada e concreta que o preso preenche alguns requisitos. Entre eles estão inequívoco enquadramento no grupo de vulneráveis da Covid-19; impossibilidade de receber tratamento no presídio; e exposição a mais risco de contaminação na unidade prisional do que no ambiente social. Noronha ponderou, no entanto, que a flexibilização da prisão não é automática. É necessário analisar a situação do preso e do estabelecimento prisional onde está recolhido.
CELSO ROCHA DE BARROS - *”Bolsonaro já precificou a sua morte, leitor, e conta que ainda dá para ganhar a eleição”*
*”Senado economiza R$ 4 milhões com viagens na pandemia, mas destino do dinheiro ainda é incerto”*
MÔNICA BERGAMO - *”Discurso de Bolsonaro não é ético e governo se baseia em 'economia que mata', diz carta assinada por 152 bispos brasileiros”*: Uma carta com duras críticas ao governo de Jair Bolsonaro foi assinada por 152 bispos, arcebispos e bispos eméritos do Brasil. Ela deveria ter sido publicado na quarta (22), mas foi suspensa para ser analisada pelo conselho permanente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). Há um temor entre signatários do documento de que o setor conservador do órgão impeça a divulgação. Hoje há no Brasil 310 bispos na ativa e 169 eméritos. O texto, chamado de "Carta ao Povo de Deus", afirma que o Brasil atravessa um dos momentos mais difíceis de sua história, vivendo uma "tempestade perfeita". Ela combinaria uma crise sem precedentes na saúde e um "avassalador colapso na economia" com a tensão sofre "fundamentos da República, provocada em grande medida pelo Presidente da República [Jair Bolsonaro] e outros setores da sociedade, resultando numa profunda crise política e de governança". " Analisando o cenário político, sem paixões, percebemos claramente a incapacidade e inabilidade do Governo Federal em enfrentar essas crises", diz o documento. "Assistimos, sistematicamente, a discursos anticientíficos, que tentam naturalizar ou normalizar o flagelo dos milhares de mortes pela COVID-19, tratando-o como fruto do acaso ou do castigo divino", segue a carta. Ela se refere também ao "caos socioeconômico que se avizinha, com o desemprego e a carestia que são projetados para os próximos meses, e os conchavos políticos que visam à manutenção do poder a qualquer preço". "Esse discurso não se baseia nos princípios éticos e morais, tampouco suporta ser confrontado com a Tradição e a Doutrina Social da Igreja, no seguimento àquele que veio `para que todos tenham vida e a tenham em abundância`”. Os religiosos fazem críticas também às reformas trabalhista e previdenciária. Segundo eles, ambas, "tidas como para melhorarem a vida dos mais pobres, mostraram-se como armadilhas que precarizaram ainda mais a vida do povo". Eles reconhecem que o país precisa de reformas, "mas não como as que foram feitas, cujos resultados pioraram a vida dos pobres, desprotegeram vulneráveis, liberaram o uso de agrotóxicos antes proibidos, afrouxaram o controle de desmatamentos e, por isso, não favoreceram o bem comum e a paz social. É insustentável uma economia que insiste no neoliberalismo, que privilegia o monopólio de pequenos grupos poderosos em detrimento da grande maioria da população". O documento afirma ainda que o "sistema do atual governo" não coloca no centro a pessoa humana e o bem de todos, "mas a defesa intransigente dos interesses de uma economia que mata, centrada no mercado e no lucro a qualquer preço".
Para eles, o ministro da Economia, Paulo Guedes, "desdenha dos pequenos empresarios" e o governo promove "uma brutal descontinuidade da destinação de recursos para as políticas públicas no campo da alimentação, educação, moradia e geração de renda". ​A carta diz ainda que "o desprezo pela educação, cultura, saúde e pela diplomacia" estarrece, sendo visível nas demonstrações de "raiva" pela educação pública e no "apelo a ideias obscurantistas". Cita também o que julga ser o uso da religião para "manipular sentimentos e crenças", provocando tensões entre igrejas."Ressalte-se o quanto é perniciosa toda associação entre religião e poder no Estado laico, especialmente a associação entre grupos religiosos fundamentalistas e a manutenção do poder autoritário", segue o documento. O texto é assinado, entre outros, pelo arcebispo emérito de São Paulo, dom Claudio Hummes, pelo bispo emérito de Blumenau, dom Angélico Sandalo Bernardino, pelo bispo de São Gabriel da Cachoeira (AM), dom Edson Taschetto Damian, pelo arcebispo de Belém (PA), dom Alberto Taveira Corrêa, pelo bispo prelado emérito do Xingu (PA), dom Erwin Krautler, pelo bispo auxiliar de Belo Horizonte (MG), dom Joaquim Giovani Mol, e pelo arcebispo de Manaus (AM) e ex-secretário-geral da CNBB dom Leonardi Ulrich. Os religiosos pedem a abertura de "um amplo diálogo nacional que envolva humanistas, os comprometidos com a democracia, movimentos sociais, homens e mulheres de boa vontade, para que seja restabelecido o respeito à Constituição Federal e ao Estado Democrático de Direito". Eles afirmam ainda que "todos, pessoas e instituições, seremos julgados pelas ações ou omissões neste momento tão grave e desafiador".
Leia, abaixo, a íntegra da "Carta ao Povo de Deus":
"Somos bispos da Igreja Católica, de várias regiões do Brasil, em profunda comunhão com o Papa Francisco e seu magistério e em comunhão plena com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, que no exercício de sua missão evangelizadora, sempre se coloca na defesa dos pequeninos, da justiça e da paz. Escrevemos esta Carta ao Povo de Deus, interpelados pela gravidade do momento em que vivemos, sensíveis ao Evangelho e à Doutrina Social da Igreja, como um serviço a todos os que desejam ver superada esta fase de tantas incertezas e tanto sofrimento do povo. Evangelizar é a missão própria da Igreja, herdada de Jesus. Ela tem consciência de que “evangelizar é tornar o Reino de Deus presente no mundo” (Alegria do Evangelho, 176). Temos clareza de que “a proposta do Evangelho não consiste só numa relação pessoal com Deus. A nossa reposta de amor não deveria ser entendida como uma mera soma de pequenos gestos pessoais a favor de alguns indivíduos necessitados [...], uma série de ações destinadas apenas a tranquilizar a própria consciência. A proposta é o Reino de Deus [...] (Lc 4,43 e Mt 6,33)” (Alegria do Evangelho, 180). Nasce daí a compreensão de que o Reino de Deus é dom, compromisso e meta. É neste horizonte que nos posicionamos frente à realidade atual do Brasil. Não temos interesses político-partidários, econômicos, ideológicos ou de qualquer outra natureza. Nosso único interesse é o Reino de Deus, presente em nossa história, na medida em que avançamos na construção de uma sociedade estruturalmente justa, fraterna e solidária, como uma civilização do amor. O Brasil atravessa um dos períodos mais difíceis de sua história, comparado a uma “tempestade perfeita” que, dolorosamente, precisa ser atravessada. A causa dessa tempestade é a combinação de uma crise de saúde sem precedentes, com um avassalador colapso da economia e com a tensão que se abate sobre os fundamentos da República, provocada em grande medida pelo Presidente da República e outros setores da sociedade, resultando numa profunda crise política e de governança.
Este cenário de perigosos impasses, que colocam nosso País à prova, exige de suas instituições, líderes e organizações civis muito mais diálogo do que discursos ideológicos fechados. Somos convocados a apresentar propostas e pactos objetivos, com vistas à superação dos grandes desafios, em favor da vida, principalmente dos segmentos mais vulneráveis e excluídos, nesta sociedade estruturalmente desigual, injusta e violenta. Essa realidade não comporta indiferença. É dever de quem se coloca na defesa da vida posicionar-se, claramente, em relação a esse cenário. As escolhas políticas que nos trouxeram até aqui e a narrativa que propõe a complacência frente aos desmandos do Governo Federal, não justificam a inércia e a omissão no combate às mazelas que se abateram sobre o povo brasileiro. Mazelas que se abatem também sobre a Casa Comum, ameaçada constantemente pela ação inescrupulosa de madeireiros, garimpeiros, mineradores, latifundiários e outros defensores de um desenvolvimento que despreza os direitos humanos e os da mãe terra. “Não podemos pretender ser saudáveis num mundo que está doente. As feridas causadas à nossa mãe terra sangram também a nós” (Papa Francisco, Carta ao Presidente da Colômbia por ocasião do Dia Mundial do Meio Ambiente, 05/06/2020). Todos, pessoas e instituições, seremos julgados pelas ações ou omissões neste momento tão grave e desafiador. Assistimos, sistematicamente, a discursos anticientíficos, que tentam naturalizar ou normalizar o flagelo dos milhares de mortes pela COVID-19, tratando-o como fruto do acaso ou do castigo divino, o caos socioeconômico que se avizinha, com o desemprego e a carestia que são projetados para os próximos meses, e os conchavos políticos que visam à manutenção do poder a qualquer preço. Esse discurso não se baseia nos princípios éticos e morais, tampouco suporta ser confrontado com a Tradição e a Doutrina Social da Igreja, no seguimento Àquele que veio “para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10). Analisando o cenário político, sem paixões, percebemos claramente a incapacidade e inabilidade do Governo Federal em enfrentar essas crises. As reformas trabalhista e previdenciária, tidas como para melhorarem a vida dos mais pobres, mostraram-se como armadilhas que precarizaram ainda mais a vida do povo. É verdade que o Brasil necessita de medidas e reformas sérias, mas não como as que foram feitas, cujos resultados pioraram a vida dos pobres, desprotegeram vulneráveis, liberaram o uso de agrotóxicos antes proibidos, afrouxaram o controle de desmatamentos e, por isso, não favoreceram o bem comum e a paz social. É insustentável uma economia que insiste no neoliberalismo, que privilegia o monopólio de pequenos grupos poderosos em detrimento da grande maioria da população.
O sistema do atual governo não coloca no centro a pessoa humana e o bem de todos, mas a defesa intransigente dos interesses de uma “economia que mata” (Alegria do Evangelho, 53), centrada no mercado e no lucro a qualquer preço. Convivemos, assim, com a incapacidade e a incompetência do Governo Federal, para coordenar suas ações, agravadas pelo fato de ele se colocar contra a ciência, contra estados e municípios, contra poderes da República; por se aproximar do totalitarismo e utilizar de expedientes condenáveis, como o apoio e o estímulo a atos contra a democracia, a flexibilização das leis de trânsito e do uso de armas de fogo pela população, e das leis do trânsito e o recurso à prática de suspeitas ações de comunicação, como as notícias falsas, que mobilizam uma massa de seguidores radicais. O desprezo pela educação, cultura, saúde e pela diplomacia também nos estarrece. Esse desprezo é visível nas demonstrações de raiva pela educação pública; no apelo a ideias obscurantistas; na escolha da educação como inimiga; nos sucessivos e grosseiros erros na escolha dos ministros da educação e do meio ambiente e do secretário da cultura; no desconhecimento e depreciação de processos pedagógicos e de importantes pensadores do Brasil; na repugnância pela consciência crítica e pela liberdade de pensamento e de imprensa; na desqualificação das relações diplomáticas com vários países; na indiferença pelo fato de o Brasil ocupar um dos primeiros lugares em número de infectados e mortos pela pandemia sem, sequer, ter um ministro titular no Ministério da Saúde; na desnecessária tensão com os outros entes da República na coordenação do enfrentamento da pandemia; na falta de sensibilidade para com os familiares dos mortos pelo novo coronavírus e pelos profissionais da saúde, que estão adoecendo nos esforços para salvar vidas. No plano econômico, o ministro da economia desdenha dos pequenos empresários, responsáveis pela maioria dos empregos no País, privilegiando apenas grandes grupos econômicos, concentradores de renda e os grupos financeiros que nada produzem. A recessão que nos assombra pode fazer o número de desempregados ultrapassar 20 milhões de brasileiros. Há uma brutal descontinuidade da destinação de recursos para as políticas públicas no campo da alimentação, educação, moradia e geração de renda.
Fechando os olhos aos apelos de entidades nacionais e internacionais, o Governo Federal demonstra omissão, apatia e rechaço pelos mais pobres e vulneráveis da sociedade, quais sejam: as comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas, as populações das periferias urbanas, dos cortiços e o povo que vive nas ruas, aos milhares, em todo o Brasil. Estes são os mais atingidos pela pandemia do novo coronavírus e, lamentavelmente, não vislumbram medida efetiva que os levem a ter esperança de superar as crises sanitária e econômica que lhes são impostas de forma cruel. O Presidente da República, há poucos dias, no Plano Emergencial para Enfrentamento à COVID-19, aprovado no legislativo federal, sob o argumento de não haver previsão orçamentária, dentre outros pontos, vetou o acesso a água potável, material de higiene, oferta de leitos hospitalares e de terapia intensiva, ventiladores e máquinas de oxigenação sanguínea, nos territórios indígenas, quilombolas e de comunidades tradicionais (Cf. Presidência da CNBB, Carta Aberta ao Congresso Nacional, 13/07/2020). Até a religião é utilizada para manipular sentimentos e crenças, provocar divisões, difundir o ódio, criar tensões entre igrejas e seus líderes. Ressalte-se o quanto é perniciosa toda associação entre religião e poder no Estado laico, especialmente a associação entre grupos religiosos fundamentalistas e a manutenção do poder autoritário. Como não ficarmos indignados diante do uso do nome de Deus e de sua Santa Palavra, misturados a falas e posturas preconceituosas, que incitam ao ódio, ao invés de pregar o amor, para legitimar práticas que não condizem com o Reino de Deus e sua justiça? O momento é de unidade no respeito à pluralidade! Por isso, propomos um amplo diálogo nacional que envolva humanistas, os comprometidos com a democracia, movimentos sociais, homens e mulheres de boa vontade, para que seja restabelecido o respeito à Constituição Federal e ao Estado Democrático de Direito, com ética na política, com transparência das informações e dos gastos públicos, com uma economia que vise ao bem comum, com justiça socioambiental, com “terra, teto e trabalho”, com alegria e proteção da família, com educação e saúde integrais e de qualidade para todos. Estamos comprometidos com o recente “Pacto pela vida e pelo Brasil”, da CNBB e entidades da sociedade civil brasileira, e em sintonia com o Papa Francisco, que convoca a humanidade para pensar um novo “Pacto Educativo Global” e a nova “Economia de Francisco e Clara”, bem como, unimo-nos aos movimentos eclesiais e populares que buscam novas e urgentes alternativas para o Brasil.
Neste tempo da pandemia que nos obriga ao distanciamento social e nos ensina um “novo normal”, estamos redescobrindo nossas casas e famílias como nossa Igreja doméstica, um espaço do encontro com Deus e com os irmãos e irmãs. É sobretudo nesse ambiente que deve brilhar a luz do Evangelho que nos faz compreender que este tempo não é para a indiferença, para egoísmos, para divisões nem para o esquecimento (cf. Papa Francisco, Mensagem Urbi et Orbi, 12/4/20).
Despertemo-nos, portanto, do sono que nos imobiliza e nos faz meros espectadores da realidade de milhares de mortes e da violência que nos assolam. Com o apóstolo São Paulo, alertamos que “a noite vai avançada e o dia se aproxima; rejeitemos as obras das trevas e vistamos a armadura da luz” (Rm 13,12).
O Senhor vos abençoe e vos guarde. Ele vos mostre a sua face e se compadeça de vós. O Senhor volte para vós o seu olhar e vos dê a sua paz! (Nm 6,24-26).
*”Exigir documento de usuário é desafio para projeto de lei das fake news”* - O projeto de lei sobre fake news aprovado no Senado e agora em discussão na Câmara permite que as plataformas solicitem documentos de identificação aos usuários em algumas situações, como em caso de desrespeito ao que está previsto na lei, quando há ordem judicial ou se há suspeita de que a conta seja inautêntica ou um robô não identificado. Mesmo não dizendo que o fornecimento de documentação é obrigatório, o projeto cria a definição de conta identificada, que seria "a conta cujo titular tenha sido plenamente identificado pelo provedor de aplicação, mediante confirmação dos dados por ele informados previamente”. Durante a tramitação no Senado, uma das versões apresentadas chegou a determinar a exigência do fornecimento de documento de identidade válido e número de celular para criação de uma conta em rede social ou em serviço de mensagem. Apesar de este ponto ter caído, após ser alvo de críticas, ele envolve uma questão que está longe de ser consenso: como identificar usuários que tenham cometido atos ilícitos nas redes. Entre os que defendem maior exigência de documentação por parte de plataformas há quem argumente que, ao mesmo tempo em que a Constituição Federal garante a liberdade de expressão, também veda o anonimato. E, por isso, manifestações anônimas na internet seriam ilegais. Parte dos especialistas ouvidos pela Folha sustenta, no entanto, que o anonimato na internet não existe de fato, pois o Marco Civil da Internet, que foi aprovado em 2014, já determina a serviços, como as redes sociais, o armazenamento dos chamados registros de acesso. Esses registros, que se referem à conexão do usuário, incluem IP da conexão, data, hora do acesso e podem ser solicitados por meio de ordem judicial. A partir desses dados, fornecidos pela plataforma, solicita-se então aos provedores de conexão os dados referentes àquele IP, que podem ser tanto uma operadora de celular quanto uma empresa de banda larga. E é aí que começa parte do dissenso entre os especialistas. Nem sempre os dados do IP são suficientes para identificar um usuário. Por exemplo, caso o usuário tenha usado uma conexão de uma rede wi-fi pública e sem login, o IP não alcançaria uma pessoa específica. Também no caso de um computador compartilhado, como em uma biblioteca, mesmo que se chegue à máquina responsável, também não necessariamente se determina a pessoa por trás da postagem. Outro exemplo são os IPs compartilhados, o que pode acontecer em um domicílio em que mais de um aparelho pode ser identificado com o mesmo IP pelo provedor.
A advogada Patricia Peck, especialista em direito digital, é favorável à exigência de identificação em casos de contas denunciadas. "Dizer que a gente consegue identificar a autoria e a identidade só pela conexão de internet não é o que tem sido realidade desde o Marco Civil da Internet, até pela falta de colaboração dos provedores de aplicação [plataformas]", disse. Críticos apontam que a denúncia de uma conta apenas é um requisito muito amplo. Isso poderia ocorrer, por exemplo, por disputas políticas e não necessariamente por algum motivo de atuação ilícita. Para Peck, o projeto de lei só não deveria chegar a definir a forma de identificação que seria exigida pela plataforma, sob o risco de se tornar obsoleto. "Hoje estamos falando de mostrar um número de documento, de número de IP, e amanhã nós evoluímos para que todo mundo se autentique na internet usando reconhecimento facial, ou por biometria." Já Francisco de Mesquita Laux, advogado especialista em direito e tecnologia, discorda, para ele os dados previstos no Marco Civil já são suficientes. Ele pontua que uma pessoa má intencionada na rede dificilmente vai apresentar um documento verdadeiro e, por isso, não faria sentido exigir mais documentos dos usuários. "O titular da conta [fornecido pelo provedor de conexão] é um dado que tem imparcialidade, porque ele não vem da pessoa, ele vem de um terceiro que tem o dever de guardar e registrar certas informações. O investigado, se ele tiver cometido um ilícito, a chance de ele apresentar um documento que não condiz com quem de fato praticou a comunicação é considerável", afirmou. Segundo Laux, mesmo em casos de uso de computadores ou redes públicas, a investigação não é impossível. Diversas partes do projeto acabam por se relacionar direta ou indiretamente à identificação dos usuários. O projeto determina, por exemplo, que contas inautênticas são vedadas. De acordo com o texto, uma conta inautêntica seria aquela "criada ou usada com o propósito de assumir ou simular identidade de terceiros para enganar o público". O texto abre exceção para os casos de uso de nome social, pseudônimo, "explícito ânimo humorístico" e paródia, mas não fica claro como isso ocorreria.
