quinta-feira, 11 de março de 2021

Lula discursa e Bolsonaro veste carapuça — ou máscara

 O ex-presidente Lula discursou ontem pela primeira vez desde que recuperou direitos políticos plenos. “Se tem um brasileiro que tem razão de ter muitas e profundas mágoas sou eu”, afirmou logo no início. “Não tenho.” O líder petista falou por uma hora e 23 minutos no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo. Evitou o tema candidatura. “Em 2022, o partido vai discutir se vai ter candidato, se vai ter frente ampla”, determinou — e apontou para conversas além da esquerda. “Se você colocar os problemas do povo brasileiro na conversa com os setores conservadores”, determinou, “pode produzir efeitos extraordinários.” Do palco, fez o elogio de seu governo, mas não o de sua sucessora, Dilma Rousseff, sugerindo o provável discurso de campanha. E bateu duro na Lava Jato. “Tenho certeza de que Moro deve estar sofrendo mais do que sofri”, disse, “Dallagnol deve estar sofrendo mais do que sofri, porque sabem que cometeram um erro.” Bateu mais no atual governo, e o fez pelo contraste. “Vou tomar minha vacina”, contou o ex-presidente, de 75 anos. “Não siga nenhuma decisão imbecil do presidente. Tome vacina, porque é uma das coisas que pode livrar você do Covid. Mas, mesmo tomando vacina, você precisa continuar fazendo o isolamento, usando máscara e utilizando álcool em gel.” Foi, nas redes, sua declaração mais celebrada. (G1 e Valor)

Confira os cinco principais “recados” passados por Lula em seu discurso. (Globo)

De um petista graúdo a Lauro Jardim: “Ele deveria ter centrado mais na união nacional, mas posso entender: ele ainda está muito machucado com esse processo todo.” (Globo)

Principal alvo do discurso, o presidente Jair Bolsonaro reagiu dizendo que o petista já está em campanha. “Para ele, tudo é fácil, tudo pode ser resolvido”, disse. Bolsonaro também acredita que Lula está “comemorando cedo demais”, pois a decisão de Edson Fachin que anulou os processos contra ele pode ser revista pelo plenário do STF. (Estadão)

Já o vice-presidente Hamilton Mourão reafirmou que o povo é soberano. “Se o povo quiser a volta do Lula, paciência”, disse Mourão, completando, porém: “Acho difícil, viu, acho difícil.” (Folha)

Igor Gielow: “O discurso de volta ao palco político de Lula foi acompanhado com atenção pelos militares. Tanto entre oficiais da ativa quanto da reserva, as queixas foram várias, antevendo o que chamam de dificuldades para 2022. A principal foi a crítica direta ao general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército que em abril de 2018 pressionou o STF a não conceder um habeas corpus que evitaria a prisão do petista.” (Folha)

Francisco Leali: “No círculo político, espraiou-se a crença de que nada mais confortável para Bolsonaro do que ter no segundo turno um candidato do PT. Essa tese partia do princípio de que Lula não podia se candidatar. O tom do discurso do petista mostra a Bolsonaro por que se deve temer o que se deseja. Se o presidente cogitou ter Lula como oponente em 2022, o pronunciamento indica que a disputa será mais difícil do que poderia pensar.” (Globo)

Fernando Schüler: “A entrada de Lula e a crispação política criam um efeito de fuga do centro político. Nesse plano arriscamos enveredar em uma disputa de rejeições: o antipetismo contra o antibolsonarismo. O sinal de alerta soou para o centro. Em 2018, Alckmin, Meirelles e Amoêdo somaram menos de 10% dos votos. É apenas uma lembrança. O centro político não tem, no atual cenário, outra tarefa a não ser buscar um candidato de consenso e um programa capaz de se colocar consistentemente como alternativa a Lula e a Bolsonaro.” (Folha)




Embora não assumida, a reação mais notável ao discurso de Lula foi a guinada em 180 graus de Bolsonaro e sua família em relação à prevenção da Covid-19. Menos de 15 dias depois de criticar publicamente o uso de máscaras, o presidente apareceu usando a proteção, assim como os demais participantes da solenidade, ao sancionar a lei que permite a compra de vacinas da Pfizer e da Janssen. Nesta galeria de fotos é possível constatar a mudança de postura. (Folha)

Gerson Camarotti: “Um sinal claro de que a família presidencial passou recibo foi a mensagem do senador Flávio Bolsonaro nas redes sociais — replicada pelo ministro Fábio Faria (Comunicações) e por aliados bolsonaristas — logo depois do discurso de Lula. O filho do presidente pediu aos seguidores que compartilhassem uma foto de Bolsonaro com a inscrição ‘Nossa arma é a vacina’.” (G1)

Pois é... Flávio ainda pediu as seguidores no app Telegram que espalhassem esta mesma foto do pai pró-vacina. Hoje desafeto do clã presidencial, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) resgatou uma antiga postagem de Flávio contrariando o que agora o senador defende. (Globo)

Mas alguns Bolsonaros não mudam. Ao criticar a imprensa pela cobertura da mudança de postura do presidente, o filho Zero Três, deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), mandou que os jornalistas enfiassem as máscaras “no rabo”. (Folha)

Vera Magalhães: “Uma das facetas mais evidentes da personalidade política de Bolsonaro é a covardia extrema. O medo saltava aos seus olhos mesmo de máscara nesta quarta-feira. Visivelmente desconfortável por ter sido forçado a ostentar o acessório contra o qual investe há um ano, por puro capricho negacionista e por absoluta falta de empatia e de senso de emergência diante do flagelo da pandemia, o presidente mostrou que a máscara, ali, era uma carapuça.” (Globo)

E como sempre é preciso rir, o humorista Marcelo Adnet personificou Lula discursando, Bolsonaro reagindo e até Sérgio Moro pedindo apoio. (Twitter)

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