Estou no Intercept desde sua fundação, em 2016, e durante todo esse tempo me dedico a denunciar um absurdo de alcance internacional. Trata-se de algo que acontece há décadas e parece não chamar atenção: a Taurus, maior fabricante brasileira de armas, é responsável por falhas mecânicas que causam dezenas de vítimas — várias fatais — no Brasil e no exterior.
Você até pode pensar: "o que eu tenho com isso? Eu não tenho armas nem quero ter!". O problema é que a Taurus é a fornecedora oficial de nossas polícias. Tá no trânsito e parou do lado de uma viatura? Ali tem uma arma Taurus. Sua casa foi assaltada e você chamou a polícia? Lá vai a PM com uma Taurus. Foi abordado numa blitz? Pode ser sua última vez. Isso aconteceu em São Paulo, onde um PM matou um homem durante abordagem. Ele processou a empresa e alega que sua arma disparou sozinha.
Muitas das armas fabricadas pela Taurus têm defeitos graves, do nível: disparam sem puxar o gatilho. Disso, muita gente até já sabia. Agora conseguimos provas. Na semana passada revelei que a empresa alterou a fabricação de armamentos sem informar ao Exército, que é responsável pela regulação e pela fiscalização do setor. Documentos que obtive com exclusividade mostram o Ministério Público afirmando que a Taurus modificou armas "sorrateiramente" e que isso resultou em acidentes e mortes.
A Taurus se protege dessas denúncias com um lobby muito forte e o apoio da bancada da bala no Congresso. Nos EUA, 955 mil pessoas moveram um processo coletivo contra a fabricante, que precisou tirar nove modelos de arma do catálogo. Aqui, o MPF em Sergipe também pediu que algumas armas saiam de circulação, mas o processo se arrasta há anos. Enquanto isso, a Taurus recebeu multas-pizza de irrisórios R$ 12,5 mil, valor insano considerando os danos causados. Tudo isso foi denunciado pelo Intercept em diversas matérias ao longo dos últimos quatro anos.
Sou especializada na cobertura de segurança pública e criminalidade. Os temas que me interessam mexem com gente grande como a Taurus ou com gente bem perigosa como organizações criminosas. Minhas investigações com frequência resultam em processos, ameaças e levam muito tempo para dar frutos. Você não faz isso sem liberdade editorial, independência, coragem, bons advogados e paciência. Para a minha sorte e dos nossos leitores, o TIB garante essas condições.
É por isso que eu costumava brincar, lá na nossa fundação, dizendo que queremos ser processados. Até fizemos uma aposta: quem seria o primeiro? Eu ganhei a aposta, levando o primeiro processo. Em alguns casos, ele pode ser um bom indicativo de que estamos no caminho certo. Atualmente, por exemplo, estou respondendo a um processo movido por um tenente-coronel da PM de Goiás, que ficou incomodado com uma matéria de 2017 em que listei as acusações do Ministério Público contra ele. Por que ações assim não me causam medo? Ora, porque nosso trabalho é destemido, mas muito cauteloso. Confio no que fazemos e na importância disso.
Fazer um jornalismo que não tem medo da Taurus e de tomar processo não é simples — e por isso você não vai achar igual por aí. Dar nome aos bois não dá lucro (e o jornalismo empresarial vive disso), nem sempre gera cliques e sai bem caro. O Intercept não trabalha para obter cliques, não existe para gerar lucro e não economiza ao contar as histórias que precisam ser contadas, nem ao dar suporte a seus jornalistas e protegê-los.
Essa independência não tem preço. É muito valiosa e não é fácil de conquistar, porque ela é resultado da união de milhares de pessoas. A todos que nos acompanham e ajudam, obrigada por me permitir investigar empresas como a Taurus e por me proteger dos processos que resultam disso.
Mas essa independência hoje corre perigo e é por isso que peço muito que você preste atenção no que vou dizer. Nossa campanha de doação caiu demais nos últimos dois meses e nossos planos para 2021 estão em risco. Sei que a crise econômica é avassaladora e é por isso que quero te fazer uma pergunta: você tem condição de nos ajudar com uma doação? Mais do que nunca, aqueles que ainda podem se juntar a nós precisam fazê-lo para todos tenham acesso ao jornalismo independente e que não dá descanso para empresas, governos e a extrema direita.
Um abraço,
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