Além disso, para Francisco Venancio, membro fundador do Wiki Movimento Brasil, o projeto cria uma insegurança jurídica para plataformas colaborativas como a Wikipedia, pois, até que se tenha uma decisão judicial, não se sabe se ela seria ou não enquadrada no conceito de rede social do projeto. "A possibilidade da edição pseudônima acaba sendo importante para esse processo, porque permite que as pessoas editem sem medo de terem repercussão em suas vidas privadas", disse. A advogada e professora da Universidade de Brasília Ana Frazão considera fundamental analisar se as ferramentas apontadas pelo projeto de lei serão de fato efetivas para atender os objetivos a que ele se destina. "A exigência da identificação resolve por completo o problema da conta inautêntica? Não necessariamente, porque quantas e quantas manipulações de documentos e fraudes existem no Brasil, com base também em situações em que os documentos das pessoas são usados de forma indevida." Para Peck, não faz sentido a discussão de que se estaria invadindo privacidade das pessoas ao exigir documentos, porque as plataformas já estão guardando diversas informações sobre as pessoas. Frazão concorda que há uma assimetria informacional gigantesca entre os usuários e a plataformas, mas considera a questão delicada. "O número de informações que essas plataformas podem ter a nosso respeito é realmente muito alto, mas uma coisa é certa, ninguém tem como informar [o quanto elas já sabem]. E sempre que se exige um dado a mais, parte-se da premissa que isso pode estar expondo ainda mais essas pessoas." A professora diz ter muito mais dúvidas do que respostas sobre o projeto e, por isso, defende um debate com calma para que haja tempo de analisar não só as propostas, mas também as alternativas. Caso contrário, Frazão diz que "o remédio pode se transformar em um veneno".
+++ A reportagem poderia ter ouvido ativistas digitais que costumam debater o tema.
*”Artistas e professores criam bancada do livro para concorrer a vereador no Rio”* - Se existe a bancada da bala, a bancada da Bíblia e a bancada do boi, por que não criar uma bancada do livro? Assim pensaram oito artistas, professores, ativistas e produtores culturais que decidiram se juntar e concorrer a uma vaga na Câmara Municipal do Rio. Começou quando o prefeito carioca, Marcelo Crivella (Republicanos), mandou censurar os gibis “Vingadores - A Cruzada das Crianças”, expostos na Bienal do Livro do ano passado. O ato gerou o efeito contrário e fez viralizar o desenho dos dois rapazes se beijando. Também motivou o grupo, que é composto de profissionais de diversas áreas, a se reunir para debater o assunto que os fazia convergir: o livro. Se iniciaram então as rodas de conversa sobre a prática de ler e sobre a democratização da literatura. Até que alguns meses depois surgiu a ideia de transformar os debates em uma candidatura coletiva aos moldes da Bancada Ativista (PSOL), eleita para a Assembleia Legislativa paulista em 2018. Nessa lógica, apenas um membro é formalmente eleito, mas todos decidem em conjunto. “Quem é que se opõe ao livro?”, questiona o professor municipal Ygor Lioi, 30, um dos integrantes. “É uma pauta que não tem grande resistência. Os livros transformam os indivíduos, que transformam a sociedade. Eu só estou aqui falando com você porque tive professores e livros lá atrás que me transformaram.”
A “bússola” da bancada será o Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL), documento elaborado durante anos no primeiro mandato do governo Lula por vários setores da sociedade e publicado em 2006, determinando diretrizes básicas para a área. O principal objetivo será construir um Plano Municipal do Livro, Leitura e Bibliotecas na cidade, processo que chegou a ser iniciado em 2015, mas nunca foi concluído. Entre as pautas principais também está a democratização do acesso à leitura. “Estamos falando sobre uma coisa que não é privilégio, e sim direito. Temos um mercado editorial vivendo um clima de quebra, e por outro lado uma galera que não pode comprar. Como o poder público pode ajudar a equacionar isso?”, diz Lioi. O professor compara a um jogo no Maracanã: “O ingresso custa mais de R$ 50, se você levar a família já fica mais de R$ 250. Chegando lá você vai querer comer um cachorro-quente. No fim um terço do salário ficou lá dentro. Tem livro que é R$ 50, R$ 60”. Outro ponto é o fomento de práticas leitoras na primeira infância, a exemplo do projeto Coala criado na cidade de Barueri (SP) na década de 2000, que envolve várias secretarias e incentiva pais a lerem para o bebê desde a barriga até os cinco anos de idade. “Não adianta dar o livro, tenho que fomentar a vontade de ler, e isso se faz na primeira infância”, afirma. As pautas e o próprio coletivo ainda estão em construção, mas algumas das ideias que já se desenham giram em torno de montar um rede de bibliotecas comunitárias, ampliar os exemplares acessíveis e disponíveis para professores e incentivar escritores de primeira viagem por meio de editais, por exemplo.
Por enquanto, a construção vem sendo feita por grupos de WhatsApp, lives e reuniões virtuais com profissionais de referência na área e também quem está na ponta. “Não adianta escutarmos só quem está no topo, então criamos o Sala dos Professores, um debate quinzenal para dar visibilidade para professores da rede municipal”, diz Lioi. A rotina tem sido puxada. Às segundas, o coletivo faz as salas de debate com convidados. Mais tarde, reuniões fechadas para alinhavar quais serão os próximos assuntos. Às quartas, reuniões de coordenação da campanha. E às vezes aos sábados, mais reuniões para discussões. O próximo passo vai ser “tirar o CPF” de quem será o representante oficial do grupo nas urnas. Depois, as prévias do partido Cidadania em agosto. “Somos um movimento suprapartidário, mas hoje estamos no Cidadania, que nos recebeu de braços abertos”, diz. Eles chegaram ao partido por um dos integrantes, o psicólogo Eliseu Neto, 41, que é assessor legislativo da liderança do Cidadania no Senado e é conhecido pela atuação nas causas LGBTQI+. Diversidade é uma preocupação: metade do coletivo é formado por negros e metade, por mulheres. Questionado se já pensam em projetos maiores, como chegar ao Legislativo estadual do Rio, Lioi responde que estão dando um passo de cada vez. Mas eles querem que a ideia se multiplique e que outros estados se sintam motivados a criar suas próprias bancadas do livro. Quanto aos recursos, “essa vai ser uma campanha franciscana”, brinca ele. “Vai ser uma campanha das redes, contamos muito com a aderência das pessoas pela ideia. Se isso acontecer, podemos ter uma avalanche de livros passando pela cidade, como a viralização da internet”, sonha.
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*”Pressão por gastos põe em risco teto, dívida pública, inflação e juro baixo”* - Os gastos extraordinários e a necessidade de ampliar a rede de proteção social no pós-pandemia da Covid-19 podem tornar inevitável o aumento da carga tributária, mesmo que temporário, para evitar que a dívida pública saia do controle, demolindo o atual cenário de inflação e juros baixos no Brasil. Segundo especialistas, diante da pressão por novas despesas, o país deveria concentrar-se em duas frentes: 1) evitar que a dívida pública dispare novamente; e 2) respeitar o teto de gastos do setor público, mecanismo aprovado em 2016 que limita a despesa ao orçamento do ano anterior, corrigido pela inflação. Sem essas premissas, o temor é que o país perca a atual janela de oportunidade de juros e inflação baixos —e de enorme liquidez internacional— para recolocar as contas públicas em uma trajetória de equilíbrio. Neste ano, o endividamento bruto brasileiro dará um salto de 20 pontos percentuais, chegando a quase 96% em relação ao tamanho do PIB (Produto Interno Bruto). Mesmo se o teto de gastos puder ser cumprido, a dívida pública encostará em 100% do PIB nos próximos anos, deixando para trás a expectativa de queda que havia até o início da pandemia. Praticamente todas as economias terminarão 2020 mais endividadas, entre 15 e 25 pontos, elevando a chamada relação dívida/PIB —o principal indicador de solvência de um país. O Brasil tem, disparado, o maior endividamento entre os emergentes, assim como uma das maiores cargas tributárias, equivalente a 33% do PIB. Mas também é um dos poucos países em desenvolvimento com sistemas universais de saúde e educação, que justificariam uma dose maior de tributos. Nos Estados Unidos e em alguns países europeus, a relação entre dívida e PIB já supera 100%. Mas como eles são países de renda elevada e têm moedas (dólar e euro) consideradas reserva de valor, conseguem financiar o endividamento sem maiores dificuldades. O Tesouro dos EUA, por exemplo, emite títulos com prazo de vencimento de dez anos para financiar a dívida federal pagando juros entre 0,5% e 0,7% ao ano. Na Europa, a taxa na Alemanha e na França chega a ser negativa: em troca de segurança, investidores perdem dinheiro aplicando nesses papéis.
No Brasil, no entanto, o Tesouro é obrigado a pagar juros de até 7,2% ao ano para convencer investidores a financiarem o governo —e a pressão por juros maiores tende a crescer quanto mais endividado estiver o setor público. “É óbvio que uma relação dívida PIB de 96% é ruim. Mas trata-se de uma situação excepcional em todo o mundo. O principal neste momento é garantir que a dívida não sairá do controle, e para isso o teto de gastos é fundamental no sentido de ancorar as expectativas”, afirma o economista da PUC-Rio José Márcio Camargo. Essa “ancoragem” de expectativas seria responsável, por exemplo, por manter a taxa de juro básica no Brasil em seu menor patamar (apesar da dívida em alta) e o chamado risco-país em um nível também historicamente baixo. Mas o dólar acima de R$ 5 diante de reservas cambiais confortáveis (de US$ 340 bilhões) seria um sinal de que muitos investidores desconfiam da capacidade de o Brasil pagar sua dívida, e estão se protegendo em moeda forte. Para o economista Samuel Pessôa, da FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas) e colunista da Folha, o Brasil terá um “vento de cauda” favorável por um período ainda longo à frente advindo das taxas de juro internacionais muito baixas e da enorme liquidez que os bancos centrais vêm injetando no mercado global. Isso, mais a elevada ociosidade na economia brasileira, com folga para produzir em vários setores, proporcionaria tempo ao país para adotar medidas que freassem a trajetória de crescimento da dívida. “Numa situação emergencial, um aumento da carga tributária, mesmo que temporário, talvez seja adequado”, diz Pessôa. Uma alternativa, segundo ele, seria criar um imposto transitório sobre a gasolina enquanto o país se reorganiza no pós-pandemia e retoma a agenda de reformas —sobretudo para limitar o aumento de gastos com o funcionalismo, a segunda maior despesa depois da Previdência. “Toda a ideia do teto de gastos é incompatível com o modo como tratamos a questão do funcionalismo, assim como foi com o sistema previdenciário até antes da reforma”, diz. Para o economista Manoel Pires, da FGV Ibre, um aumento da carga tributária pode ser imprescindível para reverter a trajetória da dívida. “Se já achava complicado manter o ajuste fiscal antes da pandemia, isso tornou-se mais difícil agora.” Estimativas do Ministério da Economia indicam um déficit primário (sem contar a rolagem da dívida) superior a R$ 800 bilhões neste ano. Os gastos extras, mais a recessão em curso, é que elevarão o endividamento em 20 pontos, para cerca de 96% do PIB. Outra maneira de diminuir a relação ente dívida e PIB é aumentar o tamanho da economia, que serve de denominador para o cálculo. Se o PIB cresce mais do que a dívida, a relação cai.
O problema, segundo Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, é que o Brasil já vinha crescendo muito pouco, ao redor de 1% ao ano, apesar de uma série de reformas aprovadas durante o governo Michel Temer. Vale considera o teto de gastos “mal desenhado”, pois não levaria em conta os altos e baixos típicos de economias emergentes. Mesmo assim, acha que se o Brasil desrespeitá-lo agora, em meio ao aumento do endividamento, arruinará as expectativas macroeconômicas. “Isso é coisa para ser feita por um novo governo, em um momento de estabilização, não de crise.” Segundo o economista Bráulio Borges, da FGV Ibre, uma das vantagens do perfil atual da dívida pública é que a maior parte dela é corrigida por taxas de juro pós-fixadas e pela inflação. Em um cenário de juros e evolução de preços historicamente baixos como o de agora, o aumento do endividamento tende a ter efeito limitado —a não ser que haja uma mudança repentina das expectativas em relação à sustentabilidade das contas públicas. Alguns economistas argumentam que dificilmente a inflação subiria diante de um quadro de forte desaquecimento e elevado desemprego, como o que o país está vivendo. Pois a economia em queda limitaria muito o espaço para aumentar preços. Mas a história recente mostra que essa visão tem problemas. Em 2015, no governo Dilma Rousseff, a economia encolheu 3,5% e, mesmo assim, a inflação disparou, fechando o ano em 10,7%, muito acima do teto da então meta do Banco Central, de 6,5%. Naquele momento, a inflação elevada e a desconfiança em relação à solvência do Brasil obrigaram o Banco Central a manter a taxa básica de juros paga nos títulos que o Tesouro vende no mercado em 14,25% ao ano durante quase todo 2016 —o que significou mais endividamento ainda, já que a dívida foi corrigida por um juro maior. Ao longo dos 11 trimestres recessivos entre 2014 e 2016, a relação entre dívida e PIB deu um salto: passou de 56,3% para 69,8%, numa combinação de encolhimento da economia e juros elevados. O temor agora é que se a desconfiança sobre o controle da dívida aumentar, como ocorreu em 2015, a inflação volte a subir, assim como a necessidade de elevar os juros. Como a maior parte da dívida pública está indexada à inflação e a títulos pós-fixados, que poderiam voltar a subir, o endividamento ficaria descontrolado outra vez.
Para o economista Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper e colunista da Folha, o risco agora é que há interesses muito fragmentados de grupos políticos e econômicos em busca de auxílios e aumentos de gastos, que podem vir a comprometer o controle da dívida e da inflação no pós-pandemia. “No Legislativo, vemos uma pressão desorganizada por novos gastos, mas sem foco no desenho de políticas. No Executivo, há muita descoordenação e iniciativas, como na ala militar, por mais despesas e investimentos sem as receitas correspondentes.” Um ponto a favor, segundo Mendes, é que a arrecadação tributária parece estar voltando com mais força do que o inicialmente previsto. Mas isso não garantiria a sustentabilidade das contas públicas no médio prazo se os gastos crescerem muito mais. “O ideal seria aprovarmos pelo menos duas ou três reformas, mesmo que modestas, para dar uma sinalização positiva. Mas não vejo esse governo como reformista, pelo contrário”, afirma. No mínimo, o que os economistas sugerem é segurar as despesas com o funcionalismo público, limitando contratações e bloqueando aumentos salariais, tentar privatizar alguns ativos, simplificar o sistema tributário e rever uma série de créditos subsidiados e incentivos a determinados grupos.
+++ Os economistas ouvidos pela Folha pensam de forma semelhante e suas falas se complementam. O jornal ignora os estudiosos que pensam diferente e estabelece um regime de verdade, como se apenas as ideias presentes no texto existissem. É um desserviço à informação. Esse desserviço é permanente e vem sendo praticado há décadas por diferentes veículos de comunicação. Não surpreende que seja grande a parcela da sociedade brasileira que vê a realidade de forma distorcida.
*”Há espaço para uma reforma tributária ampla, dizem especialistas”* - Especialistas em tributação veem um ambiente favorável para uma reforma ampla dos impostos sobre consumo no país, mesmo diante da crise econômica gerada pela pandemia e da proposta reduzida de reforma apresentada pelo governo na última semana. Segundo tributaristas, há um consenso entre estados e crescente apoio entre municípios pequenos e médios para uma unificação dos impostos em um único IVA (Imposto sobre Valor Agregado), modelo que já é adotado hoje por 168 países. Eurico de Santi, professor da FGV Direito de São Paulo e diretor do CCiF (Centro de Cidadania Fiscal), cita ao menos quatro motivos que explicam, na sua visão, esse ambiente favorável. O primeiro deles, diz Santi, é o espólio da guerra fiscal que envolveu os estados nos últimos 50 anos. Com a concessão de benefícios para atrair indústrias dos mais diversos setores, os estados acabaram corroendo sua própria base de arrecadação de ICMS, impostos que travou negociações de reformas anteriores. Um segundo fator, segundo o tributarista, é a crescente desmaterialização da economia, que aumentou a base de tributação dos municípios, responsáveis pela arrecadação do ISS (Imposto Sobre Serviços), reduzindo a base das unidades da federação. Diante desses dois pontos, a proposta de criação de um IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) como contida na PEC 45 da Câmara –idealizada pelo CCiF– aumenta a base tributária dos estados, que passam também a tributar serviços. Já para os municípios, a base de arrecadação igualmente cresceria, pois eles passam a tributar também mercadorias.
Os municípios de grandes capitais resistem ao modelo, por temerem perder receitas com a tributação sobre serviços nessa economia digitalizada, ressalva o tributarista. Ele destaca, porém, como um quarto ponto, que estados do Norte e Nordeste também se beneficiariam do modelo de tributação no destino contido na proposta de reforma da Câmara, pois produtos produzidos no Sul e Sudeste e consumidos nas demais regiões seriam tributados na ponta do consumo. “Isso cria uma brutal desconcentração da arrecadação para os estados consumidores e não industrializados e nem prestadores de serviço”, diz Santi, reconhecendo, porém, que esses estados perdem instrumentos de incentivo fiscais para atração de investimentos. Para Eduardo Fleury, sócio do FCR Law – Fleury, Coimbra & Rhomberg Advogados, a crise e a proposta do governo, podem ironicamente se converter em fatores favoráveis à uma reforma ampla dos impostos sobre consumo no país. “As grandes reformas tributárias que foram feitas em outros países foram feitas em época de crise e de guerra. Quando as pessoas sentem que podem perder muito, aceitam modificações que representam perdas muito pequenas para elas”, diz Fleury. Já a proposta do governo, que prevê apenas a unificação da PIS e da Cofins —impostos de âmbito federal— sob uma alíquota única de 12%, pode fortalecer o apoio às propostas de reforma em tramitação na Câmara e no Senado, na avaliação do tributarista. A proposta da Câmara prevê a unificações de cinco tributos (IPI, PIS, Cofins, ICMS, ISS), hoje cobrados por governo federal, estados e municípios, em um IBS com alíquota em torno de 25%. Já a proposta do Senado pretende unificar nove tributos (IPI, IOF, PIS, Pasep, Cofins, CIDE-Combustíveis, Salário-Educação, ICMS, ISS)
“Quando você reúne todos os impostos, há setores que acabam ganhando ou ficando na mesma situação. Quando se unifica apenas PIS e Cofins com uma alíquota muito alta, há setores que se sentem mais prejudicados, como o de telecomunicações”, exemplifica Fleury. Já os governos dos estados temem perder espaço na arrecadação do ICMS se a tributação de PIS e Cofins for elevada dos atuais 3,65% para 12%, e por isso também têm preferência pela discussão unificada, como uma forma de garantirem sua parcela da arrecadação. Apesar do otimismo de parcela dos tributaristas, há quem veja a piora no ambiente econômico como um empecilho para discussões de reformas de um modo geral, o que tende comprometer um avanço mais rápido de uma reforma tributária ampla. “Tem menos ambiente agora para a aprovação de uma reforma do que antes”, avalia Marcus Vinicius Gonçalves, sócio-líder de Tributos da KPMG no Brasil. “No ano passado, teve um movimento muito forte, tanto do ponto de vista da iniciativa privada, quanto político, de um consenso quanto à necessidade da reforma. Ali era o momento ideal”, afirma. Gonçalves avalia que a pandemia também prejudica a discussão. “A pandemia atrapalha porque vamos passar ainda por um período de ajuste das empresas e do governo”, afirma. ​
*”Guedes e governadores negociam fonte de recursos para fundos que ampliam reforma tributária”* - Em busca de um acordo para viabilizar uma reforma tributária ampla, o Ministério da Economia e governadores discutem a criação de dois fundos com recursos para incentivar que os estados aceitem alterar as regras do ICMS, principal fonte de receita tributária desses entes. No entanto, ainda há discordâncias sobre como os fundos serão abastecidos. O governo federal defende o uso de recursos de royalties de petróleo. Os estados, porém, não querem ficar reféns da volatilidade do setor de petróleo, que já se mostrou problemática quando há retração da economia. Numa reforma tributária ampla, PIS, Cofins, IPI, ICMS (estadual) e ISS (municipal) seriam unificados em um único tributo, a ser repartido entre União, estados e municípios. Cada um com uma parte da alíquota a ser definida. Secretários de Fazenda estaduais defendem que, para irrigar os fundos, a União separe uma parte da receita que recolher com esse novo tributo. Os dois lados da mesa de negociação devem se reunir até o fim do mês para discutir novamente o modelo de financiamento do fundo de desenvolvimento regional (recursos para investimento e acabar com guerra do ICMS) e do fundo de compensação das exportações.
