CAPA – Manchete principal: ”Pandemia ameaça 30 anos de avanços das mulheres” EDITORIAL DA FOLHA - ”Aparelho militar”: A crescente presença de militares em cargos políticos da administração federal tem se estendido às mais poderosas empresas estatais com controle da União. Reportagem da Folha mostrou que, com a nomeação do general Joaquim Silva e Luna para a presidência da Petrobras, chegará a 92 o número de dirigentes oriundos das Forças Armadas no comando dessas companhias —dez vezes o contingente verificado no final do governo Michel Temer (MDB). Os dados foram obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação, pela consulta de sites oficiais e nas assessorias das empresas. Em levantamento realizado em julho de 2020, o Tribunal de Contas da União (TCU) já constatava o exercício de funções governamentais, na esfera federal, por 6.157 militares —mais do que o dobro dos 2.957 registrados em 2016. Diante desse quadro não há como escapar à evidência de que o presidente Jair Bolsonaro, capitão reformado do Exército, promove aparelhamento militar do Estado. Do ponto de vista administrativo e técnico, é forçoso considerar que, embora produzam quadros respeitáveis, as Forças Armadas têm como missão precípua e constitucional zelar pela defesa nacional. A formação militar e as regras que estruturam as corporações, baseadas em rígida hierarquia e respeito ao tempo de serviço, não foram concebidas para capacitar gestores eficientes de políticas, empresas e órgãos públicos com vocação para atuar em regimes de governança transparente e prestação de contas à sociedade. O caso exemplar dessa incongruência materializa-se na figura do ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello. Considerado entre colegas de farda um especialista em logística, revelou-se um desastre à frente de uma área complexa e estratégica, sob pressão da mais grave crise sanitária dos últimos cem anos. Suas exaustivas provas de inépcia se fazem acompanhar de subordinação convicta ao negacionismo irresponsável do presidente da República, com as sinistras consequências que se conhecem. Pazuello exemplifica outro perigo decorrente da vasta ocupação militar de funções governamentais. Oficial da ativa, o general expõe o Exército —ainda mais do que já fazem seus pares da reserva— ao escrutínio da opinião pública e dos demais Poderes em terreno que não é de sua alçada. Queira ou não, a instituição militar se associa, desnecessariamente, a uma aventura política com traços autoritários. Não é bom para as Forças, não é bom para o Brasil. PAINEL - ”Pazuello agora pede ajuda, e Congresso é pressionado a assumir combate a Covid-19 diante de omissão de Bolsonaro”: Em meio à omissão, ineficiência e negacionismo de Jair Bolsonaro em um ano de pandemia, articula-se em Brasília um arranjo para colocar a cúpula do Congresso no comando do combate à crise da Covid-19, com o respaldo de governadores e até a participação do próprio ministro da Saúde. Após dez meses de submissão à cartilha bolsonarista e agora sob investigação, Eduardo Pazuello tem sinalizado com pedido de ajuda a gestores. A costura tem sido feita nos bastidores e com cuidado para não provocar a ira do presidente. A articulação envolvendo o Congresso parte de dois entendimentos em meio ao colapso nacional da saúde. Primeiro, os governadores querem evitar o desgaste de atuar sozinhos no pico da pandemia. Segundo, a polarização de Bolsonaro com eles chegou a um ponto em que a única forma de ter uma ação nacional é com o Legislativo junto. Aliados de Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG) tentam tratar o assunto como uma pacificação entre os Poderes e não como um atropelo ao governo federal. O discurso é que Bolsonaro está ciente que deve agir e uma participação do ministério mostrará esse comprometimento. O plano é que um grupo criado por Lira com governadores na semana passada concentre as principais ações do país contra o avanço da Covid-19, coordenando a atuação do ministério e esvaziando as ordens negacionistas de Bolsonaro. A ideia é colocar mais pessoas nesse comitê, como secretários de saúde, parlamentares, especialistas, médicos. O Supremo foi procurado para dar apoio à iniciativa. Os principais pontos a serem comandados: fabricação e compra de vacinas, leitos de UTI, equipamentos suficientes para hospitais, e medidas de restrição para frear a transmissão. Depois de quase dez meses obedecendo todas as diretrizes do presidente, Pazuello passou a indicar a gestores nos últimos dias que não consegue tomar as medidas que lhe são cobradas por não ter respaldo no Palácio do Planalto. Apesar de políticos criticarem a atuação do ministro e o chamarem de incompetente nos bastidores, a leitura é a de que não é possível tirá-lo agora nem tirar a pasta da linha de frente do combate à pandemia, inclusive por questões legais (assinatura de documentos, divisão de dinheiro, etc). Para pessoas que falaram com o general nos últimos dias, a impressão é a de que a sinalização dele agora é reflexo da preocupação com a investigação de que é alvo em meio ao crescente número de mortes, que não para de bater recordes. A Folha revelou neste domingo (8) que a White Martins pediu transporte de oxigênio a coronéis que assessoram Pazuello e não foi atendida. O jornal também mostrou que o Brasil rejeitou no ano passado proposta da farmacêutica Pfizer que previa 70 milhões de doses de vacinas até dezembro deste ano. O ministro acumula erros e acusações na condução da Saúde. As reclamações se dão também por ele ter chegado com o status de um especialista em logística, área que apresentou diversas falhas desde então, como as confusões em voos na entrega de vacinas, etc. Entre governadores, há quem defenda que a mobilização deveria isolar completamente o governo federal, deixando inclusive Pazuello de fora. João Doria (PSDB-SP) escreveu no grupo de WhatsApp dos gestores que é contra qualquer relação com genocídas, mentirosos e incompetentes, segundo suas palavras. Outra parte, porém, entende que a participação da União é