quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Análise de Mídia - 17/02/2021

 

DOS JORNAIS DE HOJE: O fim do estoque de doses da vacina contra a Covid-19 é uma das principais notícias nos jornais de hoje. A notícia é o grande destaque das capas de Estadão e O Globo. A Folha destaca que a agenda bolsonarista não deve ter grande aceitação no Congresso Nacional, no entanto a reportagem que trata do assunto não tem muito embasamento – algo que é comum em muitas reportagens da Folha. Já o Valor Econômico destaca a preocupação de empresas com o “ativismo” de investidores nas redes sociais que pode acabar afetando a imagem da própria empresa.
O noticiário político tem poucas novidades. O jornal O Globo foi o único que fechou a edição de hoje com a notícia da prisão do deputado bolsonarista que estaria incitando violência contra ministros do STF. A Folha volta a abordar processos abertos pela PGR em que Jair Bolsonaro poderia ser investigado, mas ainda não se tem certeza se Augusto Aras é um novo “engavetador da República”. O jornal informa ainda que o Incra declarou ao STF que a reforma agrária foi paralisada no país. No entanto, o órgão declara que está trabalhando no aperfeiçoamento de assentamentos já realizados. A Folha e todos os outros jornais também voltaram a abordar o famigerado tuíte do general Villas Boas que agora ironizou a resposta tardia de Edson Fachin. O Estadão publica reportagem sobre a intenção do presidente da Câmara de mudar o regimento interno para impedir que a oposição obstrua a pauta e impeça ou atrase votações. Especialistas afirmaram ao jornal que a mudança seria um retrocesso. Em outra reportagem, o Estadão vai no mesmo sentido da reportagem de destaque da Folha e informa que a “bancada da bala” não é receptiva ao projeto do bolsonarista do excludente de ilicitude. O jornal ainda mostra que a CNBB publicou um comunicado em que critica Jair Bolsonaro.
Também no sentido da reportagem de destaque da Folha, o jornal O Globo informa que a bancada evangélica não tem boa aceitação ao decreto das armas de Jair Bolsonaro. Já o Valor Econômico informa que Paulo Guedes quer transformar a “cláusula de calamidade pública” ou o “orçamento de guerra” em uma possibilidade permanente. O jornal ainda aborda as privatizações durante o governo Lula e trata do fim da Operação Lava Jato.

 

CAPA – Manchete principal: *”Congresso deve barrar agendas do bolsonarismo”*

EDITORIAL DA FOLHA - *”Acima do cálculo”*: Diz uma máxima da política que a oposição não vence eleições, o governo é que as perde. No contexto brasileiro, pode-se aplicar a mesma lógica a processos de impeachment: o presidente é que cria o ambiente para sua deposição, ao cometer crimes de responsabilidade e, sobretudo, ao perder a sustentação popular e congressual. A oposição a Jair Bolsonaro, conforme relato desta Folha, avalia que não dispõe hoje da segunda condição. Embora a reprovação ao chefe de Estado tenha subido de já elevados 32%, em dezembro, para 40% em janeiro, segundo o Datafolha, a parcela dos que defendem seu afastamento é de expressivos mas ainda minoritários 42%. O apoio ao mandatário no eleitorado —31% consideram sua gestão ótima ou boa e 53% se opõem ao impeachment— mostra-se grande o bastante para desencorajar a maioria do Congresso a levar adiante um processo tão traumático. Teme-se também que uma tentativa derrotada em plenário, como foram as duas contra Donald Trump nos Estados Unidos, resulte em fortalecimento de Bolsonaro e suas fantasias persecutórias. Mais ainda, o Planalto desde o ano passado emprega cargos e verbas governamentais para cooptar parlamentares de conduta fisiológica, em estratégia que teve seu maior sucesso na eleição de seus candidatos às presidências da Câmara dos Deputados e do Senado.
Sua base de sustentação busca agora a prorrogação do auxílio emergencial —providência, em si, inatacável— com o objetivo de conter o desgaste do presidente e elevar suas chances em 2022, favorecidas pela fragmentação de lideranças oposicionistas. Resta um porém a impedir que se deixe de lado o debate do impeachment —trata-se da conduta insistentemente indecorosa de Bolsonaro, que emporcalha o cargo máximo da República como nenhum antecessor se atreveu a fazer. Está-se diante de um presidente que sabotou de todas as maneiras as políticas de saúde durante a pandemia; que declarou o intento de intervir em órgãos de segurança para proteger familiares; que apenas em recuo tático parou de insuflar atos contra os outros Poderes. Seus impulsos autoritários permanecem, como o demonstra mais um ataque a veículos de imprensa, entre eles este jornal, que defendeu “tirar de circulação”. É risível a ressalva de que não o faria por ser um democrata; não o fará, isso sim, porque está submetido às regras da democracia. Estas, acima de qualquer cálculo político, recomendam que o Congresso exerça o papel que lhe cabe ante os desmandos do presidente. É necessário desengavetar e examinar às claras, conforme os trâmites legais, as dezenas de pedidos de impeachment que aguardam decisão do presidente da Câmara.

RUY CASTRO - *”O Brasil nas ruas”*: No fundo de uma gaveta surge de repente um objeto cheio de história: um button verde-amarelo de um comício da campanha pelas Diretas Já, em 1984. Era o comício da Candelária, aqui no Rio, no dia 10 de abril. Não me lembrava desse button e vejo agora que ele viajou comigo por apartamentos, casas e cidades nesses inacreditáveis 36 anos —em breve, 37. Pouco antes, em janeiro daquele ano, acontecera o primeiro comício pelas Diretas, o da praça da Sé, em São Paulo, que reunira 300 mil pessoas. Mas o do Rio teria 1 milhão, com a multidão entupindo a avenida Presidente Vargas, do palanque na Candelária à praça da República, e atapetando a Rio Branco, da praça Mauá à Cinelândia —uma massa humana em forma de cruz, mostrando de vez que o país estava farto dos militares. No palanque, os artistas, os famosos e os líderes Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Franco Montoro, Fernando Henrique, Miguel Arraes, Leonel Brizola, Lula. Nem todos ali se davam: Montoro não gostava de Brizola, Brizola não gostava de Lula e Lula não gostava de ninguém. Mas todos tinham um inimigo comum: o regime, que já caia de podre e respirava por aparelhos, que eram as eleições indiretas para presidente votadas por um Congresso viciado. Daí os comícios, para pressionar os políticos a aprovar uma emenda que propunha restabelecer as diretas. Duas semanas depois, em 25 de abril, o Congresso traiu como sempre a nação, derrotando a emenda. As diretas viriam, mas só dali a cinco anos, e Deus sabe quantos erros, desde então, cometeram-se em seu nome. As jornadas de 1984, no entanto, eram a prova de que existíamos ---e, não fosse pela pandemia, que nos obriga a lutar pela vida dentro de casa, o país estaria hoje de novo nas ruas, para exigir o despejo de Jair Bolsonaro. Em 1984, a ditadura tinha 20 anos. Com dois anos de Bolsonaro, o Brasil já chegou a nível equivalente de putrefação.

PAINEL - *”Desarticulada, oposição disputa funções na Câmara e reforça dúvidas sobre união para 2022”*: Depois de registrar defecções e fracassar na tentativa de unir o campo para evitar a eleição de Arthur Lira (PP-AL) na Câmara, a esquerda segue desarticulada no Congresso. Uma decisão que caminhava para ser consensual descambou em nova disputa entre PT, PSOL, PC do B e PSB, desta vez pela liderança da oposição na Casa. A divergência acendeu o alerta de integrantes desses partidos, que temem sofrer os efeitos da desordem em 2022, facilitando a reeleição de Jair Bolsonaro. O PT, maior bancada da esquerda, vai comandar a minoria, mas ainda não há consenso sobre o nome a ser indicado. Já o PSB indicou Alessandro Molon (RJ) para ser líder da oposição sem o aval de todos os partidos do bloco. A decisão criou uma celeuma. Uma ala da esquerda defendia o nome de Marcelo Freixo (RJ), do PSOL, para a função. Outra resistia a promover o PSOL após a sigla rejeitar unir forças contra Lira. Uma opção para resolver o imbróglio seria deslocar Freixo para comandar a minoria no Congresso —um papel menos relevante. Nova reunião ocorrerá após o Carnaval. O desentendimento é encarado por líderes da oposição como uma antecipação da briga por protagonismo em 2022. Cresce o pessimismo sobre a possível união da esquerda para compor uma frente ampla já no primeiro turno da disputa.

PAINEL - *”Governo promete ampliar Bolsa Família, mas programa deve atender menos pessoas que em 2020”*: Apesar de o Ministério da Cidadania ter liberado a entrada de 200 mil novos beneficiários, o Bolsa Família deve atender a menos pessoas do que no fim de 2020. A promessa do governo era de ampliar a cobertura social em 2021, mas os repasses do programa estão menores. A previsão é que, em fevereiro, 14,26 milhões de famílias recebam o benefício. No fim de 2020, eram 14,27 milhões. Quando o Executivo elaborou o Orçamento de 2021, previu 15,2 milhões de famílias atendidas.

PAINEL - *”Aliados do governo tentam acelerar a tramitação de PECs que podem abrir espaço para auxílio”*: Aliados do governo no Congresso ainda negociam os termos das PECs Emergencial e do Pacto Federativo para tentar diminuir resistências ao texto e acelerar a tramitação dos projetos que podem abrir espaço no Orçamento para o auxílio emergencial. De acordo com articuladores do Planalto, as propostas precisam ser aprovadas por unanimidade para superar os prazos regimentais.

PAINEL - *”Justiça concede liminar para suspender Carnaval digital de SP’*
PAINEL - *”Comissão de combate à Covid-19 vai convidar Pazuello para prestar contas sobre pandemia”*

PAINEL - *”Com julgamento marcado, cresce articulação para que STF declare inconstitucional autorização para transporte de passageiros”*: Senadores e empresários esperam que o STF atenda pedido da Anatrip (associação de empresas de transporte rodoviário) e declare inconstitucional o atual modelo de autorização para transporte interestadual de passageiros. O caso está na pauta desta quinta (18). Desde 2014, basta autorização, sem licitação, para que companhias realizem o serviço. Há dois anos, o governo Bolsonaro editou normas que facilitaram ainda mais a permissão, para abrir o mercado. Segundo uma ala de parlamentares e firmas, porém, as medidas concentraram as concessões a grupo restrito de empresas. Outra ala de congressistas avalia que não há necessidade de julgamento da medida e que uma lei aprovada no Senado no final do ano passado dá uma solução ao imbróglio. O problema do modelo anterior a 2014 é que ele favorecia um conjunto menor de companhias. Já o atual tem menos pré-requisitos e pode gerar insegurança aos usuários por não haver fiscalização ostensiva. A legislação aprovada no Senado foi feita em acordo com o Executivo e estabelece parâmetros mínimos para a permissão, sendo assim, um meio-termo entre as alternativas, advogam senadores. "O equilíbrio precisa ser estabelecido olhando tanto o lado do consumidor como o do empresário. Um [o antigo] olhava mais para o empresário do que para o consumidor. Já o atual abriu de forma tal que não dá segurança nem aos bons investimentos nem ao usuário", avalia o senador Eduardo Braga (MDB-AM). "A solução construída pelo Senado é ponderada. Estabelece critérios republicanos. Vai ajudar a população, baratear o custo do transporte e não vai deixa entregue na mão de aventureiros", conclui Braga,

*”Prioridade do governo, projetos bolsonaristas devem ficar na gaveta do Congresso neste semestre”* - Enquanto a nova cúpula do Congresso Nacional abraça as prioridades do governo relativas à agenda econômica, as pautas conservadoras mais alinhadas ao presidente Jair Bolsonaro continuarão enfrentando resistência para avançar nas duas Casas. Líderes partidários dão como certo que propostas relativas a armas, a proteção de militares que matarem em operações de GLO (garantia da lei e da ordem) e a outras de forte apelo à base bolsonarista devem permanecer na gaveta no primeiro semestre do ano —ou mesmo ao longo de todo 2021. (...)

ELIO GASPARI - *”Bolsonaro desafiou o 'mercado'”*: Ganha uma fritada de morcego quem souber o que é o "mercado". Bolsonaro corre atrás do novo auxílio emergencial que ampara sua popularidade e pipocam ansiedades desse ectoplasma. Outro dia ele ironizou: "Qualquer negocinho, qualquer boato na imprensa, tá aí esse mercado nosso, irritadinho, né? (...) Pessoal, vocês sabem o que é passar fome?". No dia seguinte foi a vez do vice-presidente, Hamilton Mourão: "Minha gente, a gente não pode ser escravo do mercado. (...) Nós temos aí uns 40 milhões de brasileiros que estão em uma situação difícil". Toda vez que o capitão usa diminutivos ("gripezinha" no "finzinho") algo de ruim pode acontecer e ao mencionar a neurastenia do ectoplasma, ele pode estar indicando uma nova forma de demagogia. Para quem tem um pé no irracionalismo da cloroquina e na eleição americana fraudada, é um prato cheio a ideia de um descontrole fiscal em nome dos problemas sociais. Lula cavalgou racionalmente sua plataforma social e teve em Bolsonaro um crítico. Isso para não se falar no general Mourão, reclamando da existência do 13º salário. Opondo-se ao nervosismo da turma do papelório, Bolsonaro escolhe um adversário fácil para fazer não se sabe o quê. Paul Volcker, o grande presidente do banco central americano, em suas memórias grafou "mercado" entre aspas. Conhecendo a espécie, ele sabia que nem nos Estados Unidos o ectoplasma deveria ser levado a sério. No Brasil, a figura é risível. Em geral vocaliza as opiniões de consultores ou figuras do segundo escalão da banca ou da indústria. Na hora do vamos ver, as guildas do andar de cima gostam mesmo é de ir ao Planalto para bajular o poder. (Quando não se metem em lances de privataria das vacinas.)
Em tese, o "mercado" quer o equilíbrio das contas públicas. Na prática, seus personagens carimbados querem crédito oficial subsidiado e desconto nos impostos. Em tese, Bolsonaro e Paulo Guedes tinham um projeto liberal. Era uma mistura de mamão com jararaca, mas vá lá que lhe dessem esse nome. Com a pandemia e as dificuldades econômicas, o governo está sem rumo. A "gripezinha" mostrou-se um "meteoro" (figura usada por Guedes) e a única coisa que deu certo em dois anos foi a pronta distribuição do auxílio emergencial. As falas de Bolsonaro e Mourão indicam uma nova forma de demagogia. O vice-presidente disse que o governo não pode ser escravo do mercado. A frase não quer dizer nada, mas o pelotão palaciano, o general da Saúde e o almirante da Anvisa resolveram peitar os fabricantes de vacinas. Bolsonaro reescreveu a lei da oferta e da procura quando achou que seu governo tinha braço forte para negociar com os fabricantes. Deu no que deu, faltam imunizantes e sobra cloroquina. Quando Bolsonaro pergunta se "vocês sabem o que é passar fome?", esquece que seu governo tentou tungar o Benefício de Prestação Continuada, um alívio financeiro para os miseráveis que passavam fome antes mesmo da pandemia. Muitas coisas do governo de Bolsonaro nunca antes tinham sido vistas. Por exemplo: encrencar com os três maiores parceiros comerciais do Brasil (Estados Unidos, China e Argentina) sem motivo. Criar um Robin Hood sem propósito seria um novo capítulo de um mau espetáculo.

*”Sob pressão, Aras lista ao Supremo nove investigações sobre Bolsonaro”* - Além de responsabilidade no agravamento da crise sanitária no Amazonas e no Pará, o procurador-geral da República, Augusto Aras, avalia se o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) cometeu crime ao incentivar apoiadores a invadir hospitais públicos para constatar o nível de ocupação dos leitos. Os dois episódios estão entre as nove apurações abertas na PGR (Procuradoria-Geral República) que envolvem o chefe do Executivo. O conjunto de procedimentos inclui ainda acusações contra o presidente por desrespeitar medidas preventivas de enfrentamento ao coronavírus, como o uso de máscara facial e evitar as aglomerações. Nas últimas semanas, Aras tem sido pressionado por parlamentares, ministros do Judiciário e colegas do MPF (Ministério Público Federal) a agir. O mandato do procurador-geral se encerra no mês de setembro. Escolhido por Bolsonaro em 2019 para o cargo fora da lista tríplice dos mais votados em processo interno do MPF, Aras poderá ser reconduzido ao posto por mais dois anos. Também é, porém, um dos cotados para ocupar a vaga que Marco Aurélio Mello deixará aberta no Supremo no segundo semestre deste ano. Uma das principais críticas à sua atuação é a de alinhamento aos interesses do presidente da República. Em um comunicado à imprensa, por exemplo, a PGR afirmou que compete ao Congresso Nacional a responsabilização de integrantes da cúpula dos Poderes por eventuais ilícitos no combate à Covid-19, o que intensificou a pressão sobre o procurador-geral.
Em resposta às críticas, Aras enviou um parecer ao STF (Supremo Tribunal Federal) dizendo que passou a apurar a conduta de Bolsonaro na crise do Amazonas e do Pará e que, além desse procedimento, foram abertos mais oito até o momento. Ainda na fase inicial da pandemia, em junho do ano passado, Aras abriu uma apuração após Bolsonaro ser acusado de incitar apoiadores a entrar sem autorização em hospitais públicos para registrar imagens sobre a ocupação de leitos. “As informações que nós temos é que na totalidade ou em grande parte, ninguém perdeu a vida por falta de respirador e falta de UTI”, afirmou o presidente em uma live. “Agora, se tem um hospital de campanha perto de você, dá um jeito de entrar e filmar. Muita gente está fazendo isso, mais gente tem que fazer.” Nos dias seguintes à fala do chefe do Executivo, em diferentes regiões do país, foram registradas invasões em unidades hospitalares. Em julho, mais três casos motivaram a abertura de apurações na PGR, todas para averiguar se o ocupante do Palácio do Planalto contrariou normas da administração de Brasília de prevenção ao novo coronavírus, como o uso de máscara. Um dos procedimentos foi instaurado depois que o presidente compareceu sem a proteção facial a uma manifestação de militantes bolsonaristas na Praça dos Três Poderes, ato também apontado como um incentivo às aglomerações.
Foi aberta apuração após Bolsonaro conversar com jornalistas no Palácio da Alvorada para falar que havia contraído a Covid-19. Ao final da entrevista, apesar da pouca distância que mantinha para os repórteres, ele tirou a máscara facial. Em outro caso, também ciente de que contraíra a doença, ele foi visto conversando, sem a proteção, com funcionários da limpeza no Alvorada. Na sexta-feira (12), a PGR informou que parte das apurações tramita de forma reservada e que não havia informações disponíveis a respeito delas. A Procuradoria disse que dois casos relacionados ao desrespeito às medidas preventivas contra o coronavírus foram arquivados em agosto e setembro. As apurações que envolvem Bolsonaro são realizadas por meio de um instrumento chamado de notícia de fato. Consiste em um procedimento preliminar para o levantamento de informações, incluindo pedidos de informação a órgãos públicos. Se a partir desses dados, o chefe do MPF entender que houve, por exemplo, um ato ilegal ou omissão por parte do presidente, um inquérito poderá ser requerido ao Supremo. Sobre as medidas de prevenção à Covid-19, ainda que reconhecida a transgressão, a cúpula da PGR entende que a falta deve ser penalizada com sanção administrativa por parte da administração local, sem nenhuma repercussão penal. O que não ocorre, por outro lado, nos casos das invasões a hospitais ou na crise sanitária no Norte do país.
A decisão de Aras de apurar a conduta de Bolsonaro na situação do Amazonas e do Pará foi uma resposta a uma notícia-crime protocolada pelo PC do B no Supremo. A sigla afirmou que há “fortes indícios” da prática de prevaricação do chefe do Executivo e de seu auxiliar, o ministro Eduardo Pazuello, no colapso em Manaus e ressaltam que o mesmo cenário tem sido visto em municípios paraenses. “Caso, eventualmente, surjam indícios razoáveis de possíveis práticas delitivas por parte dos noticiados, será requerida a instauração de inquérito nesse Supremo Tribunal Federal”, disse Aras em manifestação enviada à corte no início de fevereiro. Ainda na manifestação feita ao Supremo, o procurador-geral disse que tem sido “zeloso na apuração de supostos ilícitos atribuídos ao chefe do Executivo”. A Folha enviou perguntas ao Palácio do Planalto, questionando se houve eventuais esclarecimentos à PGR e o que Bolsonaro tem a dizer em sua defesa. O email foi devolvido com a informação de que a reportagem deveria enviar as questões para a AGU (Advocacia-Geral da União), que, por sua vez, informou que não poderia comentar o caso por se tratar de procedimentos ainda em curso.