O ministro Paulo Guedes (Economia) apresentou na terça-feira (21) ao Congresso um projeto para unificar PIS e Cofins (ambos da União) em uma espécie de IVA (imposto sobre valor agregado) federal. “Nós estamos em conversa com o governo para uma reforma abrangente, com todos os impostos sobre o consumo. Mas ainda estamos ajustando alguns pontos, como o funding dos fundos”, disse o presidente do Comsefaz (Comitê Nacional de Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal), Rafael Fonteles. Ao entregar a primeira fase da reforma tributária do governo ao Congresso, Guedes disse que a proposta do Executivo não incluiu estados e municípios por respeito aos governos regionais. que devem ter autonomia para escolher uma posição em relação à revisão de seus tributos. Ele afirmou que a proposta do governo pode ser acoplada a um plano mais amplo e estimulou que o Congresso promova esse debate. Nos bastidores, no entanto, integrantes do Ministério da Economia demonstram dúvidas sobre a possibilidade de uma reforma ampla que envolva estados e municípios ainda neste ano. Auxiliares de Guedes afirmam que fazer essa ampliação agora seria dar um passo em ambiente de incerteza porque há divergências entre prefeitos e governadores. Técnicos avaliam ainda que as eleições municipais deste ano podem dificultar as negociações. Prefeitos de grandes cidades, acima de 100 mil habitantes principalmente, atuam para que o Congresso não inclua a discussão sobre impostos municipais na reforma tributária.
Ao detalhar a proposta de reforma do Ministério da Economia, o secretário da Receita Federal, José Tostes Neto, listou alguns pontos que estão em negociação com os secretários de Fazenda estaduais. O formato dos fundos é um deles. Os estados também querem maior peso no comitê gestor do IVA nacional (amplo), a ser criado se a reforma tributária foi abrangente. A ideia defendida pelo Comsefaz é que, para respeitar a autonomia dos estados, cada ente possa definir as próprias alíquotas, mas haveria uma faixa —com piso e teto a serem cumpridos. Por exemplo, se um estado está em crise fiscal e quiser elevar sua parcela correspondente do IVA, poderia adotar essa medida para arrecadar mais e solucionar o problema de caixa, explicou Fonteles. Contudo, o governador não poderia extrapolar a alíquota máxima a ser definida pelo comitê —nem reduzir abaixo do piso. Para atrair investimentos, governadores deram descontos no ICMS para algumas empresas, o que gerou uma guerra fiscal entre estados. O projeto discutido no Comsefaz impede que descontos na tributação sejam concedidos para setores específicos. Portanto, o governador que optasse por reduzir a alíquota ao piso teria de fazer isso para todas as empresas. Outra questão levantada nas negociações com o governo é a transição —período para que o imposto único entre em vigor. “Na visão dos estados, se defende uma transição mais prolongada, de cinco a até dez anos. E nossa posição é de uma transição quase que imediata [unificação PIS e Cofins em seis meses]. Esse é outro tema”, disse Tostes.
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PAINEL S.A. - *”Retorno de ambulantes incomoda lojistas da 25 de Março”*: Lojistas da região da 25 de Março estão incomodados com as aglomerações causadas pelos camelôs irregulares, que voltaram à ativa com a reabertura comercial. “Não acho justo o governo ter segurado tanto para abrir e o espaço público agora estar desorganizado”, diz Claudia Urias, diretora da Univinco, união dos lojistas do local. O receio dos comerciantes é econômico e sanitário, segundo ela, já que a reunião de pessoas sem máscara nas calçadas prejudica a entrada de consumidores e aumenta a necessidade da fiscalização pelo lojista. Hoje, a prefeitura permite 40% da capacidade nas lojas. A região recebia até 400 mil pessoas por dia antes da pandemia. Em nota, a prefeitura de São Paulo diz que apreendeu 10.144 produtos irregulares de 1° a 24 de julho. Afirma, ainda, que o protocolo com entidades de ambulantes prevê às associações a responsabilidade de acompanhar as providências dos representados e comunicar ao município eventuais problemas.
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*”Economia vive dança das cadeiras após duas baixas”* - Em apenas três dias, veio a público que o ministro Paulo Guedes (Economia) sofreu duas baixas na equipe, o que vai propiciar uma nova dança das cadeiras nessa área do governo. Na sexta-feira (24), o BB (Banco do Brasil) comunicou oficialmente a saída do presidente Rubem Novaes. Neste domingo (26), soube-se que também deixará o ministério da Economia o diretor de programas, Caio Megale. A informação foi antecipada pela coluna Painel. A principal missão de Guedes é definir o substituto de Novaes na presidência do BB. Fontes ligadas ao Ministério contam que Guedes avalia o que chama de solução externa e pode surgir uma indicação de um nome do mercado. Porém, interlocutores, tanto da pasta quanto do banco, contam que existem boas opções no próprio BB. Carlos Hamilton Vasconcelos Araújo, vice-presidente de Gestão Financeira e Relação com Investidores, por exemplo, é uma indicação acalentada pelo próprio Novaes. Walter Malieni Junior, vice-presidente de Negócios de Atacado, é um nome que tem apoio de boa parte da alta cúpula do BB. Outra opção é Helio Magalhães, presidente do conselho de administração do banco, um executivo próximo ao secretário de desestatização Salim Mattar. Mauro Ribeiro Neto, vice-presidente Corporativo, também está na lista. A indicação caseira –escolha de um nome da instituição– atenderia algumas correntes internas que tinham certo descontentamento com a gestão de Novaes por ele não ser funcionário de carreira. Aos amigos, Novaes repetiu no final de semana a justificativa oficial para sua saída. Disse ser melhor “passar o bastão a alguém mais jovem neste mundo de tantas inovações”. No entanto, também deixou claro que não havia se adaptado ao que chamou de “ambiente poluído de Brasília”. Em mensagem, disse que estava se livrando da “cultura planaltina”, de uma “política apodrecida”, movida a “compadrios, privilégios, interesses escusos”, onde muitos “criam dificuldades para vender facilidades”. Segundo Novaes afirmou à Folha, ele continuará contribuindo com o governo “junto ao ministro e amigo”. “Temos os mesmos ideais”, disse. Embora tenha avisado sua intenção de deixar o cargo há um mês ao ministro, o anúncio de renúncia pegou o restante da equipe econômica e funcionários do banco de surpresa. Guedes havia comentado recentemente que Novaes, que tem 74 anos, estava “cansado”, mas assessores não esperavam que o pedido de demissão se concretizasse tão rápido.
A saída de Caio Megale, por sua vez, pode acabar abrindo uma nova porta para Noves. Guedes, contam fontes, quer escalar Novaes como assessor especial em atribuições que já foram de Megale, como acompanhar as reuniões com empresários no Rio e São Paulo. Essa alternativa deixaria Novaes perto do governo, mas longe de Brasília. À Folha, Caio Megale disse que a decisão de deixar o governo já vinha sendo amadurecida há algum tempo, mesmo antes da saída do ex-secretário do Tesouro. Lembrou que antes de ir para o governo federal foi secretário municipal da Fazenda de João Doria, em São Paulo, e que completou um ciclo no poder público. Entende que há necessidade de renovação no ministério para o pós-pandemia, quando a pressão para aumento de gastos públicos será intensa.
Megale chegou a ser cotado para substituir Mansueto Almeida como titular do Tesouro Nacional. Mansueto deixou o cargo em 15 de julho. No entanto, Bruno Funchal ficou com a vaga. Segundo fontes próximas ao ministério, a opção por outro nome para o Tesouro teria propiciado a saída de Megale. “São quase quatro anos no setor público, entendo que é hora de voltar para casa, retomar minha carreira no setor privado. Minha família, que está em São Paulo, vinha pedindo também. A escolha do [atual secretário do Tesouro Nacional Bruno] Funchal foi excelente, ele vinha sendo preparado para isso faz tempo”, afirma Megale. Segundo Megale, foi “uma decisão difícil” sair do ministério. “Gosto do ministério e admiro a liderança do ministro Paulo Guedes. Mas, do ponto de vista pessoal, era a decisão a ser tomada.” O ano tem sido de mudanças na equipe da Economia. Em abril, Marcos Troyo foi escalado para assumir a presidência do banco dos Brics (sigla que reúne os principais países emergentes, Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). No seu lugar na Secretaria Especial de Comércio Exterior entrou Roberto Fendt, um legítimo Chicago boy, nas palavras do ministro. No final do ano, a equipe também tinha incorporado, como assessores especiais de Guedes, Vanessa Canado, especialista em tributação, para assumir o projeto de reforma tributária do governo, e Aloísio Araújo , que também acompanha reformas e outros projetos do governo. Enquanto avalia substitutos, Guedes atua também para viabilizar a primeira etapa da reforma tributária, entregue ao Congresso na última terça-feira-feira (21). Segundo a deputada federal Carla Zambelli (PSL) as saídas não foram surpresa para o governo. “Não são necessariamente baixas. Qualquer mudança que vier na economia está sendo feita pelo presidente com o aval do Paulo Guedes."
*”Magazine Luiza lança sistema que devolve dinheiro ao cliente”* - A Magazine Luiza começa a oferecer cashback (ou dinheiro de volta) em parte das compras feitas via aplicativo. O objetivo é alavancar o uso da carteira, uma nova frente de expansão do setor. Hoje o aplicativo da rede está em 20 milhões de celulares e, segundo Eduardo Galanternick, diretor-executivo de e-commerce, o objetivo é acelerar a conversão desses usuários em titulares de contas digitais da Magalu. A adesão precisa ser voluntária. Para isso, o dinheiro de volta será creditado na conta digital dentro do aplicativo. O consumidor tem 19 dias para pedir o dinheiro, caso não tenha a conta no momento da compra. Galanternick não quis dizer o quanto espera acelerar essa conversão, mas a varejista recorreu a ofertas tão chamativas quanto comprar um celular de R$ 5.199 e receber R$ 1.000 de volta. O valor pode ser usado em novas compras e pagamento de boletos ou transferência a outras contas da Magalu. A varejista trabalha para permitir, no futuro, saque nas lojas. Contrariando a prática do mercado em cashback, não há um percentual predeterminado que volta ao bolso do cliente e nem todos os produtos dão direito à recompensa. O cashback tem aparecido na maioria dos aplicativos e carteiras digitais em um esforço de incentivar a adoção dos clientes. É o caso da AME (Lojas Americanas) e da Mercado Pago (Mercado Livre). Segundo dados da consultoria alemã Roland Berger, Mercado Pago tem cerca de 8 milhões de contas, AME, ao redor de 7 milhões e a BanQi, da Via Varejo, 1 milhão.
O diretor da Magazine afirma que o objetivo, ao oferecer a conta digital, é simplificar a vida dos clientes. “Quanto mais funcionalidade a gente der dentro do nosso aplicativo, mais relevante vai ser tornar o Magalu na vida desse consumidor”, disse. Reportagem recente da Folha mostrou o processo financeirização das rede de varejo. A tendência é que isso se acelere com o Pix, o sistema de pagamentos instantâneos do Banco Central. A avaliação de especialistas é que contas mais simples, como as digitais de varejistas, serão capazes de atender a maior parte das necessidades financeiras dos clientes.
MARCIA DESSEN - *”Dinheiro com propósito”*
*”Pequeno investidor ajuda a explicar súbito sobe e desce do dólar”*
*”Novo Fundeb vai tirar 46% das cidades de condição de subfinanciamento”* - O novo Fundeb vai possibilitar uma expansão de recursos para a educação que tira ao menos 46% dos municípios brasileiros da condição de subfinanciamento. O esforço fiscal não será trivial. O novo modelo exigirá da União mais do que o dobro de dinheiro hoje destinado pelo fundo ao financiamento da educação básica. A PEC (proposta de emenda à Constituição) que torna o fundo permanente foi aprovada na Câmara na terça-feira (21). O texto ainda precisa passar pelo Senado. O gasto por aluno no Brasil não chega à metade da média de países desenvolvidos, e isso será impactado. Porém, há discussões sobre a pertinência de se elevar esses gastos. Há especialistas que dizem que o país elevou recursos nas últimas décadas e não alcançou resultados a contento. Destacam ainda experiências exitosas com os orçamentos atuais, mesmo em cidade pobres. Isso reforçaria o argumento de que o problema é de gestão. O desafio do Brasil é a desigualdade. Desestruturadas, as escolas têm jornadas de aulas reduzidas e falta de professores. Há ainda mais de 7 milhões de crianças e jovens fora dos colégios. Principal mecanismo de financiamento à educação básica, o Fundeb reúne parcela de impostos de estados e municípios e uma complementação da União para atender estados e respectivos municípios que não atingem um valor mínimo por aluno a cada ano. As verbas são redistribuídas com base no número de estudantes e modalidade. Matrículas em creche e ensino integral têm valores maiores, por exemplo. A complementação da União representa hoje 10% —R$ 16 bilhões. Com o novo texto, subirá a 23% até 2026 —nas condições atuais, o percentual resultaria em R$ 38 bilhões. Parte dos recursos novos será distribuída com base na realidade dos municípios. Isso atinge cidades pobres hoje não contempladas.
Estima-se que o novo texto deva levar mais dinheiro a 2.750 municípios, de 25 estados, atingindo 17 milhões de alunos. Só esse volume de estudantes representa mais de três vezes a população da Finlândia e quase equivalente à do Chile, de 18,9 milhões. No Brasil, nem 15% dos alunos brasileiros têm ao menos 7 horas de aulas diárias, jornada que praticamente é regra em países com bons resultados. A média no Brasil é de 4,5 horas. Quatro em cada dez escolas de ensino fundamental não têm biblioteca. E 12% não têm banheiro no prédio. A média salarial do professor não chega à metade dos países da OCDE (grupo de países ricos). Até no cenário da América Latina a situação do Brasil é desfavorável. Com baixos salários, a carreira docente atrai, em geral, os piores alunos da educação básica. Um estudo do Movimento Todos Pela Educação calculou a correlação entre investimento por aluno e desempenho no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) nos anos iniciais do ensino fundamental (1º ao 5º ano). Redes com um orçamento por aluno de até R$ 4.300 em valores de 2015 (equivalente a R$ 5.400 atualizados pela inflação) não têm condições de atingir resultados satisfatórios de aprendizagem. Os dados mostram que 46% das redes municipais do país estão abaixo desse patamar. A análise leva em conta apenas as redes entre os 30% melhores Ideb, o que exclui prefeituras com falhas de gestão. A análise também pondera os efeitos do nível socioeconômico dos alunos, estatisticamente influente para o sucesso escolar. ​A expansão do Fundeb vai possibilitar uma alta de 55% no gasto mínimo por aluno no país, chegando a R$ 5.679,90.
Para ​Priscila Cruz, presidente do Todos pela Educação, o Fundeb é uma política redistributiva com alta eficiência alocativa. "A gente começa um novo capítulo com todos os municípios em um patamar de financiamento em que é possível ter resultados, uma política educacional", diz. Segundo ela, não é coincidência que os resultados educacionais dos anos iniciais do ensino fundamental tenham tido avanços no Ideb em paralelo ao funcionamento do Fundeb, criado em 2007. A versão atual expira neste ano, daí a necessidade de renovação. Segundo Daniel Cara, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, não é possível exigir resultados sem melhorias no padrão de escolas, de salários e carreira docente, número adequado de alunos por sala e insumos mínimos. "Esse conjunto de elementos tem de ser investido em nome de projeto pedagógico, sem isso não se consegue ter escala, porque o Brasil tem ilhas de excelência", afirma. O Fundeb representa hoje R$ 4 de cada R$ 10 investidos na educação básica no país. Ele tem enorme importância para as redes, mas sozinho não é suficiente para a manutenção do sistema educacional público, que reúne 39 milhões de matrículas (81% dos estudantes do Brasil). A complementação da União tem o objetivo de equalizar o esforço entre os entes. Atualmente, 80% dos recursos da educação básica saem dos cofres de estados e municípios. Há especialistas, porém, que dizem que o problema não é dinheiro. É gestão.
O economista Marcos Mendes, professor do Insper, ressalta que o Brasil foi um dos países que mais investiram em educação nas últimas décadas, com percentuais do PIB (Produto Interno Bruto) similar a de países ricos. Contudo, segundo ele, não houve melhorias de resultados e priorização de gastos. "Onde houve preocupação com qualidade, com currículo estruturado, condições de trabalho para o diretor de escola, organização de tamanhos das turmas, seleção de diretor, a coisa foi para frente. Há municípios com baixa receita com desempenho melhor do que aqueles que gastam muito", diz. "A decisão de gastar foi tomada, agora tem de correr atrás da receita. Porque foi esse tipo de atitude que nos colocou na situação crítica que gerou recessão iniciada em 2014", afirma Mendes, que é colunista da Folha. Estudo do economista Ricardo Paes de Barros, também professor do Insper, indica ineficiência do Brasil na relação entre gasto por aluno e desempenho em matemática no Pisa, a avaliação internacional feita com estudantes de 15 anos. Países com menores dispêndios, como Indonésia, México, Colômbia, Turquia e Chile, conseguem resultados melhores. Na análise de Barros, nenhum país é mais ineficiente que o Brasil. O Brasil fez esforços recentes de inclusão. Em 1985, por exemplo, 35% das crianças e jovens de 4 a 17 anos estavam fora da escola. O percentual caiu a 6% em 2016.
O percentual de investimento em educação no Brasil, em 1985, não chegava a 3% do PIB. Em 2018, foi de 5%, o que inclui também o ensino superior. O país, contudo, ainda tem mais de 6 milhões de crianças de até 3 anos fora da creche. Entre jovens de 15 a 17 anos, idade para o ensino médio, a exclusão atinge 676.509 pessoas. O professor Fernando Abrucio, da FGV (Fundação Getulio Vargas), diz que não há contradição entre aumentar gastos e melhorar gestão. Segundo ele, não colocar os desafios estruturais da área na conta é naturalizar a desigualdade no Brasil. "O gasto per capita é baixo, o que já justificaria o aumento, e o recurso também é mal distribuído. Então não pode só distribuir a miséria, tem de aumentar para distribuir melhor", diz. No Ceará, apontado como exemplo de eficiência porque municípios pobres conseguiram bons resultados com recursos limitados, o estado aprovou lei, em 2009, que alterou a distribuição do ICMS para municípios com base em resultados educacionais. A PEC do Fundeb também prevê a medida e dá aos estados prazo de dois anos para a criação da legislação. Em meio aos debates, Cara, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, diz que mudanças não serão sentidas de um ano para o outro. “Educação é maratona, não é corrida de cem metros.”
TABATA AMARAL - *”Vitória da educação e da democracia”*
*”Crianças têm atraso na fala e maior dependência dos pais durante pandemia”*
*”Ensaio fotográfico registra escolas fechadas em meio à pandemia”*
*”Com pandemia, total de leitos de internação no SUS volta a crescer após 10 anos”*
*”Brasil registra 556 novas mortes por Covid-19 e total chega a 87 mil”*
*”Entidades sindicais acusam Bolsonaro de crimes contra a humanidade em tribunal internacional”* - Um grupo de entidades sindicais brasileiras ingressou no domingo (26) com uma ação no Tribunal Penal Internacional, em Haia (Holanda), contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) por crime contra a humanidade. A Rede Sindical Brasileira Unisaúde, formada por entidades de saúde e que representa mais de um milhão de trabalhadores do setor, acusa o presidente de "falhas graves e mortais" no combate à pandemia do coronavírus. Segundo ela, desde o início da crise sanitária o governo brasileiro tem adotado postura negligente e irresponsável que contribuiu para que o país atingisse a marca de mais de 80 mil mortes pela nova doença. A Unisaúde​ é coordenada pela UNI Americas, um braço regional da UNI Global Union, federação sindical que representa mais de 20 milhões de trabalhadores do setor de serviços em cerca de 150 países. “O governo federal deveria ser considerado culpado por sua insensível atuação frente à pandemia e por se recusar a proteger os trabalhadores da saúde", afirmou o secretário regional da UNI Americas, Marcio Monzane. "Buscar a Corte Penal Internacional é uma medida drástica, mas os brasileiros enfrentam uma situação extremamente difícil", acrescentou.
Além da Unisaúde, responsável pela iniciativa, assinaram o pedido representantes da UGT (União Geral dos Trabalhadores), da CUT (Central Única dos Trabalhadores) e da Nova Central Sindical, além de movimentos sociais como o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra). A iniciativa se baseia no Estatuto de Roma, que define os crimes considerados internacionais, como o genocídio e a tortura. No documento, as entidades sindicais alegam que o presidente cometeu crimes contra a humanidade quando se recusou a tomar medidas que, segundo elas, visavam a proteção da população brasileira em meio à pandemia. Para os representantes dos trabalhadores, o presidente colocou em risco a saúde da população ao promover aglomerações sem o uso de máscara e ao fazer propaganda de medicamentos como a hidroxicloroquina. Segundo o maior estudo feito no país sobre a substância, ela não tem eficácia no tratamento da doença. "O Brasil está há mais de dois meses sem um titular na pasta da saúde, no meio da maior crise sanitária do último século, que já ceifou mais 80 mil vidas e deixou mais de 2 milhões de pessoas doentes", afirmou o grupo de entidades de saúde em um comunicado.