obrigatória, inclusive para divisão de responsabilidades. “Se o governo federal não quiser participar, vamos ao Supremo para obrigá-lo. Entre os direitos de quem exerce a presidência da República não está o de se omitir criminosamente”, disse Flávio Dino (PCdoB-MA) ao Painel. PAINEL - ”Mato Grosso anuncia colapso e pede socorro, mas estados dizem que não têm vaga para ajudar” PAINEL - ”Governadores articulam anunciar medidas restritivas em conjunto contra avanço da Covid-19” PAINEL - ”Prefeito de Natal afrouxa medidas restritivas mesmo com 84 pacientes na fila por UTI” PAINEL - ”Comerciantes se unem em cidade da Chapada dos Veadeiros e decretam 'lockdown voluntário'”: Em Alto Paraíso de Goiás (GO), na Chapada dos Veadeiros, a disputa é entre comerciantes e a prefeitura. Como o município decidiu postergar o lockdown, comerciantes se uniram e decidiram parar por conta própria. O argumento é o de que a cidade não possui leitos de UTI. Batizada de “lockdown voluntário”, a paralisação prevê comércios de portas fechadas por 15 dias a partir da segunda (8). Cerca de 45 comércios, que vão desde pousadas, restaurantes e casas de veraneio, aderiram. ”Conversas sobre candidaturas ao Planalto ignoram mulheres em momento de luta por maior participação” ”Entenda compra da mansão de R$ 6 mi por Flávio Bolsonaro” OPINIÃO - ”Paulistas vivem e morrem sob a maldição do BolsoDoria”: Enquanto o mundo inteiro apresenta números declinantes nas mortes causadas pela pandemia —até nos Estados Unidos, o campeão de óbitos, o que se vê é um patamar estacionário—, o Brasil, na contramão, bate recordes sucessivos. No dia 3 de março, veio mais um: 1.840 mortes em 24 horas, segundo o consórcio dos órgãos de imprensa. Hospitais públicos e privados colapsam. Não há leitos nas UTIs. Não há oxigênio. Não há espaço para se empilharem os cadáveres. Em todos os cenários, o óbvio se escancara: o despreparo das autoridades agrava o quadro, mata gente e faz da moléstia que se alastra, entre mutações e desinformação oficial, a metáfora mais cruel do desgoverno que vitima os brasileiros. O estado de São Paulo é o epicentro dessa metáfora. Na unidade federativa mais rica da nação, há mais vítimas fatais do novo coronavírus do que em várias regiões mais pobres. Isso em termos proporcionais, não apenas absolutos. Analisando os dados do Painel Coronavírus (covid.saude.gov.br/, consultado em 4/3), podemos ver que, se fosse um país, o estado paulista, com letalidade de 2,9% e mortalidade de 131 por 100 mil, teria uma performance pior que a do Brasil, com letalidade de 2,4% e mortalidade de 123 por 100 mil —e não nos esqueçamos de que o Brasil figura entre os piores do planeta no trato dessa pandemia. Por que isso acontece? A resposta é tão desoladora quanto clara. Isso só acontece porque aqui, em São Paulo, o desgoverno foi elevado ao quadrado. Além de pagarem pelo negacionismo criminoso do presidente da República, que estimula aglomerações em todas as suas aparições e desdenha dos que usam máscara, os paulistas pagam também pela marquetolagem irresponsável de seu governador, João Doria. No Palácio do Planalto, Jair Boslonaro, o fascistófeles, ao tempo que elogia a ditadura militar e seus torturadores, dá demonstrações seguidas de desprezo pelos direitos humanos, pela ciência, pela saúde e pela vida de seus compatriotas. No Palácio dos Bandeirantes, o governador faz pose de rei da vacina em capas de revista, mas sua incompetência engalanada só faz piorar o caos. Doria se apresenta como uma inteligência atenta às pesquisas científicas. Sempre que pode, e também quando não pode, gosta de se lançar como o oponente sensato contra o negacionismo presidencial. Encenações à parte, promove turnês da vacina por cidades diversas, provocando aglomerações bolsonáricas. Quando os sinais da segunda onda já eram alarmantes, preferiu acenar com agrados ao comércio em vez de ser rigoroso na proteção da saúde de sua gente. Seus acochambramentos atrasaram as necessárias medidas de isolamento para combater o contágio. Suas ambiguidades empurram mais doentes para os hospitais superlotados. É assim que, em São Paulo, temos a tragédia brasileira potencializada. Em Bolsonaro, a administração calamitosa decorre de uma combinação mortífera: o desprezo pela dignidade humana aliado a limites intelectuais gravíssimos. Em Doria, a demagogia do papagaio de pirata do Instituto Butantan decorre de outro mix, igualmente tóxico: o culto do dinheiro, o próprio incluído, aliado a uma ambição sem limites. Para tornar as coisas ainda mais angustiantes, o governador não se envergonha de nada. Faz ares de que se arrepende do papelão de 2018, quando modificou o próprio sobrenome eleitoral para BolsoDoria, com o objetivo pegar carona como penetra na popularidade do candidato da extrema direita antidemocrática, apologista das armas e da violência. Na verdade, não se se retrata de coisa nenhuma. Apoiou Bolsonaro como uma chacrete na eleição de 2018 porque viu nisso um atalho para buscar os votos que lhe faltavam. Agora, quando dá a entender que não gostaria de ter feito o que fez, reincide no mesmo golpe, mas com o sinal trocado. Ele não quer se penitenciar de seu ato, quer apenas reeditá-lo, desta vez em sentido contrário. Em 2018, trocou a alma por um punhado de votos de bolsonaristas furibundos. Agora, diz o oposto do que dizia para, em 2022, abocanhar os votos de quem não suporta mais o bolsonarismo. Se para alguns a política exige pactos com o diabo, Doria se julga esperto o suficiente para tapear não apenas o eleitor, mas o próprio Satanás. Ele se endivida com as piores forças deste mundo —e dos outros, também—, com o detalhe de que não quer pagar o preço. Neste mundo, deve sua eleição em 2018 a Bolsonaro. Nos outros mundos, sabe-se lá a quem pede socorro para 2022. E aqui estamos nós, os paulistas. Seguimos vivendo —e sobretudo morrendo— sob a maldição do signo de BolsoDoria. Não, o vírus não é o nosso pior inimigo. O pior inimigo que temos, aquele que nos sequestra o ar, é o monstrengo de duas cabeças que agencia o vírus e dizima