CONRADO HÜBNER MENDES - *”Contra a soberania, armar e desmatar”*
*”Com mais de um nome, PSDB define presidenciável neste ano, diz Bruno Araújo, presidente do partido”*

*”Governo Bolsonaro admite ao STF paralisia da reforma agrária, com acúmulo de diferentes recordes negativos”* - A cúpula do Incra (órgão federal de reforma agrária) informou ao STF (Supremo Tribunal Federal) que o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) zerou a edição de decretos de desapropriação para reforma agrária e fez a menor aquisição de terras com essa finalidade desde 1995, o ano mais antigo usado na comparação. Além disso, nunca houve orçamento tão baixo para aquisição de terras, levando em conta um dos gráficos apresentados, com dados referentes ao período de 2011 a 2020. Sob Bolsonaro houve, ainda, menos famílias assentadas do que em dois anos de Michel Temer. E bem menos assentamentos do que nos governos Fernando Henrique, Lula e Dilma. A comparação entre governos foi feita num documento assinado pelo presidente do órgão, Geraldo Melo Filho, e pelos quatro diretores da instituição. Os gestores admitiram ao STF, com gráficos elucidativos que fazem comparações entre governos, a paralisia de desapropriações e novos assentamentos. Disseram que isso já era uma tendência nos últimos anos. O presidente e os diretores, porém, negaram que isso signifique a paralisação completa da reforma agrária. Segundo eles, o foco da atual gestão é a regularização fundiária, a titulação de terras já distribuídas e a melhoria da infraestrutura de assentamentos. Segundo o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), há hoje 80 mil famílias acampadas, sob lona preta, à espera de terra. Entre 25 mil e 30 mil delas estão no Nordeste. “Após a vacinação, a luta pela terra vai ser retomada com força, diante dessa ideia do Incra de fazer concentração de terra”, afirma Alexandre Conceição, da coordenação nacional do MST.
A reforma agrária é uma previsão constitucional. O artigo 184 da Constituição Federal diz que “compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante indenização”. Já o artigo 188 prevê a destinação de terras públicas para o plano nacional de reforma. A inação do governo é listada por críticos e especialistas como crime de responsabilidade, passível de impeachment. Há mais de 60 pedidos de impedimento protocolados, mas, até agora, não houve autorização dos presidentes da Câmara do período —Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Arthur Lira (PP-AL)— para que qualquer um deles tramite. O documento do Incra foi concluído no último dia 9. A peça foi protocolada no curso de uma ação proposta no STF por entidades sindicais do campo, que questionam a paralisia deliberada da reforma agrária pelo governo Bolsonaro. Um documento do próprio Incra, de outubro, já registrava a paralisia de 413 processos de reforma agrária, com interrupção de vistorias e análises sobre desapropriação de imóveis rurais, como a Folha mostrou em 9 de dezembro. Contag e Contraf (Confederações Nacionais dos Trabalhadores na Agricultura e na Agricultura Familiar) usaram esse dado na ação movida no STF. Agora, o Incra abriu ao relator da ação no STF, ministro Marco Aurélio Mello, novas informações sobre o desempenho da reforma agrária no governo Bolsonaro. Um gráfico sobre decretos de desapropriação nos últimos 25 anos mostra a curva no zero em 2019 e em 2020. A cúpula do Incra não informa no gráfico o número de decretos. A Folha consultou todos os decretos editados por Bolsonaro em 2019, 2020 e 2021 e não encontrou nenhum destinado à desapropriação de imóveis com finalidade de reforma agrária. “A diminuição da incorporação de novos imóveis para a reforma agrária pela via onerosa já vinha de longa data, passando por vários governos”, afirma a diretoria do Incra no documento.
Sob Bolsonaro, o Incra incorporou apenas 1,5 mil hectares de terras em 2019 e 1,4 mil em 2020 para o programa nacional de reforma agrária, totalizando 2,9 mil. Em dois anos e meio de Temer, foram 664 mil hectares. Em cinco anos de Dilma, 3,1 milhões. Em oito de Lula, 47,6 milhões. E em oito de Fernando Henrique, 20,8 milhões. A comparação é da própria diretoria do Incra. O governo Bolsonaro também vem assentando menos famílias sem-terra. Em dois anos, foram 9,2 mil famílias. Nos governos anteriores, conforme a comparação feita no documento do Incra, foram esses os números informados: 540,7 mil (Fernando Henrique), 614 mil (Lula), 133,6 mil (Dilma) e 11,8 mil (Temer). “A partir dos governos Dilma e Temer, passou-se a adotar uma política mais preocupada com qualidade dos assentamentos da reforma agrária e condições de vida das famílias beneficiárias”, argumentaram os gestores do Incra. O governo Bolsonaro destinou apenas R$ 12,2 milhões para a aquisição de terras em 2020. Em 2011, eram R$ 930 milhões, ou R$ 1,6 bilhão, quando corrigidos pela inflação. “O termo ‘reforma agrária’ não pode ser resumido à aquisição e destinação de terras por meio da criação de projetos de assentamento, sendo possível estarem inseridas formas complementares de destinação das terras agricultáveis do país, a exemplo da regularização fundiária”, afirma o Incra, no documento ao STF. “A regularização fundiária pode ser enquadrada como uma das formas de se alcançar a reforma agrária, dentro de um contexto de complementação de políticas públicas”, completa.
Segundo o Incra, a reforma agrária dispõe no Brasil de 87,5 milhões de hectares de terras, distribuídos em 9,4 mil projetos de assentamento, onde vivem 967 mil famílias. As áreas equivalem aos tamanhos de Espanha e Alemanha somados, ou 10,3% do território brasileiro, conforme comparação feita pelo Incra. O órgão afirma existirem 203 imóveis rurais com ações de desapropriação ajuizadas na Justiça, e com valores de indenizações já depositados em juízo. “Circunstâncias não controladas pela autarquia, na maior parte das vezes decorrentes de discussões judiciais no âmbito das ações de desapropriação, levam a que não seja deferida a imissão provisória na posse”, diz. O valor “imobilizado”, já depositado, é de quase R$ 1 bilhão, segundo o órgão. “Ações tramitam na Justiça há vários anos, algumas delas há mais de duas décadas.” O Incra diz fazer uma inspeção por “lotes vagos” em assentamentos, além de ações de regularização fundiária na Amazônia. Outra frente é a entrega de títulos aos ocupantes dos imóveis. No governo Bolsonaro, segundo o Incra, foram 119,9 mil titulações. Para Fabiana Scoleso, doutora em História Social e professora da UFT (Universidade Federal do Tocantins), o foco atual nas titulações destoa da política dos assentamentos rurais de priorizar a titulação às mulheres das famílias e significa um “deslocamento do eixo” da agricultura familiar para o agronegócio. “É inegável que houve uma redução drástica do programa de reforma agrária, que existe uma paralisia. É importante criar outras possibilidades de reforma agrária, mas os interesses desse governo são antagônicos a uma reforma. Tanto que temos visto uma série de reintegrações de posse no país”, diz Scoleso.

*”Disputa de terras é estopim da principal operação sobre suspeita de vendas de decisões judiciais do Brasil”* - Com a primeira fase deflagrada há menos de um ano e meio, uma operação relacionada a uma disputa de terras na divisa da Bahia com o Piauí e o Tocantins se tornou a principal investigação sobre suspeita de venda de decisões judiciais do Brasil. Intitulada Operação Faroeste, a apuração se expandiu nos últimos meses com a ajuda de delações premiadas e, além de magistrados, tem investido sobre advogados que atuavam intermediando a venda de despachos, além de outras figuras do poder público suspeitas de participar de irregularidades. Até fevereiro de 2021, oito desembargadores já haviam sido afastados do Tribunal de Justiça da Bahia por decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça), além de outros três juízes. Três desembargadoras estão presas preventivamente, e uma quarta está em prisão domiciliar. Ao menos uma desembargadora, Sandra Inês Rusciolelli, a que está em casa, é apontada por outras partes nas investigações como tendo proposto delação premiada ao Ministério Público Federal. O processo está em sigilo, e seu advogado, Pedro Henrique Duarte, não nega nem confirma a delação. Na Operação Faroeste, segundo as apurações do Ministério Público, advogados intermediavam os interesses de pessoas que precisavam de decisões judiciais em seu favor e estavam dispostas a subornar magistrados. Em alguns casos, os rascunhos de despachos apresentados por algum juiz ou desembargador eram elaborados por esses advogados, de acordo com a investigação. A operação também já avançou sobre o Executivo e sobre o Ministério Público da Bahia, e há processos ligados a envolvidos em outros estados.
O ponto de partida para a Faroeste foram suspeitas de grilagem em uma área de 366 mil hectares no extremo oeste da Bahia, próximo à divisa com o Piauí —por isso o nome da operação. O terreno tem cinco vezes o tamanho de Salvador. Depois, descobriu-se que a área objeto de decisões supostamente compradas era próxima de 800 mil hectares. Como desde o início envolveu suspeita sobre desembargadores, que têm foro especial, a operação tramita no STJ, sob a relatoria do ministro Og Fernandes. Em um dos despachos sobre o caso, o ministro descreve que foi descoberta "uma teia de corrupção, com organização criminosa formada por desembargadores, magistrados e servidores do TJ-BA [Tribunal de Justiça da Bahia], bem como por advogados, produtores rurais e outros atores do referido estado”. Já o Ministério Público Federal diz que as investigações revelaram "a existência de um modelo judicial criminoso no seio do Tribunal de Justiça baiano, em que várias organizações criminosas operavam sozinhas ou associadas, tendo julgadores, advogados e servidores, no seu corpo de funcionários e a venda de decisões como mercadoria para enriquecimento de todos em escalada geométrica". Até agora, foram apresentadas seis denúncias assinadas pela subprocuradora-geral Lindôra Araújo, e as delações premiadas e materiais encontrados em buscas e apreensões têm fornecido subsídios para a expansão das investigações.
Um dos personagens-chave do caso é o empresário Adailton Maturino, que se apresentava como cônsul honorário da Guiné-Bissau, embora não tivesse autorização do Itamaraty para representar o país no Brasil. Adailton era conhecido pelo seu bom trânsito na alta cúpula dos Poderes da Bahia e do Piauí. De acordo com as investigações, ele pagou para obter decisões favoráveis de desembargadores em benefício de José Valter Dias —na descrição do Ministério Público, um homem que era um borracheiro e virou um latifundiário. Com as decisões, Dias pôde se tornar o dono de 360 mil hectares da Fazenda São José, em Formosa do Rio Preto, região de cerrado baiano na divisa com o Piauí. A defesa de Maturino, comandada pelo ex-ministro José Eduardo Cardozo, diz que representações como a de "falso cônsul" e "borracheiro" são preconceituosas. No local, havia aproximadamente 300 agricultores originários do Paraná que ocuparam a região nos anos 1980, sob incentivo de um programa agrícola do governo brasileiro em parceria com o japonês. Dias alegava que tinha comprado os direitos sucessórios de herdeiros de antigos donos das terras, com base em um inventário de 1915. Obteve decisões a seu favor e conseguiu um acordo com os fazendeiros. O dinheiro desse acordo ia para uma empresa que ele constituiu com Maturino e com a esposa dele, a advogada Geciane Maturino.
Com o uso de relatórios de inteligência financeiros e quebras de sigilos telefônicos, o Ministério Público e a Polícia Federal conduziram as primeiras fases da operação e prenderam alvos sob suspeita de ligação com o esquema atribuído a Adailton Maturino, como o próprio empresário, Geciane e José Valter Dias. Inicialmente, o então presidente do TJ-BA, desembargador Gesivaldo Britto, e outros magistrados foram afastados do cargo. Dez dias depois, a desembargadora Maria do Socorro Santiago foi presa, por supostamente ter descumprido ordem judicial e ter feito contato com seu gabinete tentando destruir provas de um celular. A defesa dela nega e diz que a perícia não constatou nenhuma conversa que a comprometesse. Atualmente, Maria do Socorro continua presa e é ré sob acusação de lavagem de dinheiro e de participar de organização criminosa. Ela também é ex-presidente do TJ-BA. Além delas, estão presas preventivamente em Brasília outras duas desembargadoras. O caso se expandiu e, após a quinta fase da operação, o Ministério Público chegou a um outro lado das acusações: pediu buscas e apreensões também em suspeitos de atuarem contra Adailton Maturino. Desembargadores eram pagos, segundo as denúncias, por representantes de produtores agropecuários que estavam na disputa judicial contra o "falso-cônsul".
Esse ramo da investigação foi desvendado com ajuda de um delator que é ex-assessor do Judiciário baiano e passou a atuar como advogado em uma banca que seria especializada em intermediar a venda de decisões. Também é delator Nelson Vigolo, representante da Bom Jesus Agropecuária, que admitiu ter bancado advogados com a finalidade de pagar propinas em troca de decisões favoráveis. Em dezembro, uma nova fase da Faroeste revelou que a operação também investigava suspeitas no Governo da Bahia e no Ministério Público da Bahia. Um dos alvos foi o então secretário da Segurança Pública Maurício Teles Barbosa, que é delegado da Polícia Federal e atuou de 2011 a 2020 nos governos dos petistas Jaques Wagner e Rui Costa. Ele foi afastado do cargo de secretário por decisão judicial e, depois, exonerado. Barbosa, segundo as investigações, mantinha contato com Adailton Maturino e é suspeito de frustrar investigações que envolviam o empresário e os desembargadores ligados a ele. Também é alvo de investigação a ex-procuradora-geral de Justiça Ediene Lousado. Em uma conversa gravada, a desembargadora Sandra Inês afirma que Ediene atuou para impedir a apresentação de uma denúncia que o Ministério Público baiano tinha preparado contra Barbosa.
INVESTIGADOS NEGAM IRREGULARIDADES
O Tribunal de Justiça da Bahia não se manifestou sobre a situação da corte, e o seu atual presidente, Lourival Almeida Trindade, afirmou que não pode se posicionar sobre processos pendentes de julgamento. O advogado do desembargador Gesivaldo Britto, Adriano Figueiredo, diz que não foram identificados elementos que apontem que o magistrado ostente padrão de vida incompatível com sua renda e que ele não participou de nenhum julgamento em processos que dissessem respeito ao objeto apurado. “O MPF se apega a frágeis suposições para mantê-lo, a fórceps, no polo passivo da demanda criminal”, diz. Os advogados de Maurício Teles Barbosa, Sérgio Habib e Thales Habib, afirmam que não há nos autos nenhuma prova de que ele tenha frustrado investigações ou favorecido Adailton Maturino, "desafiando a que se prove qual a sua conduta que o favoreceu". Também afirma que não procede a acusação de que ele tenha sido favorecido por Ediene, porque foi alvo de uma representação do Ministério Público que acabou arquivada após um habeas corpus no TJ-BA. A defesa de Ediene também nega irregularidades.
Os advogados de José Valter Dias, Maurício Vasconcelos e Aloísio Freire, afirmam que a empresa criada com Maturino "foi realizada às claras e à luz da legislação pertinente". A movimentação financeira, diz a defesa, é "absolutamente compatível com a natureza dos negócios jurídicos ao redor dos imóveis que integraliza, em preço de mercado cambial de soja, conforme reconhece o próprio Ministério Público Federal". Também afirma que a família acredita ser titular do direito sobre as terras. Os advogados de Adailton Maturino reiteram que todas as movimentações financeiras feitas pelo seu cliente são regulares. O advogado de Maria do Socorro, Bruno Espiñeira Lemos, argumenta que não há participação da magistrada em qualquer ato de lavagem de dinheiro ou em uma eventual organização criminosa. Afirma que não houve interceptação do telefone dela com qualquer dos investigados e que não há motivo para mantê-la presa. "O que estão fazendo hoje, no caso, é tentar tirar qualquer oxigênio de vida e que ela resolva tentar delatar. De preferência, que faça como a maioria, que invente, que deixe muito colorido além do normal", afirma. "Eles criaram uma pirotecnia, um espetáculo para dar uma dimensão e fortalecer a narrativa do Ministério Público." A defesa de Nelson Vigolo “reafirma que o agricultor foi vítima de um poderoso esquema de extorsão que vem sendo revelado a cada etapa da Operação Faroeste”.