*”Em casa, idosos adotam novas atividades de lazer e abusam da tecnologia na pandemia”*
*”Desmatamento da Amazônia cresce 28% em um ano, diz nota de servidores do Ibama”*
*”Fogo no Pantanal gera emergência em MS e faz fumaça chegar à capital de MT”*
AMAZÔNIA SOB BOLSONARO - *”Esperança de regularização faz com que grileiros transformem castanhais em pasto no AM”*
MÔNICA BERGAMO - *”Defensoria de SP pede no STF liberdade para 3 mil idosos presos em SP”*
MÔNICA BERGAMO - *”Reforma de Guedes reforça protagonismo de proposta do MDB na Câmara”*: Ganha força entre lideranças da Câmara a ideia de que a proposta de reforma tributária entregue ao Congresso pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, seja complementar à reforma apresentada pelo deputado Baleia Rossi (MDB-SP), e não o oposto. O plano de Guedes é avaliado como tímido por não tratar de impostos municipais e estaduais nem de desburocratização dos tributos. “Esperava-se que, depois de um ano e meio, a proposta do governo fosse mais consistente, e não algo que praticamente não resolve o problema do país”, afirma o deputado Hildo Rocha (MDB-MA), presidente da Comissão Especial para a reforma.
MÔNICA BERGAMO - *”Média diária de mortes no Brasil aumentou 9% na pandemia, aponta levantamento”*
MÔNICA BERGAMO - *”Empresas de celulose se unem em campanha favorável ao uso do papel”*
MÔNICA BERGAMO - *”Turismo já certificou mais de 11 mil prestadores do setor por protocolos de prevenção da Covid-19”*
MÔNICA BERGAMO - *”Artistas de Pernambuco pedem apoio à cultura em carta a governador”*
MÔNICA BERGAMO - *”Aras participa de live sobre os desafios da PGR em tempos de pandemia”*: O procurador-geral da República, Augusto Aras, e o jurista Lenio Streck participam da live "Os desafios da PGR em tempos de pandemia", na terça (28), às 19h. O debate será coordenado e mediado pelos advogados Marco Aurélio de Carvalho, Fabiano Silva dos Santos e Gabriela Araujo. O encontro será transmitido pelo canal do YouTube do grupo Prerrogativas.
CAPA – Manchete principal: *”Crise faz Brasil depender cada vez mais do mercado chinês”*
EDITORIAL DO ESTADÃO: *”Urgência e oportunismo”*: Ogoverno de Jair Bolsonaro parece perigosamente enamorado por soluções heterodoxas, digamos assim, para driblar o teto de gastos e tocar programas eleitoralmente vistosos em meio à generalizada escassez de recursos. O último movimento nesse sentido, patrocinado pelo Ministério do Desenvolvimento Regional e pela Casa Civil, foi a elaboração de uma consulta ao Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a possibilidade de financiar investimentos em obras de infraestrutura por meio de créditos extraordinários, que estão fora do limite do teto. A justificativa é que tais empreendimentos serviriam para impulsionar a retomada da economia como resposta à crise gerada pela pandemia de covid-19. “O atual momento torna essencial que se garantam recursos orçamentários adicionais”, diz a minuta da consulta ao TCU, referindo-se a obras em andamento e também a projetos que só estão no papel. As verbas, afirma o texto, seriam “eficaz instrumento de alavancagem econômica e de enfrentamento da crise”. Na visão dos defensores da medida, portanto, estaria assim satisfeita a exigência para a abertura de crédito extraordinário: a imprevisibilidade e a urgência da despesa, em situações decorrentes de calamidade. A pretensão chega a ser ofensiva à inteligência alheia. Há no governo quem consiga comparar as necessidades imediatas criadas pela pandemia – estas sim, urgentes e imprevistas – com projetos de infraestrutura que levam anos para serem concluídos e que já estavam sendo planejados bem antes da atual catástrofe sanitária. O problema não são os projetos em si – entre os quais a revitalização de bacias hidrográficas e um novo programa habitacional –, que provavelmente se prestam ao que o governo deles espera, isto é, gerar empregos e desenvolvimento. A questão é que o governo, mais uma vez, parece desinteressado de encarar o desafio fiscal de encontrar recursos sem recorrer a truques contábeis e fintas legais. O teto de gastos é um marco civilizatório.
Ao lado da Lei de Responsabilidade Fiscal, estabeleceu que o dinheiro público é finito e deve ser usado com parcimônia, depois de amplo e transparente debate na sociedade, por meio de seus representantes políticos, sobre as reais prioridades do País. Não à toa, a emenda constitucional do teto foi aprovada no governo de Michel Temer, em 2016, depois da tétrica experiência do governo de Dilma Rousseff, que se notabilizou pela contabilidade criativa e por pedaladas fiscais – manobras sobretudo antidemocráticas, por esconder do escrutínio dos contribuintes a origem e o destino do dinheiro arrecadado pelo Estado. Espanta que um governo cujo presidente se elegeu como reação a essa imoralidade política e econômica se preste a expedientes com o mesmo espírito. Consta que o governo desistiu de realizar a tal consulta ao TCU diante da previsível rejeição do tribunal e da opinião pública, mas esse possível recuo não atenua de nenhuma maneira a sensação de que o presidente Bolsonaro está inclinado a avalizar manobras estranhas que lhe darão preciosas verbas para turbinar seu capital eleitoral. A mesma esperteza foi empregada pelo governo para tentar abocanhar uma parte do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), aprovado na terça-feira. Como o Fundeb não está limitado ao teto de gastos, o governo pretendia utilizar um porcentual do fundo para financiar o “Renda Brasil”, nome do programa de transferência de renda bolsonarista que pretende substituir o Bolsa Família e que, este sim, estará submetido ao teto de gastos. Felizmente o Congresso barrou essa manobra, mas está ficando claro que outras do tipo virão por aí. Para quem só pensa em eleição, como o presidente Bolsonaro, o prêmio é bom demais para ser ignorado: dar dinheiro para milhões de pobres e empregá-los em obras espalhadas pelo País alimenta um gigantesco curral eleitoral. Como ensinou o demiurgo petista Lula da Silva, esse capital pode garantir o poder por mais de uma década, mesmo em meio a escândalos e incompetência administrativa.
*”Bolsonaro libera recorde de rádios comunitárias”* - O presidente Jair Bolsonaro bateu o recorde de liberações de rádios comunitárias nesta década. Entre março e abril, ele enviou ao Congresso autorizações para o funcionamento de 440 estações comunitárias nos rincões e periferias do País, parte delas renovação de emissoras que já estão no ar. A quantidade supera as 302 outorgas do governo Dilma Rousseff, em 2013. Muitos dos canais liberados pelo atual governo têm indícios de atividades políticas. O Estadão identificou entre os representantes formais dessas rádios pessoas que são ou foram filiadas a partidos e já concorreram ou se elegeram para cargos de vereador e prefeito por legendas do Centrão, como Republicanos, Progressistas, PSD e PL. Há também dirigentes dessas rádios em siglas menores, entre as quais o PSC, o PROS e o Patriota. A política faz parte do cotidiano das emissoras. No último dia 14, ouvintes da Rádio Top FM, em Catalão, Goiás, foram surpreendidos com uma discussão ao vivo. Ao saber que o adversário e ex-prefeito Jardel Sebba (PSDB) daria uma entrevista, o vereador Rodrigão (SD) invadiu o estúdio. O locutor Mamede Leão tentou impedilo, sem sucesso. “O dono da rádio sou eu, Mamede. Jardel não fala hoje aqui, não”, disse o vereador. O locutor reagiu: “Mas o programa não é seu, Rodrigão”. O programa saiu do ar no dia seguinte. Atualmente, há 4,6 mil rádios comunitárias em operação legal. O “boom” mais recente ocorreu no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. O ex-presidente mantém o recorde de outorgas, com 630 liberações em 2009 – a Câmara faz esses registros há 16 anos. Na campanha de 2018, a equipe de Bolsonaro avaliava que as rádios comunitárias eram “focos petistas” e serviam para divulgar ações de vereadores, prefeitos e deputados ligados ao partido.
Agora, a visão do Planalto mudou. Representantes do setor disseram à reportagem que o governo ainda não teve tempo de formar uma rede de emissoras simpatizantes, mas já usa a liberação de outorgas – uma demanda represada da área – como moeda de troca no Congresso. A lei veda o vínculo das associações outorgadas com rádios com agremiações partidárias ou religiosas. Acaba, no entanto, não alcançando ligações informais. A Rádio Elshadday FM, do Recife, foi uma das renovadas neste ano. Ela é dirigida por Marcelo Elshadday, pastor da Igreja Evangélica Internacional Elshadday, fundada pelo apóstolo Marcos Campelo. O líder religioso, que já tentou ser vereador em 2008 e 2012 pelo PSL e pelo PPS, usa a emissora para atrair fiéis. “Quero convidar você para estar hoje comigo, com o pastor, em um culto de unção e libertação”, afirmou Campelo em recente transmissão. Apesar das coincidências, o apóstolo disse ao Estadão não haver vínculo. O pastor Elshadday, por sua vez, reforçou que são coisas distintas. “Não é vínculo, a rádio é aberta para qualquer pessoa.” As comunitárias foram instituídas, há 22 anos, por uma lei do então presidente Fernando Henrique Cardoso. A norma reconheceu o funcionamento das estações, antes consideradas piratas, que operavam em locais não cobertos por emissoras comerciais ou educativas. Sob controle formal de associações comunitárias, as rádios costumam funcionar como cabos eleitorais de políticos. As comunitárias têm baixa potência (25 Watts) e um alcance de 4 km, que pode ser maior a depender do relevo onde a antena for instalada – elas costumam reproduzir a programação na internet.
Propaganda. Uma característica das comunitárias é o conflito comercial. A legislação veda as propagandas. Só é liberado “apoio cultural”, com informações institucionais. Na prática, porém, as rádios são repletas de anúncios de comércios locais e prefeituras e Câmaras Municipais. “Não é comercial, é apoio cultural. Comercial é rádio comercial. Isso aí é o linguajar do governo”, disse Fernando Marques, diretor da Rádio Planalto FM, de Aparecida de Goiânia, Goiás, incluída na mais recente lista de renovações. O presidente da Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (Abraço), Geremias dos Santos, observou que as rádios difundem tradições, debatem problemas locais e, na pandemia do coronavírus, abriram espaço para a educação a distância. “Estão dando um show de superação e solidariedade.”
Licença. A liberação recorde de outorgas pelo governo Bolsonaro ocorreu justamente no período anterior ao processo das eleições municipais. As emissoras só podem entrar no ar quando Câmara e Senado dão autorização, mas elas obtêm licença provisória para transmitir se o Legislativo demorar mais de 90 dias para votar a outorga. É o que deve ocorrer neste ano, já que as comissões nas duas Casas não foram instaladas e não há data prevista para votação. Um estudo sobre a autorização de emissoras como moeda de barganha política, do consultor legislativo da Câmara Cristiano Aguiar Lopes e do professor emérito da Universidade de Brasília Venício de Lima, apontou, em 2007, que metade das rádios comunitárias autorizadas nos governos FHC e Lula tinha elo político. À época, o levantamento concluiu que ter padrinho poderia ser determinante na aprovação e na velocidade de obtenção de outorga. O uso político das liberações das comunitárias ocorre em dois níveis: no municipal, em que as outorgas têm um valor no “varejo” da política, e no estadual/federal, no qual se atua no “atacado”, escreveram os pesquisadores. Em uma tese de doutorado aprovada no ano passado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Aguiar apontou que associações comunitárias com apadrinhamento político têm o dobro de chance de obter outorgas, já que existem pedidos de deputados e senadores para agilizar os processos. O consultor analisou 5,5 mil processos com interferência parlamentar no Ministério das Comunicações, até 2015. Constatou que os “candidatos radiodifusores” melhoram seu desempenho eleitoral após obter o controle de rádios. Ao observar as cinco últimas disputas, de 2000 a 2016, notou que 46,1% dos 1.058 candidatos radiodifusores se elegeram. A influência aumenta nas cidades onde o rádio é o único meio de comunicação. “A posse dessas rádios gera um ganho de capital político e quem consegue uma outorga tem mais chances de se eleger prefeito”, disse Aguiar. Na avaliação do pesquisador, o poder público faz vista grossa a uma apropriação das rádios para fins partidários.
+++ Jair Bolsonaro entende muito bem a importância de ter meios de comunicação sob controle. Ele não quer todos os meios, apenas aqueles que comunicam com o seu eleitorado. Enquanto ficamos sabendo aleatoriamente pela imprensa sobre a situação, certamente, o bolsonarismo negocia e tem “na ponta do lápis” quem é quem e com quais meios podem contar. A pergunta é, quem fiscaliza a programação dos meios de comunicação? Se estes infringirem a legislação é provável que ninguém fique sequer sabendo. Não existe acompanhamento.
*”Oposição vê uso político da AGU em ação no STF”* - O subprocurador-geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), Lucas Furtado Rocha, e deputados da oposição criticaram a decisão do presidente Jair Bolsonaro e do advogado-geral da União, José Levi Mello do Amaral Júnior, de pedir, ao Supremo Tribunal Federal (STF), a suspensão do bloqueio de perfis de bolsonaristas nas redes sociais. Para eles, a atitude é um desvirtuamento do papel constitucional da AGU. O bloqueio dos perfis foi determinado pelo ministro Alexandre de Moraes, relator no STF do inquérito das fake news, que apura notícias falsas, ofensas e ameaças contra autoridades. A medida foi solicitada ainda em maio, quando apoiadores do governo foram alvo de buscas em operação da Polícia Federal, e cumprida na sextafeira passada pelo Twitter e pelo Facebook. Um dos atingidos pela decisão de Moraes, o fundador da rede de academias Smart Fit, Edgard Corona, disse, em nota, que não se sente representado pela ação do governo no STF. “A única pessoa autorizada a me representar perante o Supremo Tribunal Federal é o advogado Celso Vilardi”, afirmou. A ação direta de inconstitucionalidade protocolada anteontem e assinada por Bolsonaro alega que o desbloqueio das contas é necessário para “assegurar a observância aos direitos fundamentais das liberdades de manifestação do pensamento, de expressão, de exercício do trabalho e do mandato parlamentar”.
Para Furtado, o caminho adequado, para defender a liberdade de expressão ou algum artigo da Constituição visando aos interesses de cidadãos comuns, seria recorrer ao Ministério Público Federal. “Conseguem transformar uma questão privada em uma guerra pública. Há real interesse do presidente da República na questão. Para o bem da democracia brasileira, esse limite deve ser melhor definido”, disse Furtado, que é professor de Direito Administrativo da Universidade de Brasília. O deputado Carlos Zarattini (PT-SP) classificou a ação como “totalmente equivocada” e disse que a assinatura de Bolsonaro na peça tem um peso simbólico e revela a utilização do órgão com finalidade política. “Eles estão usando a máquina de governo em defesa de seus propagandistas, agitadores de internet”, criticou. “Ainda que se possa discutir uma tese: se a decisão do ministro atinge interesses individuais, se é censura prévia ou não. Ainda assim, não cabe à AGU discutir isso.” “Usar a AGU para defender os amigos do presidente, em vez de interesses da União é o cúmulo da instrumentalização”, afirmou o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ). “A AGU representa a União e não tem por missão institucional advogar para o grupo político do presidente”, completou o deputado Orlando Silva (PCDOB-SP). Advogado-geral da União entre 2009 e 2016, Luís Inácio Lucena Adams classificou a ação como “não muito ortodoxa”, mas afirmou que “não há nada de errado” no pedido. “Aqui a conotação política e ideológica é muito marcada, mas, independentemente disso, não é estranho nem errado, já que, nesse caso, a tese é a liberdade de expressão”, afirmou Adams.
*”Analistas criticam ‘rastreabilidade’ em PL das Fake News”* - A obrigação de rastrear o compartilhamento de mensagens em massa em aplicativos de conversa deve ser retirada do Projeto de Lei das Fake News, defendem especialistas e empresas que prestam o serviço. Instituído pelo Senado, o rastreamento é visto como uma brecha para possível quebra da privacidade e uma “supervigilância” estatal. Contra essa medida, entidades de proteção de dados e executivos de aplicativos intensificaram uma campanha de bastidores para derrubar a exigência. Atualmente em discussão na Câmara, o projeto cria a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. A proposta estabelece normas de funcionamento de redes sociais – Twitter, Facebook e Instagram – e serviços de mensagem – Whatsapp e Telegram. Alguns dispositivos do PL são questionados pelas empresas, que procuraram parlamentares para pedir mudanças. Associação que milita pela proteção de dados pessoais, a Data Privacy Brasil recomendou que o artigo 10, que obriga o rastreamento, seja suprimido do projeto de lei. Em nota técnica, a entidade faz outras considerações ao texto em debate no Congresso, principalmente aos trechos que ampliam a retenção dos chamados “metadados” – que não são o conteúdo em si da mensagem, mas permitem identificar usuários da conversa, localização, rede usada, duração da chamada e horário. “O art. 10 deve ser suprimido, pois, ao alargar o regime de retenção de metadados, relativiza o princípio da presunção da inocência e representa uma interferência desproporcional ao direito fundamental à proteção de dados pessoais”, diz a entidade. “Todos os indivíduos teriam informações sobre suas comunicações monitoradas e armazenadas antes mesmo de serem acusados de algum ilícito que justificasse tal ato.”
Registros. Conforme o texto aprovado no Senado, o artigo 10 do PL obriga aplicativos a guardar “registros” de envios de mensagens em massa por até três meses. Isso inclui mensagens enviadas por mais de cinco contas para grupos de conversa e listas de transmissão e que, num intervalo de 15 dias, tenham atingido pelo menos mil pessoas. O armazenamento de dados – e não do conteúdo em si – deverá permitir identificar quem encaminhou, quando e quantas pessoas receberam, para fins de investigação criminal. Se virar lei, essa exigência afetará a liberdade de expressão e poderá provocar um efeito de “resfriamento” – quando as pessoas deixam de se expressar pelo receio de que suas opiniões sejam armazenadas e usadas contra elas no futuro, em ambiente autoritário, segundo a Data Privacy.
Os senadores que trabalharam no texto, entre eles Angelo Coronel (PSD-BA), presidente da CPI Mista das Fake News, argumentam que não há quebra da criptografia das conversas, o que resguarda a privacidade sobre o conteúdo. Mas as plataformas questionam o dispositivo. Executivos do Whatsapp têm dito que, tecnicamente, não há como saber se uma mensagem será compartilhada muitas vezes. Por isso, argumenta que a única maneira de garantir a rastreabilidade exigida no PL seria “carimbar” cada mensagem individualmente, por meio de um selo de “origem/destino”, que permitisse, no futuro, identificar seu tráfego – algo que romperia a criptografia de ponta a ponta, que garante a privacidade total. Além disso, afirmam, o rastreamento não garante a eficácia no combate às fake news porque milícias digitais orientam seus integrantes a, em vez de encaminhar uma mensagem recebida, copiar o conteúdo e publicar novamente – isso rompe a cadeia de transmissão e burla a lógica de rastreamento. A contraproposta do Whatsapp é que o PL possa incorporar dispositivos semelhantes aos da lei de interceptação telefônica, para que, a partir de uma decisão judicial, os metadados de usuários passem a ser coletados e registrados durante um período determinado, a fim de subsidiar investigações. Para a empresa, o comportamento do usuário deve ser o foco das apurações e pode indicar prática de crimes, não a mensagem em si. Presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) defendeu a necessidade de aprimorar o PL. A expectativa é de que os deputados promovam alterações no texto já aprovado no Senado.