sem descanso o que um dia aprendemos a chamar de esperança. * Eugênio Bucci - Jornalista, professor da ECA-USP e conselheiro do Instituto Vladimir Herzog, é autor de "Existe Democracia sem Verdade Factual?" (ed. Estação das Letras e Cores) *Hamilton Varela - Professor titular do Instituto de Química de São Carlos da USP CELSO ROCHA DE BARROS - ”Vale a pena apoiar o genocídio?” - Não há mais nenhuma projeção razoável em que o número de brasileiros mortos na pandemia de Covid-19 fique abaixo de 300 mil. Essa marca deve ser alcançada no final deste mês ou no começo do próximo. Se governadores e prefeitos tiverem grande sucesso com as medidas restritivas que estão adotando, talvez consigamos evitar os 350 mil. O que decidirá se ficaremos mais perto do terço de 1 milhão de mortos, do meio milhão de mortos ou do 1 milhão inteiro será a corrida entre as novas variantes mais contagiosas do vírus, as vacinas que Bolsonaro não comprou e o lockdown que Bolsonaro tenta proibir. Pois bem, talvez interesse ao leitor saber que, enquanto tudo isso acontece, muita gente, entre os ricos e poderosos, civis e militares, ainda pensa o seguinte: “Certo, o governo Bolsonaro causou essa mortandade toda. É bonito? Não é bonito. Por outro lado, ele não perdeu popularidade nos primeiros 200 mil cadáveres. Talvez sobreviva a mais 200 ou 300 mil cadáveres. Enquanto Bolsonaro tiver chance de reeleição, é melhor continuar a apoiá-lo, ou, ao menos, esperar para ver quantas centenas de milhares de cadáveres são necessárias para que um presidente brasileiro comece a perder voto”. O cenário com que essa turma conta é o seguinte: o acordão continuaria barrando o impeachment de Bolsonaro. Centenas de milhares morreriam, mas imediatamente perderiam o título de eleitor. A capacidade de os brasileiros se importarem com quem morreu continuaria tão baixa quanto foi em 2020. Em algum momento a vacina chegaria, pois os outros países já teriam se vacinado e sobraria imunizantes para retardatários como o Brasil. Nesse quadro, a vacina poderia causar uma recuperação da economia no final do ano ou no começo do próximo, o que poderia reeleger Bolsonaro. Vou dar aula de moral e cívica sobre o valor da vida humana para essa turma? Eu não. Só tentaria quem não os conhecesse. Mas fica um aviso à turma de sempre: pode dar errado. O auxílio emergencial neste ano será bem menor. Talvez uma população indiferente a 100 mil mortos não seja indiferente a 300 mil, até pelo aumento da probabilidade de ser sorteado pelo vírus. Montar um acordão de impunidade da Covid tão logo depois do acordão contra a Lava Jato é testar muito a paciência do eleitorado. No fim do ano, muitos recursos que poderiam ter vindo para o Brasil agora já terão ido para países que vacinaram mais cedo. E a vacina não trará de volta apenas a atividade econômica: também trará os protestos de rua. Deem uma olhada no que está acontecendo no Paraguai enquanto conversamos. Houve um sentimento geral de que Bolsonaro se fortaleceu com a eleição de Arthur Lira para a presidência da Câmara. Como vai essa ideia? Desde que “recuperou as rédeas do poder”, Bolsonaro fez uma bagunça na Petrobras e desistiu publicamente de combater a pandemia. Parece ter sido mais um daqueles “agora o governo Bolsonaro começa de verdade” que falhou. Não sei quantos desses cabem em um mandato. Enfim, quem quiser continuar apostando em Bolsonaro tem que se lembrar do seguinte: está se amarrando a algo que certamente será reconhecido como criminoso se a política brasileira voltar ao normal. E a probabilidade de isso acontecer na eleição de 2022 pode estar começando a subir. * Celso Rocha de Barros - Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra). ”Ministério Público teme ofensiva de centrão e Bolsonaro contra Lei de Improbidade Administrativa” ”Entenda pedido de Lula no STF para anular sentenças de Moro e o que isso pode mexer com eleições de 2022” ”Comitiva brasileira é obrigada a usar máscara e seguir medidas contra a Covid em Israel” ”Em Israel, Ernesto Araújo e Eduardo Bolsonaro condenam comparação entre Brasil e câmara de gás” - Em visita a Israel, o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Ernesto Araújo, e o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) criticaram duramente a ideia de que o Brasil “é uma câmara de gás a céu aberto”, que faz parte da “Carta aberta à Humanidade”, divulgada nesta sábado (6) por religiosos e intelectuais. Para eles, não se pode comparar o que acontece no Brasil na pandemia de Covid-19 com a metodologia nazista que matou milhões de judeus e outras minorias durante o Holocausto. “Isso é algo que totalmente extrapola qualquer comparação que possa ser feita. É algo que, no meu entender, violenta a memória das vítimas do Holocausto”, disse Ernesto ao final de uma visita à chancelaria israelense, em Jerusalém. “É uma colocação totalmente absurda e acho que é ofensiva para comunidade judaica de todo o mundo e também para não judeus que, como nós, vemos a especificidade da coisa horrível que foi o Holocausto. Qualquer comparação que banalize, ainda mais uma comparação tão absurda quanto essa, é algo que não ajuda ninguém e que prejudica a ideia de que nunca mais possa haver nada como o Holocausto”, continuou o chanceler brasileiro. O deputado Eduardo Bolsonaro chamou a expressão de “infelicidade não tão inocente”, acusando o padre Júlio Lancelloti, um dos signatários da carta, de fazer ataques a seu pai, o presidente Jair Bolsonaro. Ele também deu a entender que comparar a situação do Brasil com a de uma câmara de gás foi intencional no momento em que uma comitiva brasileira está em Israel. “Foi uma infelicidade da CNBB que não dá para dizer que foi tão inocente assim. Não é a primeira vez que o padre Júlio Lancellotti faz ataques direcionados contra o presidente Jair Bolsonaro, mas esse ficou bem vil, justamente que existe uma comitiva brasileira aqui em Israel, buscando levar para o Brasil medicamentos para combater a Covid”, disse. “Esse tipo de declaração realmente é incabível e causa revolta aqui. Comparar