*”Villas Bôas ironiza crítica de Fachin; Gilmar vê 'deboche' e diz 'ditadura nunca mais'”* - O ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas ironizou nesta terça-feira (16) uma crítica aos militares feita um dia antes pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF). Sem citar o general, Gilmar Mendes reagiu. A reprimenda de Fachin foi uma resposta à revelação de que a cúpula do Exército, então comandado por Villas Bôas, articulou um tuíte de alerta ao Supremo antes do julgamento de um habeas corpus que poderia beneficiar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2018. Lula acabou tendo o pedido negado pelo plenário do Supremo e, no dia 7 de abril daquele ano, foi preso e levado para Curitiba. Deixou a cadeia 580 dias depois, após o STF derrubar a regra que permitia prisão a partir da condenação em segunda instância. Nesta terça-feira (16), Villas Bôas comentou a notícia sobre as críticas de Fachin: "Três anos depois". O general sofre de esclerose lateral amiotrófica. Ele usa aparelhos de informática para se comunicar. O militar está em uma cadeira de rodas. Fachin é o relator da Operação Lava Jato no Supremo. Após a publicação de Villas Bôas, uma manifestação partiu de um ministro da ala mais garantista da corte. Gilmar já fez críticas à extinta força-tarefa de Curitiba. No Twitter, sem citar o nome do general, Gilmar afirmou que "a harmonia institucional e o respeito à separação dos Poderes são valores fundamentais da nossa república". "Ao deboche daqueles que deveriam dar o exemplo responda-se com firmeza e senso histórico: Ditadura nunca mais!", escreveu.
A postagem de Villas Bôas é um comentário à postagem de Antonio Lorenzo, que já foi chefe de comunicação da Aeronáutica. Lorenzo publicou três emojis com expressão de sono e escreveu: "Três anos depois...". ​Em livro-depoimento recém-publicado pela Fundação Getulio Vargas, segundo Villas Bôas, o texto do tuíte de 2018 foi escrito por "integrantes do Alto Comando". "A declaração de tal intuito, se confirmado, é gravíssima e atenta contra a ordem constitucional. E ao Supremo Tribunal Federal compete a guarda da Constituição", disse Fachin, em nota divulgada por seu gabinete, que fez referência a reportagem da Folha sobre o tema publicada no domingo (14).
Segundo mostrou a reportagem, a postagem do então comandante do Exército tinha um teor bastante mais incendiário do que o publicado. Além disso, segundo o relato no livro-depoimento feito pelo general, que comandou o Exército de 2014 a 2019, ao menos três ministros do governo Bolsonaro e o atual chefe da Força souberam da nota. A postagem de Villas Bôas acabou atenuada por ação do então ministro da Defesa, general da reserva Joaquim Silva e Luna, hoje diretor-geral de Itaipu, em um episódio até aqui inédito que foi relatado à Folha por integrantes do governo Michel Temer (MDB). "Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?", dizia a primeira postagem de Villas Bôas, feita no dia 3 de abril de 2018. "Asseguro à nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais", completava o general. Nesta segunda-feira, Fachin citou trecho da Constituição que define o papel das Forças Armadas. "As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República."
Em abril de 2018, após o tuíte de Villas Bôas, Fachin não se manifestou publicamente. No dia seguinte, o plenário do STF negou habeas corpus a Lula. Ao votar pelo indeferimento do pedido do ex-presidente, o ministro também não fez comentário sobre o texto do general. Em seu voto, Fachin ressaltou que deveria haver estabilidade e respeito ao entendimento dos tribunais sobre a execução provisória da pena. De acordo com o ministro, não havia até aquele momento revisão da jurisprudência, do próprio Supremo, que previa a execução provisória da pena após condenação em segunda instância, entendimento aplicado no caso de Lula. Celso de Mello, então decano do Supremo, por sua vez, abordou a mensagem de Villas Bôas, sem citá-lo por nome. Ao iniciar a leitura de seu voto, o então decano afirmou que um comentário realizado por "altíssima fonte" foi "infringente ao princípio da separação de Poderes" e alertou contra "práticas estranhas e lesivas à ortodoxia constitucional". Celso afirmou que intervenções militares restringem a liberdade e limitam o espaço do dissenso e, portanto, são inaceitáveis. "O respeito indeclinável à Constituição e às leis da República representa o limite intransponível a que se deve submeter os agentes do Estado, quaisquer que sejam os estamentos a que eles pertencem", disse.

*”Brasil busca vaga no Conselho de Segurança da ONU sob desgaste de Bolsonaro no exterior”*
*”Haitianos retidos na fronteira do Acre rompem barreira e entram no Peru”*
*”Militares de Mianmar repetem promessa de novas eleições, e líder civil deposta enfrenta mais acusações”*
TODA MÍDIA - *”África do Sul tenta devolver as vacinas da AstraZeneca”*

*”Onda de frio deixa ao menos 20 mortos e 5 milhões sem energia nos EUA”*
*”Nevasca interrompe vacinação contra a Covid-19 na Grécia”*
*”Seul acusa Coreia do Norte de hackear Pfizer para ter acesso a vacinas de Covid-19”*
*”Com sucesso na vacinação, Israel vai reabrir lojas, academias e sinagogas”*
*”Ditadura da Belarus faz blitz contra entidades de jornalismo e direitos humanos”*

*”Metade das empresas brasileiras começam 2021 com queda no lucro, diz FGV”*
*”Brasileiro renegocia empréstimos para melhorar perfil da dívida na pandemia”*
*”Bitcoin vai acima de US$ 50 mil pela primeira vez”*

PAINEL S.A. - *”Órgão da Justiça Militar vai pagar curso de italiano para cargos que ganham mais de R$ 37 mil”*: Os membros do MPM (Ministério Público Militar), que chegam a ter remuneração acima de R$ 37 mil, poderão ganhar bolsas de estudos de idiomas com recurso público. No momento de aperto das contas do governo e do debate sobre a falta de dinheiro para bancar o auxílio emergencial, o procurador-geral de Justiça Militar, Antônio Pereira Duarte, lançou neste ano o programa de estudos para subsidiar cursos de inglês, espanhol, francês e italiano aos servidores e membros do órgão. Procurado pela coluna, o MPM afirma que a iniciativa foi prevista no plano estratégico de 2016. Diz também que a capacitação é necessária por causa do aumento de sua atuação internacional nas cooperações jurídicas e relações institucionais com órgãos do sistema de Justiça Militar de nações amigas. "A atribuição para apurar crimes militares cometidos no exterior, ainda que apenas em parte, é do MPM. Um exemplo é o caso do sargento detido na Espanha, denunciado pelo MPM por tráfico internacional de drogas. As missões de paz da ONU com tropas brasileiras são acompanhadas pelo MPM que, caso necessário, como no Haiti, tem que se deslocar para acompanhar as investigações. Também estamos em tratativas com a Procuradoria-Geral de Justiça Militar da Itália para celebrar acordo de cooperação", diz em nota.
O órgão diz que está estudando o modelo econômico mais viável para formar as turmas de idiomas. "Predominantemente, serão ofertadas turmas fechadas, com instrutor único e em regime de educação à distância, o que reduzirá custos para a administração. O MPM busca convênios com outras instituições públicas e no meio universitário para reduzir gastos", afirma em nota. Além da remuneração pelo cargo efetivo no MPM, há outros ganhos eventuais como a gratificação natalina, que pode chegar R$ 19,6 mil. Em janeiro, houve casos de rendimento líquido total acima de R$ 65 mil entre as funções de procuradores e promotores, segundo dados do órgão.

PAINEL S.A. - *”Pubs britânicos continuam fechados sem perspectiva de reabrir até com mesa em área externa”*
PAINEL S.A. - *”Bauru vira palco de conflito entre Bolsonaro e Doria”*
PAINEL S.A. - *”Procon-SP entra em investigação sobre vazamento de dados de mais de 100 milhões de contas de celular”*
PAINEL S.A. - *”Representantes empresariais pressionam por mudanças no Marco das Startups”*

*”Regras do auxílio emergencial podem congelar salários de servidores por 3 anos”* - A concessão de um auxílio emergencial com regras amplas poderia levar a um congelamento dos salários no serviço público federal por três anos para compensar o impacto do programa nas contas públicas. Apesar de ainda não estar fechada, a alternativa é comentada nas conversas entre Executivo e Congresso —conforme pessoas com conhecimento do assunto relataram à Folha. Para evitar a necessidade de compensar grandes volumes, defende-se no governo um programa com custos mais contidos do que em 2020. Influencia nas visões sobre o programa o aumento no endividamento do país. A dívida bruta chegou ao fim do ano passado em 89,3% do PIB (Produto Interno Bruto) e deve subir novamente com a expectativa de mais um déficit nas contas públicas em 2021. É defendida entre membros do Executivo a necessidade de filtrar os beneficiários do auxílio emergencial em relação aos recebedores de 2020 para direcionar o programa aos mais pobres e manter o custo do programa sob controle. Além disso, a ideia é restringir a duração dos pagamentos por três ou quatro meses. Esse prazo se baseia na premissa de que, dentro do período, haverá vacinação em massa da população idosa e queda no número de hospitalizações.
Também é defendido um valor entre R$ 200 e R$ 250 mensais por beneficiário. O valor é menor do que os R$ 600 mensais concedidos em 2020 nas cinco primeiras parcelas e do que os R$ 300 dos últimos quatro pagamentos. O valor das parcelas em um patamar menor do que em 2020 é visto como forma de deixar o valor mais próximo ao do Bolsa Família. O programa de transferência de renda concede, em média, um valor aproximado de R$ 200 por cartão. A visão entre integrantes do Executivo é que, quanto mais restritivas as regras do auxílio emergencial, menor seria o custo da medida e, portanto, menor a necessidade de medidas compensatórias. Por outro lado, o entendimento é que, quanto mais amplas forem as regras, maior a demanda por cortes de outras despesas. O Ministério da Economia vem expressando reiteradas vezes a necessidade de contrapartidas fiscais para a concessão do auxílio emergencial e para a liberação de gastos para combater os efeitos da pandemia. A visão é que liberar mais gastos para enfrentar a Covid-19 não pode significar um novo cheque em branco, por causa do menor espaço fiscal do país após o rombo recorde de R$ 740 bilhões nas contas primárias em 2020.
Conforme mostrou a Folha nesta semana, a recriação do auxílio emergencial vai atender mais pessoas do que o inicialmente previsto e chegar a mais de 40 milhões de beneficiários em 2021. Isso por si só já representa uma pressão sobre o custo. Mesmo assim, o auxílio deve contemplar uma população menor do que a de 2020 (mais de 60 milhões). O objetivo é fazer uma filtragem e deixar o programa mais focado, direcionando recursos apenas à população mais pobre. Mesmo com a perspectiva de liberação de novos gastos públicos neste ano para combater as consequências econômicas da pandemia, o ministro Paulo Guedes (Economia) planeja amenizar o impacto das medidas nas contas públicas. Conforme mostrou a Folha também nesta semana, a equipe econômica desenha iniciativas em 2021 com uma engenharia financeira que gere efeitos similares aos observados no ano passado, mas que reduza ou até mesmo descarte a necessidade de recursos do Tesouro Nacional dependendo do caso. No caso do programa de manutenção do emprego, Guedes tem dito a interlocutores que pretende eliminar o uso do caixa do Tesouro. A volta da medida que evita demissões já é uma certeza no Ministério da Economia para 2021.
O programa criado no ano passado, visto por governo e especialistas como fundamental para a preservação de postos formais em 2020, permitia a suspensão de contratos de trabalho ou reduções de 25%, 50% ou 70% nas jornadas, com corte proporcional de salário. Como compensação, o trabalhador afetado recebia do Tesouro um valor proporcional ao seguro-desemprego. Agora, o ministro estuda usar recursos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), responsável pelo custeio do seguro-desemprego e do abono salarial, para antecipar recursos ao trabalhador empregado. No ano passado, foram usados R$ 51,5 bilhões da União para compensar trabalhadores pela redução de salário ou suspensão dos contratos. O chamado BEM (Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda) foi o terceiro programa que mais recebeu recursos do Tesouro em 2020 (atrás do auxílio emergencial e dos repasses a estados e municípios). Outro exemplo são os programas de empréstimos. As linhas de crédito criadas em 2020 para socorrer empresários usaram em grande parte recursos da União, que garantiu o risco de até 100% de cada operação. Neste ano, técnicos discutem um meio de os empréstimos dependerem menos de recursos públicos e terem uma parcela maior do risco assumido pelos próprios bancos.

VINICIUS TORRES FREIRE - *”Com a corda no pescoço, general Pesadello tenta provar que vai trazer vacina”*
*”Bolsonaro reclama por não receber fotos no Facebook, mas usa configuração que impede”*