*”Rede pede apuração sobre dossiê contra ‘antifascistas’”* - A Rede Sustentabilidade pediu ao Supremo Tribunal Federal que determine a abertura de inquérito na Polícia Federal para investigar dossiê elaborado pela Secretaria de Operações Integradas (Seopi), do Ministério da Justiça e Segurança Pública, contra 579 servidores federais e estaduais identificados como “antifascistas”. A pasta é comandada por André Mendonça, que deixou a Advocacia-geral da União para substituir o ex-ministro Sérgio Moro. “O que se vê é um aparelhamento estatal em prol de perseguições políticas e ideológicas a partir de uma bússola cujo norte é o governante de plantão: quem dele discorda merece ser secretamente investigado e ter sua imagem exposta em dossiês ‘da vergonha’ perante suas instituições laborais”, diz a Rede. “O Ministério da Justiça não parece ter a mesma vontade de produzir atividades de inteligência contra servidores do Palácio do Planalto, que, ao que tudo indica – inclusive com investigações em curso neste STF – integram organização criminosa de disseminação de fake news que atacam os poderes Legislativo e Judiciário”, continuou o partido. “O Brasil, infelizmente, ainda não superou por completo o traço autoritário e ditatorial de limitações indevidas à ampla liberdade de expressão”.
O relatório de inteligência sigiloso foi revelado pelo colunista Rubens Valente, do UOL, e confirmado pelo Estadão. Na lista de investigados estão servidores da área da segurança, como policiais, e professores. A Seopi foi criada durante a gestão de Moro na Justiça para integrar operações policiais contra o crime organizado e redes de pedofilia, tendo coordenado a transferência de líderes do PCC para presídios federais no ano passado e atuado em fases da Operação Luz na Infância, contra a pedofilia. As atribuições da secretaria, no entanto, mudaram após Mendonça assumir a pasta, em abril. O ministro nomeou um delegado da Polícia Civil do Distrito Federal para comandar a Seopi e, um mês depois, solicitou investigação completa de movimentos que poderiam colocar em risco a “estabilidade política” do governo.
OEA. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA), também criticou ontem a investigação de servidores “antifascistas”. Em nota, a comissão pede ao Brasil que “siga respeitando o direito à liberdade de expressão de servidores públicos e acadêmicos; além de revisar essas denúncias e investigar se houve vigilância ilegal pelas agências de inteligência do Estado”. O Ministério da Justiça e Segurança Pública não quis comentar o caso específico do dossiê. Em nota ao Estadão, a pasta informou apenas que as atividades de inteligência visam “identificar, avaliar e acompanhar ameaças potenciais ou reais”.
+++ A reportagem do Estadão, pelo menos, ouve “especialistas” que trabalham diretamente com dados, diferente da publicada pela Folha.
*”Verba de combate à covid é questionada”* - A forma de distribuição de R$ 13,8 bilhões em recursos da União para Estados e municípios combaterem o coronavírus tem sido alvo de questionamentos de órgãos como o Tribunal de Contas da União (TCU) e organizações como a Frente Nacional dos Prefeitos (FNP). Os critérios de distribuição e a destinação dos recursos são apontados como principais pontos de controvérsia. Juristas ouvidos pelo Estadão divergem quanto à clareza da Portaria 1.666, assinada pelo presidente Jair Bolsonaro no início do mês. A distribuição é questionada por prefeitos. “Os recursos disponibilizados pela União são insuficientes”, disse o secretário executivo da FNP, Gilberto Perre. “Os critérios utilizados para distribuição não estão claros e os prefeitos pediram esclarecimentos a respeito da partilha. Chama a atenção o fato de que as cidades que mais concentram casos e respondem pelos atendimentos mais onerosos tenham recebido valores per capita bastante inferiores à média nacional, na Portaria 1.666. Por exemplo, as cidades acima de 1 milhão receberam R$ 34,61 per capita e as cidades até 10 mil receberam R$ 89,94.” O TCU deu 15 dias para que a Saúde mostre a “lógica de financiamento” dos fundos estaduais e municipais, e como definiu a estratégia de compras durante a pandemia, apresentando documentos sobre logística e distribuição de insumos. A Portaria 1.666 prevê que os recursos serão destinados ao “custeio das ações e serviços de saúde para o enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente da covid-19, podendo abranger a atenção primária e especializada, a vigilância em saúde, a assistência farmacêutica, a aquisição de suprimentos, insumos e produtos hospitalares, o custeio do procedimento de tratamento de infecção pelo novo coronavírus”. “Tais gastos podem ser confundidos ou misturados por conveniência às demais verbas orçamentárias previstas em orçamento público (Lei Orçamentária Anual)”, disse a advogada constitucionalista Vera Chemin, mestre em Direito Público Administrativo pela FGV. “As expressões ‘atenção primária’ e ‘atenção especializada’ têm uma abrangência aberta e vaga. Tudo pode acontecer no dia a dia sem um efetivo controle da execução dos gastos, podendo, sem sombra de dúvida, serem direcionados para outras rubricas de caráter supérfluo e com pretensões eleitoreiras, uma vez que estamos próximos de uma eleição municipal.”
Já para a ex-juíza federal Cecilia Mello e para o especialista em Direito Administrativo Marcus Vinicius Macedo Pessanha, a portaria é clara. “Embora possa aparentar certa generalidade, que em tese daria margem a eventual uso indevido desses valores por entes da Federação, há uma finalidade expressa e específica para o uso desses valores, o enfrentamento da pandemia”, afirmou Cecília. Segundo Pessanha, “não há qualquer brecha para destinação dos recursos a quaisquer outras atividades que não sejam as de combate à pandemia”. “Todas a contratações que venham a ser realizadas com estes recursos e não estejam vinculadas ao combate ao novo coronavírus, na verdade, configuram utilização irregular e gestão temerária do erário, ensejando aplicação de sanções aos gestores públicos responsáveis.” Ao Estadão, o senador Major Olimpio (PSL-SP) acusou o governo de propor a parlamentares que indicassem onde parte do dinheiro da Portaria 1.666 seria alocada. “O parlamentar distribuiu o dinheiro para as bases dele. Ele não combinou com o vírus. Onde era necessário pôr o recurso? Onde está morrendo gente. Se era o dinheiro para o enfrentamento da covid-19 não seriam os infectologistas, os médicos que deveriam definir onde o dinheiro é mais necessário? Em vez disso, é a planilha do senador que vale.” Ele afirmou que o dinheiro foi distribuído pelo governo federal para 50 senadores e 200 deputados a fim de garantir a construção de uma base de apoio. “Me ofereceram R$ 30 milhões. Dinheiro da covid-19.” Segundo Olimpio, a oferta foi feita por um representante do governo.
Estratégia. Em relatório emitido na semana passada, o TCU diz que o Ministério da Saúde gastou só cerca de 30% do dinheiro prometido para enfrentar a covid-19 de março a junho. A equipe técnica do órgão não conseguiu identificar a estratégia de compras, logística, distribuição de insumos, além de desconhecer “critérios para transferência de recursos” da pasta. O Ministério da Saúde afirmou que, entre os critérios para a distribuição dos R$ 13,8 bilhões liberados para municípios, estão o tamanho da população (priorizando municípios com menos habitantes) e a média de recursos transferidos para atenção hospitalar e atenção básica em 2019. Para os Estados, segundo a pasta, também foi considerado o número de leitos de UTI, a taxa de incidência de covid-19 por 100 mil habitantes e a infraestrutura e capacidade logística para recebimento de ventiladores.
ENTREVISTA: SYLVIA STEINER, ex-juíza do Tribunal Penal Internacional - *”Tribunal internacional não deve investigar gestão”*: Os precedentes do Tribunal Penal Internacional (TPI), que tem sede em Haia, na Holanda, levam a crer que a corte não deve dar andamento às denúncias que acusam o presidente Jair Bolsonaro de crimes contra a humanidade. A avaliação é da brasileira Sylvia Steiner, que atuou como juíza do TPI de 2003 e 2016, além de ter sido desembargadora do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região (TRF-3). Ao Estadão, Sylvia disse que as medidas recentes tomadas pelo governo em relação às comunidades indígenas – somadas à denúncia feita ano passado pela Comissão Arns – podem, em tese, dar ensejo ao começo de uma investigação, mas que é improvável que ocorra. “Até agora, o tribunal tem dado prioridade para casos que envolvem conflito armado, ataques contra a população civil”, afirmou Sylvia em entrevista antes de nova denúncia ser enviada ontem contra Bolsonaro. “Acho muito difícil que um caso que envolva a questão de políticas públicas possa ser levado adiante.”
• O ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes disse que o Exército se associou a um “genocídio” durante a pandemia. Como avalia a fala?
- Me parece que hoje em dia se usa muito (a palavra) “genocídio” como uma expressão mais genérica, e não como um nome dado a uma conduta específica prevista como crime internacional. Não acredito que o ministro Gilmar tenha falado em “genocídio” como a figura jurídica do genocídio. O genocídio é uma conduta que implica um dolo específico, que é eliminar determinado grupo.
• Gilmar teria alertado o ministro Eduardo Pazuello (Saúde) e Bolsonaro da possibilidade de o tratamento a indígenas ir parar no TPI. Acha possível?
- Já existe uma denúncia contra Bolsonaro no TPI em relação às comunidades indígenas, mas pelas queimadas e desmatamento na região onde essas comunidades vivem. Ainda está na fase de triagem. Agora, em razão das últimas medidas tomadas pelo governo – com veto ao projeto de lei que tirou a proteção especial que merecem as comunidades indígenas –, se ingressarem com uma nova denúncia no tribunal que se some à anterior, por conta da destruição do ambiente natural, aí, em tese, você pode dar ensejo, sim, ao começo de uma investigação. Mas muito em tese, eu particularmente não acredito que isso ocorra, tendo em vista o tipo de situações que têm sido selecionadas pela procuradoria para dar início a investigações.
• Que situação costuma ser selecionada?
- Situações que envolvem conflito armado e ataques violentos contra a população civil. A procuradoria tem que ser seletiva, ela não pode dar início à investigação sobre toda denúncia que recebe. Nós sabemos que está em fase de exame preliminar a situação da Venezuela: detenções, execuções sumárias, tortura, assassinato, estupros coletivos. Esse é o tipo de crime que normalmente a procuradoria tem entendido como sendo de maior gravidade.
• E, fora a questão indígena, a postura do Brasil frente à covid19 pode ser abordada pelo TPI?
- Recentemente ingressaram denúncias em relação ao combate à covid-19, alegando crimes contra a humanidade. Pessoalmente, não vejo que existem aqui os chamados elementos contextuais, o ataque generalizado e sistemático contra uma população civil.
• Quais povos vivem isso?
- Temos a situação da Nigéria, da Palestina, das Filipinas, da Ucrânia, da Venezuela. Os precedentes demonstram que, até agora, o tribunal tem dado prioridade para esses casos que envolvem conflito armado, ataques violentos contra a população civil. Na esteira desses precedentes, acho muito difícil que um caso que envolva a questão de políticas públicas possa ser levado adiante.
*”Sindicato vai ao TPI contra presidente”* - A Rede Sindical Brasileira UNISaúde, que reúne sindicatos de profissionais da saúde, protocolou ontem representação contra o presidente Jair Bolsonaro no Tribunal Penal Internacional por genocídio e crime contra a humanidade. “O presidente mandou os profissionais da saúde para a guerra sem as ferramentas necessárias”, disse Marcio Monzane, da UNI America.
*”Moro diz que foi ‘usado’ pelo governo Bolsonaro”* - O ex-ministro da Justiça Sérgio Moro disse em entrevista ao jornal britânico Financial Times que o governo do presidente Jair Bolsonaro usou sua presença na equipe ministerial como “desculpa” para mostrar que medidas anticorrupção estariam sendo tomadas. Segundo o ex-juiz da Lava Jato, no entanto, o governo não vinha se empenhando e essa agenda de combate à corrupção passou a sofrer uma série de derrotas. “Uma das razões para eu sair do governo foi que não estava se fazendo muito (pela agenda anticorrupção)”, afirmou Moro à publicação. “Eles estavam usando minha presença como uma desculpa, então eu saí. A agenda anticorrupção tem sofrido reveses desde 2018.” A publicação lembrou que a saída de Moro do Ministério da Justiça foi marcada pela acusação de que Bolsonaro tentou interferir politicamente na Polícia Federal. Um inquérito em curso no Supremo Tribunal Federal (STF) investiga as declarações do ex-ministro. “Ele (Bolsonaro) mudou o diretor da Polícia Federal sem pedir minha opinião e sem uma boa causa. Não acho que dá para combater corrupção sem respeitar a lei e a autonomia das instituições que investigam e denunciam crimes”, declarou.
Centrão. Moro também comentou a aproximação de Bolsonaro com as legendas do Centrão, classificado pelo FT como “controverso bloco de partidos conhecidos por oferecer apoio em troca de cargos políticos”. “No começo, o governo parecia evitar esse tipo de prática, mas, hoje em dia, eu não tenho tanta certeza.” Na semana passada, o Estadão mostrou que um dos motivos que fizeram integrantes do Centrão se aliarem a Bolsonaro é justamente o medo de uma possível candidatura presidencial de Moro em 2022. Sem um candidato próprio na direita ou mesmo da centro-direita, o grupo teme que um eventual afastamento de Bolsonaro fortaleça a eleição do ex-ministro caso Bolsonaro tenha o mandato interrompido. Quando era juiz da Lava Jato, Moro foi algoz de vários dirigentes do bloco partidário. Questionado sobre o vazamento de mensagens atribuídas a ele a procuradores da Lava Jato à época em que ele era o juiz responsável pela operação em Curitiba, Moro reafirmou que não reconhece a autenticidade das mensagens, que foram divulgadas pelo site The Intercept Brasil. “Não havia nada lá que pudesse comprometer o caso.”
*”Violência se amplia nos EUA e Trump critica ‘anarquistas’”* - Confrontos reiterados entre agentes federais e manifestantes em Portland levaram milhares de pessoas a marchar por cidades dos EUA no fim de semana, dando nova vida a protestos que haviam diminuído. O presidente Donald Trump reagiu com críticas à imprensa: “Eles querem que os americanos acreditem que são apenas alguns maravilhosos manifestantes, e não anarquistas de esquerda radical”, tuitou ontem. Um dos mais intensos confrontos aconteceu na noite de sábado em Seattle (madrugada de ontem no Brasil). Um dia de manifestações deixou um rastro de janelas quebradas e manifestantes atingidos por spray de pimenta nos olhos. Pelo menos 45 pessoas foram presas e manifestantes e policiais ficaram feridos. Cerca de 5 mil pessoas levavam cartazes onde se liam frases como “Federais, vão embora” e entoavam gritos de “Sem justiça, sem paz”. Também eram comuns os guarda-chuvas que se tornaram símbolo de protestos em Hong Kong. Alguns grupos pararam em um centro de detenção juvenil, atearam fogo a vários trailers de construção, quebraram janelas de empresas próximas, incendiaram uma cafeteria e abriram um buraco na parede do prédio da Delegacia Leste de Seattle, segundo a polícia. Os agentes responderam disparando bombas de efeito moral e spray de pimenta e avançando contra a multidão, derrubando manifestantes. Uma das bombas feriu uma mulher. Em Austin, no Texas, um homem foi baleado e morto durante um protesto no centro da cidade. Em um vídeo da cena, manifestantes são vistos marchando através de um cruzamento quando um carro se aproxima. Segundos depois, cinco tiros soam, seguidos por várias outras pancadas fortes. A vítima teria puxado um fuzil em meio à manifestação.
Em Los Angeles, manifestantes entraram em conflito com a polícia em frente ao tribunal federal do centro da cidade. Vídeos mostram pessoas quebrando janelas e jogando garrafas de água contra os policiais. O tribunal federal de Portland tem sido palco de manifestações noturnas há semanas. Ontem de manhã, milhares participavam de marchas, marcando o 59.º dia consecutivo de protestos na cidade. Um grupo uniformizado de enfermeiras se juntou a um coletivo organizado de mães e pais usando capacetes, onde um destacamento de agentes federais – foco principal das recentes manifestações – foi montado. No início da tarde, a polícia de Portland disse que o protesto havia se tornado um tumulto e ordenou que a multidão fosse embora. Agentes federais dispararam gás lacrimogêneo e deixaram o tribunal para expulsar os manifestantes. Os ativistas resistiram e bloquearam ruas. Um hotel da rede Marriott no centro de Portland foi fechado e os hóspedes tiveram que sair depois de, no sábado à noite, manifestantes cercarem o edifício por acharem que tropas federais enviadas por Trump estavam dormindo lá. Multidão empunhava cartazes com mensagens como “Sem mais brutalidade” e gritavam pedindo que o hotel expulsasse os militares. O prédio foi pichado. O prefeito de Portland, o democrata Ted Wheeler, considerou os agentes federais “forças de ocupação”.
Bipasha Mukherjee, de 52 anos, de Kirkland, Washington, disse estar protestando desde maio e que se preocupava ao ver táticas tão agressivas da polícia. “Este não é o país para o qual imigrei”, disse Mukherjee, que chegou da Índia há mais de 30 anos. “Parece que estamos nos tornando rapidamente um Estado fascista e policial.” Michaud Savage, manifestante de Seattle, disse que os protestos foram direcionados tanto às autoridades locais quanto ao destacamento de oficiais federais. Carmen Best, a chefe de polícia de Seattle, afirmou que vários manifestantes também usavam violência. Alguns jogavam blocos de concreto de um telhado para a rua abaixo, afirmou. A fumaça da cafeteria incendiada chegou a apartamentos que precisaram ser esvaziado. “Apoiamos a Primeira Emenda, com direito à liberdade de expressão e à reunião”, disse ela. “Mas o que vimos não foi pacífico. Não foi uma manifestação pacífica. Atos criminosos estavam ocorrendo por toda a cidade e muitas pessoas estavam em risco”. Outras manifestações ocorreram no sábado em Nova York, Omaha, Nebraska e Oakland, Califórnia, entre outras cidades. Portland e Seattle, no entanto, tiveram as demonstrações mais prolongadas. Os protestos foram desencadeados pela morte do segurança negro George Floyd, em 25 de maio. Com o joelho, um policial branco o asfixiou. Manifestantes passaram a exigir também a retirada de estátuas de personagens que promoveram a escravidão.
*”Uruguai resiste ao cerco do coronavírus”* - Depois de assistir ao início da pandemia do novo coronavírus na China e de ver o vírus se espalhar pela Europa, o Uruguai confirmou seus quatro primeiros casos da doença em uma sexta-feira 13. Um começo ameaçador para uma doença que prometia colocar de joelhos a América Latina. Nas semanas e meses que se seguiram aos diagnósticos de 13 de março, o país de 3,4 milhões de habitantes conseguiu manter o vírus sob controle. Cravado entre o Brasil, que sofre o segundo pior surto do mundo, e a Argentina, onde as infecções estão aumentando (158 mil registros de infecção e 2,8 mil óbitos), o Uruguai registrou apenas 1.174 casos e 34 mortes – números muito baixos para quem testou amplamente sua população. Em junho, o Uruguai tornouse o primeiro país da região a reabrir praticamente todas as escolas públicas. É o único da América Latina de onde a União Europeia aceitará turistas e visitantes. Governantes e analistas creditam o relativo sucesso do Uruguai até agora à liderança estável e unida, um sistema nacional de saúde robusto e uma quarentena voluntária, mas ampla. “Foi pedido às pessoas que elas desfrutassem de sua liberdade de forma responsável, ficando em casa”, disse o gastroenterologista Henry Cohen, de Montevidéu, que atua em um comitê de cientistas que aconselha o governo na pandemia. Nas proximidades, o Paraguai obteve sucesso semelhante contra o coronavírus, relatando apenas 4.328 casos e 40 mortes. O vizinho Brasil, por outro lado, registrou mais de 2,4 milhões de casos e 86 mil mortes – perdendo apenas para os EUA. A Argentina, com menor densidade demográfica, confirmou cinco vezes mais casos per capita que o Paraguai e oito vezes mais que o Uruguai.
Guillermo Sequera, diretor da Vigilância Sanitária do Paraguai, diz que o fio comum nos países que obtiveram sucesso contra o coronavírus é uma ação precoce e vigorosa e uma ênfase em conquistar e manter a confiança da população. O presidente uruguaio, Luis Lacalle Pou, tomou posse duas semanas antes de o país confirmar seus primeiros casos, fechar as fronteiras, escolas, espaços públicos e pedir às pessoas que se colocassem em quarentena. Os uruguaios com 65 anos ou mais foram obrigados a ficar isolados em casa. Os líderes e autoridades de saúde pública do país acompanharam a pandemia se desenvolvendo na Ásia e na Europa e tiveram tempo para se preparar, de acordo com Cohen. Os políticos deixaram de lado suas diferenças e colocaram os cientistas para dar as respostas. “De 13 de março até o final de abril, a classe política no Uruguai fechou suas fileiras”, disse Daniel Chasquetti, cientista político e professor da Universidade da República. O país começou a reabrir com cuidado e o governo permitiu que bares, restaurantes e hotéis retomassem as operações.