o que foi o Holocausto com mais de 6 milhões de vidas perdidas durante o regime nazista nada tem a ver com atual pandemia.” Segundo o filho do presidente, “o Brasil tem feito seus esforços, tem excelentes números com relação à vacinação e veio aqui [para Israel] procurar mais um remédio para combater a pandemia”. O Brasil tem batido seguidos recordes de mortes por conta do coronavírus. Foram 1.498 novas mortes registradas nas últimas 24 horas. Com isso, neste sábado (6), o país somou mais de 10 mil mortes pela doença em sete dias. Foi a primeira vez desde o início da pandemia que isso acontece. Na última semana, o país completou ainda sete dias seguidos com novos recordes de média móvel de mortes, com o último alcançado neste sábado, de 1.455. O recorde anterior era de 1.423. A referência à câmara de gás também foi discutida na reunião com o chanceler israelense, Gabi Ashkenazi. “Lamentei muito ler, isso aconteceu durante o nosso encontro e condeno veementemente, fortemente esta linguagem usada, este exemplo. Isso é algo ultrajante. Nós nos opomos fortemente a isso. Usar essa linguagem é algo inaceitável", disse o ministro. Toda a comitiva brasileira usou máscaras durante o encontro —algo obrigatório em qualquer prédio público em Israel, incluindo em encontros fechados e para fotografias. O ministério israelense, inclusive, preparou máscaras especiais com as bandeiras do Brasil e de Israel para distribuir aos convidados. Em certo momento, a assessoria da chancelaria israelense precisou pedir que Ernesto Araújo colocasse a máscara para uma foto com o ministro israelense. Ele respondeu “Oh, yes”, antes de colocá-la. O deputado Eduardo Bolsonaro também estava de máscara, mesmo ajustando-a muitas vezes no nariz. Após o encontro, o Itamaraty divulgou uma nota chamando a conversa de "muito amigável e produtiva” e dizendo que haviam sido discutidas "ideias sobre questões urgentes da agenda internacional" e que os países "concordaram em dar prosseguimento à coordenação entre Brasil e Israel”. Além de passarem "em revista caminhos para a recuperação no contexto da pandemia de Covid-19, sob as perspectivas de saúde pública, de progresso tecnológico e de resiliência socioeconômica”, segundo o texto, o encontro abordou também os desenvolvimentos recentes no Tribunal Penal Internacional (TPI) e no Conselho de Direitos Humanos (CDH). Na quarta-feira (3), o TPI anunciou a abertura de uma investigação formal sobre possíveis crimes cometidos tanto por israelenses quanto por palestinos na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. Israel critica o processo, em objeção apoiada pelo Brasil. Em fevereiro, o governo brasileiro se alinhou a Israel e encaminhou ofício ao TPI informando que o país queria participar como “amicus curiae” (amigo da corte) na apuração preliminar do caso. Após a reunião entre os chanceleres —primeiro compromisso da delegação brasileira que chegou a Israel neste domingo (7) para três dias de visita—, a Folha perguntou a Ernesto se o Brasil tem o que aprender com a maneira como Israel tem enfrentado a crise do coronavírus. O país decretou três lockdowns no último ano, mantém a obrigatoriedade de uso de máscaras em todos os locais públicos e privados e é o mais avançado do mundo na campanha de vacinação. “A situação dos países é bastante diferente em termos de tamanho, em termos de logística”, respondeu o ministro. “No Brasil, existe essa circunstância que, por uma decisão do Supremo Tribunal Federal, basicamente cada estado adota suas próprias medidas. Não há uma possibilidade de uma orientação federal." O chanceler também disse que, assim como Israel, “o Brasil também está em um esforço de vacinação, está progredindo”. “Israel é um dos países que estão mais na frente no mundo, mas o Brasil não está atrás de outros grandes países, como os europeus, que estão mais ou menos na mesma faixa em termos de proporção de população vacinada.” O Brasil aplicou, em média, 49,8 doses em cada 1.000 habitantes, enquanto Israel é o líder mundial, com 998,8 inoculações em cada 1.000 pessoas. Há vários países europeus acima de 100 vacinados em cada 1.000 pessoas, segundo dados compilados pelo Our World in Data. O chanceler brasileiro afirmou que a visita a Israel é justamente para continuar esse esforço contra a Covid-19 e buscar, no país do Oriente Médio, soluções para a pandemia. Um dos objetivos principais da missão é o interesse do governo brasileiro no spray nasal israelense que trataria de doentes graves com a doença. O medicamento foi desenvolvido pelo Hospital Ichilov (Tel Aviv), mas ainda não passou por todas as fases de teste. “Israel é um dos polos tecnológicos, farmacêuticos, médicos, mais adiantados do mundo. O fato de que estão desenvolvendo medicamentos aqui é algo muito promissor, queremos estar juntos”, disse Ernesto. “O Brasil também tem um esforço nesta área [de tratamento]. Isso não quer dizer que não queiramos trabalhar com a vacina, continuamos trabalhando, existe um cronograma, como o Ministro da Saúde do Brasil tem dito. Então, a nossa cooperação em relação à Covid deve se concentrar, com Israel, nessa questão dos medicamentos. Isso é o que pode fazer a diferença.” Na reunião entre os dois ministros do exterior, que durou pouco mais de uma hora, Brasil e Israel assinaram acordos de cooperação em áreas tecnológicas. O chanceler israelense elogiou a posição do governo Bolsonaro em prol de Israel em fóruns internacionais, mas não deixou de demonstrar a preocupação com o Brasil neste momento da pandemia. “Temos acompanhado nos últimos dias a situação no Brasil e em nome do povo de Israel, gostaria de expressar minha solidariedade ao povo brasileiro. Tenho certeza de que vocês prevalecerão. Posso prometer a você que Israel fará tudo o que puder para apoiar seus esforços para vencer a Covid. Estamos prontos para ajudar no que for possível. Exploraremos oportunidades de investimento conjunto em pesquisa para desenvolvimento de medicamentos ou outras soluções possíveis para o vírus.” ”Israel quer teste de spray contra