AGROFOLHA - *”Mato Grosso transforma seu destino com boom movido por China, fé e Bolsonaro”*: Rodrigo Pozzobon sorri como se não conseguisse acreditar completamente em sua boa sorte. É o sorriso dentuço e atordoado de um homem que acaba de encontrar um tesouro. De certa forma, ele o fez. Mais de 1.000 km a oeste dos grandes estados costeiros do Brasil –e mais perto, em linha reta, do Oceano Pacífico do que do Rio de Janeiro–, o agricultor está desfrutando de um boom que atraiu pouca atenção entre seus concidadãos e menos ainda no mundo mais amplo. Pozzobon, 35, é um dos reis da soja no Brasil.
Calçando mocassins de camurça e vestindo uma camiseta alinhada, ele passaria facilmente por integrante da turma da Faria Lima –a elite de São Paulo, que vive, trabalha e se diverte em torno do distrito financeiro da cidade. Mas Pozzobon nasceu e se criou no estado de Mato Groso, no extremo oeste do Brasil, e tem raízes profundas por lá. Seu pai trabalhava a terra para uma cooperativa na década de 1980, antes de estabelecer uma fazenda própria. Hoje, Pozzobon filho tem duas fazendas e duas casas. São Paulo só lhe é útil para ocasionais viagens de fim de semana. “Não consigo me imaginar vivendo em qualquer outro lugar”, ele diz em inglês, antes de começar a falar em português, quando seu entusiasmo excede seu conhecimento do idioma. “Os lucros aqui são bons demais”. Nos últimos 20 anos, Mato Grosso, um estado com área quase duas vezes maior que a da Espanha, se tornou um dos maiores produtores mundiais de uma safra tão lucrativa que os moradores locais a chamam de “ouro verde”. É um boom estimulado por mudanças geopolíticas, da ascensão da China, com sua demanda insaciável por produtos alimentícios, à chegada de líderes populistas como o presidente Jair Bolsonaro, que é ídolo para muita gente no Mato Grosso. O boom também foi alimentado pelo tipo de destruição ambiental e pela extração descontrolada de recursos que vêm maculando a imagem internacional do Brasil nos últimos anos. Mato Grosso agora é dominado por plantações agrícolas vastas e planas, que lembram a região meio-oeste dos Estados Unidos.
Em sua porção norte, onde essa paisagem se encontra com a floresta amazônica, o estado se tornou um dos pontos focais do desflorestamento ilegal. Mas esses não são assuntos que pesem demais nos pensamentos de Pozzobon. Riqueza e progresso são as palavras de ordem, e ele se sente otimista. “Poderíamos esbofetear a China e ela ainda viria comprar nossa soja, porque não tem outra opção”, ele diz. “Não há outro lugar de que comprar”. Estados litorâneos como o Rio de Janeiro e a Bahia dominaram o Brasil por séculos. No século 20, a ascensão de São Paulo, um polo industrial, e a construção de Brasília como centro político transferiram para o interior o foco da maior nação da América Latina. Agora ele está mudando de novo, para áreas no passado vistas como inacessíveis. Bem distante da depressão econômica que solapou a vitalidade de lugares como o Rio de Janeiro e São Paulo, Mato Grosso representa um território de fronteira em expansão, que vem desempenhando papel crucial na determinação do futuro do país. Sua ascensão também está mudando a ideia central sobre o Brasil. A euforia da primeira década do milênio –quando o crescimento descontrolado das commodities fez do país o queridinho dos investidores internacionais– passou há muito tempo. O crime e a pobreza dispararam.
A corrupção continua enraizada e as instituições democráticas são frágeis. Bolsonaro –capitão reformado do exército e dado a ocasionais vulgaridades– conta com muito apoio no Brasil, mas sua retórica quanto ao meio ambiente e os direitos humanos está fazendo do país, aos poucos mas constantemente, um pária na comunidade internacional. Com o Brasil prejudicado por uma crise de identidade, aqueles que vivem e trabalham em Mato Grosso propõem uma narrativa diferente. Sua terra de fronteira oferece uma história de esperança e oportunidade. Trata-se de, como afirma Francisco Olavo Pugliesi de Castro, da Famato, uma associação que representa os produtores agrícolas do estado, “um novo Brasil que nem mesmo os brasileiros conhecem”. A rodovia BR-163 atravessa o Brasil, com poucas interrupções, do sul ao norte. Dentro do Mato Grosso, o trajeto da estrada é reto, e dirigir deveria ser tarefa simples. Não é. Um fluxo ininterrupto de carretas disputa a supremacia automotiva contra uma frota de picapes brancas –um símbolo de sucesso para os ricos proprietários rurais da região. Os motoristas estão cientes da localização das poucas câmeras de controle de velocidade na região e, nos intervalos entre elas, não existem regras. Imagine uma espécie de "Mad Max" agrícola. O surpreendente é que o ruído desaparece, a alguns minutos de distância da rodovia. Se você virar para o leste ou para o oeste, se verá embrenhado em terra arável ininterrupta, uma planície que se estende por centenas de quilômetros. Nos quadrantes remotos do estado vivem comunidades indígenas, em terras demarcadas que são cobiçadas por aqueles que os indígenas denominam “kajaiba” [homens brancos]. A rodovia é uma peça de infraestrutura vital –se bem que precária– que permite que os reis da soja brasileiros levem seu produto ao mundo externo. Ela conecta as cidades de rápido crescimento em Mato Grosso, como Sinop, Sorriso e Nova Mutum, a Cuiabá, no sul, e às artérias fluviais da Amazônia, 1.000 quilômetros mais ao norte.
Encontrei-me com Pozzobon em Lucas do Rio Verde, uma cidade em expansão e planejada cuidadosamente, que está classificada entre os municípios mais desenvolvidos do Brasil. Lucas, como a cidade é conhecida pelos moradores locais, conseguiu que seu crescimento acelerado dos últimos anos resultasse em investimento na educação e nos serviços municipais. O desafio, para as autoridades locais, é gastar o dinheiro arrecadado em impostos com suficiente rapidez para acompanhar a disparada na população. “É outro Brasil, aqui”, diz Pozzobon, que me conta que o Mato Grosso é o único estado que cresceu durante a pandemia do coronavírus (na verdade, as projeções são de que sua economia tenha se contraído em cerca de 1% no ano passado, mas esse continua a ser um dos melhores desempenhos entre os 27 estados brasileiros.) O motivo é simples, ele diz: “Na pandemia, as pessoas pararam de fazer muitas coisas, mas não pararam de comer”. Respondendo por 22% do PIB (Produto Interno Bruto), o sucesso da agricultura é um dos raros pontos positivos em um país cujos setores de serviços e industrial continuam a encontrar problemas para se recuperar da recessão devastadora que surgiu cinco anos atrás. Fernando Tadeu de Miranda Borges, professor de Economia na UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso), não vê sinais de desaceleração. “Mato Grosso propelirá o desenvolvimento econômico brasileiro”, ele diz, ainda que advirta que o sucesso depende de manter relações diplomáticas e comerciais, especialmente com Pequim, que Bolsonaro critica e insulta constantemente.
Booms agrícolas são um traço característico da economia brasileira desde a chegada dos primeiros exploradores portugueses, em 1500. Primeiro veio o açúcar, depois o café e o cacau. Também houve uma corrida do ouro no estado de Minas Gerais, para onde o influxo de mineradores foi tão grande, em dado momento, que causou uma onda de fome que resultou na morte dos garimpeiros recém-chegados. No entanto, esses booms em geral ocorreram em terras fartas, já ideais para o cultivo, e em áreas relativamente próximas à costa do país, e dotadas de acesso à navegação e logística. No Mato Grosso, nada disso está disponível. Até o final do século 20, a vasta savana do Cerrado, que domina a maior parte do território de Mato Grosso, formando quase que um perímetro meridional para a floresta amazônica, era considerada bruta demais para a agricultura. Isso mudou com avanços tecnológicos como a modificação genética de safras e novos métodos de fertilização de solo, que abriram a terra para a produção de milho, algodão e soja. Esse processo foi, por sua vez, propelido pela ascensão da China. Com a alta da demanda por carne na segunda maior economia do planeta, subiu também a demanda por matérias-primas como a soja, necessária para alimentar os animais antes do abate. Nos últimos dez anos, o Brasil elevou sua produção de soja –usada também na produção de óleo– de 75 milhões para mais de 130 milhões de toneladas, em 2020. O país superou os Estados Unidos e se tornou o maior produtor mundial da commodity. A produção de milho quase dobrou, para 105 milhões de toneladas.
Mas para os moradores das grandes cidades brasileiras, o Mato Grosso continua a ser uma ideia distante, e é mais conhecido por seu calor escaldante do que como propulsor da economia nacional. Depois de um anúncio recente da montadora Ford de que deixaria de produzir veículos no país, o governador da Bahia lamentou o declínio da indústria, declarando que “o Brasil está determinado a se tornar uma grande fazenda”. Para alguns moradores locais de Mato Grosso, há um sentimento de indignação por seu estado de 3,5 milhões de habitantes não ser reconhecido por suas realizações. “Já somos maiores do que São Paulo em termos de PIB agrícola”, diz Mauro Mendes, o governador do estado, de seu gabinete na capital, Cuiabá. Além disso, ele acrescenta, “existem novas fronteiras a explorar”. Duas horas ao norte de Lucas, na BR-163, fica a cidade de Sinop. Com população de mais de 150 mil habitantes, e crescendo, Sinop é o polo do desenvolvimento urbano na região, com avenidas largas e praças bem cuidadas. “Ainda não temos o que vocês têm em São Paulo, em termos de teatros e entretenimento, mas estamos contentes em ver progresso e desenvolvimento”, diz Angelo Carlos Maronezzi, que dirige um centro de pesquisa agrícola na cidade. “Viver aqui é muito gratificante porque existem muitas oportunidades –de trabalhar, de crescer, de desenvolver ideias”.
Cinquenta anos atrás, essa porção do Mato Grosso era dominada por uma mistura de floresta e de vegetação rasteira, e quase desabitada. Encorajadas pelos governos militares, obcecados com o desenvolvimento dos territórios remotos do país, ondas sucessivas de migrantes vindos do sul do Brasil começaram a chegar, nas décadas de 1970 e 1980. Muitas vezes descendentes de imigrantes italianos, alemães e do leste europeu para o Brasil, a chegada deles alterou rapidamente a composição étnica da população da região, indígena e de raça mista. Essa história é promovida com insistência em Sinop. Na prefeitura existem retratos dos “colonos” da década de 1970, ao lado de imagens em branco e preto de escavadeiras derrubando a floresta nativa. Se reproduzidas hoje, essas cenas causariam furor. “Tomamos um estado que nada valia, uma terra sem valor, e a domamos com tecnologia e com novos métodos de fertilização”, disse Maronezzi, que se mudou do sul do Brasil para o Mato Grosso em 1992. A positividade é frequente entre os moradores com quem conversei em minhas viagens pelo estado, especialmente em Sinop e Sorriso, onde as ruas são dominadas por grandes casas com portões, que evocam mais Miami que o meio do nada no Brasil. As queixas são bastante raras, ainda que, pressionado, o vereador Ícaro Francio Severo, de Sinop, tenha dito que o município sofre problemas em seus sistemas de esgoto, bem como pelo excesso de burocracia. Poucos vereadores em outras partes do Brasil considerariam que essas questões são problemas.
“Quando chegamos, tudo estava acontecendo, tudo estava crescendo. Ficamos encantados, diz Glaucia Regina Santos, proprietária de um restaurante de beira de estrada frequentado por caminhoneiros, na BR-163. À primeira vista, Santos não parece ser uma porta-voz representativa desse novo Brasil. Quando conversamos, em seu empoeirado estabelecimento, ela estava acomodada diante de um enorme ventilador e mal se mexia, tentando se refrescar ante uma temperatura de quase 40 graus. Dois empregados ali perto também estavam imóveis, e só se mexiam para receber pagamentos dos poucos caminhoneiros de passagem, pelos cafés e cigarros que compravam. Mas Santos mostra muito mais vivacidade, quando questionada sobre o Mato Grosso. “Mato Grosso quer dizer sucesso”, ela diz, destacando as oportunidades de trabalho e estudo que os jovens têm nas numerosas universidades da região (há sete delas em Sinop). “Quem quiser trabalhar, ganhará dinheiro”, diz Santos. “Quem chegar aqui com coragem, ganhará dinheiro”. É um otimismo surpreendente, especialmente para os visitantes, como eu, mais familiarizados com os problemas dos estados costeiros do Brasil. O Rio, por exemplo, está falido há anos –e o declínio fica evidente nas fachadas corroídas de seus edifícios “art déco” um dia reluzentes. A despeito de sua abundância de recursos naturais, Minas Gerais também está falido. Existe riqueza em São Paulo, mas sua distribuição é desigual, entre a cidade moderna e desenvolvida e o vasto anel de favelas em sua periferia.
A maioria dos economistas aponta que o crescimento no Brasil acontece em ciclos, historicamente. Observado de mais perto, ele também é agudamente geográfico. No sublime romance “Gabriela, Cravo e Canela”, de Jorge Amado, o progresso é o lema para os personagens que dirigem plantações de cacau na Bahia da década de 1920. Hoje, o estado é um dos mais pobres do Brasil. O Rio de Janeiro, enquanto isso, aproveitou a onda das commodities da década passada. Mas desde seu colapso, o estado vem buscando outro propulsor econômico que não o turismo, que foi severamente prejudicado pelas duas epidemias da cidade: a Covid-19 e o crime. Mesmo São Paulo –polo industrial e de produção– luta para acompanhar o ritmo dos concorrentes mundiais. Simplesmente não existe investimento suficiente. Santos, que se transferiu de São Paulo ao Mato Grosso mais de uma década atrás, diz não ter planos de retornar. “É uma vergonha eu não ter vindo [para cá] quando era mais jovem”, ela diz. O orgulho local não é a única coisa que une os batalhadores das terras fronteiriças brasileiras. Eles também acreditam em Bolsonaro.
O presidente conquistou sua vitória eleitoral em 2018 aproveitando uma onda de insatisfação popular com a corrupção. Desde então, seu governo vem sendo caracterizado por tentativas intermitentes de reforma econômica, constantes disputas políticas internas e controvérsias internacionais, especialmente quanto à destruição da floresta amazônica. Para observadores externos, Bolsonaro se assemelha a Donald Trump em seu uso da política populista e de uma linguagem inflamatória. Mas enquanto a mensagem de Trump ecoava principalmente nas regiões economicamente marginalizadas dos Estados Unidos, a de Bolsonaro encontra simpatia entre os produtores e comunidades mais endinheirados, que aplaudem sua abordagem de não interferência com os negócios, depois de anos de governança esquerdista. Bolsonaro obteve 66% dos votos em Mato Grosso na eleição presidencial de 2018. Mas seu apoio no cinturão agrícola que floresce ao norte da capital, Cuiabá, é ainda mais alto. Mais de 77% dos moradores de Sinop votaram no homem que chamam de “mito”. Sorriso, uma cidade que se define como “a capital da agricultura brasileira”, registrou resultados semelhantes.
O rosto do presidente é onipresente em outdoors na região, erigidos por grupos dedicados de seguidores locais. Em uma visita recente a Sinop e Sorriso, ele foi cercado por uma multidão de fãs. “Você precisava tê-lo visto no evento aqui. Entrou no meio da multidão para abraçar as pessoas. Ele é assim, bem populista”, disse Severo, o vereador de Sinop. “E dá valor ao agribusiness. Eliminou muita burocracia, acelerou os investimentos e direcionou dinheiro ao agribusiness. Também atrai os agricultores por defendê-los quanto às questões ambientais, protegendo-os daqueles na esquerda que dizem que estão destruindo a Amazônia." Não é só financeiramente que Bolsonaro tem conexões com os moradores da região; ele também compartilha de sua fé. Como a maior parte do Brasil rural, o Mato Grosso continua a ser profundamente religioso, mas a composição de seus fiéis vem mudando. Nas duas últimas décadas –em paralelo com o renascimento econômico da região–, o estado está na vanguarda de um fenômeno que varreu o Brasil: a expansão das igrejas evangélicas. Bolsonaro continua oficialmente a se declarar católico, mas conquistou o apoio do movimento evangélico ao ser batizado por um pastor no rio Jordão, Israel, dois anos antes de disputar a presidência. Foi uma jogada astuta. Se as tendências atuais persistirem, em 2030 a maioria dos brasileiros devem se identificar como cristãos evangélicos.
As mudanças já são abundantemente claras no Mato Grosso. Em 2000, os evangélicos representavam 16% da população do estado –número que saltou para 25% em 2010. O recenseamento de 2020 foi adiado por conta da pandemia, mas pesquisas regionais indicam que consideravelmente mais de 30% dos mato-grossenses se declaram evangélicos, agora. “O que faz com que Sorriso prospere é a religião. Noventa por cento da prosperidade vem dela”, diz Cristiane Silva Paulino Rodrigues, moradora da cidade, ecoando o “evangelho da prosperidade” que ressoa em todo o Brasil. De acordo com essa interpretação da Bíblia, os fiéis devem destinar um dízimo de seus ganhos à igreja, e em retorno Deus lhes dará riqueza material. Bruno Mendes dos Santos, pastor das Igreja Mundial do Poder de Deus, em Sorriso, diz que as igrejas são importantes para manter um senso de comunidade e responsabilidade, nessas cidades fronteiriças. “Religião é o traço de união”, ele diz, quando lhe pergunto sobre o papel da fé em lugares como Sorriso. “Ajuda em tudo”. Se a classe média urbana das grandes cidades brasileiras enfrenta dificuldade para entender por que Bolsonaro continua tão popular, os moradores dessa região agrícola do país não conseguem compreender por que ele é tão odiado em outras áreas. “Só gosto do jeito dele”, diz Madalena Euclides dos Santos, que vende roupas religiosas em uma loja em Sinop. “Ele é um político que fala as coisas como são. Os brasileiros estão acostumados com as mentiras doces. Mas ele não esconde quando é preciso nos dizer verdades duras”.
Bolsonaro também conquistou simpatia na região por se concentrar naquilo que ela mais precisa do governo federal: investimento em infraestrutura. No ano passado, seu governo conseguiu asfaltar a BR-163 até o porto amazônico de Miritituba, o que significa que os agricultores do Mato Grosso podem usar os caudalosos rios da selva para transportar seus produtos ao mundo. Ele também advoga a construção de conexões ferroviárias que cruzariam o Mato Grosso de norte a sul e de leste a oeste. Os planos enfrentam oposição de organizações indígenas, que devem perder partes de suas terras supostamente protegidas para que os projetos sejam realizados. Mas para os agricultores da região, esse é o próximo passo inevitável de desenvolvimento. Apesar de toda a importância da BR-163, as distâncias no Brasil são grandes demais para que o transporte rodoviário faça sentido econômico ou ambiental. É mais barato para os exportadores enviar seus produtos dos portos brasileiros à China do que de estados no interior, como Mato Grosso, aos portos. “Uma vez visitei um agricultor americano em Iowa e ele estava zangado por precisar transportar sua soja por 25 quilômetros até o trem mais próximo”, diz Pozzobon. “E eu lhe contei que gostaria de me zangar por um motivo assim –nós levamos nosso produto de caminhão por 2.100 km até o porto mais próximo [o de Paranaguá]”.
A população mundial deve chegar aos 10 bilhões de pessoas nos próximos 30 anos, e os agricultores de Mato Grosso terão ainda mais a ganhar. Mas a proliferação de superfazendas no Brasil tem um preço. Entre 2009 e 2019, quase 14 mil km2 de floresta nativa foram destruídos em Mato Grosso –uma área comparável à do estado americano do Connecticut e o segundo maior ritmo de desflorestamento no Brasil, atrás apenas do estado amazônico do Pará. “O estado de Mato Grosso assumiu compromissos de redução do desflorestamento, em Paris [na conferência sobre a mudança do clima de 2015]... e o governo estadual aumentou o número de inspeções e a fiscalização dos embargos, o que é positivo, disse Cristiane Mazzetti, da Greenpeace no Brasil. Mas mesmo assim, o desflorestamento em Mato Grosso voltou a crescer em 2020. “O governo federal sinaliza rotineiramente que crimes ambientais serão tolerados. E para agravar as coisas, o governo prevê cortes significativos este ano no orçamento de inspeções e combate a incêndios florestais e desflorestamento”, ela diz. O desmatamento do estado começou há décadas, quando a política de “desenvolvimentismo” adotada pelo governo militar buscou unir o Brasil por meio da construção de cidades e estradas, entre as quais a BR-163. Mas a destruição continua, sob Bolsonaro, cuja retórica em favor de agricultores, garimpeiros e madeireiras é interpretada como uma luz verde para a destruição de florestas.
Para os defensores do setor agrícola, as organizações ambientais interpretam a situação erroneamente. “Se não fosse por nós, como o mundo se alimentaria?”, argumenta Francisco Olavo Pugliesi de Castro, da Famato. “Quantos dias o mundo aguenta sem alimentos brasileiros? No dia em que o resto do mundo começar a ver o Brasil como aliado, como o país que produz alimentos para o mundo, tudo mudará. Cada país tem sua vocação. A China é o centro industrial. Os Estados Unidos comandam o mundo capitalista e democrático. E a vocação do Brasil é produzir comida." Renato Farias, diretor do Instituto Centro de Vida, uma organização sediada na fímbria amazônica do norte de Mato Grosso e que promove a sustentabilidade, diz que a discussão sobre desflorestamento ilegal é delicada –é como “ir contra a própria herança”. Farias abraça uma ideia que vem ganhando favor entre os políticos e os agricultores do Brasil, que afirmam que, com novas tecnologias e técnicas sustentáveis, o Brasil pode dobrar o rendimento de sua produção agrícola sem ter de desmatar novas áreas. Mas apesar dos atrativos da ideia, por enquanto a destruição do meio ambiente continua. Em longo prazo, as questões ambientais podem ser o fator que travará o crescimento do Mato Grosso. A volatilidade do clima já começou a impactar as safras. Além disso, cientistas acreditam que se o desflorestamento da Amazônia continuar até que ultrapasse um dado “ponto de inflexão”, os padrões climáticos que sustentam a agricultura –e a indústria– da América do Sul mudarão súbita e dramaticamente.
Do lado político o Mato Grosso também enfrenta riscos. Por enquanto seu espírito de velho oeste e de fronteira vem sendo protegido e até estimulado por Bolsonaro. Mas o presidente populista disputará a reeleição no ano que vem e - enquanto a pandemia do coronavírus grassa –não existe certeza de que ele não venha a ser derrotado e substituído por um Joe Biden brasileiro, mais preocupado com o meio ambiente. O relacionamento hostil de Bolsonaro com a China também representa um perigo claro e imediato. Pequim já sinalizou desprazer com o governo em Brasília, e poucos duvidam de que os chineses retaliem economicamente se seus interesses –ou a honra da China– forem prejudicados. Por enquanto, porém, no escritório que tem no piso superior de sua casa, o vereador Severo, em Sinop, está curtindo seu novo grande projeto, que define como “quase concluído”. A cidade quer construir um shopping center, que atrairia marcas importantes para a comunidade agrícola. Isso também significaria que Sinop atingiu um novo estágio em seu desenvolvimento, tornando-a ainda mais atraente para migrantes vindos das cidades costeiras brasileiras. “Temos de fazer muitas coisas para sermos melhores, para transformar a cidade em uma cidade grande, em uma cidade mais organizada”, ele diz. “Mas se você comparasse a uma foto de cinco anos atrás, não conseguiria acreditar em quanto a cidade está diferente. O crescimento é grande demais. Não para”.