Tranquilidade. “Percebo nas pessoas uma sensação de tranquilidade e serenidade, uma sensação de segurança e confiança”, disse Blanca Rodríguez, âncora veterana da TV uruguaia. “E as pessoas não querem perder isso.” Uma série de casos na cidade de Rivera, na fronteira com o Brasil, e um mais recente na capital, Montevidéu, lembraram que os uruguaios devem permanecer vigilantes. Em Rivera, cidade contígua à brasileira Santana do Livramento, o movimento noturno na avenida principal é normal. Enquanto restaurantes estão abertos e jovens bebem nas calçadas do lado uruguaio, o comércio do lado brasileiro enfrenta restrições. Rivera, de 103 mil moradores, teve 65 casos e 3 mortes. Livramento, de 82 mil habitantes, registrou 192 casos e 4 mortes. No Paraguai, também começando a reabrir, Sequera alerta para o cansaço da sociedade com relação ao distanciamento social. Recentemente, o país se assustou com um surto em uma prisão em Ciudad del Este, na fronteira com o Brasil. “As coisas estão ficando mais difíceis”, disse Sequera. “Se olharmos para os dados mais recentes, o número de casos está aumentando. É um crescimento constante, embora não seja explosivo.”
*”Guerrilha usa quarentena rígida para ganhar terreno na Colômbia”* - Grupos armados da Colômbia estão ampliando os níveis de controle de território durante o surto de covid-19 e aplicando algumas das medidas mais rígidas de confinamento do mundo – com duras penas para os infratores. Na cidade portuária de Tumaco, um centro de narcotráfico no sudoeste colombiano, os guerrilheiros postaram panfletos classificando todos os violadores do toque de recolher como “alvos militares”. Em um aviso a todos, uma ambulância que atendeu a uma chamada em horário proibido foi incendiada. O motorista e paciente foram assassinados. A advogada Lorena Paredes, de 28 anos, estava sentada no banco do passageiro de um SUV prateado. Nervosa, retornava de uma consulta médica. Ela achou que poderia ter sorte, mas foi parada em um bloqueio. Homens abriram fogo e sua perna foi atingida por três balas. O motorista, atingido no rosto e no braço, conseguiu encostar. Os dois imploraram por suas vidas. “Absolutamente ninguém nos ajudou”, disse Paredes, que trabalha com casos de abuso doméstico na cidade. “Uma pessoa se aproximou, porque eu gritei. Ela chegou perto da janela do nosso carro e ela disse: ‘Calma, porque aqui é proibido ajudar.’”
Grupos de direitos humanos, líderes comunitários e funcionários do governo afirmam que uma lista de guerrilheiros esquerdistas, paramilitares de direita e cartéis de drogas está usando o surto para consolidar o controle sobre partes de um país que ainda sofre com as consequências de cinco décadas de conflito armado. “Para esses grupos, isso não é um problema de saúde”, disse Gimena Sanchez-garzoli, diretora andina do escritório de Washington na América Latina. “Trata-se de exercer controle social sobre a população”. Enquanto o governo do presidente Iván Duque se concentra no agravamento do surto de coronavírus – o país registrou mais de 204 mil infecções e quase 7 mil mortes – as medidas impostas por grupos armados servem a pelo menos dois propósitos: expandir o controle sobre estradas e comunidades e reforçar a posição de governantes de seus territórios. A Human Rights Watch informou que grupos armados impuseram bloqueios por coronavírus em 11 dos 32 departamentos da Colômbia, levando a pelo menos oito mortes, seis no conturbado Departamento de Cauca, no oeste do país. O escritório presidencial de direitos humanos e assuntos internacionais disse neste mês que o governo age para combater uma tentativa de grupos irregulares de obter maior controle de terreno.
*”Covid-18 faz maternidades criarem pré-natal online e transmissão de parto”*
*”Os desafios da vacinação em massa no Brasil”*
*”Dez imunizantes que transformaram a História”*
ENTREVISTA: JOSÉ AUGUSTO PÁDUA, professor da Universidade Federal do Rio (UFRJ) - *”País se formou com o mito da natureza inesgotável”*
*”Crise mundial faz Brasil depender cada vez mais de exportações para a China”* - A despeito do tom belicoso nas declarações do governo Bolsonaro em relação à China, as exportações brasileiras estão cada vez mais dependentes do apetite do comprador chinês. De 2001 até o ano passado, a participação chinesa nas vendas do Brasil saltou de 1,9% para 28,5%. Com a crise global desencadeada pelo novo coronavírus, essa fatia subiu para 33,8% no primeiro semestre deste ano – um terço dos US$ 101,7 bilhões exportados pelo País de janeiro a junho teve como destino a China. Os dados são do Ministério da Economia, compilados pelo Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV. Para comparação, no mesmo período as vendas para os Estados Unidos caíram de 22,6% do total para 9,9%; já os embarques para a União Europeia, que respondiam por 25,4% das exportações brasileiras em 2001, ficaram em 15,4% neste primeiro semestre. Segundo especialistas, o aumento da dependência da China está associado, em primeiro lugar, ao forte crescimento econômico do país asiático nas últimas décadas. Além disso, contribuem para esse cenário a queda recente da demanda por parte de outras nações afetadas pela pandemia, especialmente na América do Sul, e o fato de o Brasil ainda manter uma forte especialização na produção de matérias-primas – mas uma estrutura pouco competitiva na indústria, limitando os itens da nossa pauta de exportações. Uma marca dessa especialização, reforçada nas últimas décadas, é o bom desempenho do agronegócio. Ao mesmo tempo em que a elevada produtividade do campo brasileiro reforçou a especialização nas matérias-primas, o acelerado crescimento tornou a China o maior importador global desses insumos. Em 2001, quando recebia menos de 2% das exportações do Brasil, a China era o sexto maior importador do mundo. Ano passado, foi o segundo, atrás só dos EUA, segundo a Organização Mundial do Comércio (OMC). Com 1,4 bilhão de habitantes e urbanização ainda em marcha, nada indica que a demanda da China por produtos como soja e carne arrefecerá.
Efeito da crise. Em contrapartida, por conta da recessão, os Estados Unidos e nossos vizinhos da América do Sul – principais mercados dos produtos industrializados brasileiros – já estão comprando menos. As exportações para a Argentina somaram US$ 3,7 bilhões no primeiro semestre, queda de 28% ante a primeira metade de 2019, colocando o país vizinho como destino de apenas 3,6% das exportações brasileiras – a Holanda passou a Argentina e foi o terceiro principal destino das vendas do Brasil, atrás de China e EUA. Diante do aumento proporcional da participação chinesa, o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, prefere falar em “interdependência” na relação comercial com a China. Ele lembra que o Brasil é o maior produtor e exportador de soja e carnes – o fornecimento global desses produtos é dominado por Brasil e Estados Unidos. O País também é um grande exportador de minério de ferro, petróleo e celulose, todos com grande participação chinesa nas vendas. “Se o mundo demanda mais produtos agropecuários, só o Brasil pode aumentar a produção, especialmente de soja e carne”, disse Castro. No lado conjuntural, assim como a venda de comida nos supermercados está entre as atividades econômicas menos atingidas pela pandemia, as exportações de alimentos seguem de vento em popa. Em volume, as vendas de produtos agrícolas ao exterior cresceram 24,5% na primeira metade deste ano ante igual período de 2019, nas contas do IBRE/FGV.
*”Analistas criticam postura anti-China”* - Na última terça-feira, o Brasil assinou com os Estados Unidos uma declaração à Organização Mundial do Comércio (OMC) com críticas veladas à atuação da China no comércio internacional, dando mais uma demonstração de alinhamento do governo Bolsonaro com o governo Trump e sinalizando que o País poderá tomar partido na disputa comercial que se arrasta desde o ano passado entre as duas maiores economias do mundo. Com o crescimento do peso da China no comércio exterior brasileiro, é tudo o que o governo não deveria fazer, dizem analistas ouvidos pelo Estadão. Na declaração conjunta, Brasil e EUA defenderam que o princípio de economia de mercado tem de valer para todos os integrantes da OMC, de forma a garantir condições equitativas de competição econômica no comércio internacional. Para ambos os países, as atuais regras da entidade não serviriam para a China, cuja economia é fortemente marcada pela intervenção do Estado.
“O Brasil não ganha nada com isso. Nossa tradição é mais multilateral”, afirmou Lia Valls, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV. Ela lembra que a relação sino-brasileira divide o governo, com o tom belicoso do Itamaraty muitas vezes compensado pelo pragmatismo do Ministério da Agricultura. “O governo tem de atender a interesses de diversos grupos, não dá para ficar só na questão ideológica”, afirmou a pesquisadora. Para o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, um dos problemas do alinhamento automático com os EUA é que, na arena do comércio internacional, brasileiros e americanos também são concorrentes. E as duas maiores potências agrícolas do planeta têm a China como principal mercado. Antes da declaração conjunta com os EUA, integrantes do governo já haviam feito vários ataques à China, o que levou representantes do agronegócio a pedir uma mudança de postura, dado o receio de eventual retaliação por parte das autoridades chinesas. O ex-ministro da Educação Abraham Weintraub, por exemplo, chegou a insinuar que os chineses se beneficiaram da crise do coronavírus e postou imagens do personagem Cebolinha na muralha da China trocando o “L” pelo “R”, em alusão à alegada fala dos chineses. Depois, apagou a postagem. Em reação, a Embaixada da China no Brasil respondeu que as publicações eram “completamente absurdas e desprezíveis, que têm cunho fortemente racista e objetivos indizíveis, tendo causado influências negativas no desenvolvimento saudável das relações bilaterais China”.
Prejuízo. As rodadas de acordos para interromper a disputa comercial entre China e EUA – que não chegaram a ser efetivamente implementados – incluíam cotas das vendas de soja americana para os chineses. Ou seja, o agronegócio brasileiro poderia sair perdendo, no curto prazo, caso a disputa comercial chegasse ao fim. Para Castro, da AEB, o Brasil deve se aproximar dos americanos, mas sem alianças formais. “Os americanos são práticos e preservam seus interesses diretos. Para eles, é ‘amigos, amigos; negócios à parte’”, disse ele. Esse distanciamento coincide com o aumento da dependência das exportações brasileiras para a China, principalmente de produtos básicos. Já a indústria ainda sofre com elevados custos de insumos, infraestrutura deficiente e alta carga tributária, que fazem com que os produtos industrializados brasileiros cheguem caros demais ao exterior. A AEB projeta que a exportação de manufaturados ficará em US$ 56,3 bilhões este ano, 27,3% abaixo de 2019 – valor semelhante ao registrado em 2004. Procurado, o Palácio do Planalto indicou como porta-voz o Itamaraty, que não se pronunciou. Da mesma forma, o Ministério da Agricultura foi questionado sobre as possíveis consequências da postura do governo brasileiro para o setor, mas também não respondeu até o fechamento desta edição.
*”’Choque liberal’ de Guedes fica no papel”* - “E nós vamos na direção da liberal democracia, nós vamos abrir a economia, nós vamos simplificar impostos. Nós vamos privatizar, nós vamos descentralizar os recursos para Estados e municípios.” As promessas feitas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, em seu discurso de posse no dia 2 de janeiro de 2019 arrancaram palmas da plateia. Um ano e meio depois, porém, o “choque liberal” prometido ficou apenas no papel. Apesar de ter usado o termo “liberal” oito vezes naquele dia, houve poucos avanços nesse sentido. Dos três pilares anunciados para a liberalização da economia – reforma da Previdência, tributária e privatizações –, apenas a mudança nas aposentadorias foi para frente, ainda assim sem a capitalização (espécie de poupança que o próprio trabalhador faz para assegurar a aposentadoria no futuro) defendida pelo ministro. Nesta semana, depois de muito atraso, Guedes enviou ao Congresso apenas a primeira parte de sua reforma tributária. Se no discurso chegou a falar de unificar “sete, oito impostos”, o projeto apresentado juntou apenas o PIS e a Cofins (uma ideia há muito estudada na Receita Federal) e criou a Contribuição Social sobre Operação com Bens e Serviços (CBS) “Guedes segue o padrão Bolsonaro. Não faz muita coisa. Tem muita espuma, mas não tem muito resultado”, disse o economista Simão Davi Silber, professor da Universidade de São Paulo (USP).
Especialistas ouvidos pelo Estadão citaram, entre as razões para a falta de avanço das propostas mencionadas por Guedes, demora na formulação de medidas, falta de articulação política e criação de expectativas sem lastro na realidade provocada por promessas do ministro. Além disso, a dificuldade de emplacar a agenda expõe um conflito que é marca do governo. Os planos liberais vão de encontro às ideias da ala militar, que defende o aumento do investimento público, a manutenção das estatais e medidas protecionistas para a indústria nacional. Some-se a isso a dificuldade em aprovar projetos no Congresso por falta de uma base forte e fiel – o que impediu a aprovação do modelo de capitalização da Previdência, por exemplo. Por fim, embora o presidente Jair Bolsonaro diga que Guedes tem carta branca na economia, na prática, o próprio presidente veta o avanço de alguns temas, entre eles a privatização do Banco do Brasil. Para o diretor-executivo do Instituto Livres, Paulo Gontijo, falta respaldo político para Guedes tocar a agenda liberal. “Esse governo tem um problema de formulação, de articulação e de execução. A formulação da reforma tributária foi ruim. Na votação do Fundeb, a articulação foi ruim. Quanto tem proposta bem formulada, como a reforma administrativa, não anda porque enfrenta corporações”, analisa.
‘Custo Brasil’. A prometida abertura econômica, que seria concomitante à redução do chamado “custo Brasil”, também ainda não teve avanço. Foram feitas reduções pontuais em taxas de importação, que não precisam de aval do Mercosul. Mas os planos de reduzir a Tarifa Externa Comum (TEC) do bloco não foram para frente e ficou ainda mais difícil levá-los a cabo com a pandemia, que teve grande impacto na indústria brasileira. Especialista em Economia Internacional, Silber lembrou que mesmo o maior feito na área externa, o acordo entre Mercosul e União Europeia, fechado em meados de 2019, corre risco de naufragar em função da imagem negativa do País na área de meio ambiente. “Além disso, dada a influência militar dentro do governo Bolsonaro, há uma visão nacional desenvolvimentista que é contra esse discurso de abertura”, afirma Silber. “Existe um conflito latente, dentro do próprio governo, e o Guedes têm sido muito tímido.” Além da Previdência, um dos pontos em que houve avanços na liberalização da economia foi a chamada lei da liberdade econômica, que reduziu burocracias, como a necessidade de alvarás para funcionamento de lojas. Os economistas ouvidos pela reportagem, porém, consideram esse um ponto lateral na agenda liberal.
Procurado, o Ministério da Economia disse que a pasta, “sob condução de Paulo Guedes, vem concebendo e colocando em prática, desde o início do governo do presidente Jair Bolsonaro, iniciativas voltadas a assegurar o conjunto de reformas essenciais para a retomada do crescimento da economia”. Segundo o ministério, ações e programas “robustos” foram implementados em diversas frentes. A pasta listou medidas como a reforma da Previdência, o acordo Mercosul/eu, a medida provisória da liberdade econômica, acordo para a abertura do refino e o prometido choque da energia barata. A Economia também destacou o lançamento da Carteira de Trabalho Digital e a digitalização de serviços públicos entre as ações feitas pelo ministério.
CAPA – Manchete principal: *”Bancos públicos ajudam a derrotar União na Petrobras”*
*”Inflação de serviços em 12 meses está no menor nível em mais de duas décadas”* - Economistas se surpreenderam com a prévia da inflação de julho, que trouxe números muito abaixo do esperado de forma generalizada e preços de serviços rodando em níveis especialmente baixos. A avaliação é que, mesmo com a continuidade do processo de reabertura das atividades em junho e julho, o ritmo de recuperação da economia é bastante lento e aponta para preços deprimidos de forma mais prolongada. Medidas de núcleo acumuladas em 12 meses rondam 2%, enquanto a inflação dos serviços atinge o menor patamar em pouco mais de duas décadas. Como esperado, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo - 15 (IPCA-15) acelerou em julho, para 0,30%, ante 0,02% no mês anterior. A mediana das estimativas reunidas pelo Valor Dat a, porém, apontava alta de 0,51%. Desvios relevantes ocorreram em alimentação e transportes, apontam especialistas. Mas eles dizem que a surpresa foi grande porque mesmo medidas de núcleo, que tentam neutralizar o efeito de itens voláteis dentro dos grupos, apresentaram diferenças significativas e demonstraram patamares muito baixos. No setor de serviços, que tem peso de 38% no índice geral, cálculos da MCM Consultores apontam que a inflação recuou de 2,07% nos 12 meses até junho para 1,63% em julho, o menor patamar desde dezembro de 1999 (+1,49%). Na base mensal, economistas projetavam ligeira alta em julho, após queda de 0,28% no mês anterior, mas os preços dos serviços recuaram 0,06%, “denotanto a fraqueza do setor”, segundo Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos. Esse indicador inclui, por exemplo, passagens aéreas, cuja expectativa era de alta depois do tombo de 26% em junho, mas os preços seguiram caindo em julho (-4,16%). Considerando apenas serviços subjacentes - mais sensíveis ao ciclo econômico ao excluírem cursos, comunicação, serviços domésticos e turismo -, a inflação em 12 meses permaneceu em 2,6%, a mais baixa em quase duas décadas, de acordo com relatório do Barclays.
O Itaú Unibanco esperava alta de 0,09% para os serviços em julho e de 0,15% para os serviços subjacentes, que recuaram 0,10% no mês. “Muitas vezes, conseguimos explicar desvios na projeção com poucos itens. Mas olhando a abertura de julho, a surpresa foi bastante para baixo e muito espalhada”, diz Julia Passabom, economista do Itaú. A média dos cinco núcleos acompanhados pelo Banco Central, conforme atualização do Relatório de Inflação do segundo trimestre, avançou de 0,01% em junho para 0,11% julho, segundo a MCM. Em 12 meses, porém, ficou praticamente estável, em 2,01% - abaixo do piso da banda de tolerância da meta deste ano, de 2,5%. “Foram 10 pontos-base [0,1 ponto percentual] de surpresa entre o que esperávamos para julho e o apurado na média dos núcleos observados pelo BC. Isso não é comum, porque o núcleo mostra o comportamento mais estrutural da inflação e o que ele está me dizendo é que está estruturalmente baixo”, afirma Sanchez. No geral, para itens em que se esperava desaceleração no IPCA-15 de julho, a queda se mostrou mais intensa. Foi o caso do grupo de alimentação e bebidas, que recuou 0,13%, após alta de 0,47% em junho. “Prevíamos desaceleração, rumando para pequena deflação no fechamento de julho, mas não esperávamos uma deflação já”, afirma Fábio Romão, da LCA Consultores. Já em itens para os quais a expectativa era de aceleração, as altas acabaram sendo menos fortes. O grupo de transportes passou para o campo positivo (+1,11%), puxado pela gasolina que, após quatro meses consecutivos de queda, subiu 4,47% - mas muitas casas esperavam uma alta mais próxima de 5%. “Vemos espraiados pela inflação os efeitos de uma atividade combalida”, diz Romão. “É um regresso ainda fraco da economia”, resume Sanchez, da Ativa, que revisou preliminarmente sua previsão para o IPCA cheio de julho de 0,41% para 0,30% e colocou viés de baixa na projeção de 1,1% para o ano. Reconhecendo que está na ponta mais baixa das expectativas para 2020, Sanchez diz esperar que mais casas se aproximem da sua estimativa.
Com o resultado do IPCA-15 de julho, Romão, da LCA, também reviu sua projeção para julho de 0,50% para 0,34% e reduziu a previsão para a inflação no ano de 1,6% para 1,4%. Para agosto, o economista prevê um número bem baixo (0,03%), refletindo descontos nas mensalidades escolares. “Nesse terceiro trimestre, devemos acumular alta de 0,48%, é muito pouco”, afirma. Após a divulgação do IBGE, o Credit Suisse revisou sua projeção para inflação em 2020 de 1,7% para 1,5%. Em relatório, Leonardo Fonseca e Lucas Vilela citam que o resultado de julho “reforça a expectativa de que o cenário favorável à inflação observado em no primeiro semestre de 2020 será mantido no segundo semestre”. O Itaú mudou a projeção preliminar para julho de 0,53% para 0,41%, mas manteve o IPCA de 2020 em 1,8%.