Covid no Brasil porque país é miscigenado, diz Eduardo Bolsonaro” - Em viagem a Israel, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) voltou a citar o interesse do governo brasileiro no spray nasal israelense que trataria de doentes graves da Covid-19. Após a chegada ao Ministério das Relações Exteriores de Israel, em Jerusalém, como parte da delegação brasileira liderada pelo ministro do Exterior Ernesto Araújo, o filho do presidente Bolsonaro voltou a dizer que o objetivo principal da viagem é falar sobre esse medicamento, desenvolvido pelo Hospital Ichilov (Tel Aviv), mas ainda em fase inicial de testes. “O objetivo da viagem aqui dar todo o suporte necessário ao embaixador Ernesto Araújo nessa missão que tem tudo a ver com a pandemia”, disse Eduardo Bolsonaro. “O novo medicamento, chamado EXO-CD24, tem tido uma eficiência perto de 100% nos primeiros testes com relação ao combate à Covid-19, e a nossa expectativa é de que nós possamos aqui traçar acordos de cooperação para trazer para o Brasil a fase 3, a chamada fase de teste”. Segundo o deputado, os israelenses estariam interessados na participação brasileira porque “o Brasil é um povo famoso por ser miscigenado, com material genético bem diversificado”. Isso ajudaria na obtenção de testes mais amplos sobre a droga. “As expectativas são altas, estamos aqui cumprindo essa agenda, mas tem outras laterais também, como operação tecnológica, áreas de telemedicina e agência espacial”, disse o filho do presidente. O Hospital Ichilov anunciou há um mês estudos com o spray nasal EXO-CD24, desenvolvido pelo professor Nadir Arber. A droga, anunciada no começo de fevereiro, foi testada apenas em 30 voluntários em estado grave que estavam internados no Ichilov, até agora. Segundo o hospital, 29 pacientes se recuperaram em 3 a 5 dias. Entusiasmado, o primeiro-ministro do país, Benjamin Netanyahu, chegou a receber o professor em seu gabinete e chamou a droga de milagrosa. Ainda não há, no entanto, resultados publicados em artigo científico de fase 1. O governo brasileiro quer assinar um acordo com o Ichilov para realizar as fases 2 e 3 dos testes com o medicamento no Brasil. Para isso, o presidente Jair Bolsonaro disse que iria em breve pedir à Anvisa uma análise para uso emergencial da droga no Brasil. A delegação do Itamaraty e de outros ministérios desembarcou em Israel neste domingo (7). O primeiro compromisso foi na chancelaria israelense, em Jerusalém, onde o ministro Ernesto Araújo foi recebido pelo colega israelense Gabi Ashkenazi. Araújo deve ser recebido nesta segunda-feira (8) pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. O grupo inclui, também, o secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, Hélio Angotti Neto, o secretário de Pesquisa e Formação Científica do Ministério da Ciência e Tecnologia, Marcelo Morales, os deputados Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e Hélio Lopes (PSL-RJ), e o Secretário Especial de Comunicação Social do Ministério das Comunicações, Fábio Wajngarten. Antes da chegada do ministro brasileiro e do filho do presidente, o chanceler israelense, Gabi Ashkenazi, perguntou a assessores como pronunciar o sobrenome de Eduardo Bolsonaro. Todos os presentes estavam usando máscara, que é obrigatória em todos os prédios e locais públicos, em Israel. Quem não usa máscara recebe uma multa que pode chegar a 500 shekels (cerca de R$ 850). Israel está na vanguarda internacional no combate ao novo vírus, tendo empreendido uma campanha de vacinação em massa. Dados indicam uma queda brusca no número de infecções e mortes após o avanço da campanha de imunização. Ao longo do ano passado, a estratégia dos israelenses para controlar a disseminação da Covid-19 esteve baseada em regras de isolamento social, incluindo lockdowns quando houve avanço na contaminação, e no rastreamento de pessoas contaminadas. Já no Brasil, o presidente Jair Bolsonaro desde o início da pandemia critica medidas de distanciamento social e promove aglomerações. A velocidade da vacinação no país esbarra na escassez de doses após o fracasso de negociações com laboratórios produtores, como a Pfizer. MATHIAS ALENCASTRO - ”Spray contra Covid é novo episódio da diplomacia da tranqueira entre Brasil e Israel” ”Após reforma ministerial, Paraguai tem 2ª noite de protestos contra presidente” ”Mesmo com repressão violenta, milhares voltam a protestar em Mianmar” TODA MÍDIA - ”Guerra das vacinas passa por batalha de estudos preliminares” ”Inadimplência deve aumentar com auxílio menor e desemprego elevado” PAINEL S.A. - ”Supermercado registra alta na compra parcelada de comida no cartão” PAINEL S.A. - ”Heineken explica rótulo apagado em garrafa retornável” PAINEL S.A. - ”De volta à fase vermelha, restaurante reclama de gargalo em delivery em SP” PAINEL S.A. - ”Nubank quer contratar 3.300 mulheres nos próximos anos” PAINEL S.A. - ”Taurus lança revólver cor-de-rosa exclusivo no mercado brasileiro para o Dia da Mulher” ”Estrangeiros saem da Bolsa brasileira após intervenção de Bolsonaro na Petrobras” - A intervenção do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na Petrobras impulsionou a saída de R$ 6,784 bilhões em investimento estrangeiro da Bolsa brasileira em fevereiro, o pior saldo mensal desde julho de 2020, sem considerar as compras de ações em ofertas iniciais (IPOs) e subsequentes de ações (follow-on). Entre os dias 1º e 18 de fevereiro, antes de Bolsonaro dar o primeiro sinal de que interferiria mudança na estatal, havia uma entrada líquida de R$ 4,6 bilhões de dinheiro estrangeiro, de acordo com dados da B3. No dia 22, a segunda-feira após o anúncio de troca no comando da estatal, saíram R$ 6,85 bilhões, segundo dados da B3 compilados pela XP. No dia 23, foram R$ 2,35 bilhões a menos. Nos últimos três pregões do mês, a venda de ações desacelerou e o saldo foi negativo em R$ 2,14 bilhões." "Se tem uma coisa que gringo não aceita é problemas de governança. A temática de ESG lá fora fica cada vez mais forte", afirma Romero Oliveira, diretor de renda variável da Valor