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*”Fiscalizar posse legal de armas ficará mais difícil, alertam especialistas”* - O governo federal não pode garantir que o acúmulo de armas possibilitado por decretos do presidente Jair Bolsonaro, os últimos deles tendo sido publicados na sexta (12), permaneçam no mercado legal, dizem criminalistas e representantes de instituições que estudam fenômenos ligados à violência. Eles temem que a flexibilização para aquisição de grandes lotes de pistolas e fuzis, bem como a falta de investimento em fiscalização, acabe gerando desvios da posse legal para a comercialização e a posse ilegais, principalmente pelo tráfico e as milícias. Com a série de decretos editados desde 2019, agora com quatro novos textos publicados na sexta pré-Carnaval, cidadãos autorizados podem adquirir até seis armas, sendo que algumas categorias específicas, como policiais, podem adquirir até oito. O governo também estabeleceu a permissão para que atiradores adquiram até 60 armas, e caçadores, 30, só sendo exigida autorização do Exército quando as coleções superarem essas quantidades. Expandiu-se ainda o volume de munição que os chamados CACs (caçadores, atiradores e colecionadores) podem comprar. Antes, eram, por ano, até mil munições para cada arma de uso restrito e 5.000 munições para cada arma de uso permitido. Agora, inclui-se, por ano, insumos para recarga de até 2.000 projéteis nas armas de uso restrito. Com permissão do comando do Exército, caçadores podem extrapolar em duas vezes esse limite. Atiradores, em cinco. “O presidente da República, no afã de regulamentar de forma sistemática os dispositivos do Estatuto do Armamento acerca do porte de arma de fogo, extrapolou os limites constitucionais do poder regulamentar; a desenfreada edição de decretos sob a suposta ideia de apenas regulamentar a lei, acaba por dissentir do espírito inicial do texto da lei”, diz o advogado constitucionalista e criminalista Adib Abdouni.
O advogado se refere à “exclusão de itens da lista de produtos controlados pelo Exército, como projéteis, máquinas e prensas para recarga de munições, carregadores e miras telescópicas”, além da permissão de compra para atiradores e caçadores. “Nada, técnica ou juridicamente, justifica a ampliação da flexibilização da norma restritiva, senão o populismo político, em detrimento do amadurecimento e aperfeiçoamento do Sistema Nacional de Armas”, completa. O número chama a atenção de Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, pois, entre 2014 e 2018, o registro de CACs no exército subiu quase 880%. “Ou seja, muito mais pessoas têm se registrado como CACs”, diz. Para ela, “está acontecendo uma facilitação de ser um CAC e assim conseguir mais armas”. “Existe o entendimento de que pessoas que estão querendo obter armas, inclusive para defesa pessoal, estão se registrando nessas categorias”, afirma. Para ser um CAC, é preciso obtenção de um certificado com validade de dez anos, como regras como ser filiado a um clube de tiro, fazer prova de capacitação técnica e avaliação psicológica, sendo negado registro para quem responde por inquérito criminal. Para Carolina há um “risco real” na medida, contudo. “São armas de alto potencial, sem que haja investimento na capacidade do governo de fiscalizar essas armas”, diz. Ela diz que “não se investe na capacidade do Exército e da Polícia Federal de fiscalizar. E esses são acervos enormes em casa de pessoas, em locais sem segurança. Eles podem muito facilmente serem desviados para o mercado ilegal. Quanto mais armas legais em circulação, mais chances de elas serem desviadas para o mercado ilegal”, prossegue. Desde 2017, quando o país viu a quantidade de homicídios atingir os 60 mil por ano, tornando-se a nação com o maior número absoluto de assassinatos, a redução desse patamar se tornou premente tanto para o governo como para as instituições ligadas a pesquisas sobre violência.
Em 2018, houve redução para 51 mil homicídios. Em 2019, foram 45 mil assassinatos. Mas a taxa voltou a subir em 5% em 2020, mesmo com as medidas de isolamento social contra a Covid-19. “Um dos aspectos importantes para essa redução é a diminuição da violência armada por grupos criminosos, desde os que se dedicam ao comércio e ao tráfico de drogas, até os grupos paramilitares, que vêm surgindo como uma força importante na cena criminal do país, principalmente no Rio de Janeiro”, diz Bruno Paes Manso, do Núcleo de Estudos da Violência da USP. Ele cita o Rio de Janeiro como estado que não consegue tirar fuzis ilegais de circulação. “E você tem as polícias fugindo do controle dos governadores, a partir do momento em que, em vez de atuar para reduzir o crime, passam a ser protagonista de atividades criminosas”, ressalta. “Quando você vê o governo atuar no sentido de fragilizar tanto o controle das armas e das munições, ele atua no sentido de produzir um retrocesso civilizatório, com medidas que fragilizam as instituições frente a essas tiranias territoriais armadas.” O Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FSBP) também se manifestou sobre os decretos, por meio de nota. “O fato se torna mais assombroso se relembrarmos que Bolsonaro comentou, no ano passado, diante de ministros, que a medida [os decretos, à época] serviria para evitar que a população fosse escravizada por uma ditadura.” Para o FBSP “as novas regras parecem estar sendo criadas para constranger opositores do atual governo e estimular a população a uma insurreição armada contra quem ouse defender a já fragilizada democracia brasileira”.

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MÔNICA BERGAMO - *”Governo Bolsonaro arquiva projeto de peça sobre ditadura na Rouanet”*: Um projeto da companhia teatral BR116 para encenar a peça “O Santo Inquérito”, de Dias Gomes, que buscava aprovação na Lei de Incentivo à Cultura, o novo nome da Lei Rouanet, foi arquivado pela Secretaria Especial da Cultura do governo federal. Segundo a companhia, não houve qualquer justificativa pela decisão. O grupo, que atua há dez anos, nunca tinha tido problema com aprovação de projetos na Rouanet. O texto da peça trata de uma metáfora das torturas do regime militar no Brasil a partir de um episódio histórico: o de Branca Dias, que foi condenada pela Inquisição por salvar um padre do afogamento. Procurada, a secretaria não respondeu. Esse não é o primeiro caso de rejeição da Rouanet que chama a atenção da classe artística nos últimos dias. Na semana passada, a coluna antecipou que o Instituto Vladimir Herzog teve seu projeto de plano anual para 2021 reprovado pelo governo federal —a primeira rejeição em dez anos. A entidade afirmou que o projeto foi indeferido sem a apresentação de qualquer parecer que demonstrasse fundamentação legal. Nas redes sociais, o secretário Mario Frias (Cultura) rebateu a informação e disse que “esta é a primeira vez, em dez anos, que se aplica a legislação de forma correta”. O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho de Jair Bolsonaro, reforçou o coro. Ele afirmou que o governo é técnico e disse que “se fossem dar Rouanet para um Instituto de nome Brilhante Ustra diriam é ideologização”.

MÔNICA BERGAMO - *”Deputado do PSOL pede na Justiça suspensão de decretos que facilitam acesso a armas e munições”*
MÔNICA BERGAMO - *”Estudo diz que vacinação em SP pode ser mais eficiente com recorte regional”*
MÔNICA BERGAMO - *”Associação de cineastas quer elaborar propostas de ações afirmativas para o audiovisual”*
MÔNICA BERGAMO - *”Jazz Sinfônica se apresentará em concerto que celebra 120 anos do Instituto Butantan”*
MÔNICA BERGAMO - *”Zeca Baleiro, Tuia e Guarabyra lançam música inspirada na década de 1970”*

CAPA – Manchete principal: *”Sem novas doses, cidades de todo o país começam a suspender vacinação”*

*”Em flagrante – Deputado é preso após vídeo com ofensas e incitação de agressão a ministros do STF”* - A Polícia Federal (PF) prendeu na noite desta terça-feira o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), após o parlamentar ter divulgado um vídeo no qual proferia ataques e ofensas aos ministros da corte. Como O GLOBO mostrou hoje, Silveira fez apologia a agressões físicas contra os ministros e defendeu a "destituição" deles. Silveira é investigado no inquérito dos atos antidemocráticos, que apura a organização e realização de manifestações com ataques ao Legislativo e ao Judiciário, e também no inquérito das fake news, que apura ataques aos ministros da corte. Em sua página em uma rede social, o parlamentar relatou: "Polícia federal na minha casa neste exato momento com ordem de prisão expedida pelo ministro Alexandre de Moraes". A prisão ocorreu por flagrante delito por crime inafiançável e foi determinada de ofício pelo ministro dentro do inquérito das fake news — ou seja, sem pedido da PF ou da Procuradoria-Geral da República (PGR). "As condutas criminosas do parlamentar configuram flagrante delito, pois verifica-se, de maneira clara e evidente, a perpetuação dos delitos acima mencionados, uma vez que o referido vídeo permanece disponível e acessível a todos os usuários da rede mundial de computadores, sendo que até o momento, apenas em um canal que fora disponibilizado, o vídeo já conta com mais de 55 mil acessos", escreveu Moraes na decisão.
O ministro classificou como "gravíssimas" as declarações do deputado. "Não só atingem a honorabilidade e constituem ameaça ilegal à segurança dos ministros do Supremo Tribunal Federal, como se revestem de claro intuito visando a impedir o exercício da judicatura, notadamente a independência do Poder Judiciário e a manutenção do Estado Democrático de Direito", escreveu. Moraes também determinou que a plataforma YouTube bloqueie imediatamente o vídeo publicado pelo deputado. Na decisão, Moraes descreve que as condutas do parlamentar podem configurar crimes contra a honra do Poder Judiciário e outros crimes previstos na Lei de Segurança Nacional, como "tentar impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, o livre exercício de qualquer dos Poderes da União" ou "fazer em público propaganda de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social". Nos bastidores do Supremo, o clima era de revolta com as declarações do parlamentar. Por isso, o ministro Alexandre de Moraes agiu para dar uma rápida resposta ao caso.
Discurso de ódio
Um dos trechos mais agressivos do vídeo publicado pelo parlamentar é quando ele diz que gostaria de ver ministros da corte "na rua levando uma surra".
— Por várias e várias vezes já te imaginei (Fachin) levando uma surra. Quantas vezes eu imaginei você e todos os integrantes dessa corte aí. Quantas vezes eu imaginei você, na rua levando uma surra. O que você vai falar? Que eu tô fomentando a violência? Não, só imaginei. Ainda que eu premeditasse, ainda assim não seria crime, você sabe que não seria crime. Você é um jurista pífio, mas sabe que esse mínimo é previsível. Então qualquer cidadão que conjecturar uma surra bem dada nessa sua cara com um gato morto até ele miar, de preferência após a refeição, não é crime — afirmou Silveira.
O parlamentar já havia sido alvo de quebras de sigilo bancário e de busca e apreensão neste mesmo inquérito. Ele gravou o vídeo para sair em defesa do general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército. Villas Bôas fez uma manifestação nas redes sociais em 2018 antes do julgamento de um habeas corpus do ex-presidente Lula no STF citando que o Exército tinha "repúdio à impunidade", o que foi visto como uma pressão nos ministros. Em um livro recém-lançado, o ex-comandante relatou que a manifestação foi discutida com o Alto Comando do Exército antes de ser publicada naquela ocasião. Em nota divulgada ontem, Fachin classificou a manifestação de Villas Bôas de "intolerável e inaceitável" pressão das Forças Armadas no Judiciário. Daniel Silveira, no vídeo, provoca Fachin a "prender" o general.
— Vá lá, prende Villas Bôas. Seja homem uma vez na tua vida, vai lá e prende Villas Bôas. Seja homem uma vez na tua vida, vai lá e prende Villas Bôas. Fala pro Alexandre de Moraes, o homenzão, o fodão, vai lá e manda ele prender o Villas Bôas. Vai lá e prende um general do Exército. Eu quero ver, Fachin. Você, Alexandre de Moraes, Marco Aurélio Mello, Gilmar Mendes, o que solta os bandidos o tempo todo. Toda hora dá um habeas corpus, vende um habeas corpus, vende sentenças — disse em um dos trechos.
No vídeo, o parlamentar faz ataques nominais aos ministros Fachin, Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Marco Aurélio e Alexandre de Moraes. Chega a fazer elogios ao presidente Luiz Fux, dizendo que respeita seu conhecimento jurídico, mas o inclui nas críticas genéricas que fez sobre os onze ministros.
— Fachin, um conselho pra você. Vai lá e prende o Villas Bôas rapidão, só pra gente ver um negocinho. Se tu não tem coragem, porque tu não tem culhão pra isso, principalmente o Barroso que não tem mesmo. Na verdade ele gosta do culhão roxo. Gilmar Mendes... Barroso, o que é que ele gosta: culhão roxo. Mas não tem culhão roxo. Fachin, covarde. Gilmar Mendes... (faz gesto esfregando os dedos para simbolizar dinheiro) é isso que tu gosta né Gilmarzão? A gente sabe — disse.

*”Villas Boas ironiza Fachin, e Gilmar rebate general”*

*”Bancada evangélica resiste a decretos das armas”* - Os novos quatro decretos editados pelo presidente Jair Bolsonaro sobre armas de fogo encontram resistência em uma das principais bases de sustentação do governo: o segmento evangélico. Lideranças religiosas do Senado e da Câmara criticaram o ato do chefe do Executivo que, sem o aval do Legislativo, flexibiliza regras para compras e uso de armas e munições. Na volta às atividades após o feriado do carnaval, parte dos parlamentares ligados às igrejas deve apoiar medidas para a derrubada dos decretos, enquanto outros defendem construir uma solução para que as medidas sejam discutidas no Congresso. Ontem, a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) apresentou quatro projetos para sustar os decretos de Bolsonaro. A parlamentar, que integra a bancada evangélica, classificou os decretos como “uma traição à democracia”, que não se justifica “nem por interesses econômicos legítimos nem por um suposto aumento da segurança dos cidadãos frente ao crime organizado ou comum”.
— Eu entendo que colocar armas nas mãos das pessoas, dessa forma, é produto de um instinto anti-humano, anticristão e a favor de mortes. É uma irresponsabilidade completa. Todo parlamentar e sobretudo os que defendem o princípio maior do Cristianismo, que é o amor, precisarão impedir que isso avance — disse a senadora, frequentadora da Assembleia de Deus
Contradição
No dia anterior, o vice-líder do Cidadania na Câmara, deputado Daniel Coelho (PE), já havia ingressado com uma proposta de decreto legislativo para derrubar o decreto 10.630, que ele julga ser o mais “amplo” dos quatro. O vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), também criticou os decretos e disse que Bolsonaro exacerbou suas competências. Líder da Frente Parlamentar Evangélica, o deputado Cezinha de Madureira (PSD-SP), ligado à Assembleia de Deus, diz que apoiar a pauta armamentista é contraditório para quem faz a defesa da vida feita pelos cristãos. Ele evitou opinar se o presidente extrapolou sua competência ao usar decretos para definir novas normas sobre armas.
— Nós que defendemos a vida, por mais que sejamos base do governo, não podemos compactuar no apoio ao armamento, porque pregamos a paz, não temos uma ideologia no Brasil de usar as armas — disse Cezinha. — Muitos acreditam que, como há uma discussão no STF (Supremo Tribunal Federal), teria que ser passar pelo Congresso um tema muito espinhoso, mas não acredito que houve irresponsabilidade do presidente — disse o líder.
Um dos representantes da bancada evangélica mais próximos de Bolsonaro, Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), membro da Assembleia de Deus, defende que seja encontrado um “meio termo” entre a ampliação de armas defendida pelo presidente desde a época de campanha e o atual Estatuto do Desarmamento.
— Avalio que não temos uma cultura que permita armar a população como nos EUA, onde o acesso é muito fácil. Temos regiões do país com índice muito alto de brigas de trânsito, de violência doméstica. Imagina essas pessoas com armas? Por outro lado, não sou um desarmamentista. Sou contra, por exemplo, a discricionariedade da Polícia Federal para conceder ou não a posse de arma. Já falei para o Bolsonaro que temos que chegar a um meio termo — disse, pontuando que ainda não leu os quatro decretos.
— O governo foi vencedor na presidência da Câmara e do Senado e deveria fazer um debate franco e harmonioso. Essa imposição da extrema direita pode levar o presidente para um caminho sem volta. Pautas que mexem na vida da sociedade devem ser referendadas pelo Congresso — disse o deputado Fausto Pinato (PP-SP), frequentador da Congregação Cristã no Brasil.
— Não sou favorável a facilitar o acesso às armas, ainda mais por meio de um decreto. O tema deveria ser amplamente discutido no Congresso, ouvindo inclusive especialistas sobre o impacto que essas medidas podem acarretar — opinou o deputado Áureo Lídio (SD-RJ), frequentador da Igreja Metodista.
Evangélico, o bolsonarista Otoni de Paula (PSC-RJ) é um dos mais ferrenhos defensores da facilitação do acesso de armas para civis. Para ele, o presidente “atendeu ao anseio das urnas e de seu eleitorado” ao publicar os decretos:
— Não acho que as medidas adotadas por Bolsonaro firam princípios cristãos. Se por um lado a igreja historicamente é contra o armamento, por outro tem defendido cada vez mais a autodefesa. Essa resistência ao armamento dentro da igreja tende a diminuir.

*”Presidentes de assembleias acumulam mandatos”*
*”Na Alesp, tucano deve vencer fácil após acordo com PT”*
*”O carnaval de Bolsonaro, aglomerado e sem máscaras”*

*”Estoques vazios – Com fim das doses e sem previsão de novas remessas, cidades interrompem vacinação”*
*”Falta diretriz para conter mutação, dizem especialistas”*

*”Saúde como estratégia – Empresas usam tecnologia e selos para reduzir impacto da pandemia nos negócios”*

 

CAPA – Manchete principal: *”Capitais começam a paralisar vacinação e cobram o governo”*

EDITORIAL DO ESTADÃO - *”Ilegal, inoportuno e muito perigoso”*: No dia 12 de fevereiro à noite, uma sexta-feira, véspera do feriado de carnaval, o governo federal divulgou quatro decretos alterando outros quatro atos do próprio governo, editados em 2019, com o propósito de ampliar ainda mais o acesso a armas de fogo e afrouxar o seu controle pelo poder público. Os novos decretos vão muito além de mera regulamentação da legislação aprovada pelo Congresso. Eles desrespeitam o objetivo e as disposições do Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003). São, portanto, ilegais, merecendo pronta revogação. O governo de Jair Bolsonaro não apenas desrespeitou os limites do poder de regulamentação do Executivo. Os novos atos do governo federal em relação às armas são extremamente perigosos, facilitando a vida das milícias e de quem deseja utilizar as armas de fogo para além das coordenadas legais. Por exemplo, as novas medidas tornam mais precário o rastreamento de munições, o que, entre outros danos, pode dificultar a elucidação dos crimes. Os quatro decretos dão a exata dimensão das prioridades do governo de Jair Bolsonaro. No meio de uma gravíssima crise de saúde pública, com mais de 240 mil mortos pela covid19, com consequências devastadoras sobre a situação social e econômica do País, o presidente Bolsonaro atua não para prover vacina para a população, mas para desregulamentar o acesso e o uso de armas de fogo.
Para agravar o quadro, Jair Bolsonaro tem sugerido que a ampliação do porte e uso de armas de fogo não tem relação apenas com a defesa pessoal. Ele já deu a entender que defende o uso desse armamento contra inimigos políticos. Em reunião ministerial de abril de 2020, Jair Bolsonaro foi explícito, ao exigir, em meio a muitos palavrões, “que o povo se arme”, pois isso seria a “garantia” de que ninguém ousará “impor uma ditadura aqui” – referindo-se explicitamente a prefeitos e governadores que haviam imposto medidas restritivas de movimento para enfrentar a pandemia. “Se estivesse armado, (o povo) ia para a rua” e, assim, desobedeceria à ordem desses governantes, disse o presidente. Na ocasião, ele pressionava o então ministro da Justiça, Sérgio Moro, e o ministro da Defesa, Fernando de Azevedo e Silva, para que ampliassem o acesso da população a armas de fogo, o que afronta a legislação em vigor. Com a Lei 10.826/2003, o Congresso procurou promover precisamente o desarmamento. Ainda no primeiro semestre de 2019, Bolsonaro havia defendido “o armamento individual para o povo”, mas não para que o indivíduo preserve a própria vida, e sim para defender “algo muito mais valoroso que a nossa vida, que é a nossa liberdade”. Essa campanha para armar a população, ainda mais com fins explicitamente políticos, não encontra nenhum respaldo na Constituição e nas leis do País.
Tal é o disparate dos quatro decretos de Jair Bolsonaro que até lideranças do Centrão se mostraram avessas à nova regulamentação. Deputados do PL, PSD e MDB disseram ser contrários às novas disposições do governo federal sobre as armas de fogo. “Mais grave que o conteúdo dos decretos relacionados a armas editados pelo presidente é o fato de ele exacerbar o seu poder regulamentar e adentrar numa competência que é exclusiva do Poder Legislativo”, escreveu, em sua conta no Twitter, o vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM). No início da semana, foi proposto na Câmara um projeto de decreto legislativo para derrubar o Decreto 10.630/2021, um dos quatro novos atos relativos às armas de fogo. De fato, é preciso que o Legislativo ponha fim ao descalabro do governo de Jair Bolsonaro de liberar, fora dos limites da lei, a posse e o uso de arma de fogo e ainda dificultar o seu controle. Além de defender as competências constitucionais do Congresso, trata-se de evitar que o País fique refém de um presidente da República que, alheio às responsabilidades do cargo, tenta criar confusão e, no limite, o caos.

