No dia 7 de junho, 23 pessoas foram levadas pela polícia para a delegacia durante a última manifestação pela vida das pessoas negras no Rio. Vinte e duas foram liberadas, segundo a Defensoria Pública do estado. Apenas David Paixão, de 23 anos, teve uma acusação formal registrada por “apologia ao crime” e assinou um termo circunstanciado de ocorrência.
Ele fazia uma transmissão ao vivo do ato em seu Facebook quando foi preso. Pelas imagens, é possível ver a polícia cercando um grupo de manifestantes nas estreitas ruas do centro do Rio e atirando balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo contra eles. A live se encerra com os policiais abordando Paixão e o levando para a delegacia.
Paixão tem um canal no Youtube chamado Cannabis 3D em que fala sobre questões relacionadas à maconha e sua legalização com mais de 70 mil inscritos. Chama a atenção o esforço da polícia para enquadrá-lo em algo, uma vez que as outras 22 pessoas detidas com ele antes do evento foram liberadas.
O episódio parece mais um caso de criminalização de quem produz cultura, a começar por produtores negros, periféricos e subversivos.
As perseguições podem vir através de denúncias anônimas, flagrantes forjados ou abraçadas por instrumentos jurídicos que dependem apenas do "fato" apresentado por um agente do estado.
Desde que chegou na delegacia, Paixão diz que teve um tratamento diferente dos demais. Talvez por fazer parte do grupo de 23 manifestantes acusados de vandalismo e formação de quadrilha pelas manifestações de 2013 no Rio. Segundo ele, os celulares de todos os detidos foram devolvidos, menos o seu. Um policial se afastou e voltou dizendo, após consultar seu nome no sistema da polícia, que tinham chegado imagens da "inteligência", onde Paixão aparecia com armas e drogas.
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As imagens apresentadas pelo agente e que basearam a acusação contra Paixão foram retiradas de suas redes sociais e o mostram segurando uma espécie de pistola e consumindo maconha. Pelas fotos, é possível perceber que as supostas armas são réplicas mal feitas de pistolas, produzidas com pedaços de madeira pintados de preto. Segundo ele, são peças cenográficas e foram utilizadas em uma gravação no YouTube Space, um lugar onde acontecem gravações de produtores de conteúdo para o YouTube. Paixão tem, inclusive, o documento da empresa comprovando a autorização para gravar as imagens.
Pouco antes das 14h, horário marcado para o início da manifestação, passaram a circular fotos no Facebook, Twitter e Instagram de bolsonaristas que mostravam a prisão de supostos "black blocs", fotos de facas, pedaços de madeira entre outros objetos. Nas postagens, Paixão aparecia como "o líder dos black blocs", e o post alertava a população para tomar cuidado porque os manifestantes da marcha antirracista eram "bandidos" e estariam indo armados ao ato. Em uma das publicações, encontramos uma foto da carteira de trabalho de Paixão e dentro dela uma foto 3x4 de sua filha de 3 anos. Pela imagem dá para perceber que a foto foi tirada em cima de uma viatura da polícia, e, como os policiais haviam detido Paixão e estavam com os seus documentos, trazem a hipótese de que algum agente vazou a foto.
Essas publicações foram compartilhadas por personalidades bolsonaristas como o lutador e professor de MMA Renzo Gracie, pela página na internet da Super Rádio Tupi, rádio carioca conhecida principalmente pela transmissão de jogos de futebol, e até pelo deputado federal Daniel Silveira, do PSL. Foi o parlamentar, inclusive, quem deu uma notícia falsa ao publicar que as armas apreendidas em uma manifestação em Copacabana, zona sul do Rio, no mesmo horário, eram de Paixão, que participava de outra manifestação no centro da capital carioca.
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Nos últimos tempos, além de Paixão, outros expoentes da cultura periférica tiveram problemas no mínimo esquisitos com a polícia. Um deles foi o produtor cultural DJ Rennan da Penha, talvez o maior símbolo da nova geração do funk, que ficou nove meses preso sob a alegação de associação ao tráfico de drogas. Rennan é o produtor de uma das maiores festas de rua do país, o baile da Gaiola, e foi preso em um momento em que os bailes funks de comunidade sofriam com vários golpes do governo Wilson Witzel.
Outro produtor perseguido pelas autoridades foi Rodrigo GTA. Ele, junto de outros produtores culturais, revitalizou a Praça dos Cajueiros, no centro do Rio, que estava abandonada e funcionava como ponto para usuários de crack. Após começar a promover rodas culturais na região, GTA passou a sofrer ameaças dos policiais que faziam ronda no local, pouco tempo depois foi preso e indiciado por desacato e resistência. Já preso, após uma denúncia anônima sem qualquer tipo de prova, passou a responder por assalto a mão armada com uma pena de seis anos e dois meses.
Para exemplificar a perseguição aos expoentes culturais periféricos, podemos comparar os casos de Paixão, GTA e Rennan da Penha com o do ator Gregório Duvivier.
O comediante e ator do Porta dos Fundos e do Greg News vive repetindo em debates e posts de internet que tem pés de maconha em casa e não foi "convidado" a comparecer a uma delegacia de polícia ou acusado de apologia ao crime.
A diferença entre todos eles: a cor e a classe social. O jornalista e chef de cozinha Caio Cezar Meyer, que é branco e também tem um canal no YouTube de culinária com maconha também enxerga racismo na criminalização de Paixão. “O Davi é um produtor de conteúdo sobre maconha, mas diferente da maioria dos produtores de conteúdo sobre maconha ele é preto, mora na favela e traz uma perspectiva muito mais vida real, vida da maioria dos brasileiros que fuma prensado.”
As perseguições podem um dia atingir pessoas como Duvivier, mas, em uma sociedade desigual como a nossa, os primeiros a serem colocados na "caixinha de criminoso" pelos grupos majoritários são os pretos e favelados. Afinal, estamos acostumados a ver operações nas favelas e não no Leblon, da mesma forma que estamos acostumados a ver perseguições e prisões de pessoas parecidas com Paixão e não com Duvivier.
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