Investimentos. ESG é a sigla para melhores práticas ambientais, sociais e de governança e é um fator que ganha cada vez mais relevância nas decisões de investidores. A saída de recursos se estende pelos dois primeiros pregões de março, com saldo negativo de R$ 1,5 bilhão até o dia 2. No ano, o saldo ainda está positivo em R$ 15,3 bilhões, em razão dos R$ 23,5 bilhões de entrada líquida em janeiro, mês em que o início do governo Joe Biden nos Estados Unidos deu um tom positivo aos mercados. Um reflexo da deterioração da imagem do Brasil aos olhos do investidor estrangeiro foi a piora dos principais indicadores financeiros do país. Desde a crítica de Bolsonaro ao atual presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, em uma live na noite do dia 18 de fevereiro, o dólar subiu 4,4% ante o real, que teve o terceiro pior desempenho dentre emergentes no período, atrás apenas da lira turca e do rand sul-africano. Em relação às principais moedas globais, o dólar americano se valorizou apenas 1,5% no mesmo intervalo, segundo dados da Bloomberg. O risco-país, desde então, subiu 23%, indo de 159,7 pontos para 196,5 pontos, maior nível desde novembro de 2020. O CDS funciona como um termômetro informal da confiança dos investidores em relação às economias dos países, especialmente emergentes. Se o indicador sobe, é um sinal de que os investidores temem o futuro financeiro do país; se ele cai, o recado é o inverso. Além da incerteza quanto à agenda liberal do governo, o mercado se preocupa com a piora da pandemia no Brasil e a volta do auxílio emergencial. Apesar do teto para a ajuda estabelecido pela PEC Emergencial, contrapartidas imediatas para o novo gasto não foram apresentadas. Investidores temem o aumento de gastos do governo, pois ele eleva a relação dívida/PIB (Produto Interno Bruto) e deteriora a capacidade de o país honrar com seus compromissos. A alta nos juros futuros refletem este temor. O juro para outubro de 2021 foi de 2,905% ao ano para 3,295% desde o dia 18 de fevereiro. O juro para março de 2025 foi de 6,63% ao ano a 6,95% ao ano. Juros futuros são taxas de juros esperadas pelo mercado nos próximos meses e anos. São a principal referência para o custo de empréstimos que são liberados atualmente, mas cuja quitação ocorrerá no futuro. Além da intervenção na Petrobras, há um outro fator que impulsiona a saída de recursos do Brasil: a alta nos juros dos títulos do Tesouro americano (Treasuries), o que impulsiona um fluxo de investimentos para os Estados Unidos em detrimento de países emergentes. PAINEL S.A. - ”Ministério da Justiça questiona farmacêutica sobre remédio para controle de peso” ”Falta de pagamento de contas de água e luz bate recorde em dezembro, diz Serasa” ”Cronograma da reforma tributária em 2021 sofre atrasos” ”País se despede de Selic a 2% após efeito limitado no custo da dívida” MARCIA DESSEN - ”A aritmética dos investimentos” ”Retomada econômica deve ter ação de incentivo a mulheres” ”Veja depoimentos de 6 economistas mulheres sobre a profissão” RONALDO LEMOS - ”Os NFTs, o wi-fi 6 e o Mapa da Música” ”Veja como declarar o auxílio emergencial no Imposto de Renda” ”Empreendedora no Brasil encara crise, machismo e dupla jornada” ”Pandemia interrompe participação crescente de mulheres no empreendedorismo, diz Sebrae” ”Mais afetadas pela depressão, mulheres não recebem diagnóstico em 70% dos casos, diz estudo” DEPOIMENTO - ”Não percebi que estava indo além dos meus limites” ”Pandemia deflagra crise do cuidado e põe em risco conquistas femininas” - No pior cenário que imaginei para esta reportagem, ela seria substituída por um aviso: “As repórteres, editoras e personagens do texto que ocuparia este espaço, todas mães, não tiveram condições objetivas, sanitárias e humanas para concluírem a proposta inicial. Foi mal. É o que temos pra hoje”. Os desencontros, interrupções, gritos e choros que acompanharam entrevistas aqui reportadas sugeriam um grau de desarranjo e imprevisibilidade capazes de surpreender os melhores planejamentos. Também mãe de crianças pequenas e às voltas com as tentativas de acomodar em 24 horas as demandas constantes de três frentes de trabalho (remunerado, doméstico e parental), fiz o que foi possível, não sem me sentir devedora e inadequada mesmo dentro do meu evidente privilégio. Um ano após o início da pandemia e do distanciamento social no Brasil, mulheres que têm filhos parecem estar no limite. Sobrecarregadas, exaustas e frustradas, elas perderam a autonomia, o emprego, o sono ou a cabeça —tudo junto ou em combinações variadas. Ao fechar creches e escolas e isolar pessoas, a crise sanitária global fez ruir as redes de apoio (solidárias, públicas ou contradas) que permitiam a essas mulheres ter vida produtiva relativamente independente, ameaçando retroceder conquistas femininas em décadas. Não surpreende, portanto, que as mulheres tenham sido mais afetadas pela crise global, a ponto de inspirar a expressão em inglês “shecession”, flexão de “she” (ela) e “recession” (recessão) —algo como “a recessão delas”. Mulheres foram mais impactadas pela pandemia em sua integridade física (com o aumento da violência doméstica) e saúde mental (apresentaram transtornos mentais), além da estabilidade financeira. Elas perderam mais emprego e vêm sendo preteridas nas recontratações, além de não conseguirem participar como antes da produção científica ou mesmo da vida pública. O percentual de mulheres brasileiras que trabalhavam ou buscavam trabalho no segundo trimestre de 2020 (45,8%) caiu ao mesmo nível de 30 anos atrás (45,8%), depois de se manter bem acima de 50% ao longo de todos esses anos, segundo dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) e Pnad Contínua. Para as que conseguiram fazer home office, a sobrecarga do trabalho doméstico aumentou com as crianças (e suas aulas virtuais) em casa, colocando parâmetros pré-pandêmicos de produtividade em xeque. Já as mães que precisaram sair para trabalhar se viram diante do medo da contaminação e do impasse de não terem com quem deixar os filhos, o