*”Com aval de Lira, base tenta limitar atuação da oposição”* - Após a vitória do Palácio do Planalto na eleição da Câmara, deputados aliados do presidente Jair Bolsonaro pretendem dificultar a atuação de oposicionistas na Casa. A intenção é alterar o regimento interno para reduzir as formas que hoje existem para atrasar ou até barrar votações de projetos. A medida tem o aval de Arthur Lira (Progressistas-al), que em sua campanha prometeu levar as mudanças adiante, em troca do apoio para comandar a Casa legislativa.
A ideia não é nova. Propostas semelhantes foram discutidas na gestão de Rodrigo Maia (DEM-RJ), mas não andaram. Cotada para assumir a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a deputada Bia Kicis (PSL-DF) disse que colocará as medidas em votação caso assuma o colegiado. “A esquerda sempre fez obstrução. Aliás, isso é uma coisa que a gente quer mexer no regimento, para que a Casa seja realmente governada pela maioria, dando espaço para minoria. Mas em uma democracia, é a maioria que vence. Hoje, nosso regimento permite que a minoria acabe sempre vencedora. Isso acaba sendo muito ruim para o País”, disse Kicis ao Estadão/broadcast. Atualmente, a oposição tem ao todo 17 dispositivos regimentais que podem ser apresentados pelos deputados para barrar votações de projetos em plenário ou em comissões. São ferramentas que vão desde pedidos para adiar a discussão, para inverter a pauta até a verificação da quantidade de parlamentares presentes na sessão. É o chamado “kit obstrução”. A consequência disso é que muitas vezes as votações se arrastam a ponto de avançar pela madrugada ou até serem adiadas. Foi o que aconteceu com a discussão sobre o projeto que trata da proibição do aborto no País em qualquer situação – hoje só é permitido em caso de estupro, de risco à vida da gestante ou em caso de feto anencéfalo. A comissão criada para discutir o tema em 2017 se reuniu 18 vezes, mas a oposição, contrária à proposta, conseguiu evitar que um texto final fosse aprovado, impedindo que a discussão avançasse na Casa. Foram apresentados mais de 20 requerimentos de obstrução, além de questões de ordem que arrastaram os debates.
Celeridade. O argumento dos que defendem desidratar o “kit obstrução” é dar celeridade à análise de projetos importantes no Legislativo, em especial a pauta econômica. Na semana passada, PSOL, PT e PSB até tentaram uma resistência ao projeto que prevê autonomia ao Banco Central. Por três vezes, foram apresentados pedidos para retirar a medida da pauta de votações, mas logo rejeitados por ampla maioria. Mesmo assim, a análise do texto no plenário da Câmara se arrastou por mais de dez horas. “Queremos reduzir o número de requerimentos, obstruções para podermos tramitar a matéria, porque há momentos que chegamos aqui e passamos a noite só votando obstrução”, afirmou o líder do PTB, Nivaldo Albuquerque (AL).
A oposição, por sua vez, qualifica o movimento como antidemocrático. “Reduzir nosso papel é reduzir a representação democrática na Câmara e a opinião do eleitor. Por isso, somos radicalmente contra”, disse o líder do PT, Enio Verri. “Isso nos preocupa. Não podemos transformar as decisões da Câmara em decisões da maioria subjugando a minoria. Esta é a casa do diálogo, da negociação, da articulação”, afirmou a líder do PCDOB, Perpétua Almeida (AC). Somadas, as cinco siglas de oposição, que incluem ainda PDT, PSB e Rede, reúnem 125 deputados. Na votação da autonomia do BC, os pedidos para suspender a votação tiveram, no máximo, 104 votos, contra mais de 300 para mantê-la. Uma mudança no regimento da Câmara precisa ser feita pela Mesa Diretora e votada pelo plenário como projeto de resolução. O líder do PTB afirma que os partidos da base do governo discutem um texto de consenso para ser apresentado – atualmente há ao menos três projetos diferentes sobre o tema. “Uma das pautas defendidas pela bancada é que não haja mais prazo para as sessões, sem precisar tempo estipulado”, disse. Hoje, cada sessão tem, no máximo, seis horas. Após a abertura de uma nova reunião, qualquer deputado pode pedir verificação de quórum – para atestar que há número suficiente de parlamentares presentes para votar – e reapresentar qualquer um dos itens do “kit obstrução”, mesmo que já tenha sido debatido anteriormente.
“O direito de obstrução deve ser garantido, mas tudo precisa ter um limite. Quem tem maioria precisa ver a sua pauta avançar com racionalidade e quem não tem precisa ter seu direito de resistência preservado, de maneira que possa marcar sua posição. Só que esse processo tem de ter uma duração razoável e curta”, disse o líder do PSL, Major Vitor Hugo (GO). Para a professora de Ciência Política da FGV Graziella Testa, a existência da obstrução é ferramenta fundamental para se evitar o que ela chama de “ditadura da maioria” e garantir a atuação de grupos menores. “Evidentemente que por serem minorias não vão conseguir aprovar uma agenda sozinhos, mas eles precisam ter um espaço de atuação”, disse. Como mostrou o Estadão no mês passado, uma das saídas da oposição para impor derrotas a Bolsonaro tem sido buscar o Supremo Tribunal Federal. Levantamento aponta que, nos últimos dois anos, foram 33 reveses do governo na Corte. Deputada da oposição com vaga na Mesa Diretora, Marília Arraes (PT-PE) disse que, até o momento, essa proposta não foi oficialmente apresentada. “Caso ela seja, o que tenho a dizer, como representante do PT na Mesa Diretora, é que defenderei o posicionamento da bancada, que é ser contra a promoção de qualquer alteração do regimento que possa restringir os instrumentos democráticos da minoria”, afirmou Arraes, que exerce o cargo de segunda secretária da Câmara. Procurado, Lira não quis comentar.

*”’Bancada da bala’ resiste a excludente de ilicitude”* - Deputados e senadores ligados à chamada “bancada da bala” no Congresso questionam a existência de um acordo no Legislativo para aprovar a ampliação do excludente de ilicitude e afirmam que esta não é uma demanda de agentes de segurança e militares. No início do mês, o presidente Jair Bolsonaro afirmou já ter acordado com os novos presidentes da Câmara e do Senado para a votação de uma proposta que isenta de investigação (e punição) o agente de segurança que cometer crime durante o exercício da atividade profissional. “É uma licença para matar ou para ferir? Nem as organizações policiais e nem as Forças Armadas nunca fizeram questão disso”, disse o senador Major Olimpio (PSL-SP), que é ligado à Polícia Militar de São Paulo. De acordo com o parlamentar, ex-aliado de Bolsonaro e hoje na oposição, não há acordo no Senado para que a ampliação seja votada. O Estadão apurou que outros integrantes da Casa avaliam que dificilmente haverá acordo para que se leve um tema tão juridicamente delicado ao plenário. “A tal criação do novo excludente de ilicitude é uma tremenda besteira para o Bolsonaro dizer: ‘Olha, é para amparar o policial’. Quando você vai buscar no próprio campo do direito, você já tem amparo para o policial que está em ação”, completou Olimpio.
Para a deputada Margarete Coelho (PP-PI), uma das integrantes da Frente Parlamentar da Segurança Pública, nenhuma associação ou entidade representativa de policiais ou das Forças Armadas solicitou a ampliação do excludente quando a Câmara analisou o pacote anticrime do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro, em 2019. Foi Margarete Coelho quem coordenou o grupo de trabalho da Câmara criado para avaliar as propostas de combate ao crime enviadas pelo governo. “Nós ouvimos toda a sociedade civil organizada e nenhum grupo ligado a movimentos da categoria de militares e da segurança pública reivindicou esse dispositivo. Foi uma coisa que me chamou muita atenção”, disse. “Foram dez audiências públicas, o grupo debateu intensamente, ouvimos especialistas e ouvimos as categorias. Nenhuma reivindicou.” Na Câmara, a iniciativa foi removida em 2019 pelos deputados do conjunto de medidas para combater a criminalidade. Para amparar as forças de segurança, o grupo coordenado por Margarete Coelho criou a possibilidade de o Estado custear a defesa dos policiais investigados durante a fase de inquérito, quando se colhem as provas. Segundo a deputada, a legislação atual já é robusta o bastante para lidar com os momentos em que agentes de segurança se envolvem com o uso letal da força.
Discussão. Entidades ligadas às forças policiais e militares consultadas pelo Estadão confirmam o desinteresse ou o estágio ainda de avaliação do tema. O diretor jurídico da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), Flávio Werneck, afirmou que a entidade não possui uma posição formal sobre o tema. Ele, no entanto, observa que “a princípio, a legítima defesa, o estado de necessidade, o exercício regular de um direito da sua profissão já estão contemplados dentro do Código Penal”. O presidente da Federação Nacional de Entidades de Oficiais Militares Estaduais (Feneme), coronel da PM Marlon Jorge Teza, disse que a discussão mais recente é para ampliar o excludente em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), executadas por militares das Forças Armadas. Ele também afirmou que a entidade vai discutir o tema. “Não somos contra, mas a gente sabe da dificuldade de aprovar como está. Vamos discutir para chegar a um consenso. Hoje já temos leis que garantem o excludente de ilicitude. Evidentemente que alguns reparos teriam que ter, mas são coisas localizadas.” O presidente da Associação Nacional de Entidades Representativas de Praças (Anaspra), Heder Martins de Oliveira – subtenente da PM de Minas –, afirmou que há divergência interna sobre o tema. Um encontro será realizado no fim do mês para tirar uma posição oficial da entidade.
‘Forçar’. Major Olimpio também criticou as falas de Bolsonaro, segundo as quais policiais e militares seriam poupados de investigação. “Por mais que ele crie mais excludentes de ilicitude, ainda vai ter que haver inquérito e vai ser feita prova pericial”, disse o senador. “Tem gente que argumenta que o policial tem medo dessa investigação. Claro que tem. Mas o Bolsonaro está tentando forçar uma situação que não vai se aplicar em nenhum caso concreto”, afirmou. Para ele, a iniciativa causa má impressão porque sugere que policiais e militares que cometerem excessos estarão blindados. “E se (a morte) for de uma forma dolosa (com intenção)? E se o cara está mancomunado com organizações criminosas?”

*”Maior parte dos casos já é arquivada, afirmam analistas”* - Especialistas na área da Segurança Pública ouvidos pelo Estadão criticaram a intenção do governo de fazer uma nova tentativa para aprovar a ampliação do excludente de ilicitude no Congresso. De acordo com analistas, a maioria dos casos em que policiais ou militares são investigados pela morte de civis é arquivada. A avaliação é que a ampliação do excludente de ilicitude levaria ao aumento da impunidade. Pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP, Bruno Paes Manso disse que aprovar o excludente de ilicitude fragiliza um sistema já frágil de controle das polícias. “O Brasil tem a polícia mais violenta do mundo. São 6 mil mortes causadas por policiais ao ano, e temos batido sucessivos recordes nos últimos três anos. Os casos de violência têm aumentado na pandemia”, destacou. “Hoje já é muito fácil para qualquer policial matar e não ser condenado. A maioria dos casos já é arquivada.” Renato Sergio de Lima, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, afirmou que a pauta é “um grande engodo” pois já existem excludentes. “Está previsto no Código de Processo Penal. O policial já pode eventualmente fazer o uso letal da força. Quem vai dizer se foi ou não é crime é o Poder Judiciário”, afirmou.
Supremo. Lima classificou a iniciativa como mais uma situação desgastante para o Supremo Tribunal Federal (STF), que ele prevê que será chamado para agir. Segundo Lima, isso pode alimentar ainda mais a retórica de que o Poder Judiciário estaria de novo se colocando como obstáculo para o que bolsonaristas dizem ser o “anseio da população”. “Bolsonaro quer fazer uma média com os policiais, colocar uma faca na cabeça do Judiciário e testar a fidelidade do Centrão”, concluiu. O criminalista Augusto de Arruda Botelho, conselheiro da organização Human Rights Watch e um dos fundadores do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), considera que a nova tentativa de Bolsonaro não deve ser analisada de forma isolada. Ele relembra de outras medidas adotadas pelo presidente no mesmo sentido. “Não podemos pegar essa fala de forma isolada, ela vem em uma escalada”, disse. “Primeiro, as portarias revogadas pelo presidente que auxiliariam na fiscalização de armas e munições. Isso é gravíssimo e não havia justificativa nenhuma para revogar essas portarias. Uma coisa é uma promessa de campanha de flexibilizar e de facilitar o acesso e o porte às armas. É completamente diferente de dificultar ou impossibilitar que os órgãos públicos fiscalizem e rastreiem armas e munições. Isso é essencial para combater o crime organizado.”
Botelho citou ainda a fala do presidente de que a população precisaria se armar para enfrentar governadores que, segundo ele, têm pautas autoritárias, como o isolamento social para o combate ao coronavírus. “É evidente que, com o avanço da criminalidade, a política tenha que cada vez mais entrar em confronto com a criminalidade. Isso é fato. Agora, outro fato concreto é que o aumento da letalidade é exponencial. E essas mortes precisam ser investigadas”, disse. “Ninguém está dizendo que os policiais precisem ser punidos pelo cumprimento do seu trabalho. Mas, quando acontecem mortes, isso precisa ser investigado. Não da para jogar uma pá de cal em investigações.” César Muñoz, pesquisador sênior da Human Rights Watch, também condenou a iniciativa. “O policial que atira em legítima defesa da própria vida ou de terceiros já está totalmente protegido pela legislação brasileira e as normas internacionais. O que o presidente Jair Bolsonaro parece querer é uma licença para matar para o policial, sem que haja investigação ou que ele tenha que prestar contas de seus atos.”

*”Villas Boas ironiza crítica; Gilmar rechaça ‘ditadura’”* - Ex-comandante do Exército, o general Eduardo Villas Bôas reagiu ontem à crítica feita pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin, que classificou como “intolerável” a tentativa, por parte dos militares, de pressionar a Corte antes de julgar, em 2018, um habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ao comentar uma publicação no Twitter sobre o comentário de Fachin, Villas Bôas escreveu: “Três anos depois.” Em resposta, o também ministro do STF Gilmar Mendes rebateu o general: “Ditadura nunca mais!” Em abril daquele ano, o plenário do STF negou, por maioria de votos, um pedido apresentado pela defesa de Lula em recurso do qual Fachin era o relator. Na véspera do julgamento, Villas Bôas tuitou que a “Força compartilhava o anseio de todos os cidadãos de bem”. Depois, postou novo tuíte citando as “instituições”. “Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais”, dizia a publicação. À época, o texto foi interpretado como ameaça, caso o Supremo concedesse o habeas corpus para Lula.
A crítica de Fachin, no entanto, se deu após a revelação, na semana passada, de que Villas Bôas planejou o tuíte com o Alto Comando. A informação está no livro General Villas Bôas: Conversa com o Comandante, lançado pela Editora FGV a partir de entrevista ao pesquisador Celso Castro. Nela, o militar detalha, do seu ponto de vista, como se deu a construção daquele recado. Para ele, não foi uma ameaça, e sim um “alerta”. Anteontem, Fachin publicou uma dura nota a respeito do contexto em que se deu o tuíte de Villas Bôas narrado no livro. “Anoto ser intolerável e inaceitável qualquer forma ou modo de pressão injurídica sobre o Poder Judiciário”, afirmou Fachin, por meio da nota. “A declaração de tal intuito, se confirmado, é gravíssima e atenta contra a ordem constitucional. E ao Supremo Tribunal Federal compete a guarda da Constituição.” Após o general ironizar as críticas de Fachin, Gilmar rebateu, sem citar Villas Bôas: “A harmonia institucional e o respeito à separação dos Poderes são valores fundamentais da nossa República. Ao deboche daqueles que deveriam dar o exemplo responda-se com firmeza e senso histórico: Ditadura nunca mais!”, escreveu Gilmar. Segundo o relato de Villas Bôas, houve duas motivações para divulgação da mensagem. Uma era o que chamou de “insatisfação da população” com o País. A outra era a demanda que chegava ao Exército por uma intervenção militar – o que afirmou considerar impensável. Além de planejado com o Alto Comando do Exército, o recado, segundo o general, passou por revisão dos comandantes militares de área, seus subordinados.
Parlamentares. A nota de Fachin provocou reações de deputados bolsonaristas e de opositores do governo. Aliados do presidente criticaram a subida de tom do ministro do STF em relação aos militares. “Não Fachin! Intolerável e inaceitável não são as pressões sobre o Judiciário. Intolerável e inaceitável é que marginais da lei componham a Suprema Corte”, afirmou Daniel Silveira, do PSL do Rio. Já deputados de partidos de esquerda reclamaram da demora do ministro em se pronunciar sobre o caso e cobraram uma investigação. “Fachin, do STF, reagiu tardiamente à ameaça do então comandante do exército Villas Bôas. Em 2018, o general postou mensagem pra atemorizar quem poderia dar HC a Lula. Na época, covardia e lavajatismo prevaleceram. O tribunal tentará reescrever essa história com suspeição de Moro?”, disse o deputado Glauber Braga (PSOL-RJ). Ao criticar Villas Bôas, Fachin lembrou que a Constituição brasileira (art. 142) estabelece que “as Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.” O ministro, inclusive, mencionou a invasão do Capitólio (EUA) e a atitude dos militares americanos, que controlaram a situação. “Postura exemplar das Forças Armadas dentro da legalidade constitucional,” disse.

*”Deputado diz que imaginou Fachin ‘levando uma surra’”* - Investigado no inquérito dos atos antidemocráticos, deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSLRJ) publicou ontem vídeo nas redes sociais em que ataca ministros do Supremo Tribunal Federal e “desafia” Edson Fachin a prender o general Eduardo Villas Bôas em meio à revelação sobre os tuítes envolvendo o habeas corpus do ex-presidente Lula. “Fachin, um conselho pra você. Vai lá e prende o Villas Bôas, rapidão, só pra gente ver um negocinho, se tu não tem coragem.” No vídeo, Silveira afirma que já imaginou o ministro Fachin “levando uma surra”, assim como “todos os integrantes dessa Corte aí”. “O que você vai falar? Que eu tô fomentando a violência? Não, só imaginei. Ainda que eu premeditasse, ainda assim não seria crime, você sabe que não seria crime”, disse. O deputado afirmou que os 11 ministros do STF “não servem pra porra nenhuma pra esse País” e deveriam ser destituídos para a nomeação de “11 novos ministros”. No vídeo, Silveira, porém, elogia o ministro Luiz Fux, a quem o deputado diz respeitar o conhecimento jurídico. Mas mesmo o presidente da Corte é incluído nas críticas generalizadas aos integrantes do tribunal.