*”Mortes por covid-19 no país superam 87 mil”*
*”Vendas para China crescem 15% e sustentam saldo comercial”* - Contrariando expectativas de que a pandemia causaria estrago maior no comércio do Brasil com o exterior, a demanda firme da China, aliada a um câmbio mais depreciado, evitou retração mais forte das exportações brasileiras. De janeiro a junho, os embarques para o gigante asiático subiram 14,6% ante o mesmo período do ano passado, para US$ 34,35 bilhões, ao mesmo tempo em que as vendas para o resto do mundo caíram 15,2%. Os cálculos são do Barclays, com base em dados do Ministério da Economia. No total, as exportações encolheram 7,1% no acumulado do ano. Ainda que em terreno negativo, o número foi uma surpresa favorável para economistas, que esperavam redução mais significativa diante da recessão mundial. Como resultado da maior demanda da China, a participação do país na pauta de exportações nacional cresceu ainda mais, de 27% no primeiro semestre de 2019 para 34% no mesmo intervalo de 2020 - maior percentual desde 2000, primeiro ano da série elaborada pelo banco. Do superávit de US$ 22,3 bilhões da balança comercial brasileira no acumulado deste ano, a China responde por US$ 17,7 bilhões, ou quase 80% do total. Embora boa parte do saldo positivo entre exportações e importações seja explicado pela crise econômica e o real desvalorizado, que derrubaram as compras do exterior, economistas afirmam que o “efeito China” também ajudou a sustentar o superávit. Para eles, essa tendência deve continuar ao longo do ano e coloca viés de alta nas estimativas para o saldo da balança em 2020, ainda que os possíveis desdobramentos da guerra comercial entre o país asiático e os EUA adicionem incertezas no cenário.
A queda de 13% do superávit comercial brasileiro entre o primeiro semestre do ano passado e igual intervalo deste ano teria sido consideravelmente maior sem a contribuição positiva do gigante asiático, destaca Roberto Secemski, economista-chefe para Brasil do Barclays. “As exportações brasileiras continuaram relativamente resilientes, graças à demanda da China”, diz Secemski, que se surpreendeu com recuo menos acentuado que o previsto das vendas externas. A retomada mais rápida da economia chinesa e, possivelmente, a escalada das animosidades na relação entre o país e os EUA podem explicar por que as exportações brasileiras à China tiveram bom desempenho, sobretudo nos itens básicos, avalia o economista. De janeiro a junho, os embarques de soja e minério de ferro ao país asiático avançaram 31% e 27%, respectivamente. Após cair 6,8% no primeiro trimestre sobre igual período de 2019, a economia chinesa cresceu 3,2% no segundo trimestre na mesma comparação, o que configura uma recuperação em “V”. A China deve sair do choque atual mais forte e será uma das poucas nações a crescer este ano, afirma Livio Ribeiro, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). No Boletim Macro de julho, Ribeiro estima que o PIB chinês terá alta de 1,2% em 2020 e, no quarto trimestre, já estará rodando perto de sua tendência de longo prazo, de 5,5% ao ano. “Os resultados da balança comercial até junho mostram que, mesmo num cenário de crise, o desempenho das exportações brasileiras é positivo”, avaliou a pesquisadora Lia Valls, do Ibre/FGV, responsável pelo Indicador de Comércio Exterior (Icomex) da entidade. Ela destaca que, no sexto mês do ano, em valor, as exportações caíram 2,7% sobre igual período do ano anterior, mas, em volume, subiram 13,1%.
Além da reação chinesa, Secemski aponta a tensão comercial entre China e EUA como outra possível influência de alta nas exportações brasileiras. Até agora, expectativas de que a fase 1 do acordo comercial entre os dois países reduziria as compras chinesas de produtos brasileiros não se confirmaram, diz ele. Nessa fase do acerto, a China se comprometeu a acelerar compras de bens agrícolas dos EUA. “Novos entendimentos entre os países poderiam mudar essa situação [de alta das exportações do Brasil para a China], mas conforme as eleições americanas se aproximam, a chance disso ocorrer parece diminuir”, afirma. Para Paula Magalhães, economista-chefe da A.C. Pastore & Associados, possíveis surpresas em relação à guerra comercial adicionam incertezas nas estimativas para o saldo da balança comercial brasileira. “Na hipótese de um acordo entre os dois países, as exportações de commodities brasileiras poderão sofrer mais”, observa ela. Paula espera aumento de cerca de US$ 20 bilhões no saldo da balança ante 2019, quando o superávit foi de US$ 48 bilhões. Em seu cenário, a melhora virá principalmente de forte retração das importações, mas o comportamento menos negativo das exportações até agora também é levado em conta. Nos cálculos com ajuste sazonal da A.C. Pastore, a China elevou as compras do Brasil em 10% entre o primeiro e o segundo trimestres. Além da reação do nível de atividade no país, Paula aponta que a alta do dólar em relação ao real elevou a competitividade nas exportações à China. “A depreciação do real bem acima das moedas dos demais países emergentes levou a um câmbio real significativamente mais depreciado do que na média de 1994 a 2002”, ressalta a consultoria.
Sócio e economista da Tendências Consultoria, Silvio Campos Neto diz que a queda menor que o previsto das exportações, junto à intensa redução das importações, coloca viés de alta em sua projeção para a balança comercial no ano. “A pandemia mudou drasticamente a perspectiva de queda dos saldos comerciais em 2020. Temos expectativa de saldo de US$ 49 bilhões no ano, mas podemos rever esse número para US$ 55 bilhões”, diz. Segundo Campos Neto, a surpresa positiva com as vendas externas se concentrou no segundo trimestre. O Barclays estima que o superávit comercial brasileiro vai crescer para US$ 53 bilhões em 2020. “Continuamos vendo risco de alta para o saldo comercial neste ano”, diz Secemski, para quem a tendência positiva das exportações à China tende a prosseguir.
*”Propostas criam versão ‘4.0’ do IVA, diz professor”* - Ideias em discussão de reforma tributária apontam para versão mais moderna do imposto sobre valor agregado, diz Isaías Coelho, da FGV
*”Técnicas de gestão de risco são insuficientes para facilitar comércio exterior, segundo CNI”* - Órgãos responsáveis por liberar as operações de exportação e importação adotam técnicas de gestão de risco insuficientes para garantir a fluidez do comércio, diz estudo da CNI
*”Crise de imagem na Amazônia é desafio para ‘vender’ ferrovia”* - Governo faz ‘road show’ com gigantes do exterior em busca de aporte bilionário na Ferrogrão
*”Diretora da OMS vê com “otimismo cauteloso” chance de vacina em 2021”* - Haveria necessidade de pelo menos 2 bilhões de doses até o fim do ano que vem, e a capacidade de produção será altamente contingenciada, dependendo do tipo de vacina, diz Mariângela Simão, diretora-geral assistente da OMS
*”Caio Megale vai deixar equipe de Paulo Guedes”* - A distância da família, que vive em São Paulo, e o desejo de voltar para a iniciativa privada são os motivos alegados a interlocutores pelo diretor de Programas da Secretaria Especial de Fazenda
*”PL que atrasa informes de óbito ao INSS facilita fraudes de até R$ 2 bi”* - Texto proposto permite que o instituto leve até 40 dias para ter ciência das mortes
*”Bolsonaro evita conflitos e faz acenos a aliados”* - Recuperado da covid-19, o presidente Jair Bolsonaro manteve no fim de semana a postura de evitar conflitos com outros Poderes, mas fez dois acenos a aliados do chamado grupo “mais ideológico”: visitou a deputada Bia Kicis (PSL-DF), que ele destituiu do cargo de vice-líder do governo na Câmara sem dar aviso prévio, e protocolou ação no Supremo Tribunal Federal (STF) em que pede o desbloqueio de contas de apoiadores nas redes sociais. A ação direta de inconstitucionalidade (ADI) foi protocolada pela Advocacia-Geral da União (AGU) e teve caráter técnico: questionou o descumprimento do princípio da liberdade de expressão com o argumento de que o bloqueio “priva o cidadão de que sua opinião possa chegar ao grande público, ecoando sua voz de modo abrangente”, o que, “nos dias atuais, [...] é como privar o cidadão de falar”. A ação ainda fez a ressalva de que a AGU não está defendendo a prática de ilícitos penais. “Ao contrário, o que se busca é que se faça cessar os ilícitos sem que seja imposta medida desproporcional ao exercício das liberdades públicas”, afirma o documento. Perfis de apoiadores do presidente Bolsonaro, que são investigados por suposta disseminação de “fake news”, foram bloqueados pelo Twitter e Facebook na última sexta-feira, por ordem do ministro do Alexandre de Moraes, relator do inquérito no STF. Os investigados negam o cometimento de qualquer crime e falam em censura por parte do Supremo. Já Bolsonaro não deu declarações sobre a ação dessa vez e preferiu sinalizar apoio aos aliados com uma ação judicial, mas sem as antigas críticas diretas ao STF. A mudança de postura ocorre desde a prisão do ex-assessor Fabrício Queiroz, que levou o presidente a diminuir o tom de conflito com os outros Poderes.
Outro gesto de apoio ao grupo ideológico foi visitar a deputada Bia Kicis “de surpresa” no sábado, logo após se recuperar da covid-19. Dias antes, ele determinou a saída dela do cargo de vice-líder do governo por causa de um voto contra a prorrogação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) - o governo era contra a proposta, mas, após perceber que seria derrotado, decidiu apoia-la com o discurso de que não é só a esquerda que apoia a educação. Kicis, que se queixou de não ter recebido nem um telefonema, disse que a visita “simboliza os laços de amizade e alinhamento que nos unem e que seguem firmes”.
+++ Bolsonaro em silêncio talvez seja pior porque não dá indício das maldades que está planejando, principalmente, com relação ao uso dos meios de comunicação.
*”PM negra é uma das principais apostas do PT”* - “Se vocês virem um veículo se aproximar ocupado por cinco ‘negões’, o que fazem?” A pergunta é feita pelo instrutor no curso de formação de oficiais na Academia de Polícia Militar e respondida imediatamente. Os alunos citam as mais diferentes técnicas de abordagem e descrevem formas de imobilização dos “suspeitos”. Uma aluna se inquieta: “Professor por que cinco ‘negões’? E se fossem cinco ‘brancões’?” O instrutor, um oficial da Polícia Militar da Bahia, responde: “Aluna, branco correndo é atleta, preto correndo é ladrão!” A cena foi vivenciada por Denice Santiago e descrita em sua dissertação de mestrado sobre a discriminação racial nas atividades da PM. Mulher, negra, policial militar e de família pobre, Major Denice Santiago, com 49 anos, passou 30 anos na corporação. Agora, tenta mostrar que existe resistência entre policiais a esse discurso e busca driblar a rejeição de parte do PT à sua pré-candidatura à Prefeitura de Salvador. O PT decidiu disputar com o bolsonarismo a bandeira da segurança pública e aposta na militar para tentar vencer pela primeira vez na capital baiana. Com atuação no combate à violência contra a mulher, Major Denice é vista pela direção nacional petista como uma renovação e uma das pré-candidaturas com maior potencial eleitoral. O partido desidratou-se nas eleições de 2016, ao perder 60,2% do número de municípios que comandava no país e vencer em apenas uma capital, Rio Branco. O desafio em Salvador, no entanto, não será fácil: o principal concorrente é o vice-prefeito Bruno Reis (DEM), ex-secretário de Infraestrutura e Obras, líder nas pesquisas de intenção de voto e apadrinhado do prefeito ACM Neto (DEM).
A escolha de uma policial militar foi articulada pelo governador Rui Costa (PT), e é alvo de críticas no PT baiano. O governador tentou, inicialmente, a candidatura do presidente do Esporte Clube Bahia, Guilherme Bellitani, mas o dirigente desistiu. Rui Costa insistiu em ter um nome novo na política e atendeu ao movimento negro, que lançou em 2019 a campanha “Eu quero ela”, em defesa de candidaturas de mulheres negras para disputar a capital. Salvador tem a maior população de pretos e pardos do país (79,2% do total, segundo o IBGE), mas nunca elegeu uma negra - ou um negro - para a prefeitura. Ao mesmo tempo, o governador buscou uma candidatura que pudesse amenizar os ataques à área de segurança, uma das mais problemáticas da gestão, marcada por denúncias de ações violentas da polícia sobretudo contra negros e pobres. Major Denice é idealizadora e ex-comandante da Ronda Maria da Penha, patrulha da PM para combater a violência doméstica contra mulheres, com boa imagem na população. O presidente do PT de Salvador, Ademário Costa, diz que “a esquerda precisa disputar a polícia” nas urnas. “A esquerda erra ao não ver os agentes de segurança como trabalhadores”, afirma. Para o petista, a esquerda erra também ao achar que todos os policiais são apoiadores do presidente Jair Bolsonaro. “A elite da polícia, que é bolsonarista, tem gênero, raça e classe social específicos: homem, branco, de classe média alta. A base da polícia é de negros, das classes C e D, da periferia, que também foram vítimas da repressão policial”, diz. “Precisamos buscar contrapontos para fazer o diálogo com a PM.”
A major reconhece que há excessos cometidos por colegas da corporação até mesmo na abordagem a suspeitos. Em seu mestrado, ao questionar PMs sobre como identificar quem é suspeito, registra descrições como: “[alguém que] geralmente [está] usando bermuda e camisa, boné escondendo ao máximo o rosto, um andar marrento, e em sua grande maioria negros e jovens.” Ao perguntar sobre quem seria abordado primeiro, se houvesse um homem branco e um negro, a maioria dos entrevistados pela major (51%) indicou que seria o negro; 49% afirmaram ser “indiferentes” à cor e nenhum indicou o branco como prioritário. Na dissertação, Denice propôs a criação de uma coordenação de direitos humanos na PM, para os policiais e tentar mudar práticas discriminatórias. A pré-candidata pondera que assim como existem maus policiais, há bons exemplos e cita a ação da Ronda Maria da Penha que, segundo ela, “já salvou mais de 6 mil mulheres”. Denice é graduada em psicologia e em segurança pública, pós-graduada em gestão de direitos humanos e mestre em desenvolvimento e gestão social. Apesar de segurança não ser uma atribuição dos prefeitos, a pré-candidata afirma que o tema é uma “pauta prioritária” e que é necessário “tirar o foco da segurança e pensar na prevenção e enfrentamento da violência”, com ações voltadas aos mais pobres. A campanha deve ser coordenada por outra negra, Fabya Reis, secretária estadual de Promoção de Igualdade Racial, que retirou a pré-candidatura no PT. Major Denice diz que sua eventual eleição será simbólica para uma cidade que “jamais elegeu uma pessoa negra” e vai abalar “os pilares” da cultura do “patriarcado e do racismo”. “Vai inspirar os mais de 80% de negros da cidade”, afirma. A escolha da major gerou uma rebelião no PT e entre aliados, por ser um nome militar e sem vínculos com a sigla. Petistas afirmam que o partido tinha outras quatro pré-candidaturas - duas de mulheres negras-, e poderia apoiar a pré-candidatura da deputada Olívia Santana, liderança do movimento negro. Sob pressão, o PT fez prévia em abril, mas não abriu a votação aos filiados e apenas 45 delegados votaram. Filiada um mês antes da escolha, Denice ganhou com 71% dos votos. O lançamento da militar é visto como exaltação à política de segurança estadual, que é contestada e poderá gerar desgastes ao partido na eleição.
O governador, no entanto, evita falar sobre a escolha para não criar mal-estar entre outras pré-candidaturas de sua base. Procurado pelo Valor, não quis comentar nem sobre Denice nem sobre segurança. A Bahia é o terceiro Estado com maior número de mortos por policiais. Foram 716 mortes em 2019, segundo o Monitor da Violência. Em 2018, o número foi ainda maior: 749 óbitos. No país, a letalidade policial só é maior no Rio e em São Paulo. Um dos problemas da gestão Rui Costa na segurança deu-se no começo do primeiro mandato do petista, em 2015, com a chacina do Cabula - mesmo bairro onde Major Denice mora. Policiais militares executaram 12 jovens negros e a ação foi elogiada pelo governador, que comparou os PMs a artilheiros em frente ao gol. O governo alegou que os jovens planejavam um assalto a banco e foram mortos em confronto com PMs, mas o Ministério Público concluiu que foi uma execução por vingança e não houve confronto. Os policiais envolvidos na chacina continuam trabalhando normalmente. Em seu mestrado, ao falar sobre o “confronto”, Major Denice cita que “diversas organizações sociais” indicaram “um extermínio da população (negra e jovem), não somente uma operação policial militar” nesse caso. Na Bahia, a taxa de homicídios de jovens negros é quatro vezes a de jovens brancos, segundo estudo da Rede de Observatórios de Segurança.
Para o professor da UFBA Joviniano Neto, especialista em Segurança Pública, há duas culturas em conflito na PM: a do autoritarismo, que gera um alto grau de letalidade, e do “pacto pela vida”, voltada para a prevenção da violência. “Em todo o país, é difícil controlar a polícia. O autoritarismo e a prática militarizada vêm desde a ditadura e não são adequados. Mas, muitas vezes, são apoiados pelo senso comum”, diz. A tentativa de aproximação do PT da Bahia com a PM não é recente. Em 2001, o partido apoiou a greve de policiais contra o governo César Borges (PFL). Na época, os então deputados petistas Jaques Wagner, Walter Pinheiro e Nelson Pellegrino foram chamados pelo governo federal, de Fernando Henrique Cardoso, para ajudarem a construir uma saída para o impasse. A aproximação, no entanto, foi mais pela oposição ao governo e pela reivindicação de melhores condições de trabalho aos PMs do que por ideologia. Um dos líderes do motim, pastor Sargento Isidório foi eleito pelo PT na eleição seguinte, em 2002, como deputado estadual. Integrante das bancadas da “bala” e da “Bíblia”, Isidório passou pelo PSB e PDT, mas também pelo conservador PSC, e tornou-se um dos políticos mais populares do Estado. Conhecido como “ex-gay” e “doido”, em 2018 foi eleito deputado federal pelo Avante com a melhor votação da Bahia e atualmente aparece em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto para a Prefeitura de Salvador. “Não sou de esquerda nem de direita. Sou representante de uma classe popular, negro, da periferia”, diz. O pastor e militar afirma que “lamentavelmente teve que deixar o PT” e faz uma série de elogios ao governador Rui Costa. “Ele é meu amigo. Um exemplo de homem sério, íntegro e que serve de modelo aos petistas”, afirma. Apesar da boa pontuação nas pesquisas e de dizer que “sonha em ser prefeito”, o parlamentar não descarta retirar a pré-candidatura e apoiar o PT. “Não tenho a vaidade de ser prefeito. Deus já me deu mais do que eu mereço”, diz. “Mas não vou desistir porque estou isolado. Tem que ter um critério”, afirma. “Se outro pontuar melhor, qual o problema de apoiá-lo?”
Apesar dos acenos à base militar, a relação do PT com policiais enfrentou desgastes ao longo das quatro gestões consecutivas do partido na Bahia, com greves de PMs. Uma das mais longas foi em 2012, no governo Jaques Wagner, com cerca de uma centena de homicídios registrados durante o motim. Um dos críticos da ligação política do PT com a polícia é o ex-ministro Juca Ferreira, que comandou a Cultura nas gestões Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Ferreira diz que a escolha é uma exaltação à PM, apesar de o programa do PT defender a desmilitarização da polícia. “Não vejo com simpatia essa politização da polícia. A PM tem o monopólio das armas, é uma instituição para manter a ordem. Quando se mistura com a política, enfraquece a instituição”, diz Ferreira, que postulou a vaga de pré-candidato pelo PT. O ex-ministro diz “não ser otimista” sobre a chance de vitória da major. “Quando uma candidatura responde mais a um conceito de marketing do que a um projeto político, fica difícil convencer a população a mudar”, avalia.