que levou ao abandono do trabalho ou a demissões. Além disso, os setores de alimentos e serviços domésticos, que contratam mais mulheres e mais mulheres negras, foram os mais afetados pela Covid-19, e isso penalizou esses grupos de maneira desproporcional. Foi assim com Vailma Santos, 26, mãe solo de Heloísa, 5, que trabalhava num restaurante estrelado de São Paulo até maio de 2020, quando foi demitida. “Senti uma turbulência por dentro e um medo enorme de falhar como mãe”, diz, emocionada. “Nunca falo sobre isso. Não tenho tempo”, chora ela. Contratada no final do ano como auxiliar de limpeza, Vailma hoje remunera a própria mãe para que cuide de Heloísa enquanto ela trabalha. Na volta para casa, se dedica a outros desafios da pandemia materna. “Heloísa confunde S com Z. E professora tem paciência, né? Eu não tenho tanta. Estou sempre cansada”, admite. “Queria oferecer opções melhores pra minha filha, mas sozinha é complicado.” Transformadas em arremedos de professoras a contragosto, mães tiveram de sobrepor à jornada tripla a responsabilidade pela escolarização remota das crianças. É uma conta que não fecha. Sem mágica, ela só se resolve à medida que a mulher abre mão de horas de sono, rotinas de autocuidado e tempo de lazer. Esse pacote compromete o bem-estar físico e emocional dessas mulheres, com repercussões nas próprias funções cognitivas e, portanto, no desempenho produtivo e na funcionalidade. “O estresse crônico que atinge as mães com a sobreposição desses trabalhos todos trouxe uma sobrecarga de atenção, que agora fica ativada de maneira mais frequente e intensa”, explica o psiquiatra Gilberto Sousa Alves, professor de saúde mental da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Segundo ele, que também leciona na Universidade Federal do Maranhão (UFMA), a pandemia provocou uma primeira onda de aumento na incidência de transtornos mentais da ordem de 30%, com medo da morte, consumo excessivo de álcool, estresse pós-traumático pela morte de parentes e até ideias suicidas. Mulheres eram maioria. O medo da morte bateu com força na atriz e professora de movimento Gabriela Cordaro, 42, mãe de Martim, 7, e Lina, 4. Ela teve suspeita de Covid-19 e, depois, uma sequência de febres inexplicáveis. “Comecei a ter problemas para dormir. Deitada, ficava pensando em todas as desgraças do mundo e sentia muita insegurança em relação ao que poderia acontecer”, lembra. No auge dessa sensação, ela começou a mandar suas senhas e informações sobre os filhos para a irmã. Vai que... O psiquiatra Alves avalia que uma “segunda onda de transtornos tem ocorrido agora e é consequência da primeira onda”. “Ela envolve esgotamentos, problemas de sono e de concentração, irritabilidade, esquecimentos, distrações e perdas de compromissos, que ainda geram culpa porque as mães se pressionam e sofrem pressão”, diz. “Planejar e monitorar tarefas requer muita energia do ponto de vista neurobiológico. E fazer isso o dia todo, por tanto tempo, é muito exaustivo. O cérebro humano não está preparado para esse tipo de uso tão prolongado.” Andressa Reis, 36, criadora de conteúdo para mães, diz estar nessa loucura. “Tenho filtrado muita coisa para poder focar naquilo que é mais necessário. Se quiser armazenar tudo no meu HD, vou simplesmente pifar”, avalia. “Hoje, eu anoto tudo no planner, só que depois esqueço de olhar.” A pesquisa Women in the Workplace 2020, que a consultoria internacional McKinsey realiza anualmente com mulheres que trabalham nos EUA, apontou que as profissionais com filhos se sentem 2,6 vezes menos confortáveis que seus pares masculinos para compartilhar sua condição parental, além de se preocuparem 2,1 vezes mais com o julgamento dos colegas sobre sua necessária dedicação a tarefas de cuidado em casa. “A tarefa do cuidado é uma dimensão importante da vida, mas é percebida socialmente como perda de tempo. Isso leva mulheres que estão em posição de destaque a escondê-las para não parecerem nem frágeis nem menos produtivas”, avalia Noemia Porto, 49, presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), mãe de cinco, sendo dois ainda adolescentes, que passou a cuidar também da mãe de 78 anos durante a pandemia. “Tudo isso coincide com um pano de fundo estrutural, algo que a gente não quis, mas que recebe desde que nasceu. Só que, mesmo assim, resolvemos que vamos viver igualitariamente no espaço público.” Essa arquitetura patriarcal mantém sobre as mulheres a responsabilidade pela economia do cuidado, tão essencial quanto invisível e desvalorizada, agora também embalada pelos constantes chamados de “mamãe!”. Só não ouve quem não quer. A multiplicidade de pressões virou de cabeça para baixo a vida dessas mulheres, alterando de maneira determinante as condições objetivas da sua participação no mercado de trabalho e autonomia. Segundo a série histórica do relatório da McKinsey, mulheres e homens deixavam postos de trabalho com a mesma taxa até 2020, quando o número de mulheres superou o de homens pela primeira vez. As entrevistadas declaram se sentir ansiosas, estressadas e inadequadas diante de expectativas criadas sob o paradigma pré-pandêmico que hoje lhes parece impossível cumprir. “É humanamente insuportável cumprir essas tarefas todas, das quais eu tentei cuidar como se fosse o planner do escritório”, explica a advogada e psicóloga maranhense Larissa de Oliveira, 37, mãe de Lucas, 5. “Tive uma redução clara de produtividade, e transitar para uma vida estritamente doméstica foi bem difícil." "Batalhei para ter meu espaço e de repente me vi numa posição que eu lutei muito para não assumir, até por preconceito mesmo. Nossa tendência é enxergar o cuidado como algo menor, mas é uma necessidade básica. Se isso não estiver organizado, nada lá fora funciona”, conclui. Em 2019, apenas 1 a cada 50 das mulheres entrevistadas considerava desacelerar sua carreira ou deixar de trabalhar para cuidar da casa e dos filhos. Em 2020, a pandemia alterou essa proporção de maneira drástica, e 1 a cada 3 entrevistadas considerava esses caminhos antes