*”Antes tarde que mais tarde”* - Edson Fachin reagiu com justificada indignação: na democracia, a Constituição é soberana e as instituições a ela se submetem. O livro do ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas traz, assim, uma aberração: generais não dizem a juízes ou a ministros do Supremo o que fazer; nem o que admitem ou não. Fachin está certo. Mas, com três anos de atraso, cabe perguntar: o relator da Lava Jato se indignou com a revelação de um Segredo de Polichinelo ou com seu conteúdo? A história é conhecida e as memórias do general não trazem novidade: no Brasil, o temor da sombra militar, infelizmente, nunca se dissipou; continua influenciando, se não submetendo, a política e as instituições. Ingenuidade, talvez, tenha sido crer que o País havia superado seu fantasma. A surpresa não mora no tuíte do general, nem na consulta que fez a seus pares. Mas na reação retardada de agentes institucionais que somente agora se manifestam. Não se sabe se o silêncio de então se deveu à distração, à conivência ou à omissão. Fachin não foi o único. Também o presidente da República à época. Constitucionalista e comandante em chefe das Forças Armadas, Michel Temer, no esplendor de seu cargo, igualmente fez ouvidos de mercador. Villas Bôas era subordinado; imperativo que Temer fizesse valer o poder civil. Calou. “O que querias que fizesse, ‘se sabias que não era Deus, se sabias que eu era fraco?’”, replicaria o poeta. Circunstâncias produzem presidentes, nem sempre conseguem parir líderes. Instituições não prescindem de lideranças. Passados três anos, o fato é que, de omissão em omissão, o País se enredou numa trajetória ruinosa, que debilita sua democracia. A despeito de o atual comandante do Exército, Edson Pujol, diferenciar-se do antecessor ao se manter discreto – como deve ser –, o fato é que a influência militar se expandiu errática por todo o governo, comprometendo até mesmo as Forças Armadas. A reação de Fachin parece tardia. Em todo caso, antes tarde que mais tarde.
*Carlos Melo – Cientista político e professor do Insper

*”CNBB critica ‘negação da ciência’ e atos de violência”* - A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) lança hoje sua nova Campanha da Fraternidade Ecumênica, que tece críticas contra “discursos negacionistas sobre a realidade e fatalidade da Covid-19”, “a negação da ciência” e a “cultura de violência contra as mulheres, as pessoas negras, os indígenas, as pessoas LGBTQI+”. O texto-base da ação, divulgado em outubro, ainda afirmou que o “lobby religioso” reivindicou o direito de algumas igrejas permanecerem abertas na pandemia, apesar de contaminações e mortes. A temática formal da campanha é “Fraternidade e Diálogo: compromisso de amor”.
A iniciativa foi alvo de críticas de grupos conservadores, que criaram um abaixo-assinado contra o tom adotado pela CNBB. Eles alegam que a campanha promove “deturpações dentro da moral católica”. O escritor Olavo de Carvalho, guru do bolsonarismo, também tem defendido o boicote. A adesão à campanha depende de cada diocese. Em resposta, a CNBB divulgou, na terça-feira da semana passada, uma nota em que explica as referências católicas que motivam a campanha. Depois, na sexta-feira, divulgou outra nota na qual afirma que o objetivo maior da campanha deste ano é o diálogo e que, por ser “construída ecumenicamente”, segue a linha de pensamento do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic) e não da CNBB. “São duas compreensões distintas, ainda que em torno do mesmo ideal de servir a Jesus Cristo”, diz o texto, acrescentando que a Igreja Católica tem doutrina sobre de gênero e se mantém fiel a ela. Ao concluir, a nota diz que as dificuldades de uma campanha ecumênica não devem levar ao rompimento da comunhão, “um tesouro que o Senhor Jesus nos deixou”.
‘Polarização ideológica’. O arcebispo de São Paulo, cardeal Odilo Pedro Scherer, defendeu a campanha. “Acho que essa polêmica precisa baixar a fervura, acho que ela está movida por um monte de preconceitos, está movida por paixão anti-ecumênica e por acusações infundadas contra a CNBB. Enfim, é uma polêmica marcada por polarização ideológica”, disse em vídeo gravado na semana passada. A Campanha da Fraternidade é realizada anualmente pela CNBB, no período da Quaresma. A cada cinco anos, é promovida de maneira ecumênica, em conjunto com o Conic.

*”Onda de frio mata 20, deixa milhões sem luz e atrapalha vacinação nos EUA”*
*”Nevasca interrompe imunização em Atenas”*
*”França aprova lei pra proibir jihadismo”*

*”Queda brusca em contágio na Índia intriga cientistas”* - Quando a pandemia de coronavírus se espalhou pela Índia, houve temor de que a doença arruinaria o frágil sistema de saúde do segundo país mais populoso do mundo. As infecções aumentaram durante meses em patamares que davam a sensação de que a Índia poderia ultrapassar os EUA como a nação com o maior número de casos. Tudo começou a mudar nos últimos quatro meses do ano passado e especialistas ainda buscam uma explicação. Hoje o país reporta por volta de 11 mil novos casos diários, ante os 100 mil relatados durante alguns dias de setembro de 2020. Alguns especialistas dizem que país pode ter alcançado a imunidade de rebanho. Outros afirmam que os indianos têm alguma proteção preexistente contra o vírus. O que é certo até agora é que não se trata de um recuo no número de testes, que continua uniforme desde dezembro. O governo indiano atribuiu em parte a redução de notificações ao uso de máscara, que se tornou obrigatório em público, e às multas pesadas impostas por algumas cidades. Determinar o que está por trás do fenômeno pode ajudar as autoridades a controlar ainda mais o vírus – a Índia registrou 11 milhões de casos e mais de 155 mil mortes. “Se não soubermos o motivo, você pode estar inconscientemente fazendo coisas que podem levar a um novo surto”, disse Shahid Jameel, infectologista que estuda vírus na Universidade Ashoka, na Índia. A pressão sobre os hospitais também diminuiu nas últimas semanas, em mais uma indicação de que a disseminação do vírus está diminuindo. Quando os casos registrados ultrapassaram 9 milhões, em novembro, os números oficiais mostraram que quase 90% das UTIS em Nova Délhi estavam cheias. Ultimamente, só 16% desses leitos estão ocupados.
Imunidade de rebanho. Esse sucesso não pode ser atribuído à imunização, pois a Índia só começou a administrar as vacinas em janeiro. À medida que mais pessoas forem vacinadas, as perspectivas devem parecer ainda melhores, embora os especialistas também estejam preocupados com as variantes identificadas em muitos países que parecem ser mais contagiosas e tornar alguns imunizantes menos eficazes. Entre as possíveis explicações para a queda nas infecções está a imunidade de rebanho que algumas grandes regiões do país teriam atingido. Isso ocorre quando um número significativo de pessoas desenvolve resistência ao vírus, ao adoecer ou ser vacinado. “A partir daí, a propagação do vírus começa a diminuir”, explica Vineeta Bal, que estuda o sistema imunológico no Instituto Nacional de Imunologia da Índia.
Novas pesquisas sugerem que as pessoas que ficaram doentes com uma forma do vírus podem ser infectadas novamente com uma nova versão. Bal, por exemplo, apontou uma pesquisa recente feita no Brasil, em Manaus, que estimou que mais de 75% das pessoas tinham desenvolvido anticorpos para o vírus em outubro – antes que os casos aumentassem novamente em janeiro. “Não acho que alguém tenha a resposta final.” Na Índia, uma triagem nacional de anticorpos feita por agências de saúde estimou que cerca de 270 milhões, ou um em cada cinco indianos, foram infectados pelo vírus antes do início da vacinação – o que é muito abaixo da taxa de 70% ou mais que os especialistas dizem ser o limite para o coronavírus. “Uma grande proporção da população permanece vulnerável”, disse Balram Bhargava, que chefia o principal órgão de pesquisa médica da Índia, o Conselho Indiano de Pesquisa Médica. Outro levantamento ofereceu outro dado que pode explicar por que as infecções na Índia estão diminuindo. A sondagem mostrou que mais pessoas foram infectadas nas cidades do que nos vilarejos, e o vírus estaria se movendo mais lentamente pelo interior rural. “As áreas rurais têm menor densidade de aglomeração, as pessoas trabalham mais em espaços abertos e as casas são muito mais ventiladas”, disse Srinath Reddy, presidente da Fundação de Saúde Pública da Índia.
Uma possibilidade adicional é que muitos indianos estejam expostos a uma variedade de doenças ao longo de suas vidas – cólera, febre tifoide e tuberculose, por exemplo, são prevalentes – e teriam preparado o corpo para montar uma resposta imunológica inicial mais forte a um novo vírus. “Se o vírus da covid pode ser controlado no nariz e na garganta, antes de atingir os pulmões, ele não se torna tão letal. A imunidade inata atua nesse nível, tentando reduzir a infecção viral e impedir que ela chegue aos pulmões”, disse Jameel, da Ashoka University. Os especialistas estão considerando se as variantes podem estar impulsionando um aumento nos casos no Estado de Kerala, no sul do país, que anteriormente era considerado um modelo para o combater ao vírus. Kerala agora responde por quase metade dos casos de covid-19 da Índia. Como as razões por trás do sucesso da Índia não são claras, os especialistas temem que as pessoas baixem a guarda. Grande parte dos indianos já voltaram à vida normal. Em muitas cidades, os mercados estão lotados, assim como estradas e restaurantes. “Com a redução dos números, sinto que o pior da covid já passou”, disse M. B. Ravikumar, arquiteto que foi hospitalizado no ano passado e se recuperou. “Talvez ainda não”, afirmou Jishnu Das, economista da Universidade Georgetown, que aconselha o Estado de Bengala Ocidental sobre como lidar com a pandemia. “Não sabemos se isso vai voltar depois de três ou quatro meses”, alertou.

*”Coreia do Norte tentou roubar dados da Pfizer, diz Seul”*

*”Capitais começam a paralisar vacinação com 1ª dose; frente cobra governo federal”*
*”Em lockdown, Araraquara vê saúde colapsar”*

*”Sem auxílio e sob restrições da pandemia, economistas apontam risco de recessão”*
*”Fluxo de veículos nas estradas cai 8,8%”*
*”Indicadores de confiança na economia têm queda”*

 

CAPA – Manchete principal: *”Empresa busca reduzir riscos de ‘ativismo’ em redes sociais”*

*”Guedes quer tornar ‘calamidade pública’ permanente e mais ampla”* - O ministro da Economia, Paulo Guedes, quer ampliar e tornar permanente a “cláusula de calamidade pública” que atualmente está prevista na lei complementar 173/2020, informou uma fonte credenciada do governo. “Na LC 173, a cláusula é restrita à pandemia da covid-19 em 2020 e tem validade até 31 de dezembro deste ano”, explicou. Agora, segundo a mesma fonte, Guedes quer que ela seja aplicada a todos os tipos de calamidade que assolem o Brasil, um Estado ou município e passe a fazer parte do arcabouço jurídico permanente do país. Ou seja, que as medidas de ajuste que podem ser automaticamente adotadas pelos Executivos (federal, estadual ou municipal) nas situações de calamidade não tenham prazo determinado. A LC 173, que ficou conhecida como “Orçamento de Guerra”, estabelece que a União, os Estados e os municípios afetados pela calamidade pública decorrente da pandemia da covid-19 ficam proibidos, até 31 de dezembro deste ano, de conceder aumento, reajuste ou qualquer vantagem aos membros de Poder ou de órgãos, servidores e empregados públicos e militares. Não poderão também criar emprego, cargo ou função que implique aumento de despesa, realizar concurso, admitir ou contratar pessoal a qualquer título, criar ou majorar auxílios, vantagens, bônus ou abonos. O presidente, os governadores e os prefeitos estão proibidos ainda de criar despesa obrigatória de caráter continuado e de adotar medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação.
A fonte disse que o novo desenho da “cláusula de calamidade pública” que Guedes deseja ainda não foi concluído, mas que ela “terá mais medidas do que a LC 173. Ainda não está claro também qual será a abrangência do conceito a ser proposto para “calamidade pública” e se ele incluirá a situação de insolvência das contas. O difícil é saber o limite para caracterizar a situação de “calamidade” das finanças de um ente da federação. Na PEC Emergencial (PEC 186/2019), a proposta do governo prevê que, toda vez que a despesa obrigatória atinja 95% da receita corrente, as medidas de ajuste serão acionadas. Outra fonte explicou que a preocupação do ministro da Economia é com a duração desta segunda onda da pandemia de covid-19 e com a eventualidade de uma terceira onda. “Neste ano, as medidas de ajuste previstas na cláusula de calamidade já foram adotadas”, explicou. “Mas se a pandemia durar mais um ano, por exemplo, teremos que adotar outras medidas”, ponderou. Assim, a nova cláusula, com todas as suas proibições, poderia ser usada para fechar o Orçamento de 2022. A nova redação da cláusula de calamidade seria, na concepção de Guedes, a contrapartida à prorrogação do auxílio emergencial, demonstrando a preocupação do governo com a sustentabilidade das contas públicas. Mas, a rigor, as medidas de ajuste deste ano já foram adotadas. Portanto, a nova redação da cláusula não implicaria medidas adicionais.
Diante de eventuais resistências à aprovação de uma “cláusula de calamidade pública” mais abrangente, na forma de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), discute-se no Congresso Nacional, discretamente, uma proposta menos ambiciosa, mas que dê conforto ao governo para a renovação do auxílio emergencial. A alternativa poderia ser uma expansão do Bolsa Família dentro do Orçamento de 2021, disse uma fonte ao Valor. A “PEC de Guerra”, como Guedes está chamando a proposta, ainda é a hipótese central em estudo. Governo e Congresso discutem um texto que, acoplado à proposta que já está no Senado tratando do Pacto Federativo, formará o que o ministro chama de “protocolo de crise”. Esse protocolo combina duas coisas: autorização para gastar mais em caso de calamidade e medidas de contenção de gastos. Como o calendário está apertado, parlamentares avaliam que o governo e o Congresso devem bater o martelo sobre o formato e o valor da nova rodada do auxílio emergencial até a próxima semana. Apesar da expectativa de que as parcelas mensais do auxílio serão de R$ 200 ou R$ 250 - inferiores ao que se concedeu no ano passado -, parlamentares pontuam que o valor não está fechado. “Acredito que o plenário vai ter a sensibilidade de reconhecer a importância da reedição do auxílio para conseguir colocar o pão na mesa das famílias mais humildes e impactadas pela pandemia”, disse o líder do DEM na Câmara, Efraim Filho (PB), ao Valor. “Igualmente, o plenário terá a responsabilidade de aprovar o valor e as parcelas de acordo com a capacidade do Orçamento do país que a equipe econômica apontar”, ponderou. Há a expectativa de que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), promova debate sobre o financiamento do benefício em reunião de líderes amanhã. Lideranças da Câmara destacam que um encontro com o presidente da casa, Arthur Lira (PP-AL), está marcado para o mesmo dia.

*”Projeto pode reduzir pedágio em rodovias federais”* - Entre as 35 prioridades legislativas do governo, está um projeto de lei que cria condições para se implantar nas rodovias concedidas um sistema de cobrança de tarifa por quilômetro rodado chamado passagem livre, ou free flow. Com ele, todos os veículos que trafegarem na rodovia pagarão pedágio. Mesmo naqueles casos em que o motorista usa a via diariamente para ir à escola ou ao trabalho. Mas, como a cobrança será mais ampla, a tarifa vai cair. Foi o que afirmou ao Valor a secretária de Fomento, Planejamento e Parcerias do Ministério da Infraestrutura, Natália Marcassa de Souza. O sistema de passagem livre será testado no trecho de Guarulhos (SP) da Nova Dutra, cuja concessão deve ser leiloada no terceiro trimestre. Mas a intenção é ampliar seu uso e para isso se mostrou necessário mudar a lei. Além de criar no regramento brasileiro o sistema de pedágio com livre passagem, o projeto de lei altera o Código de Trânsito em dois pontos. Primeiro, qualifica a evasão do pagamento do pedágio como infração grave. Segundo, permite que o valor das multas seja entregue às concessionárias. Para que a cobrança por distância percorrida funcione, é preciso ampliar o uso de tags pelos motoristas. São chips que associam o veículo a um meio de pagamento, de forma que a cobrança do pedágio pode ser feita posteriormente. É a ampliação do sistema pré-pago que já opera no Brasil. Nas futuras concessões, diz Natália, será dado desconto de 5% nas tarifas cobradas por meio de tagueamento. Na Dutra, apenas 10% dos veículos pagam pedágio, comentou a secretária. São aqueles que fazem trajeto mais longo pela via. Os que a utilizam apenas entre praças de pedágio não pagam.
No trecho de Guarulhos, o free flow será cobrado a partir do quinto ano do contrato da Nova Dutra. Antes disso, uma série de obras na região metropolitana segregará o fluxo de longa distância do local, que será feito por vias marginais. Um sistema híbrido entre o pedágio tradicional e a cobrança por distância percorrida é usado na praça de pedágio de Magé (RJ) da Rio-Teresópolis, disse Natália. Lá, são concedidos descontos progressivos para usuários frequentes. Assim, a tarifa de R$ 14 pode chegar a R$ 1,75, em 30 dias de uso. A média mensal fica perto de R$ 5. São Paulo já adota esse modelo em algumas rodovias desde 2015. O projeto de lei que altera as regras dos pedágios já foi aprovado na Câmara e aguarda votação no Senado. A secretária acredita que será aprovado sem dificuldades. Outros temas de interesse da pasta na lista de prioridades legislativas do governo são: o marco da navegação de cabotagem, o projeto de lei que autoriza a construção de ferrovias por autorização e o que aperfeiçoa regras para debêntures de infraestrutura.
Neste ano, o Ministério da Infraestrutura pretende leiloar 52 ativos. São 22 aeroportos das regiões Norte, Sul e Centro-Oeste, mais a relicitação do aeroporto de São Gonçalo do Amarante (RN) e a venda das participações da Infraero nos aeroportos de Guarulhos, Galeão, Confins e Brasília. Os investimentos previstos para esse grupo são de pelo menos R$ 6,13 bilhões. Em portos, serão arrendados 17 terminais e desestatizada a Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa). Os investimentos são de no mínimo R$ 4,08 bilhões. Em rodovias, vão a leilão seis trechos que totalizam 7,2 mil km e exigirão investimentos de R$ 84,31 bilhões, pelo menos. Estão previstas ainda as concessões da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol) e a renovação de contrato da MRS, no total de 10,4 mil km e investimento mínimo de R$ 41,57 bilhões. Para 2022, estão previstos, por exemplo os leilões de concessão de 16 aeroportos, entre eles Congonhas (SP) e Santos Dumont (RJ). Também será relicitada a concessão de Viracopos (SP) e vai ao mercado uma Parceria Público-Privada (PPP) de aeroportos no Amazonas. Os investimentos são de no mínimo R$ 5,66 bilhões.

