A segunda-feira já havia amanhecido tensa, em Brasília, com deputadas bolsonaristas tentando insuflar um motim policial-militar na Bahia. Como se o Senado inteiro não tivesse declarado guerra ao ministro das relações exteriores apenas na véspera. Mas aí Ernesto Araújo caiu e num repente, uma após a outra, mudaram de ocupante ao todo seis cadeiras ministeriais. E o choque: demitido o ministro da Defesa. Ameaça de demissão do comandante do Exército. Ruídos de autogolpe. Como de hábito, acuado, Jair Bolsonaro tentou simultaneamente agradar ao Centrão — como revela Andréia Sadi — para afastar risco de impeachment enquanto, com a outra mão, fazia um aceno de radicalização. Esta não é uma história ainda com desfecho claro. Aqui vai o que sabemos até agora. (G1)
A primeira mudança do dia era a prevista. Ernesto Araújo pediu demissão obrigado após dois anos colecionando polêmicas e uma semana de guerra com o Senado. Depois de vários nomes serem especulados, a escolha caiu sobre Carlos Alberto França, um diplomata que, como Araújo, não tem expressão no Itamaraty, mas que se aproximou de Bolsonaro ao chefiar o cerimonial do Planalto. (Folha)
Segundo Sonya Racy, é tido como um homem que não cria arestas e foi chefe de gabinete da ex-presidente Dilma Rousseff. (Estadão)
Meio em vídeo. O chanceler Ernesto Araújo caiu e o Senado ganhou a batalha, certo? Não. Esta é uma disputa de poder. O Centrão quer espaço, Bolsonaro reluta em dar. Confira o Ponto de Partida no YouTube.
Aí veio a surpresa... O ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva anunciou que havia sido demitido. Menos de duas horas depois, publicou uma nota curta. A frase mais importante que, segundo interlocutores, ele quis destacar: “Nesse período, preservei as Forças Armadas como instituições de Estado.” De acordo com Malu Gaspar, Azevedo não queria reviver “maio passado”, quando bolsonaristas fizeram protestos pedindo golpe de Estado e atacando o STF. (Globo)
Lauro Jardim: “A demissão de Azevedo e Silva deu-se numa conversa rápida entre ele e Jair Bolsonaro. Ao todo, foram três minutos de reunião. Foi o resultado de muitos meses de desacertos. Bolsonaro, por exemplo, pediu mais de uma vez ao ministro que o comandante do Exército, general Edson Pujol, fosse demitido. Azevedo e Silva resistiu o quanto pôde e segurou Pujol em seu cargo. Bolsonaro também costumava reclamar com o general que precisava de demonstrações públicas de apoio das Forças Armadas. E culpava Azevedo e Silva por não tê-las.” (Globo)
Ricardo Kotscho tem a informação de que a recusa a apoiar um decreto de Estado de Sítio está entre os motivos da demissão de Azevedo. (UOL)
Merval Pereira sugere que Bolsonaro acena com o desejo de um autogolpe. Mas não acredita na possibilidade. “Os militares estão comprometidos com o Estado democrático de direito”, escreve. “Não será fácil a Bolsonaro usar as Forças Armadas como instrumento político para um possível autogolpe.” (Globo)
O general Walter Braga Netto, que ocupava a Casa Civil, assumirá a Defesa. (Poder360)
Igor Gielow: “Se há setores bolsonaristas nas Forças Armadas, em especial nos escalões inferiores, todo o movimento da cúpula da ativa foi o de tentar se isolar da inevitável simbiose com um governo coalhado de fardados. As benesses frequentes à categoria vinham garantindo um equilíbrio em meio a essas críticas, mas tal estabilidade agora estará entregue às mãos de Walter Braga Netto, que tem várias famas, mas não a de um conciliador como era Fernando Azevedo. Qualquer gesto que endosse a ideia bolsonarista de que ‘meu Exército’ está aí para servir a causas como impedir lockdowns causará um ruído ensurdecedor na relação entre presidente/ala militar e o serviço ativo.” (Folha)
Os comandantes de Exército, Marinha e Aeronáutica devem colocar seus cargos à disposição de Braga Netto hoje de manhã. (Folha)
Então... Malu Gaspar sugere que o general Marco Antônio Freire Gomes, 63 anos, atual Comandante Militar do Nordeste deve assumir o Exército. É um moderado, porém o quinto mais antigo. Em geral, um dos três mais antigos ocupa o cargo. (Globo)
O dia já estava confuso quando José Levi, advogado-geral da União, entregou seu cargo. Ele estava irritado desde que Bolsonaro entrou com uma ação no STF à revelia da AGU contra toques de recolher impostos por governadores. Para o lugar dele vai — ou volta — o ministro da Justiça, André Mendonça, substituído pelo secretário de segurança do DF, Anderson Torres, amigo do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ). (Estadão)
Bela Megale: “Enquanto esteve à frente do Ministério da Justiça, Sergio Moro nunca escondeu que o então secretário de Segurança do DF, Anderson Torres, era um de seus maiores desafetos.” (Globo)
E, por fim, o Centrão recebeu sua parte. A Secretaria de Governo, a quem compete a interlocução com o Congresso, coube à deputada Flávia Arruda (PL-DF). Além de ter a bênção do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), Flávia é do partido de Valdemar Costa Neto, condenado no mensalão do PT e hoje aliado de Bolsonaro. E o sobrenome dela vem do marido, o ex-senador e ex-governador do DF José Roberto Arruda, condenado por corrupção. (Globo)
E enquanto Brasília entrava em ebulição, o vice Hamilton Mourão publicava um tuíte mostrando o momento em que recebia uma dose da CoronaVac, justamente a vacina patrocinada pelo governador paulista João Doria (PSDB), visto como inimigo no Planalto. “Hoje fiz minha parte como cidadão consciente”, escreveu. (Twitter)
Pegou muito mal a tentativa das redes bolsonaristas de politizar a morte de um PM baiano baleado por colegas após um surto psicótico. A presidente da Comissão de Constituição de Justiça da Câmara, Bia Kicis (PSL-DF), apagou as postagens em que Weslei Soares era tradado como herói. Vídeos mostraram o PM abrindo fogo contra colegas de farda antes de ser atingido. Opositores não perdoaram, e o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), chegou a citar o Barão do Itararé num tuíte: “De onde menos se espera é que não sai nada mesmo.” (Globo)
Dizendo-se vítima de uma “seita intolerante e autoritária”, o governador paulista João Doria anunciou que está se mudando com a família para o Palácio dos Bandeirantes, sede do governo. Nas últimas semanas, apoiadores de Jair Bolsonaro têm feito protestos cada vez mais ruidosos próximos à residência pessoal do governador. (UOL)
E ontem foi divulgado mais um vazamento constrangedor de conversas entre procuradores da Lava-Jato de Curitiba. Em março de 2019, a procuradora Jerusa Viecili dizia ao chefe da força-tarefa, Deltan Dallagnol, que era melhor o grupo se distanciar do governo já que “a FT (força tarefa) ajudou a eleger Bozo (Bolsonaro)”. Nas transcrições, entregues pela defesa do ex-presidente Lula ao STF, Viecili teme a proximidade com o Bolsonaro porque “se ele atropelar a democracia, a LJ (Lava Jato) será lembrada como apoiadora”. (Poder 360)