*”Das ruas ocupadas da Maré para a Assembleia”* - Renata Souza havia acabado de chegar em casa, no Complexo da Maré, na noite de 14 de março de 2018 quando recebeu a ligação de um jornalista no seu celular. O repórter queria saber se ela confirmava o assassinato da vereadora Marielle Franco, de quem Renata era chefe de gabinete naquela época. “Não, eu estava com ela agora. Impossível. Isso é mentira”, respondeu ela. No decorrer das horas seguintes, uma sucessão de chamadas - a maior parte delas de jornalistas - acabou por confirmar a notícia da morte de Marielle e seu motorista Anderson Gomes. O crime marcou uma guinada na trajetória política de Renata, que levou a jornalista e doutora em comunicação a ser eleita em 2018, com 63.937 votos, para uma vaga na Assembleia Legislativa fluminense. “Eu estava na minha vida numa construção muito acadêmica”, lembra a pré-candidata do Psol à Prefeitura do Rio de Janeiro. “Com o assassinato da Marielle, a prioridade muda porque vem a carga de responsabilidade política e coletiva que a gente tinha construído juntas. Vêm as pessoas me falar: ‘Renata, a gente precisa de você também para fazer essa disputa [eleitoral]’.” Antes de concorrer a uma vaga no Legislativo, Renata, de 37 anos, já acumulava longa militância em movimentos sociais. Foram 15 anos percorrendo as ruas e vielas da Maré como repórter do jornal comunitário “O Cidadão”. “A Maré tem 17 favelas. Diferentemente do que as pessoas pensam, que é uma grande massa homogênea, não é”, frisa a parlamentar. Nas páginas do periódico, o debate sobre segurança pública pela ótica dos direitos humanos era uma constante. Foi por meio da militância social que Renata conheceu o então deputado estadual Marcelo Freixo (Psol). “O primeiro congresso do Psol a gente fez na praça do Parque União, na Maré, em 2006. Eu e a Marielle”, recorda a pré-candidata. Trabalhou com Freixo por dez anos, entre 2007 e 2017. Depois, passou a atuar no gabinete de Marielle Franco - também nascida e criada na Maré.
Em junho, Freixo anunciou Renata como pré-candidata à Prefeitura do Rio em 2020. Adversário de Marcelo Crivella no segundo turno das eleições municipais de 2016, Freixo desistiu em maio da corrida à prefeitura alegando dificuldades para consolidar uma aliança ampla de esquerda. “Já estava difícil com o nome do Freixo”, admite Renata, que vê a indicação como pré-candidata como uma reafirmação das bases do Psol. “Meu nome é um nome que traz a essência dessa construção da base a partir da favela, da periferia, da construção das mulheres pretas nesse lugar”. Seu pai nasceu no Complexo do Alemão e a mãe, na Maré. O cotidiano de Renata na favela - com aulas suspensas por causa de tiroteios e água contaminada saindo das torneiras de casa - está presente não só no seu discurso político. Concluída em 2017, a tese de doutorado dela trata da militarização da segurança pública a partir da ocupação da Maré pelo Exército durante a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016. “Minha trajetória educacional não tem nada a ver com meritocracia, porque [para isto] é preciso ter oportunidades e condições iguais. Pelo contrário, eu sou a exceção que confirma a regra da exclusão”, argumenta a deputada estadual. Renata foi a primeira tanto na família paterna como na materna a cursar o ensino superior. Aluna do pré-vestibular comunitário da Maré durante três anos (“quase uma graduação”), Renata foi admitida pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) em 2003, graças a uma parceria entre o cursinho e a instituição de ensino. A bolsa integral cobria até o valor do transporte e a alimentação. “Tinha todo um choque educacional e cultural. A Gávea, para mim, era outra cidade”, diz a pré-candidata sobre o bairro da zona sul onde está situada a universidade. Na análise dela, as eleições deste ano serão um “teste de fogo”, tanto no Rio como no restante do país. “Essas eleições vão ser essencialmente nacionalizadas. Justamente porque todo mundo já experimentou o que é o bolsonarismo no poder”, diz. “O bolsonarismo, dito incorruptível, tem prazo de validade”. Embora o Psol esteja em negociação com o PCdoB, Renata vê chances de sua candidatura atrair eleitores fora do espectro político da esquerda. Ela lembra que o vereador Tarcísio Motta (Psol) chegou em terceiro na corrida ao governo do Rio em 2018.
*”Avanço da covid-19 fortalece chapa de negros da periferia”* - A ausência e omissão do Estado em áreas vulneráveis durante o avanço da covid-19 deu impulso à candidatura coletiva do movimento negro das periferias de São Paulo. A cabeça de chapa será Elaine Mineiro, 36 anos, geógrafa, arte-educadora e coordenadora de núcleo da Uneafro. O grupo é formado por cinco moradores e militantes negros das zonas Leste e Sul da capital que vivem, trabalham e militam em coletivos nas periferias, ou melhor, nos “territórios”, como eles se referem aos locais que habitam. “Nós consideramos ser desse território. Somos pessoas pretas e periféricas que estão dentro de organizações e movimentos de periferia. Não somos representantes. Nós somos essa população, somos essas pessoas”, explica Elaine Mineiro. O grupo não tem um histórico de atuação na política institucional e partidária, mas optou por se filiar ao Psol para fazer a primeira tentativa de ocupação de um espaço formal de poder na Câmara Municipal de São Paulo. Para o jornalista e educador físico Antonio Erick, 32 anos, um dos integrantes da candidatura coletiva, a negligência do Estado com as populações periféricas ficou escancarada com a pandemia. “Na maior dificuldade que a gente passou na história, os partidos políticos, os políticos que a gente elegeu, não vieram fazer nada pela gente aqui não. Foram apenas as entidades de base que se moveram, e uma rede toda, estruturada, com várias frentes, que deu assistência para a nossa comunidade”, diz ele, morador do Jardim São Luís, zona sul, e conhecido como Erick Ovelha.
A extrema vulnerabilidade dos moradores da periferia, agravada pela covid-19, pode sim “virar um capital político para candidaturas periféricas conectadas com o território”, acredita Wellington Amorim, 25 anos, morador do Jardim Ângela, na zona sul, colaborador de comunicação da candidatura. “Temos atuação concreta no cotidiano dessas pessoas. As pessoas estão vendo na pandemia quem está do lado delas.” Fazer campanha agora será um desafio, diz, porque a militância na periferia sobrevive com o boca-a-boca, o corpo-a-corpo. Ele teme, ainda, o efeito das “fake news”. Além do desafio de se candidatar num momento de extrema fragilidade para moradores das periferias, com as mortes provocadas pelo coronavírus e o avanço da fome e do desemprego, o grupo vê o trabalho político de algumas igrejas evangélicas neopentecostais, ligadas ao bolsonarismo, como um dos principais obstáculos. “Ex-evangélico”, com toda a família e a maior parte dos amigos seguindo a religião, Alex Barcellos, 40 anos, também integrante da chapa coletiva, acha preocupante a narrativa ideológica de igrejas dentro das favelas e periferias. “A presença da igreja dentro dos territórios veio ocupar um espaço do Estado, que coloca a gente em uma condição social e de vida em que só a igreja acaba sendo o último gancho de escape, fazendo com que as pessoas tenham a possibilidade de acreditar ainda na vida.” Hoje crítico dos aspectos mercantilistas e da ambição por poder político das igrejas, Barcellos ressalta que muitas lideranças religiosas fazem um trabalho sério nas periferias suprindo a ausência de políticas públicas. “Tenho muito respeito pelas pequenas igrejas, pelos trabalhos que desenvolvem, ações sociais, ajuda humanitária e acolhimento.” Barcellos diz lamentar a condução ideológica dentro das igrejas, “pactuada com o atual governo”. “A igreja [neopentecostal] hoje tem papel fundamental no voto do bolsonarismo. Isso foi muito pactuado na ocupação dos partidos, no crescimento das bancadas evangélicas na Câmara Federal e na Assembleia de São Paulo.” Esse contexto político de inúmeras adversidades não inibe o grupo, que quer focar o programa de governo com “a questão racial com centralidade em qualquer debate”, explica Elaine Mineiro. “Se a sociedade racista não aceita preto na universidade, imagina na Câmara. A disputa vai ser acirrada”, brinca Júlio César, assistente social e mestre em Serviço Social pela Unifesp, outro membro da chapa coletiva.
Segundo ele, o grupo “tem nítidas quais são as pautas das quais não abre mão”. Direitos das mulheres, combate à homotranslesbofobia, defesa dos direitos das crianças e adolescentes, contra a redução da maioridade penal. Além de todo esse pacote, pretendem abraçar, se eleitos, o embate institucional para que o sistema político reconheça a legitimidade de candidaturas coletivas. “Todos os dias esse Estado, o desgoverno bolsonarista, criam mecanismos para nos matar. Concorrer nesta eleição é um caso de vida, de esperança para a juventude preta. Como consigo conviver com esse número, de que a cada 23 minutos um jovem negro é morto? Concorrer é acreditar em outro projeto de existência, em outras maneiras de governar e de viver em comunidade”, desabafa Debora Dias, 22 anos, a caçula do grupo, estudante de ciências sociais e artista.
*”Entidades pressionam TSE por cotas no fundo e na TV”* - Em pouco mais de uma semana, cerca de 9 mil e-mails lotaram as caixas de ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para pedir a reserva de valores do fundo eleitoral e tempo de TV a candidaturas de pessoas negras. A mobilização começou em 16 de julho, com a campanha “Eleições Antirracistas”. A iniciativa é encampada por entidades como a Educafro, Mulheres Negras Decidem e Instituto Marielle Franco. O tema começou a ser debatido no TSE em 30 de junho, na véspera do recesso do Judiciário, mas a discussão foi interrompida por um pedido de vista (mais tempo para analisar o assunto) do ministro Alexandre de Moraes. A expectativa é que Moraes devolva o processo para a pauta em agosto, mas o tribunal está dividido. Um ministro da corte aponta que, assim como há pressão pela aprovação da proposta, também há movimentação contra, especialmente de dirigentes partidários. Caso Moraes libere o processo em agosto, o presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, já sinalizou que colocará prontamente o tema em pauta. Técnicos do tribunal avaliam que, se a proposta for aprovada, há condições de ela ser aplicada nas eleições municipais, que foi adiada para novembro devido à pandemia de covid-19. A proposta que beneficia candidatos e candidatas negras foi apresentada pela deputada Benedita da Silva (PT-RJ) na forma de uma consulta ao TSE. No pedido, a parlamentar questionou, por exemplo, se seria possível criar uma cota de 30% para candidaturas de pessoas negras, nos mesmos moldes da reserva de vagas que existe hoje para as mulheres.
Barroso votou contra a ideia de cota, mas se posicionou a favor de uma distribuição proporcional dos recursos e tempo de propaganda eleitoral no rádio e na televisão pelo critério de raça. O seu voto foi seguido pelo ministro Edson Fachin. Falta, portanto, a manifestação de cinco ministros para que o julgamento seja concluído. “Essa é uma demanda histórica. Mais do que nunca é urgente que o tribunal dê esse passo para garantir uma distribuição mais justa dos recursos e do tempo de propaganda entre candidaturas negras e candidaturas brancas. Já existem dois votos favoráveis e agora a gente vai tentar marcar conversas com os ministros para abrir um diálogo mais aprofundado sobre o tema”, diz Anielle Franco, diretora-executiva do Instituto Marielle Franco. Anielle, que é irmã da vereadora assassinada no Rio em março de 2018, diz estar confiante em relação ao resultado do julgamento. “O mínimo que esperamos é que pessoas negras tenham as mesmas oportunidades, na corrida eleitoral, que pessoas brancas”, afirma. De acordo com dados de um estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV) divulgado pelo movimento “Eleições Antirracistas”, nas últimas eleições para a Câmara dos Deputados, a distribuição de recursos não foi proporcional e beneficiou pessoas brancas. As mulheres negras, por exemplo, eram 12,9% das candidatas, mas receberam apenas 6,7% do dinheiro dos partidos destinados à campanhas. Já os homens negros eram 26% dos candidatos e receberam 18,1% dos recursos dos partidos. Para a advogada Isabel Mota, que é negra e atua como coordenadora de comunicação da Academia Brasileira de Direito Eleitoral (Abradep), será um “avanço” se o TSE aprovar a proposta de destinar recursos e tempo de propaganda eleitoral a candidatos negros. Isabel, no entanto, diz que apesar da onda de protestos antirracistas, que começou nos Estados Unidos e se espalhou pelo mundo após o assassinato de George Floyd, não há sinais de que isso terá como reflexo um aumento no número de candidaturas negras nas eleições deste ano, pois há “muitas variáveis” para este pleito. “Essa discussão, além de ela ser minoritária aqui no Brasil, chegou em um momento em que a gente já está muito próximo das eleições, a gente está com uma pandemia, e ainda vai ter uma alteração muito drástica do sistema de votação proporcional em razão da ausência da coligação proporcional.”
*”Atraso na formação do Aliança deixa bolsonaristas sem identidade”*
*”Após aumento das infecções, países dificultam as viagens na Europa”* - Novas medidas são um revés para o setor de turismo, que espera uma retomada agora no verão europeu
*”Varejista quer funcionários com até 80 anos no Japão”* - Empresa japonesa vai permitir que funcionários trabalhem até os 80 anos, se eles quiserem. Medida visa fazer frente à escassez de mão de obra
*”Candidato de Evo quer dois anos de perdão para dívida da Bolívia”* - Ex-ministro da Fazenda de Evo Morales, Luiz Arce lidera as pesquisas de intenção de voto para a Presidência na Bolívia. Na América do Sul, Argentina e Equador já estão reestruturando suas dívidas
*”Republicanos definem novo pacote nos EUA”* - Congresso precisa aprovar novo pacote de estímulo nesta semana, quando expira o pacote anterior. Senão, empresas podem ampliar demissões
*”Reforma tímida não levanta economia, diz Appy”* - Reforma ideal deveria abranger todos os tributos sobre o consumo, diz economista
*”BNDES e Caixa votam contra o interesse da União na Petrobras”* - A confusa assembleia de acionistas da Petrobras, que se estendeu por 11h40 entre a tarde de quarta e a madrugada de quinta-feira, evidenciou a falta de articulação de dois grandes bancos públicos - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e Caixa - com os interesses da União na petroleira. A ausência de alinhamento dos bancos motivou questionamentos de representantes da União, uma vez que os minoritários conseguiram aumentar com facilidade o número de assentos no conselho de administração da Petrobras em detrimento do governo, que ainda controla a companhia. A desarticulação dos bancos públicos com o governo na Petrobras se deu de duas maneiras. De forma prévia à reunião anual de acionistas, o BNDES apoiou o voto múltiplo na Assembleia Geral Ordinária (AGO) da Petrobras, dia 22. Foi a instauração do voto múltiplo que permitiu aos minoritários eleger um candidato, o advogado Leonardo Antonelli, tirando vaga da União no conselho de administração da estatal. Para instalar o voto múltiplo, é preciso reunir 5% das ações ordinárias da companhia. Uma vez instaurado o sistema, as chapas eleitorais são dissolvidas e os acionistas depositam os votos individualmente em cada candidato. É um tipo de eleição que não interessa ao controlador. No caso da Caixa, os fundos de investimento administrados pela instituição se manifestaram também de forma antecipada à assembleia com a intenção de votar em Antonelli, mas sem o conhecimento prévio do banco. A Caixa terminou retirando o apoio à Antonelli na assembleia e se absteve de votar. O BNDES solicitou na AGO para voltar atrás no apoio ao voto múltiplo, o que foi negado pela mesa, com o pedido registrado em ata.
BNDES e Caixa se valeram do boletim de voto a distância (BVD) para se pronunciar antes da assembleia. Trata-se de um mecanismo muito usado por minoritários no exterior, mas também no Brasil para manifestar intenção de voto de forma prévia às assembleias. Uma vez concluída a AGO, depois das 2h de quinta-feira - o encontro havia começado às 15h de quarta -, o resultado foi considerado uma derrota para a União e uma vitória do grupo de minoritários ligado ao banqueiro Juca Abdalla, que, com o apoio de investidores estrangeiros, conseguiu indicar dois dos três minoritários no conselho da Petrobras (além de Antonelli, o grupo fez conselheiro o advogado Rodrigo Mesquita). Antes da AGO, a União tinha sete vagas preenchidas no conselho de administração e um assento vago que, pelo estatuto, também cabe ao governo. Havia ainda duas vagas de minoritários e uma ocupada pelo trabalhadores da Petrobras, total de 11. O governo foi para a assembleia com chapa de oito candidatos, mas conseguiu eleger sete e os minoritários garantiram três assentos. Problemas técnicos e procedimentais tornaram a assembleia caótica. A Petrobras se defende ao argumentar que foi a primeira assembleia virtual em que se realizou o voto múltiplo. Uma primeira votação teve que ser anulada pois se percebeu que havia erro na tabela usada para base de cálculo. O equívoco ficou evidente quando se percebeu que a União havia eleito só dois candidatos e que o presidente da estatal, Roberto Castello Branco, e o presidente do conselho de administração, Eduardo Bacellar, haviam ficado de fora. Houve críticas à decisão de refazer a votação e insinuações, em chat da AGO, de suposta manipulação do pleito. Ao refazer a votação, a União elegeu cinco nomes. Ficaram três candidatos do governo para duas vagas na segunda rodada pois estava claro, desde o início, que Leonardo Antonelli seria eleito.
O advogado Francisco Costa e Silva, que presidiu os trabalhos da AGO, afastou qualquer hipótese de irregularidade: “Não houve nenhuma tentativa de manipulação na AGO, mas sim falhas técnicas. O resultado final é ‘fair’ [justo]. O único minoritário que disputava vaga pelo voto múltiplo [Antonelli] foi eleito”, disse Costa e Silva. O BNDES considera que o voto múltiplo seria garantido de qualquer maneira, mesmo sem o seu apoio. “Independentemente da manifestação da BNDESPar, o processo de voto múltiplo já estava aprovado”, disse o banco. O apoio ao voto múltiplo, via BVD, foi do conselheiro indicado pela BNDESPar na Petrobras, Ricardo Viegas. Procurado, Viegas não retornou para explicar a razão do apoio ao voto múltiplo antes da AGO. “O BNDES reforça que houve um erro de manuseio do sistema na votação. Durante a realização da Assembleia os representantes da BNDESPar fizeram o esclarecimento do erro técnico e o pedido formal de retratação do voto múltiplo, o qual consta em ata da Assembleia Geral Ordinária e Extraordinária da Petrobras S.A.” O BNDES disse ainda que Costa e Silva questionou o representante do banco na assembleia acerca da utilidade do pedido de retratação do voto uma vez que, pela contagem dos votos até aquele momento, independentemente da manifestação da BNDESPar, havia sido atingido o percentual mínimo de quórum para aprovação do voto múltiplo. A BNDESPar tem 0,24% das ações ordinárias de Petrobras. Os fundos da Caixa, por sua vez, recuaram do apoio a Antonelli na assembleia. O banco é responsável pela gestão do fundo FMP-FGTS, que detém 1,45% do capital da estatal. Na condição de gestor dessas carteiras, a Caixa havia sinalizado voto em Antonelli, acompanhando a indicação dos minoritários. Entretanto, o nome foi barrado pelos controles internos do banco por razões de governança. O advogado moveu ação contra a Petrobras e a leitura é que seria inadequado tê-lo como representante no conselho. Assim, o apoio foi retirado. A Caixa não comenta o caso.
Uma fonte afirmou que não havia sido feita checagem adequada sobre Antonelli pelo fundo, instância em que essas indicações se davam de forma quase automática. A Caixa, porém, vem adotando novas práticas de governança, que agora são estendidas à área de gestão de recursos. Com esse objetivo, foi deslocado para a vice-presidência de recursos de terceiros o executivo Alexandre Ywatta, que era o responsável pela área de riscos e compliance do banco. Com a retirada dos votos a Antonelli, o fundo da Caixa levantou outros nomes, mas, no tumulto que marcou a reunião, não conseguiu fazê-lo. Mesmo sem a Caixa, Antonelli tinha votos para se eleger. Outro interlocutor disse que não foi intencional o posicionamento que acabou prejudicando a União. A fonte disse, porém, que o fundo é minoritário da companhia e segue uma régua de governança e, portanto, não necessariamente precisa acompanhar a União nas votações. Antonelli havia dito ao Valor, depois da AGO, que não existe conflito de interesses entre a atuação dele como advogado e a indicação de seu nome para o conselho da Petrobras. “Todavia, para que não pairem dúvidas, todos os candidatos ao Conselho de Administração da Petrobras devem cumprir as orientações do Comitê de Pessoas, o qual apontou em relação a diversos candidatos medidas mitigatórias as quais, creio, serão por todos cumpridas”, afirmou.

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