*”Privatizações geraram US$ 150 bi em 30 anos”* - Apesar da forte resistência imposta por setores da sociedade, os governos eleitos pelo voto popular neste país promoveram um dos maiores programas de desestatização do mundo ocidental. Estima -se que, nas últimas três décadas, esse processo arrecadou o equivalente a US$ 150 bilhões (pela taxa de câmbio neste momento, R$ 850 bilhões). Este valor considera o que foi apurado na venda direta de estatais, bem como nos valores de outorga obtidos nas concessões de serviços públicos a empresas privadas. Especialista no assunto, tendo atuado no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), principal operador das privatizações desde a segunda metade da década de 1980, o economista Luiz Chrysostomo de Oliveira Filho divide a história recente da desestatização brasileira em três fases, contempladas no período que vai de 1990 a 2015:
1. A primeira, entre 1990 e 1994, se deu durante os governos Collor de Melo e Itamar Franco, quando foi lançado o Programa Nacional de Desestatização (PND). Naquela época, para colocar uma estatal na lista de privatizações, bastava ao presidente da República assinar um decreto para incluir aquela empresa no PND, ressalvados os casos em que a Constituição ou outras leis proibissem a venda de ativos específicos. Um exemplo: não há lei alguma ou dispositivo constitucional que impeça a privatização do Banco do Brasil. Ainda assim, nenhum governante teve coragem de fazer isso;
2. A segunda fase das privatizações se inicia com o governo Fernando Henrique Cardoso, em 1995, em especial com a regulamentação do Artigo 175 da Constituição. Este dispositivo permitiu que as desestatizações alcançassem os setores de serviços e infraestrutura;
3. A terceira etapa das desestatizações vai de 2003 a 2015, durante os governos Lula e Dilma. Foi o período de menor atividade nessa área, quando houve, observa Chrysostomo, "menos pragmatismo e viés mais ideológico, onde o papel do Estado como 'empreendedor' ou provedor voltou a ser considerado”.
"Entre 1990 e 2015, o resultado das privatizações atingiu US$ 106 bilhões, incluindo os âmbitos federal e estadual (e não apenas com as receitas advindas da venda dos ativos, como também com as dívidas transferidas para o comprador). Foram alienadas 72 participações entre empresas controladas (32), participações minoritárias (26), concessões (7) e arrendamentos (7), sem contar toda a venda do Sistema Telebrás, outorgas de concessões de aproveitamentos hidroelétricos, linhas de transmissão, rodovias federais e aeroportos", relata Chrysostomo. Embora seja o principal fundador de um partido de esquerda, o PT, cujo discurso contra as privatizações tenha sido sempre ruidoso por tratar-se mais de uma bandeira política do que de uma visão de modelo econômico, Lula assumiu o poder em 2003 com opiniões bem distintas das de seus correligionários. Seu primeiro mandato foi marcado por um pragmatismo que, na ocasião, pavimentou a saída do país de uma severa crise de confiança, em 2002/2003, e lançou as bases para a economia dobrar o ritmo de crescimento _ de 2% para um pouco mais de 4% ao ano _ que vinha mostrando até então. Depois de praticamente dobrar a meta de superávit primário _ o esforço fiscal necessário para conter o crescimento da dívida pública _, Lula, ainda em seu primeiro mandato (2003-2006), antecipou o pagamento da dívida do país com o Fundo Monetário Internacional (FMI), surpreendendo a todos, credores nacionais e internacionais. Um fato político, porém, acertou em cheio o coração pragmático do então presidente: o escândalo do mensalão, o suposto esquema de compra de votos no Congresso para aprovação de reformas institucionais e leis de interesse do governo.
O alarido do mensalão fez a popularidade de Lula cair ao menor nível de seus dois mandatos _ menos de 25% em dezembro de 2005. Tendo superado a desconfiança tanto de investidores nacionais quanto estrangeiros à sua disposição de governar o país com disciplina fiscal e monetária, Lula se sentiu acuado diante da avalanche de ataques que seu governo sofreu. Entendeu aquele momento como um traço permanente de rejeição das elites financeira e econômica à sua origem social. E, justamente por essa razão, o então presidente se sentiu mais motivado a brigar pelo cargo, uma vez que o risco de impeachment era real. A consequência veio “depois”: para defender seu mandato nas ruas, Lula mobilizou todo o movimento sindical, inclusive, adversários históricos, como Paulinho da Força e Luiz Antônio Medeiros. Deu-lhes cargos no governo e o impensável até então: a inclusão das centrais sindicais na divisão dos recursos do imposto sindical. Os sindicalistas, todavia, exigiram, além de cargos e do imposto sindical, um compromisso: não privatizar coisa alguma enquanto estivesse no poder. Na disputa do segundo turno da eleição presidencial de 2006, Lula deu xeque-mate no adversário Geraldo Alckmin (PSDB), ao convencer o distinto público de que, se eleito, o tucano venderia a Petrobras, o Banco do Brasil e a Eletrobrás. Surpreso com o movimento do adversário, Alckmin deu entrevistas usando bonés do BB e da Petrobras, gastou saliva dizendo que não venderia aquelas estatais, mas ninguém acreditou. No país do patrimonialismo, esse sentimento que faz com que muitos defendam que o Estado seja o provedor de todas as suas necessidades _ como se isso fosse possível _ e outros tantos se sintam donos da coisa pública foi mais forte que os desmentidos e compromissos assumidos pelo candidato do PSDB. Resultado: Alckmin recebeu no segundo turno daquela eleição menos votos do que no primeiro. E, assim, enterrou-se o programa de privatizações.
É verdade, como diz Chrysostomo em capítulo do livro “A Reforma do Estado Brasileiro” (Atlas, 2020), organizado por Fabio Giambiagi, que, apesar da opção mais intervencionista, foi em 2004, na gestão Lula, que se aprovou a lei das Parcerias Público Privadas, o que muitos consideraram um novo modelo de relacionamento do Estado com os investimentos privados.

*”Gasto de Estados com saúde cresce o dobro da receita”* - Avanço também ocorre nas capitais e é resposta à pandemia

*”Falta de critério para repasse preocupa, diz especialista”* - Ausência de coordenação pelo Ministério da Saúde também é problema, segundo ele

*”Nova cepa e dúvida sobre vacina ameaçam 2º tri”* - Disseminação pelo país da variante de Manaus pode ter um choque adicional na confiança de consumidores e empresas

*”País busca corte em subsídio agrícola”* - Desejo do Brasil e de outros grandes exportadores é que tema seja tratado na próxima conferência ministerial da OMC

*”OIT questiona flexibilização trabalhista”* - A Organização Internacional do Trabalho (OIT) mantém pressão sobre o governo de Jair Bolsonaro, com indagações sobre flexibilização de regras trabalhistas adotadas em resposta à pandemia. O Comitê Sobre a Aplicação de Convenções e Regulamentações da entidade examinou alegações de entidades como Central Única dos Trabalhadores (CUT), Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB) e Internacional de Serviços Públicos (ISP) sobre a adoção das medidas provisórias 927 e 936. Essas centrais se queixaram de que as duas MPs “prejudicaram severamente o direito de barganha coletiva” ao assegurar que acordos individuais entre o empregador e o trabalhador prevalecessem sobre a negociação coletiva. Em relatório publicado no site da OIT, o comitê nota que o governo Bolsonaro enfatizou a necessidade de respostas rápidas e efetivas à emergência causada pela pandemia e que Brasília refutou qualquer violação da Convenção nº 98 da OIT, que estabelece parâmetros para negociações coletivas. Em sua avaliação, o comitê “reconhece plenamente as circunstâncias excepcionais” no país por causa da pandemia e a “absoluta necessidade” de adotar medidas urgentes para mitigar o impacto econômico e social. Mas, ao mesmo tempo, enfatiza sua posição de que medidas adotadas na crise, colocando de lado a aplicação de acordos coletivos, devem ser de caráter excepcional, limitadas no tempo e fornecer garantias para os trabalhadores mais afetados. O mesmo comitê faz novas indagações ao governo Bolsonaro em relação à sensível Convenção nº 169, que trata dos direitos dos povos indígenas. Pede que indique como é garantido que medidas legislativas ou administrativas que podem afetar os povos indígenas são aplicados de forma sistemática e coordenada em todo o país.

*”Produção da indústria ainda sofre com falta de insumos”* - Setores de veículos, metais e plásticos são os mais afetados em janeiro

*”Proposta do Senado irá prevalecer na reforma tributária”* - Texto que deve ir a votação deve ser o da PEC 110, elaborada por ex-deputado Luiz Carlos Hauly

*”Governo articula no Congresso benefícios a caminhoneiros”*
*”Depois de nomear Roma, Bolsonaro quer limitar reforma”* 
- Centrão ainda cobiça Saude, Educação, Turismo e Desenvolvimento Regional

*”Villas Bôas mantém polêmica com STF sobre tuíte”* - Em redes sociais, general Eduardo Villas Bôas ou pessoa que o representa fez ironia com ministro do Supremo Tribunal Federal, provocando reação de Gilmar Mendes

*”’Falta clima na centro-direita para candidatura’”* - Para Humberto Dantas, dá para Bolsonaro chegar ao fim do governo “numa boa”

*”’Bolsa Família criou massa acomodada’, diz prefeito”* - Miguel Coelho (MDB) se considera “de centro, um pouco à direita” e pretende disputar governo de Pernambuco em 2022

*”Família Coelho se perpetua na política há mais de sete décadas”* - Dinastia está presente na prefeitura, na Assembleia Legislativa, na Câmara dos Deputados e no Senado

*”Lava-Jato teve 150 investigações arquivadas por falta de provas”* - Motivo de terror para empreiteiros e a classe política por vários anos, nem sempre a Lava-Jato de Curitiba foi efetiva no combate à corrupção. A força-tarefa fracassou em ao menos 150 investigações, denúncias e ações penais arquivadas por ausência de provas, apesar de ter colocado atrás das grades a nata do empresariado e um ex-presidente da República. Levantamento feito pelo Valor em peças judiciais desde que a investigação para apurar corrupção na Petrobras foi deflagrada, em 17 de março de 2014, mostra que o avanço da Lava-Jato sobre políticos com privilégio de foro sofreu quase tantos revezes quanto vitórias no Supremo Tribunal Federal (STF). Das denúncias oferecidas em 29 inquéritos em tramitação na Corte, 20 foram analisadas pela 2ª Turma: 11 foram aceitas e 8 foram rejeitadas. O STF julgou 6 ações penais da Lava-Jato, com 4 condenações e duas absolvições. Há 7 denúncias no Supremo: 3 esperam deliberação para aceitação ou rejeição; uma teve análise suspensa por pedido de vista e o restante aguarda notificação de investigados. Há controvérsia em parte das mais de 270 delações firmadas em vários estados na 1ª e 2ª instâncias e na alçada de tribunais superiores. A Polícia Federal (PF) também fechou acordos, apesar de o Ministério Público Federal (MPF) ter sido contra.
No caso do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, o acordo proposto pela defesa dele foi rejeitado duas vezes pelo MPF do Paraná, que o considerou fantasioso. Mas uma negociação foi costurada com a PF durante um período de desentedimento entre os órgãos. O ministro Edson Fachin validou a delação de Palocci no fim de 2018. A PF, então, fez duas buscas em endereços do banqueiro sócio do BTG, André Esteves, em 2019. As ações ocorreram em São Paulo e acabaram anuladas em agosto de 2020 pelo ministro Gilmar Mendes. A própria PF concluiu não haver provas dos relatos de Palocci, que acusou o banqueiro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Esteves e o então líder do PT no Senado, Delcídio do Amaral, já haviam sido presos em novembro de 2015 por suposta interferência na delação do ex-diretor da Petrobras, Nestor Cerveró, com a Procuradoria-Geral da República (PGR). Delcídio foi o primeiro parlamentar preso no exercício do cargo. O banqueiro ficou preso por 24 dias em Bangu 8, no Rio. Entretanto, foi absolvido por falta de provas em julho de 2017. Delcídio se tornou delator depois de passar 85 dias encarcerado. Solto após acordo de delação, acusou de obstrução a então presidente Dilma Rousseff, seu ministro da Justiça José Eduardo Cardozo e os ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Francisco Falcão e Marcelo Navarro. Os quatro teriam planejado frear a Lava-Jato por meio da nomeação deste último para o STJ, em 2015. O ministro Fachin arquivou o caso por falta de provas em setembro de 2017.
Outro episódio em que o MPF não conseguiu comprovar acusações de delator envolveu o ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado. Em outubro de 2017, o ministro Fachin engavetou investigação sobre supostas tentativas de interferir na Lava-Jato do senador Renan Calheiros (AL), do ex-senador Romero Jucá (RR) e do ex-presidente José Sarney, todos do MDB. Em 8 de fevereiro, o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques, pediu a rejeição de denúncia contra Sarney motivada pela delação de Machado por considerá-la vazia. O delator disse que foi nomeado para o cargo público em troca de propina ao ex-presidente e a outros políticos do MDB. O MPF de Curitiba afirmou, em nota, que tanto o órgão quanto a PF “não investigam pessoas, mas fatos”, e que apurar notícias de crimes “é dever constitucional desses órgãos e razão de sua existência”. Segundo o comunicado, “a instauração de uma investigação não deve necessariamente resultar em propositura de denúncia ou acusação”, e investigações são instaladas “com base em evidências (licitamente obtidas) justamente para verificar, ao seu término, se há a comprovação do delito e fundados indícios de sua autoria”. O MPF disse que arquivamento de investigação não significa inexistência de crime. “A prática mostra que a grande maioria dos arquivamentos ocorre porque, na avaliação do MPF, não foram colhidos indícios fortes o suficiente para a propositura de ação penal”.
Segundo o órgão, “muitos fatos criminosos revelados pelos colaboradores, por exemplo, ocorreram há anos, o que dificulta a coleta de provas; outros, ainda que provados, em vista do prazo, também são arquivados em vista da ocorrência da prescrição”. Para o MPF, “a grande maioria das investigações criminais, em todas as unidades da federação, resultam em arquivamentos”. E o “esforço concentrado” da Lava-Jato permitiu “obter aproveitamento muito maior das investigações”. O arquivamento de cerca de 150 procedimentos parece pouco diante do colosso em que se converteu as investigações, desdobradas para outros estados e instâncias judiciais. Somente a hoje extinta força-tarefa do Ministério Público Federal (MPF) e da Polícia Federal (PF) de Curitiba produziu resultado sem precedente: 179 ações penais com 174 condenações em 1ª e 2ª instâncias, além de 209 acordos de delação, 17 de leniência (firmados com empresas na esfera cível) e 80 ações policiais. Dos 291 réus julgados por Sergio Moro, 228 foram condenados e 63 absolvidos. O MPF recorreu para elevar as penas em 44 das 45 decisões do ex-juiz. As 80 fases da trama investigativa que pautou o Judiciário, acossou Congresso e iniciativa privada e privou de um sono tranquilo as classes política e empresarial, envolveram 1.450 buscas e apreensões, 163 prisões temporárias, 132 preventivas e 211 conduções coercitivas - que ocorrem quando a polícia é autorizada a levar um suspeito para depor. A medida está proibida pelo STF desde junho de 2018.
Apesar de a operação ter seguido irrefreável até meados de 2018, os métodos de investigação e a receptividade obtida na sociedade, imprensa e em parte do poder público desviaram a Lava-Jato para o caminho dos excessos e injustiças. Essa é a avaliação do advogado Celso Vilardi, que afirma não se opor à Lava-Jato e reconhece os méritos da investigação. Para ele, o mesmo fator que conferiu à Lava-Jato potência para avançar por terreno em que tentativas anteriores fracassaram revelou-se o ponto fraco da operação. “Ela se desenvolveu com delações e qualquer investigação desse tipo tem aspectos em que é impossível chegar a um resultado”, diz. “Delator pode falar a verdade, uma verdade não comprovável e pode mentir. Na Lava-Jato teve as três situações”, afirma. “E mentiras que eram tragédias anunciadas”.

*”Decisão de Moraes provoca apreensão”* - Integrantes do Ministério Público Federal (MPF) avaliam que a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de proibir que o órgão defina a destinação de recursos obtidos através de acordos de delação premiada e condenações criminais vai paralisar o andamento de processos em todo país e pode ter impacto até na área cível. Para subprocuradores e procuradores ouvidos pelo Valor, a determinação traz insegurança jurídica e pode prejudicar a reparação de danos. O despacho, da semana passada, foi dado em uma ação movida pelo PT e PDT após vir à tona que a força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba queria criar uma fundação com recursos de um acordo fechado com a Petrobras. A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) já definiu que vai pedir para entrar como “amicus curiae” na ação, para poder se pronunciar no processo. O presidente da entidade, Fabio George, afirma que o MPF já tem um longo histórico na formulação de acordos desta natureza, e que o modelo tem conseguido dar uma resposta rápida aos problemas. “Nós somos intermediários de acordos que beneficiam sociedade e, no fim, quem vai ser prejudicado com essa decisão é a própria sociedade”, disse. Segundo ele, a decisão de Moraes, de que cabe ao governo federal - junto com o Congresso Nacional - fixar a maneira como estes recursos serão utilizados, vai burocratizar todo o processo. “Na prática, esse é um dinheiro que vai ficar nas contas da União e que no fim vai ser utilizado no pagamento de juros.”
A procuradora da República, Monique Cheker, que já atuou na Operação Lava-Jato, afirma que a decisão de Moraes faz com que todos os juízes “fiquem travados”. Segundo ela, há o temor de que isso afete até os acordos cíveis, apesar de o foco ser a esfera criminal. Ela também diz que o ministro, ao embasar a sua posição, faz uma “referência muito frágil à Constituição”, pois cita apenas dois artigos que tratam da universalidade do orçamento e da unidade. “A finalidade do direito penal não é gerar receita ou riqueza. O compromisso que o Estado tem, representado pelo órgão de acusação, é que a vítima seja atendida e ressarcida, que haja sentimento de justiça social, e que o autor do fato, dentro da lei, seja punido ou faça uma composição penal com o MP”, disse. Para a subprocuradora-geral da República Luiza Frischeisen, a decisão vai ao encontro de todos esforços que estão sendo feitos no âmbito da chamada “justiça restaurativa”, que envolve um acordo entre vítima e o criminoso, com a participação do Ministério Público e da comunidade. A procuradora Zani Cajueiro argumenta na mesma linha. “A justiça restaurativa é um processo de conscientização, por isso acordos são importantes. Oportunidade de autoridades dialogarem com a sociedade e resolver os problemas locais de forma célere. Justiça tardia é injustiça.” Em seu despacho, o ministro do STF afirmou que é necessário respeitar os limites estabelecidos pela Constituição e a expressa atribuição ao Congresso para deliberar sobre a destinação das receitas públicas.

*”Penas brandas encorajam criminosos da internet”* - Há no Brasil casos de condenação judicial de crackers envolvidos em fraudes financeiras via internet bankings

*”Empresas enfrentam novos riscos com ‘ativismo’ em rede social”* - Ação de investidor pessoa física traz volatilidade e descola preços de fundamentos

*”‘Copom irá retirar a parte ampla da acomodação’”* - Para o ex-BC Paulo Vieira da Cunha, questão hoje é como resolver a necessidade de manter algum tipo de auxílio emergencial e, ao mesmo tempo, fazer um ajuste nas contas

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