inimagináveis. A sobrecarga por acúmulo de funções é inescapável para as mais de 11 milhões de mães solo do país —majoritariamente pobres e negras. “Desde março de 2020, estou em home office. De lá pra cá, devido ao acúmulo de funções de uma mãe solo que está com o filho fora da escola, pedi demissão do meu emprego formal de assessoria de imprensa”, relatou a artista visual Bruna Alcântara, mãe de Tom, 5, por meio do canal que a Folha abriu para ouvir o desabafo de mães sobre o contexto imposto pela pandemia. Bruna conta ter encontrado “tempo para a arte” enquanto “cozinho, lavo, passo e cuido de criança”. Ela é autora das obras que ilustram esta reportagem e integram a série “Mãe Pandêmica”. “Estou cansada, exausta. Ainda assim, não existe nenhuma maneira de parar de produzir, criar e maternar”, descreve ela. Para Bruna, pesa ainda o fato de o governo brasileiro que, “além de não reconhecer a existência da doença e do seu perigo, também não reconhece as desigualdades de gênero como um problema e como uma questão agravada na pandemia”. O governo não está sozinho em mais esse negacionismo, sugerem dados sobre a divisão sexual dos trabalhos de cuidado doméstico e com pessoas. Antes da pandemia, mulheres gastavam, em média, o dobro de horas semanais que homens nessas atividades de cuidado, segundo pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2019. Com o confinamento, esse abismo parece ter se aprofundado. Segundo pesquisa do Datafolha, encomendada pelo C6 Bank, 57% das mulheres que passaram a trabalhar em regime de home office na pandemia disseram ter acumulado a maior parte dos cuidados com a casa. Entre os homens, esse percentual é de 21%. Ao entrevistar casais heterossexuais com filhos, o relatório da McKinsey revelou o descompasso na percepção de mães e de pais sobre o próprio envolvimento e responsabilização por esse trabalho. Enquanto 72% dos pais afirmavam dividir com a parceira em pé de igualdade os cuidados com filhos e casa, apenas 44% das mães diziam o mesmo sobre seus companheiros. “A gente já entrou na pandemia com um cenário de desigualdade profunda e, em maio, as mulheres já estavam levantando a mão pra avisar que estavam sobrecarregadas”, diz Giulliana Bianconi, 36, mãe de Martina, 5, e diretora da Gênero e Número, organização que analisa dados para amparar os debates de direitos das mulheres. “Cerca de 25% dos brasileiros são crianças e adolescentes. Quem cuida deles?”, questiona. Para Giulliana, mulheres não cuidam melhor do que homens, mas essa divisão acontece porque cada um se responsabiliza por aquilo que julga ser seu papel. Flexibilidade no trabalho, portanto, tem de ser pensada também para os homens, de modo a permitir que eles também se responsabilizarem por esses cuidados. “Meu marido tem alguma flexibilidade no seu trabalho, e é isso o que me permite trabalhar também. Se não, acho que eu já teria me separado”, afirma, em tom de brincadeira. “Porque nesse caso a guarda compartilhada liberaria ao menos dois dias úteis por semana para eu me concentrar em outra coisa.” A psicóloga Evelyse Claussi, 43, mãe de duas meninas, aponta que o Brasil ainda está em processo de desconstruir a mulher como aquela que cuida e o homem como aquele que provê. “Tem uma naturalização desse lugar materno, que não é biológico, mas uma construção social à qual as mulheres respondem com dificuldade de dizer que têm outros interesses.” Confortável para os parceiros, essa dinâmica é absorvida pelas crianças, que passam a direcionar suas demandas para quem, de fato, as atende. E isso explica cenas tão corriqueiras quanto surreais, em que crianças gritam pedidos para as mães, mesmo estão sentadas no colo dos pais. Diante da enxurrada diária desses chamados durante a pandemia, Evelyse passou a reagir com uma barganha bem humorada: “Pago dez centavos para quem disser pai no lugar de mãe!”. Nem sempre dá certo. OPINIÃO - ”Lembrar das mulheres faz parte da cura do Brasil” ”Governo recebeu 105 mil denúncias de violência contra mulher em 2020” THIAGO AMPARO - ”Discurso à nação brasileira” ”Mais de 60 mil adultos deixaram de estudar durante a pandemia em SP” ”Antes de colapso, White Martins pediu transporte de oxigênio a coronéis que assessoram Pazuello e não foi atendida” ”Pfizer confirma que governo rejeitou em 2020 oferta de 70 milhões de doses de vacinas” ”Maioria dos fabricantes brasileiros de cloroquina não recomenda o remédio para Covid-19” ”Até abril, 77% dos vacinados no país vão receber a Coronavac” ”Epidemiologista Pedro Hallal é novo colunista da Folha” BOM PRA CACHORRO - ”Hospitais veterinários públicos atenderão apenas urgências durante a fase vermelha em São Paulo” MÔNICA BERGAMO - ”Explosão de internações por Covid-19 multiplica valor pago por médicos em UTIs” MÔNICA BERGAMO - ”Terreno da estação Brás do Metrô passa para a CPTM” MÔNICA BERGAMO - ”Lava Jato tirou R$ 172 bi de investimentos e 4,4 milhões de empregos, diz CUT”: A Lava Jato fez o Brasil perder R$ 172,2 bilhões em investimentos e encerrou 4,4 milhões de empregos no país. É o que afirma um estudo da CUT (Central Única dos Trabalhadores) elaborado pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos). O valor que, segundo o levantamento, deixou de ser investido equivale a 40 vezes os R$ 4,3 bilhões que o Ministério Público Federal diz ter recuperado com a operação. Com isso, os os cofres públicos deixaram de arrecadar R$ 47,4 bilhões em impostos, sendo R$ 20,3 bi em contribuições sobre a folha de salários. A pesquisa diz que o setor mais atingido foi o da construção civil, que perdeu 1,1 milhão de postos de trabalho. MÔNICA BERGAMO - ”Divórcio foi o terceiro tema mais julgado em varas paulistas em 2020” MÔNICA BERGAMO - ”Taís Araujo e Marília Gabriela participam da campanha que reivindica Nobel póstumo para física sérvia” MÔNICA BERGAMO - ”Secretaria da Cultura do governo Bolsonaro pede mínimo de 72 horas para responder jornalistas” MÔNICA BERGAMO - ”Médica Ludhmila Hajjar recebe Prêmio Mulheres na Ciência, da USP” |
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